22.1.08

O paradoxo do bolinho

Por Nuno Crato
QUANDO UM GRUPO CIVILIZADO DE AMIGOS partilha uns bolinhos de sobremesa, cada um vai tirando um e comendo-o, deixando delicadamente alguns para o comensal que segue. Mas se os bolinhos estiverem muito bons e o apetite for muito, chega o momento em que apenas resta um na travessa.
Delicadamente, um dos amigos corta o bolinho ao meio e tira metade. O segundo não se contém e tira metade de metade. O terceiro avança e tira metade do que sobra. E por aí adiante...
Se tivermos arrojo matemático, podemos imaginar um bolo ideal, infinitamente divisível, e um grupo de amigos com todo o tempo do mundo para continuar a comer metade da parte que resta. No fim dos tempos, será que ainda resta alguma coisa? Ou seja, será que 1/2 + 1/4 + 1/8 + ... é igual à unidade?
Não é difícil ver que a resposta é afirmativa, mas é mais fácil deduzi-lo subtraindo do que somando. Ou seja, é mais fácil ver que o que sobra tende para zero.
Nestas contas, a máquina de calcular é de pobre ajuda. Mas para se convencer dos limites da calculadora tente ainda outra conta. Veja se consegue saber para onde converge esta soma infinita: 1/2 + 1/3 + 1/4 + ...
Uma razoável calculadora programável, ao fim de somar cerca de cem milhões de parcelas fixa-se num valor perto de 18. Por melhor que seja o instrumento de cálculo numérico, a soma estabiliza sempre num valor finito, relativamente pequeno. No entanto, essa série não tem soma, cresce sem limite.
Veja se consegue agrupar os termos de forma a encontrar a expressão equivalente 1 + 1 + 1 + ... Obviamente, a soma não tem limite. Não pode parar em 18. Vá-se lá convencer a calculadora!
«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 19 de Janeiro de 2008

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2 Comments:

Blogger Jorge Oliveira said...

Se na série 1/2+1/3+1/4+1/5+1/6+1/7+1/8+….

substituir as fracções anteriores a cada uma das que tem no denominador uma potência de 2 (1/4, 1/8, 1/16…) por fracções iguais a essa, ou seja, substituo todos os denominadores que não sejam potências de 2, por denominadores iguais à potência de 2 que vem a seguir, obtenho uma série da forma :

1/2+1/4+1/4+1/8+1/8+1/8+1/8+1/16+1/16+…. +1/32+1/32…. +1/64+1/64+…

Esta soma é inferior à da série de partida, visto que estou a substituir denominadores da primeira série por denominadores que são maiores, logo, fracções de menor valor.

Fico assim com grupos de termos com o mesmo denominador. E cada grupo tem tantos termos quantos metade do denominador comum (o número de inteiros entre potências consecutivas de 2 é metade do valor da potência maior, ou, o que é o mesmo, igual à potência menor; por exemplo, entre 32 e 64 existem 32 inteiros, contando com o último).

Portanto, agrupando os termos com o mesmo denominador :

1/2+(1/4+1/4)+(1/8+1/8+1/8+1/8)+(1/16+1/16+…+1/16)+(1/32+1/32+…1/32)+…

obtem-se :

1/2+2/4+4/8+8/16+…

Ou ainda :

1/2+1/2+1/2+1/2+…

Agrupando 2 a 2 tem-se:

1+1+1+1+….

Esta série diverge claramente para infinito. Logo, a primeira, que tem uma soma superior, também diverge para infinito. QED

Se tivesse feito a substituição de denominadores recorrendo à potência de 2 anterior, obtinha logo 1+1+1+1+…mas não podia concluir nada, porque estava a substituir fracções da série de partida por fracções de valor superior e logo a soma da série de partida era inferior à obtida da nova forma. E inferior a infinito pode ser qualquer valor, incluindo o próprio infinito.

23 de janeiro de 2008 às 10:56  
Blogger Nuno Crato said...

Um obrigado ao Jorge Oliveira pela sua precisão, que tem toda a razão de ser, claro. Há uma imprecisão no meu texto com a palavra «equivalente». Deveria ter escrito «reagrupar os termos e encontrar expressão (inferior) equivalente a» ou explicado de outra maneira. Tentar meter o Rossio na rua da Betesga dá muitas vezes mau resultado.

23 de janeiro de 2008 às 11:57  

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