A minha prima vai casar
«A Liberdade guiando o Povo» - Delacroix
Por Alice Vieira
PERTENÇO AINDA ÀQUELA GERAÇÃO para quem a França não era um país como os outros. “A França”, repetia-me o meu tio Joaquim, “é a terra da cultura”.
A França era Joana d’Arc, os Luíses todos, Napoleão, De Gaulle, as bibicletas e as boinas da Resistência, “le temps des cerises” na voz de Montand, e as palavras de Aragon na voz de Monique Morelli, mas também Piaf, Gréco, Barbara, Aznavour, Bécaud, Ferre.
A França era Balzac, Proust, Gide, Valéry, Éluard.
A França era o país com mais portugueses depois de Portugal.
A França era o lugar que acolhia aqueles que a ditadura perseguia.
A França era Paris, o Arco do Triunfo, o cheiro dos castanheiros no Boulevard Saint Michel, a rua íngreme diante da Sorbonne onde eu vivi, os cadernos que eu comprava na Gibert Jeune e que nunca encontrei em mais lado nenhum, as velhas do Jardim do Luxemburgo, Maio de 68, Sartre, Beauvoir, a liberdade.
A França era Balzac, Proust, Gide, Valéry, Éluard.
A França era o país com mais portugueses depois de Portugal.
A França era o lugar que acolhia aqueles que a ditadura perseguia.
A França era Paris, o Arco do Triunfo, o cheiro dos castanheiros no Boulevard Saint Michel, a rua íngreme diante da Sorbonne onde eu vivi, os cadernos que eu comprava na Gibert Jeune e que nunca encontrei em mais lado nenhum, as velhas do Jardim do Luxemburgo, Maio de 68, Sartre, Beauvoir, a liberdade.
A França ainda foi, para o bem e para o mal, Mitterrand.
Depois tudo esmoreceu. As grandes causas diluíram-se, os grandes homens desapareceram, a terra da cultura é agora a Internet, e a França tornou-se num país como os outros.
E confesso que, para mim, a canção francesa e a literatura francesa também tinham parado mais ou menos por essa altura.
E confesso que, para mim, a canção francesa e a literatura francesa também tinham parado mais ou menos por essa altura.
Por isso quando, há cerca de quatro anos, eu trabalhava em Bordéus num projecto do departamento de Cultura e Educação, para refrescar um pouco a minha cultura pedi a dois amigos franceses que me dessem um CD daquilo que eles considerassem o melhor que então por lá havia.
Sem saberem um do outro, ambos me deixaram no colo o CD da Carla Bruni.
Olhei para a capa, ela estiraçada no chão sobre a guitarra a lembrar o seu passado recente de modelo, e não me convenci lá muito.
Mas quando cheguei a casa e pus o CD a tocar — pronto, confesso, durante muito tempo não ouvi outra coisa, e barafustei muito por ele ainda não se vender por cá (chegaria um ano depois!) e por ninguém acreditar em mim quando eu defendia a ex-modelo.
Porque ela não apenas canta (e já seria bom…) com aquela magnífica voz rouca de quem acabou neste preciso momento de sair da cama - como ainda por cima é ela quem escreve a música e as letras de todas as canções.
Olhei para a capa, ela estiraçada no chão sobre a guitarra a lembrar o seu passado recente de modelo, e não me convenci lá muito.
Mas quando cheguei a casa e pus o CD a tocar — pronto, confesso, durante muito tempo não ouvi outra coisa, e barafustei muito por ele ainda não se vender por cá (chegaria um ano depois!) e por ninguém acreditar em mim quando eu defendia a ex-modelo.
Porque ela não apenas canta (e já seria bom…) com aquela magnífica voz rouca de quem acabou neste preciso momento de sair da cama - como ainda por cima é ela quem escreve a música e as letras de todas as canções.
Desde esse momento, portanto, a Carla Bruni é da minha família.
Por isso, quando de repente a vejo romper das páginas de todos os jornais e revistas abraçada a Nicolas Sarkozy é assim como se, a bem dizer, o Presidente da França fosse casar (já terá casado?) com uma prima minha. E não tenho dúvida de que o Eliseu ficará muito mais animado se ela andar pelos corredores, agarrada à viola e a sussurrar “il faudrait que tout le monde réclame / auprés des autorités…” Antes essa do que a outra em que ela confessa adorar que lhe murmurem ao ouvido as três sílabas do nome de Raphael… Mas como Nicolas também tem três sílabas, pode ser que a cantiga consiga ser adaptada às circunstâncias. A minha prima é moça para isso e muito mais.
«JN» de 20 de Janeiro de 2008
Etiquetas: AV
3 Comments:
Não considero, de todo, que Carla Bruni seja o que de melhor há em França! Pronto, também tenho primas desse género, mas retiro-as do meu testamento quando "primam" pelo sensacionalismo e por mais um pseudo-casamento de fachada!
lembro-me, agora, de uma reportagem que se intitulava "Os segredos dos homens feios"! O Nicolas deve ter uma personalidade de ouro! ( pelo menos para 'uma' francesa! )
Franco-italiana, ao que julgo e, ao que leio, não se dará bem em dormir muitas noites seguidas na mesma cama. Será, ou são as más línguas?
FOI O MELHOR QUE OS DOIS FIZERAM
NA VIDA - NA CAMA.
QUANTO À POLÍTICA
ESPERO QUE SEJA - TAMBÉM -
UMA PASSAGEM
A FRANÇA MERECE MELHOR
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