20.1.08

Desfolhar o malmequer

Por Nuno Brederode Santos
UM DIA, OS ERROS DE MARQUES MENDES encontraram meia dúzia das suas vítimas internas. Juntos, agregaram grande parte dos autarcas e dos homens do aparelho. A todos movia o desespero de mais de dois anos fora do Governo e a pulsão comum do "assim não vamos lá", com os olhos postos em 2009.
Sentida como um corrupio vertiginoso, esta vida tem, de facto, o seu melindre. Basta um ápice contemplativo ou uma atitude mais desfrutadora: o jovem, ao qual sobra o tempo e os dias escasseiam, faz-se o velho, ao qual sobram os dias e escasseia o tempo. Esta cultura da avidez em legítima defesa contra os desmandos da Criação, esta urgência de antecipar um destino que só o próprio se atribui, são como os mitos sorelianos: não esperam um chefe, produzem-no. E aquela improvável coligação produziu Luís Filipe Menezes.
Menezes é um autarca endividado e fazedor. Um social-democrata, é claro, mas que, em podendo, desmantelaria o Estado em seis meses. Um líder, mas que prefere declarar em directo que tem dúvidas sobre as declarações de Jardim (acerca da independência da Madeira) - que os concidadãos, dois minutos antes, viram em directo -, a assumir as suas responsabilidades nacionais para o enfrentar. Um homem que exibe a paixão por si mesmo, mas que gostaria de ter sido Churchill; e como este se lhe adiantou, por arbitrariedade cronológica do processo histórico, passou a resignar-se à presidência informal do clube de fãs de Sarkozy.
Mas o seu longo exílio em Gaia destreinou-o. Ou revelou o que até ao grito contra os "sulistas, elitistas e liberais" desconhecíamos. É que ele não é homem de rumos e destinos colectivos, mas de oportunidades e pequenas fintas para melhor sorte dos seus. É homem de aparelhos, não de chancelarias. O seu mapa-múndi é um GPS de taxista. Não é homem de poder, mas de panache. Por isso, esbanjou em meia dúzia de dias - para Santana, para Ribau, para Marco António, para Jardim - o poder que ele próprio conquistou, mas nem reconheceu. Para não ser populista, calou-se e desapareceu. Só dois meses de clandestinidade lhe transmitiram a suspeita de que já quase não era ele a mandar. E então, 180 graus, passou a falar todos os dias, num excesso ansioso que não augura nada de bom.
Menezes pode preocupar-se muito com a sua imagem, mas é o único líder partidário que complica deliberadamente o que diz. Fá-lo em nome da prudência, para poder mais facilmente desdizer-se. Mas não é importante desdizer o que, ao dizer, não se entendeu. Quando Gomes Ferreira lhe pergunta se é partidário da privatização de 49% do capital da Caixa, ele responde nem "sim", nem "não", mas que é melhor não excluir a possibilidade de se vir a ponderar isso. Claro que, como no boneco de Manuel Cajuda, pelos Gato Fedorento, instalada a hipérbole na boca, ela transmite-se à cabeça. O anúncio do agendamento "protestativo" tem tudo a ver com isso. Porque entre a potestade e o protesto vai meia vida, corre meio mundo.
Creio que isto não explica, mas relativiza o inaceitável. Primeiro caso. Três meses depois de eleito e perante um almocinho malévolo de Durão Barroso com umas dezenas de "amigos", a resposta de Menezes é, no mínimo, alucinada: se alguém quer vir a disputar o partido, ele convoca já outras directas. Já?, pensa o descorçoado eleitor. Bem consciente, de resto, de que tal almoço foi um snack de querubins, se comparado com o jantar algarvio de emboscada a Marques Mendes, durante a anterior campanha interna. Segundo caso. Perfilhando os critérios de Santana (que tão bom resultado deram no afastamento de Marcelo da televisão), Menezes exige ou "sugere" à comunicação social uma redistribuição igualitária de comentadores políticos "ortodoxos" e "heterodoxos" dos dois maiores partidos (com indicações concretas, como a do "secretário-geral do PSD"). Outra vez?, pensa o arrasado eleitor. Terceiro caso. Só a indicação do nome de Cadilhe para a Caixa permitiu instalar a ideia de que no confronto, dias depois, no BCP, o PSD recolhera 2%. Valeu a pena?, pergunta qualquer um.
Ou a bipolaridade política de Menezes o remete agora a outro (excessivo) silêncio ou muito irá mexer no PSD antes da formação das próximas listas para deputados.
«DN» de 20 de Janeiro de 2008

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