Um herói do nosso tempo
(Publicado no «Expresso» em 18 Outubro 1997)
Por Alfredo Barroso
ESTOU A VÊ-LO em cuecas, sempre grotesco e rasca, na primeira página do «Tal & Qual». Ou de copo de «whisky» na mão, a rir-se, no meio da sua trupe carnavalesca. Ou, ainda, vestido de palhaço, a fazer um manguito com o dedinho espetado para cima e a proclamar, muito ufano: «Quero que se foda a Assembleia da República! Já disse que me estou cagando para Lisboa! O País não se revê em Lisboa, naqueles parvalhões que andam por lá e têm a mania que mandam nisto tudo!». São imagens e palavras do presidente do Governo Regional da Madeira. É o retrato a corpo inteiro de Alberto João, o homem. No seu melhor. É o perfil de um vero herói do nosso tempo.
Cito o ministro das Finanças, professor Sousa Franco: «Mesmo as obras colectivas têm os seus heróis. Ninguém hesitará em identificar como tais, com os seus defeitos e virtudes, João Bosco Mota Amaral, nos Açores, e Alberto João Jardim, na Madeira». Foi escrito no «Público» de terça-feira passada, dia 14 de Outubro. No mesmo dia em que, no semanário «O Diabo», Alberto João, o homem, agora também promovido à categoria de «herói», desancava «o polvo que vai tomando conta de Portugal», o «actual polvo socialista que ocupa quase todo o País», denunciando a «máquina de propaganda do polvo», a «propaganda plutocrato-socialista», e alertando para o «nojo em que tudo isto se vai transformando». Nem mais, nem menos.
Será que estamos perante mais um caso de puro masoquismo político? Será que, nas relações entre o Governo da República e o Governo Regional da Madeira, também se aplica o ditado popular segundo o qual «quanto mais me bates mais gosto de ti»? O que eu (porventura «ninguém») posso dizer é que, com «heróis» do jaez de Alberto João, o homem, vou ali e já venho.
O doutor António de Sousa Franco é, incontestavelmente, um professor muito competente e um reputado especialista em Finanças Públicas. A ele se deve, sem dúvida alguma, significativa parte do êxito da política de «rigor» orçamental deste Governo. Tem, ainda por cima, a preocupação de explicar, pelo seu próprio punho, as razões, os mecanismos e as consequências das suas decisões mais importantes. Independentemente dos méritos ou deméritos da tese que defende, o texto sobre «Finanças regionais - Novo rumo, vida nova», dado à estampa no «Público», é um modelo de clareza e coerência que se aplaude e que outros ministros deveriam porventura cultivar. Mas a verdade é que no melhor pano cai a nódoa e que só por razões que terão a ver com o calendário político e eleitoral se compreenderá que o ministro das Finanças não tenha resistido à tentação do elogio ditirâmbico, erigindo Mota Amaral (o que ainda é o menos) e Alberto João Jardim (o que é um escândalo) em heróis do nosso tempo. Francamente, não havia «nexexidade».
O que fundamentalmente me preocupa - e julgo que preocupa muito mais gente neste País - é que o método político da ameaça, da chantagem e do ultimato, associado a constantes palhaçadas e aos insultos mais soezes e desbragados, não só tenha total vencimento, como, ainda por cima, seja objecto dos mais rasgados elogios. Num país à beira de eleições autárquicas e, sobretudo, à beira de um referendo sobre a regionalização do Continente, o sinal emitido por Sousa Franco, ao avalizar o comportamento político, considerado «heróico», de Alberto João, o homem, é deveras preocupante.
Dizia um grande escritor francês, Romain Rolland, que «um herói é aquele que faz o que pode. Os outros não o fazem». Alberto João, o homem, faz seguramente o que pode, mas também o que não pode e o que não deve. Talvez por isso até mereça ser considerado um super-herói. Já outro grande escritor do nosso tempo, o italiano Primo Levi, dizia que «uma grande lição da vida é a de que os imbecis têm por vezes razão. Mas é preciso não abusar dela. Chama-se demagogia à arte de abusar dela». Alberto João, o homem, não tem feito outra coisa ao longo da sua já bem vasta carreira política.
A complacência com que a generalidade da classe política portuguesa - e não apenas a actual - tem aturado, ao longo de quase duas décadas, as atitudes grotescas, os comportamentos grosseiros e as palhaçadas políticas do doutor Alberto João Jardim, acaba por ter agora, como perigosíssima consequência, a institucionalização de um modelo de herói do nosso tempo, que pode e deve ser seguido como exemplo por esse país fora. Em cuecas.
ESTOU A VÊ-LO em cuecas, sempre grotesco e rasca, na primeira página do «Tal & Qual». Ou de copo de «whisky» na mão, a rir-se, no meio da sua trupe carnavalesca. Ou, ainda, vestido de palhaço, a fazer um manguito com o dedinho espetado para cima e a proclamar, muito ufano: «Quero que se foda a Assembleia da República! Já disse que me estou cagando para Lisboa! O País não se revê em Lisboa, naqueles parvalhões que andam por lá e têm a mania que mandam nisto tudo!». São imagens e palavras do presidente do Governo Regional da Madeira. É o retrato a corpo inteiro de Alberto João, o homem. No seu melhor. É o perfil de um vero herói do nosso tempo.
Cito o ministro das Finanças, professor Sousa Franco: «Mesmo as obras colectivas têm os seus heróis. Ninguém hesitará em identificar como tais, com os seus defeitos e virtudes, João Bosco Mota Amaral, nos Açores, e Alberto João Jardim, na Madeira». Foi escrito no «Público» de terça-feira passada, dia 14 de Outubro. No mesmo dia em que, no semanário «O Diabo», Alberto João, o homem, agora também promovido à categoria de «herói», desancava «o polvo que vai tomando conta de Portugal», o «actual polvo socialista que ocupa quase todo o País», denunciando a «máquina de propaganda do polvo», a «propaganda plutocrato-socialista», e alertando para o «nojo em que tudo isto se vai transformando». Nem mais, nem menos.
Será que estamos perante mais um caso de puro masoquismo político? Será que, nas relações entre o Governo da República e o Governo Regional da Madeira, também se aplica o ditado popular segundo o qual «quanto mais me bates mais gosto de ti»? O que eu (porventura «ninguém») posso dizer é que, com «heróis» do jaez de Alberto João, o homem, vou ali e já venho.
O doutor António de Sousa Franco é, incontestavelmente, um professor muito competente e um reputado especialista em Finanças Públicas. A ele se deve, sem dúvida alguma, significativa parte do êxito da política de «rigor» orçamental deste Governo. Tem, ainda por cima, a preocupação de explicar, pelo seu próprio punho, as razões, os mecanismos e as consequências das suas decisões mais importantes. Independentemente dos méritos ou deméritos da tese que defende, o texto sobre «Finanças regionais - Novo rumo, vida nova», dado à estampa no «Público», é um modelo de clareza e coerência que se aplaude e que outros ministros deveriam porventura cultivar. Mas a verdade é que no melhor pano cai a nódoa e que só por razões que terão a ver com o calendário político e eleitoral se compreenderá que o ministro das Finanças não tenha resistido à tentação do elogio ditirâmbico, erigindo Mota Amaral (o que ainda é o menos) e Alberto João Jardim (o que é um escândalo) em heróis do nosso tempo. Francamente, não havia «nexexidade».
O que fundamentalmente me preocupa - e julgo que preocupa muito mais gente neste País - é que o método político da ameaça, da chantagem e do ultimato, associado a constantes palhaçadas e aos insultos mais soezes e desbragados, não só tenha total vencimento, como, ainda por cima, seja objecto dos mais rasgados elogios. Num país à beira de eleições autárquicas e, sobretudo, à beira de um referendo sobre a regionalização do Continente, o sinal emitido por Sousa Franco, ao avalizar o comportamento político, considerado «heróico», de Alberto João, o homem, é deveras preocupante.
Dizia um grande escritor francês, Romain Rolland, que «um herói é aquele que faz o que pode. Os outros não o fazem». Alberto João, o homem, faz seguramente o que pode, mas também o que não pode e o que não deve. Talvez por isso até mereça ser considerado um super-herói. Já outro grande escritor do nosso tempo, o italiano Primo Levi, dizia que «uma grande lição da vida é a de que os imbecis têm por vezes razão. Mas é preciso não abusar dela. Chama-se demagogia à arte de abusar dela». Alberto João, o homem, não tem feito outra coisa ao longo da sua já bem vasta carreira política.
A complacência com que a generalidade da classe política portuguesa - e não apenas a actual - tem aturado, ao longo de quase duas décadas, as atitudes grotescas, os comportamentos grosseiros e as palhaçadas políticas do doutor Alberto João Jardim, acaba por ter agora, como perigosíssima consequência, a institucionalização de um modelo de herói do nosso tempo, que pode e deve ser seguido como exemplo por esse país fora. Em cuecas.
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1 Comments:
Foi o complexo de colonizado que o que levou aos excessos.
A memória dos abusos colonialistas não se apaga da memória daqueles da faixa etária de Alberto João.
Principalmente da escala sexual dos paquetes que seguiam para as colonias que era bordadeiras no Funchal e bonecas nas Canárias.
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