4.3.11

Dissidência

Por João Paulo Guerra

O QUE VALE nesta democracia esquemática - isto é, que vive de e para os esquemas - é que em cada perversa máquina partidária há ainda alguém que pensa pela própria cabeça, isto é, pensa contra a corrente das conveniências e dos interesses imediatos, e consequentemente ergue a voz. Por exemplo, no PSD, o deputado José Pacheco Pereira está contra o insaciável e inadiável apetite de dirigentes do partido pelo exercício do poder. Tanto mais, segundo o ilustrado deputado do PSD, quanto o seu partido, "quer queira, quer não", tem "um contrato implícito com o governo": permitiu a passagem do Orçamento e aprovou os PEC I e II.

Assim sendo, Pacheco Pereira percebe, mas não aceita, que no PSD haja quem proponha eleições já. Porquê? Ora, por várias razões, entre as quais não é de somenos importância a ambição dos que "já estão a distribuir cargos de ministros e secretários de Estado", bem como dos que "querem de novo a dança dos deputados".

Esta pressa súbita de sectores dirigentes e influentes no PSD pode ter a ver com o facto singelo de o PS, apesar de todos os pesares, ter voltado a subir nas sondagens. Seja como for, há tantos argumentos a favor como contra as eleições já. O mais original é certamente o de Luís Filipe Menezes, fugaz líder do PSD, que defende eleições para "refrescar a democracia". Ora isto abre uma nova linha de argumentação que poderá incluir propósitos como "pôr a democracia de molho" ou "pôr a democracia a secar".

É saudável que haja quem fale ao arrepio do discurso dos que, "com os ventos a favor", andam "mortinhos por ir para eleições". Resta saber se, para além de saudável, o discurso da dissidência tem mais algum sentido nesta espécie de democracia. Ou se é apenas uma flor na lapela do pensamento único e formatado.
«DE» de 4 Mar 11

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