Para lá do arco-íris
Por Baptista-Bastos
DOBRO os olhos para antigamente, há trinta e oito anos, ontem, e não me
reconheço nem àqueles rostos luminosos, a esperança à solta, o mundo e a
vida tinham as nossas idades. Nada nos prende àquilo; tudo nos prende
àquilo. Somos nós e não o somos. "Acabou a tua festa, pá!", cantou o
Chico Buarque. Sobrou alguma coisa? Sobraram estes rostos desencantados,
esta esperança cheia de ausências, este mundo velho e tonto. Mas ainda
estamos aqui. Para o que der e vier.
As coisas não correram muito
bem. As nossas ambições iam para lá do arco-íris. E pensávamos ter
conquistado as extensões exemplares da felicidade ininterrupta. Não
porque a Providência tivesse partilhado com todos o dom do sonho, mas
porque assim pensávamos. A nossa exultação comprometia toda a gente? Nem
toda; nós julgávamos que sim. Avaliámos mal a importância da alegria
sentida, e talvez por isso o despertar e as consequências desse
despertar tivessem a configuração de um pesadelo. Mas não sejas parco a
pedir: tenta, sempre e sempre, atingir o inatingível.
Pessoalmente,
embora magoado e ferido, nunca deixei de acreditar que a História
caminha no sentido da libertação do homem, e que a esperança é capaz de
ter sempre razão. A esperança não como uma questão de fé, sim como
fisionomia da paixão. A esperança como uma ideologia, não como um dogma.
Há dias ouvi, rtp-1, o prof. João Lobo Antunes, num admirável
diálogo com o bispo do Porto, comentar que os assassinos da esperança
deveriam ser punidos. A esperança é a consciência de que as coisas estão
ao nosso alcance; basta querermo-las, mas é preciso quere-las. Talvez,
digo eu, esses assassinos tenham cometido o pior de todos os pecados: a
degradação do eterno no que o eterno possui de mais temporal e de mais
humano.
Claro que não nos reconhecemos naqueles rostos, então
luminosos. Porém, a nossa alma, essa, ainda está lá, nesse vácuo e nesse
resumo. E onde está a alma desta gente que nos governa e que nada a
demove, desconhecedora da singularidade de cada qual, penetrada pelo
mito da perenidade e pela imutabilidade das suas próprias decisões -
onde está? Não perderam a grandeza: nunca a tiveram.
Há trinta e
oito anos que me esperava, que nos esperava? As horas loucas de meses
proliferantes; uma verdade que deixara de nos ser negada. Durou pouco;
todavia, não fomos derrotados, nem estes que tais são vencedores:
transeuntes, somente transeuntes. Éramos os protagonistas de uma
história à altura do homem, e o homem dispunha de uma densidade criadora
revalorizada a cada instante, em cada protesto, em cada acto. O nosso
estado actual, acaso triste e até nefasto, é interregno para outra etapa
do movimento. Já o escrevi. Repito-o: não há conquista sem luta nem
luta sem sofrimento. Muitas vezes, um simples sinal, modesto, escasso
vale uma vida.
E aqui estamos.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.«DN» de 25 Abr 12
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