4.6.11

O fígado artificial

Por Antunes Ferreira

EM PERÍODO dito «de reflexão», abordo e com muito prazer um caso que me parece exemplar e me obriga a dizer que continua a haver Portugueses excelentes, o que significa que são as muitas excepções que ainda nos conseguem alegrar Tenho dito e repetido que nós, na generalidade, não prestamos. E sublinho o nós, pois eu sou tão luso como todos os outros. Mas que também temos generosas e bastantes excepções a confirmar essa regra.

Não sei se já aqui o fiz, mas a idade não perdoa, e peço desculpa de me repetir, se é que o estou a fazer. Só na actualidade e vivos – se regredisse a outros tempos históricos nem uma lista telefónica chegaria – desde Siza Vieira até o casal Damásio, desde Paula Rego até o José Mourinho, desde Souto Moura até Carlos Lopes, desde Nuno Crato até Eunice Muñoz, desde Sobrinho Simões até Rui Nabeiro, desde Lídia Jorge até Rosa Mota, é uma plêiade de que apenas registo estes poucos nomes. Sem desprimor nos restantes.

Se me permitem (e mesmo que o não façam…), acrescento a esse felizmente enorme rol um novo nome. Falo de Pedro Baptista, o jovem cientista Português que criou o primeiro fígado em laboratório. E que está a dar os primeiros passos para conseguir transplantá-lo; nos últimos meses já ultrapassou um dos principais obstáculos nesse caminho interessantíssimo: a expansão do número de células in vitro.

Pedro Baptista, de 33 anos de idade, lidera uma equipa no Wake Forest Institute for Regenerative Medicine, nos EUA, que desenvolveu o primeiro fígado em laboratório, por enquanto um órgão ainda pequeno e para investigação. Ontem deu uma conferência no Estoril sobre o assunto. E em declarações à Agência Lusa, mostrou-se muito satisfeito com os progressos que a investigação registou este ano, estando já a começar o processo de transplante em ratos. «O número de células humanas que temos disponível é reduzido. Estamos a expandir células in vitro para a quantidade monstra que é necessária para os homens»", afirmou.

Fiquei seduzido pelas afirmações de Pedro Baptista. E por isso não resisto a transcrever umas quantas mais que maior impacto me causaram. Por enquanto a experiência é feita com um fígado pequenino, mas se tudo continuar a correr bem, em breve os investigadores pensam começar a fazer testes com fígados para transplante humano.

O cientista explicou o que significa «se tudo correr bem» para os investigadores; é ultrapassar aquelas que considera ser as duas grandes barreiras: a expansão do número de células em laboratório e assegurar que o sangue não coagula quando o fígado for ligado ao sistema circulatório. Simples, não é?...

E acrescentou que se trata de retirar as células ao fígado, resultando daí aquilo que os cientistas chamam «esqueleto do fígado». Esse bio-material é então semeado com células humanas, um processo rápido que se faz em três ou quatro dias. E depois da sementeira no esqueleto do fígado, é preciso dar-lhes tempo «para ali se dividirem e amadurecerem», o que deverá demorar entre duas e três semanas.

Este será então o tempo total de criação de fígados artificiais para transplante humano, uma descoberta que se for bem sucedida tem inúmeras vantagens sobre os transplantes que são feitos hoje em dia, cujo principal problema é a rejeição pelo corpo que os recebe. Mas, ainda segundo ele, esta dificuldade não se porá, uma vez que o processo em investigação visa precisamente fabricar fígados imuno-compatíveis.

O cientista previu ainda que, face ao ritmo das investigações, dentro de cinco a dez anos será possível fazer estes transplantes. E enfatizou que é um «horizonte temporal alargado, para não dar falsas esperanças a quem precisa desse órgão".

Dou por mim a perguntar-me até onde a ciência, a técnica, a tecnologia e coisas dessas irão chegar. Júlio Verne foi considerado na sua época um utópico visionário; Galileu (depois de Copérnico), ao ser obrigado pela «Santa» Inquisição a retratar-se quanto ao movimento da Terra em volta do Sol, terá comentado e pur si muove! Penso que em aparte em voz baixa, que a fogueira era um fim quente.

Quando Christian Barnard, no Hospital Groote Schuur na Cidade do Cabo, fez a primeira transplantação do coração, mais precisamente no dia 3 de Dezembro de 1967, abriu uma porta no desconhecido da cirurgia, como sempre acontece com as grandes descobertas do homem em quaisquer matérias – e ficou na História. Pedro Baptista é bem capaz de também vir a fazer parte dela. Como o Povo diz, é homem para isso. E Português.

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3 Comments:

Blogger Maria Vitória Martins said...

Quando se diz bem dos portugueses ninguém comenta. Se fosse para dizer mal, caíam cá todos!

Concordo consigo, querido Henrique.

4 de junho de 2011 às 16:44  
Blogger Xico said...

Ainda bem q refere o nosso investigador. Para além da vertente médica poderá também ser útil na cura de outros maus fígados. Vamos ver o q resulta de amanhã.

4 de junho de 2011 às 17:10  
Blogger Valdemar Possidónio said...

Já disse ao Dr. Henrique Antunes Ferreira que escolheu muito bem o tema e portanto dei-lhe os parabéns.

O comentário do Senhor Xico parece-me pertinente.

4 de junho de 2011 às 21:59  

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