22.9.11

Ruminando a frase de Cavaco

Por Ferreira Fernandes

DA GRACIOSA, um olhar de Cavaco Silva: "Ontem, eu reparava no sorriso das vacas, estavam satisfeitíssimas olhando para o pasto que começava a ficar verdejante."
O Presidente diz coisas de forma simples mas de que se podem tirar diversas lições, às vezes até opostas. Ele sabe que as vacas não sorriem. As vacas, não, mas há uma que sim: La Vache Qui Rit. E foi essa, talvez, a mensagem que Cavaco nos mandou da Graciosa.
Infelizmente, mais uma vez, ele foi enigmático. Quis a frase pastoral dar-nos uma luz ao fundo do túnel?
Lembrem-se das imagens do célebre queijo fundido: na embalagem redonda, uma vaca ri com, pendurada nas duas orelhas, a sua própria imagem rindo. Uma vaca ri e ela própria reproduz imagens infinitas de vacas rindo...
Eis a mensagem: Cavaco diz que cada português voluntarioso poderá incitar mais e mais portugueses a defrontar a crise com optimismo. Infelizmente o jeito de falar do Presidente também dá para outras interpretações. Aquela técnica de La Vache Qui Rit foi chamada de mise en abyme por André Gide (com Cavaco estamos sempre a tropeçar em referências cultas). Gide referia-se aos contos que contavam outros contos, o que na pintura é um quadro que reproduz uma cópia menor do próprio quadro.
Ora o nome mise en abyme, cair no abismo, foi justamente dado pela vertigem causada por se ver a repetição das imagens.
Abismo? Será que Cavaco nos quis anunciar alguma coisa má?
«DN» de 22 Set 11

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4 Comments:

Blogger JARRA said...

O Ferreira Fernandes que é um digníssimo e dotado jornalista fez muito bem de Pitonisa do senhor presidente.
Mas a verdade é que ele achou mesmo ver as vacas a rir e enterneceu-se na sua simplicidade.
O Prof cavaco é o nosso Mr. Chance (personagem interpretada por Peter Sellers) como há quase uma ano desenvolvi aqui -
http://jarrapensativa.blogspot.com/2011/01/mr-chance-nao-convence.html -
ideia que curiosamente António Guerreiro em recente crónica do Expresso retoma.
É um simples e vive na paz dos da sua espécie!
Foi por julgarmos tanto tempo, que quando diziam banalidades estavam a ter pensamentos elevados, que os deixamos lá estar este tempo todo ... Deixemos de ter ilusões pois, que a vida está difícil!

22 de setembro de 2011 às 16:47  
Blogger JARRA said...

"Sempre que penso em Cavaco aparece na minha cabeça o jardineiro (Mr. Chance), interpretado por Peter Sellers num filme de Hall Ashby (Being There, 1979).
Para quem não viu ou já não se recorda, Chance era o jardineiro de uma personalidade importante de Wasghinton D.C., que vivia confinado à sua mansão e só mantinha conhecimento da realidade através da televisão. Após a morte do seu patrão, sai para o mundo com um vestuário formal e clássico, o que a par com uma perspectiva original da realidade, acaba por lhe dar acesso ao convívio com um influente analista político e consultor do Presidente.
Referindo-se à realidade sempre com metáforas sobre a Natureza e a jardinagem, os seus comentários são entendidos como verdadeiros oráculos sobre a vida política e consegue grande notoriedade na Comunicação Social.
Com a morte do seu protetor (Ben Rand), é indigitado como Conselheiro Presidencial, apesar de nunca ter sido senão um modesto jardineiro e de as suas considerações sobre botânica, não serem mais do que apenas isso.
Pensarão muitos - a maioria - que não estou a ser justo com Cavaco e mesmo insultuoso. A verdade é que desde o seu aparecimento na Figueira da Foz a fazer a rodagem do Citroen, trazendo na bagagem uma discreta passagem por uma secretaria de Estado, nunca lhe reconheci uma ideia de génio ou um desígnio para o País.
Estou mesmo em crer que foi ele o grande iniciador da trajetória coletiva para o abismo em que agora nos encontramos.
Apesar de ter sido com ele que a máquina estadual mais cresceu e se burocratizou, apareceu mais tarde a denunciar o Monstro, nuns termos que não desmerecem Chance, porque se ficou pela parangona, nunca concretizando medidas, talvez porque tivesse que denunciar a sua própria governação (lembram-se por exemplo de "um politécnico em cada capital de Distrito" - que agora temos de sustentar!).
Depois veio a parábola da "má moeda" que precisava de ser destronada pela boa, em termos próximos aos que Chance falaria da floração das orquídeas, e que foi logo profusamente interpretada por uma legião de Pitonisas.
Houve depois um início de mandato presidencial, em que apareceu colaborante com o Governo e a cantar Ossanas ao futuro radioso, quando sabemos agora sem sombra para dúvidas, que estávamos em Plano Inclinado para o desastre - e nunca lhe ouvimos um alerta do género "não se esqueçam que quanto mais exuberante é a floração, mais horríveis parecerão as pétalas murchas"!
Tivemos depois à prova a sua capacidade de intriga política, no célebre episódio do Verão de 2009, com chefe de casa civil envolvido, num enredo amador, de opereta de bairro.
Génio, visão de estado, não lhe reconheço pois."
Outubro de 2010, mas cda vez mais actual

22 de setembro de 2011 às 17:08  
Blogger c.eliseu said...

Nada de mais. O nosso Presidente Cavaco e Silva já uma vez realçou o prazer que teve em ver as vacas a dirigirem-se pacificamente para uma ordenha. São simples gostos.

23 de setembro de 2011 às 00:42  
Blogger Bartolomeu said...

A minha opinião coincide em muitos pontos com a do comentador JARRA.
Em tempo também estabeleci a analogia da personagem Cavaco, com a de Chance... com imenso benefício para a de Chance, na medida em que as suas metáforas (no filme) geravam boas influências.
Discordo, quando classifica Cavaco de "simples". Na minha observação, Cavaco não tem nada de simples, mas sim, de arrogante e prepotente, mesmo que nunca tivesse proferido a célebre frase; que nunca se engana e raramente tem dúvidas.
Aquilo que tem assistido a Cavaco desde que se tornou figura política, têm sido conjunturas muito favoráveis, nas quais, qualquer jardineiro, por muito enganado que fosse, por muitas incertezas que tivesse, faria sempre um brilharete.
Neste país de cegos...

23 de setembro de 2011 às 08:15  

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