Soares com fogo ao peito
MÁRIO Soares não vai estar hoje no Parlamento. É atitude errada e é
atitude bonita. Esta parece-me a mais importante. Aos 87 anos dizer "sei
que não vou por aí" - mesmo, como dizia José Régio dois versos antes,
manifestamente estando também no "não sei por onde vou/ não sei para
onde vou" - vale mais do que as baratas encolhidas e assustadas em que
nos tornamos todos.
O susto sendo geral, haja um velho, grande e
respeitável que diga qualquer coisa, seja até um simples "não". Soares
não o diz para fazer prova de vida, não precisa, ele diz porque é
daqueles (a história pessoal convenceu-o disso) que sabem que há
momentos em que, mesmo sem soluções, o gesto é preferível à modorra e a
palavra ao calar.
Sendo este ano tão triste e cinzento, Mário Soares
decidiu não ir às comemorações oficiais e pôr um sinal de fogo ao peito
para fazer contraste com o pano de fundo de cravos murchos à lapela.
Bonito, disse-o lá atrás, e repito. Mas (e esta adversativa é menor do
que o meu aplauso) a atitude de Soares é errada.
O "não" de Soares, por
si só, é fulgurante. O problema é com quem ele não vai por aí...
Encostado à Associação 25 de Abril (ele justificou a não ida ao
Parlamento por solidariedade com ela), Soares fica misturado com as
tolices dos passadores de certificados de democracia em que alguns
velhos capitães se tornaram. O que é infeliz porque o contributo maior
que Soares nos deu foi ter tornado de todos o 25 de Abril.
«DN» de 25 Abr 12 Etiquetas: autor convidado, F.F
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