18.4.12

A igreja e o protesto

Por Baptista-Bastos

A DESAGREGAÇÃO da democracia portuguesa está em marcha, e não me parece que haja grande sobressalto cívico. Cada vez ficamos mais pobres, e não só na razão da subsistência. Os intelectuais abandonaram a força propulsora que os distinguiu e caracterizou como referência moral, cedendo a uma série de intermediações que os bajula, e afasta do seu papel fundamental.

A Igreja Católica (talvez alertada por perder prosélitos) dá tímidos sinais de que esta política conduz a uma forma cruel de desapropriação e cria formas assustadoras de dependência. Uma carta da pastoral do Ensino ao ministro Nuno Crato (ex-militante da extrema-esquerda, fascinado pelas sereias do "mercado") adverte que, por este caminho, só os filhos dos ricos poderão aceder aos estudos universitários. Entretanto, por dificuldades de toda a ordem, seis mil alunos do Superior abandonaram as aulas.

O Governo de Passos Coelho, em dez meses, criou a desmesura obscena de uma desigualdade a qual não passa de derivação perversa de outra, das muitas expressões do fascismo. Não tenhamos medo das palavras. A democracia de superfície, ou a deformação do próprio conceito, tornou-se numa banalidade que não vejo analisada pelos historiadores e sociólogos portugueses.

A inocência corrompida da Igreja, sacudida pela necessidade de cuidar das coisas terrenas, resultou, por tardia, no abandono de milhões dos seus crentes. A especificidade contemporânea do mal alastrou-se com o advento do neoliberalismo e na transformação do trabalhador num mero objecto destinado a obter o rendimento máximo. Frequentemente, a Igreja cedeu a vez e calou a voz, sem qualquer outra consideração que não fosse a "defesa do sagrado", em detrimento do factor humano. Este documento agora dirigido ao ministro Crato surge depois de protestos de professores, de pais e de responsáveis de educação terem expresso um generalizado descontentamento.

Não se trata de paradoxos éticos do "mercado." O que nos está a atingir, a sufocar e a empobrecer é um programa ideológico muito bem pensado e organizado, que tem conseguido fascinar as suas próprias vítimas. Quando o prof. Medina Carreira chama a atenção pela qualidade da manipulação a que somos submetidos, consideram-no "catastrofista"; mas a verdade é que ele se tornou praticamente no único a desmontar a armadilha montada contra nós.

Não se pense que Pedro Passos Coelho e alguns dos seus não sabem o que estão a fazer. Sabem e fazem-no, graças à violência simbólica que nos inculcaram de que não existe alternativa, e à passividade doentia com que tudo admitimos. Nesta conversa envenenada também vai António José Seguro, cujas cedências ao projecto denotam falta de convicções, carência de estudo e ausência de antagonismo. Parafraseando o dito de uma antiga telenovela: "Que mais nos vai acontecer?"
«DN» de 18 Abr 12

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