27.2.23

Saiu a fava ao Sporting

Por Antunes Ferreira

Os especialistas da “Bíblia” do futebol escreveram que nos oitavos de final da Taça da Europa League “saiu a fava” ao Sporting Clube de Portugal. A analogia parece ser consentânea com o tradicional bolo-rei nacional pois no sorteio saiu aos leões o Arsenal. Escreveu o diário desportivo:

!O Arsenal, atual líder da Premier League, será o adversário do Sporting nos oitavos de final da Liga Europa, ditou o sorteio realizado ao final da manhã desta sexta-feira em Nyon, na Suíça. Os leões jogam primeiro em Alvalade, a 9 de março, deslocando-se depois a Londres para defrontar os gunners na segunda mão no dia 16.”

Não é segredo, bem pelo contrário que sou sportinguista – algumas almas impiedosas mas talvez com alguma verdade chama-me masoquista… - pois os homens de Alvalade são verdadeiros colecionadores de desastres futebolísticos. São uma equipa que se pode chamar ioiô – tão depressa alcançam bons resultados numa semana como na seguinte averbam mais uma derrota.

Habitualmente não costumo escrever sobre práticas desportivas; mas neste caso, de bradar aos céus, vejo-me na triste realidade de comentar este fiasco para as bandas dos de Alvalade. Um sorteio é sempre aleatório e a sorte conta muito quando as bolinhas saem das urnas e dão os pares das equipas que vão jogar os oitavos e final duma taça que é considerada a parente pobre d Champions que, essa sim, dá prémios de presença milionários.

Ora bem se sabe que o futebol espectáculo passou a ser futebol negócio e para muitos clubes os cifrões que chegam de Nyon, a sede da UEFA, são uma espécie de boia de salvação para as suas finanças por mis que se argumente com o fair play financeiro. Abordar o assunto tem muitas dificuldades pois o dinheiro é omnipresente na vida dita desportiva.

Dirigentes e agentes desportivos são muitas vezes muito mais determinantes nos resultados do que os resultados que se obtêm nos relvados, Mas não só. A corrupção alargou-se de tal modo que a combinação desses mesmos resultados tem vindo a alargar-se e a justiça desportiva pouco tem conseguido porque ela também não está isenta e independente,

Este escrito não é sequer uma tentativa de solução dada a magnitude do problema; é mais um desabafo de um espectador que gostaria de ver a verdade reinar nas práticas desportivas. Porque não é apenas no futebol que as coisas estão erradas.

O mal já alastrou a outros desportos – eu diria a quase todos os praticados com bolas ou sem bolas. Veja-se o caso clássico do ciclismo em que o doping é um terrível mal que tem levado a que praticantes vejam ser-lhes retirados títulos que tinham obtido sob o uso de produtos proibidos.

Mas também o atletismo enferma da mesma temível prática. A dopagem é o exemplo da falsidade que o controle sistemático tende a evitar mas, infelizmente  não prevenir. O caso dos futebolistas é paradigmático. A recolha de liquido orgânico – normalmente a urina – é habitualmente aleatória. O recurso ao contraditório raras vezes (eu diria raríssimas) dá resultados. E aí também se levanta outra questão: serão só os atletas os prevaricadores ou também fazem parte do esquema treinadores e responseis clínicos? 

Já me desviei, porém, ao que vinha e que era a fava que saiu ao Sporting no sorteio dos oitavos da taça da Europa UEFA. O treinador Rúben Amorim já disse que o principal para os leões na Europa League é seguirem em frente. Tudo indica que é o que ele pode – e deve – dizer quer para os apoiantes do clube, quer  (e principalmente) para os seus comandados. A tarefa não é fácil mas não é impossível. Aqui fala o sportinguista, não escreve o masoquista…

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25.2.23

Grande Angular - Imigrantes: As contas (1)

Por António Barreto

Ninguém sabe ao certo quantos estrangeiros vivem em Portugal. Nem a que título. Nascido no estrangeiro ou aqui? De nacionalidade estrangeira ou naturalizado? Imigrante temporário ou definitivo? Com ou sem familiares? Legal ou ilegal? Turista, empresário, assalariado, reformado ou desportista? Com ou sem idosos, crianças e parturientes para os serviços de saúde? À procura de oportunidade para ir para outro país europeu? À espera de autorização? Tratador de estufas ou comerciante de endereços falsos? Africanos, europeus, latino-americanos, árabes ou asiáticos? Do INE à PORDATA, passando por vários organismos oficiais (ACM, SEF, etc.), pelos jornais, pelas universidades e por entidades privadas, não se conseguem números aproximados. Entre 400.000 e 850.000 tudo é possível. O que revela pelo menos um facto essencial: ninguém realmente se interessa e as autoridades preferem esta situação pois lhes poupa esforços, clareza no propósito político e escolhas difíceis. Mesmo as indispensáveis previsões para os impostos, assim como os grandes serviços de saúde, educação e segurança social são impossíveis!

 

Com valores anuais de emigração de portugueses para o estrangeiro oscilando entre os 30.000 e os 70.000, o nosso país voltou a uma era parecida com a dos anos 1960: são dois períodos muito parecidos neste denominador comum, o do falhanço da economia e da sociedade para alimentar e empregar a sua população. Mas com diferenças interessantes. Primeiro, na altura, não havia imigração, agora há, com valores por vezes parecidos (20.000 a 50.000 por ano). Segundo, então, saiam portugueses analfabetos, sem formação profissional, pobres e dispostos a tudo. Hoje, saem portugueses educados, com formação profissional e experiência, muitas vezes com diplomas superiores e universitários. Portugal fica a perder e muito! Terceiro, a emigração, naqueles anos, contribuiu para a rarefacção da mão-de-obra, o pleno emprego e o aumento generalizado dos salários. Hoje, a imigração é um incentivo ao decréscimo de salários e à precaridade do emprego.

 

Não tenhamos dúvidas: a emigração continua a ser um problema sério do país e a imigração está a transformar-se numa das mais graves questões da sociedade. Tal como noutros países europeus, a imigração e as suas consequências mudaram as sociedades e têm influência na política muito acima do que se esperava. A discussão está de tal modo envenenada que poucos são os que dizem claramente o que pretendem e o que propõem.

 

Há grandes mal-entendidos e enormes preconceitos relativamente aos imigrantes. Do lado positivo, rejuvenescem e diversificam a população, aumentam a democraticidade e o pluralismo da sociedade, dão rendimentos ao país e sustentabilidade à segurança social, fazem o que os portugueses já não querem fazer, ajudam à exportação através de muito trabalho com salários baixos, permitem uma grande flexibilidade no recurso à força de trabalho por parte das empresas, diminuem a rigidez do mercado de emprego, alargam os horizontes cultuais e religiosos do país e diminuem a carga nacionalista da educação e da cultura nacionais.

 

Do lado negativo, não são menores as consequências da chegada de imigrantes que desvirtuam a identidade nacional, alteram as características culturais do povo, não respeitam as regras e leis do país que os acolhe, promovem a ilegalidade, vivem na marginalidade, alimentam redes de tráfico e de criminalidade, comportam-se como verdadeiros racistas, exigem que os seus usos e costumes se sobreponham às leis em vigor, contribuem para o desemprego de nacionais, fazem concorrência desleal aos trabalhadores nacionais e forçam a manutenção de salários baixos.

 

Em tudo o que precede, há verdade e mentira, há facto e preconceito. Mas há de tudo. E é por isso que a questão da imigração é tão difícil. Num mundo simples, há duas políticas essenciais. De um lado, a porta aberta, a aceitação de todos os imigrantes que queiram vir para o país, o fácil acolhimento dos que vêm, a ajuda automática aos que querem residir aqui, eventualmente trabalhar, fazer família, educar, recorrer aos serviços públicos… Os defensores desta atitude proclamam que ninguém deve ser obrigado a legalizar-se à chegada, que não se deve exigir autorização de residência nem contrato de trabalho. Que se devem aceitar, sem condições, os que venham à procura de trabalho. Que não se devem impor regras e costumes contrários às suas crenças e se devem respeitar os seus costumes. Que se deve permitir a imigração de núcleos familiares completos e não apenas dos trabalhadores. Que se deve garantir a todos os imigrantes, legalizados ou não, acesso gratuito e universal aos cuidados de saúde e à educação dos menores.

 

Do outro lado, ninguém propõe, que se saiba, a porta fechada, isto é, a total proibição de imigração, mas defendem-se várias orientações ou políticas, como sejam a restrição de candidatos à imigração em conformidade com as necessidades do mercado e da economia e a obrigatoriedade de chegar ao país já com um contrato de trabalho. Defende-se que ninguém tenha vistos e autorizações permanentes sem contratos e residência e sem ter previamente uma história de contratos temporários. Que se devem institucionalizar formas de integração como sejam a prática da língua nacional e o conhecimento de fundamentos da história do país. Que se devem taxativamente proibir todas as práticas culturais dos imigrantes que manifestamente promovam a violência contra as mulheres e as crianças.

 

Quaisquer que sejam os argumentos e as justificações, das necessidades de mão-de-obra à humanidade e da competitividade à fraternidade, uma coisa é certa: as políticas e as práticas seguidas por Portugal, actualmente, são incentivos à clandestinidade, ao tráfico de mão-de-obra, ao abuso dos trabalhadores e a novas formas de racismo. As tensões que se anunciam, exploradas já por grupos políticos activistas, são resultado da falta de certeza e de clareza nas políticas públicas. Por exemplo, as ideias anunciadas pela comunicação social relativas à abertura de legalizações aceleradas de mais de uma ou duas centenas de milhares de imigrantes até ao fim do ano são perigosas e nefastas.

O que fará a qualidade da sociedade portuguesa não é o número de imigrantes que o país receberá. Mas sim o conforto, o respeito e a dignidade com que souber acolher os que cá viverem. E a fraternidade com que saibamos receber alguns por reconhecer o desespero e o sofrimento nos seus países de origem.

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Público, 25.2.2023

 

 

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20.2.23

Fartíssimo de guerras - *Rússia e Ucrânia: “amor” milenar

Por Antunes Ferreira

Este texto foi escrito logo que aumentaram as hostilidades entre a Federação Russa e a Ucrânia. Socorri-me principalmente das agências noticiosas e dos dados da Wikipédia. Por isso estará desactualizado. 

Terça-feira, 15, 10H27. Começo a escrever um texto que nunca queria (nem pensava) fazer: a guerra na Ucrânia. Antes do mais, porque abomino a guerra; mas também porque há anos, bastantes, estive naquele país na altura “fazendo parte” da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, URSS. Mas que já na altura pude aperceber-me que os ucranianos não morriam de amores pelos seus camaradas russos. 

Creio já ter escrito (melhor ainda, penso fazê-lo) sobre uma visita, a primeira, que fiz àquela “União”; outras duas se seguiriam e foi numa delas, em 1990, que me desloquei a Kiev para tentar saber em que pé estava o criminoso desastre de Chernobil. Difícil tarefa. Tratava-se de pura curiosidade pessoal pois já não trabalhava no Diário de Notícias, mas tinha combinado bulir umas crónicas para a TSF. Umas c’roas juntamente com a viagem são sempre bem vindas. 

Mas (há sempre uma adversativa para lixar um escriba) não havia aparentemente muitos interessados em abordar um dos maiores desastres nucleares, senão mesmo o pior ocorrido em centrais oficiais. Recorri por isso aos folhetos oficiais pretensamente informativos, mas fi-lo com o devido desconto e a justificada suspeição.

O trecho que se publica de seguida é o comunicado oficial proveniente do Ministério da Informação em Kiev e foi reproduzido pela Wikipédia.

«Chernobil (em ucraniano: Чорнобильська катастрофа, Tchornobylska katastrofa – Catástrofe de Chernobil; também conhecido como acidente de Chernobil) foi um acidente nuclear catastrófico ocorrido entre 25 e 26 de abril de 1986 no reator nuclear nº 4 da Unidade Nuclear de Chernobil, perto da cidade de Pripiat, no norte da Ucrânia Soviética, próximo da fronteira com a Bielorrússia Soviética. O acidente ocorreu durante um teste de segurança ao início da madrugada que simulava uma falta de energia da estação, durante a qual os sistemas de segurança de emergência e de regulagem de energia foram intencionalmente desligados. 

Uma combinação de falhas inerentes no projeto do reator, bem como dos operadores dos reatores que organizaram o núcleo de uma maneira contrária à lista de verificação para o teste, resultou em condições de reacção descontroladas. A água superaquecida foi instantaneamente transformada em vapor, causando uma explosão de vapor destrutiva e um subsequente incêndio que atirou grafite ao ar livre[ e produziu correntes ascendentes ascendentes consideráveis por cerca de nove dias. 

O fogo foi finalmente contido em 4 de maio de 1986.  As plumas de produtos de fissão lançadas na atmosfera pelo incêndio precipitaram-se sobre partes da União Soviética e da Europa Ocidental. O inventário radioativo estimado que foi liberado durante a fase mais quente do incêndio foi aproximadamente igual em magnitude aos produtos de fissão aerotransportados libertados na explosão inicial.

O número total de vítimas, incluindo os mortos devido ao desastre, continua a ser uma questão controversa e disputada. Durante o acidente, os efeitos da explosão de vapor causaram duas mortes dentro da instalação: uma imediatamente após a explosão e uma por uma dose letal de radiação.

Nos próximos dias e semanas, 134 militares foram hospitalizados com síndrome aguda da radiação (SAR), dos quais 28 bombeiros e funcionários morreram em meses Além disso, cerca de quatorze mortes por cancro induzido por radiação entre esse grupo de 134 sobreviventes ocorreram nos dez anos seguintes. Entre a população em geral, um excedente de 15 mortes infantis por cancro viria a ser documentado em 2011. Levará mais tempo e pesquisa para determinar definitivamente o risco relativo elevado de cancro entre os funcionários sobreviventes, aqueles que foram hospitalizados inicialmente com SAR e a população em geral.» 

O motivo que me levara à Ucrânia, mais especificamente à capital estava (mal) encerrado; voltei à URSS onde alguns conhecidos me olharam desconfiados, Porquê a ida? E porquê o país? Historicamente russos e ucranianos sempre andaram de cadeias às avessas. Daí que a minha aventura motivasse os olhos enviesados que me eram dirigidos. Mas pelo andar da carruagem se vê quem nela cai, Portanto dei corda às sapatilhas e voltei ao nosso rincão natal.

Com esta deriva chego quase às quatro da tarde. No Google Notícias estou a seguir as ÚLTIMAS da guerra:

«Várias cidades na Ucrânia foram alvo de mísseis da Rússia, algo que os governantes ucranianos estão a encarar como retaliação ao discurso de Zelensky na cimeira do G20. Foram registados ataques na capital Kiev, onde os mísseis russos atingiram três edifícios residenciais, em Kharkiv, Lviv e ainda em Melitopol, Nikopol e Zhytomyr.As forças russas retiraram-se de mais uma cidade em Kherson, de acordo com informações avançadas pela AFP. O secretário-geral da NATO saudou os progressos alcançados pelas forças ucranianas, mas alertou para o “erro” que seria “subestimar a Rússia” e defendeu a necessidade de continuar a apoiar a Ucrânia.

As principais economias globais estão reunidas na cimeira do G20, em Bali, na Indonésia. No primeiro dia de cimeira, decorreu um encontro entre Macron, o Presidente francês, e Xi Jingping, o homólogo chinês. “O Presidente Xi Jinping e eu pedimos respeito pela integridade territorial e soberania da Ucrânia. As consequências deste conflito estendem-se para lá das fronteiras da Europa e através de uma colaboração próxima entre França e China vão ser superadas”, partilhou Macron no Twitter. Ainda no G20, Olaf Scholz, o chanceler alemão, garantiu que há um “consenso a ganhar terreno” na cimeira sobre a condenação à guerra na Rússia.

Sergei Lavrov, o ministro dos Negócios Estrangeiros, representou a Rússia na cimeira do G20 e disse que os termos da Ucrânia para a retoma de negociações são “irrealistas”. Antes disso, já Dmitry Peskov, o porta-voz do Kremlin, tinha tecido comentários sobre o discurso de Zelensky, argumentando que era a prova de que a Ucrânia não está interessada em negociar a paz.

O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, criticou a ausência de Putin da cimeira do G20 e classificou a guerra na Ucrânia como “bárbara”. Por seu lado a ONU alertou para a tortura de prisioneiros de guerra russos e ucranianos. A missão das Nações Unidas falou com prisioneiros de guerra detidos pela Rússia e outros pela Ucrânia, lembrando que “a proibição de tortura e maus-tratos é absoluta”. Recorde-se que António Guterres tivera um encontro com o MNE russo Sergei Lavrov.

O presidente da FIFA, Giani Infantini, esteve presente na cimeira do G20 e pediu um cessar-fogo na guerra durante o mês que dura o Mundial do Qatar. “O futebol une o mundo”, apelou.

Zelensky apresentou a “fórmula ucraniana para a paz” .”Se a Rússia diz que supostamente quer acabar com esta guerra, que o prove com ações”, desafiou Zelensky. “Não vamos permitir que espere, reorganize as suas tropas, e depois comece uma nova série de terror e desestabilização global”.

 

Pelo menos metade de Kiev está agora sem eletricidade, por causa dos ataques russos desta manhã, diz o autarca Vitali Klitschko. Numa publicação no Telegram, diz que o apagão foi feito por decisão da companha elétrica nacional Ukrenergo, um “passo necessário” para “equilibrar o sistema e evitar acidentes com o equipamento”. “Na capital, pelo menos metade dos clientes estão sem eletricidade”, adianta.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Dmytro Kuleba, já reagiu à notícia dos ataques em várias cidades ucranianas. “Os mísseis russos estão a matar pessoas e destruir infratestruturas por toda a Ucrânia”, garante. “É isto que a Rússia tem para dizer sobre negociações de paz”, diz, num dia em que o G20 está reunido e em que Zelensky ditou as suas regras para uma “fórmula de paz”, dizendo que não vai aceitar uma nova edição dos acordos de Minsk.

“Parem de propor à Ucrânia que aceite os ultimatos da Rússia!”, diz Kuleba. “Este terror só pode ser parado com a força das nossas armas e princípios”. Continuam os relatos de cidades ucranianas a serem atingidas por ataques russos. É o caso de Melitopol e Nikopol, na região de Dnipropetrovsk. Ambas terão sido atingidas em zonas residenciais, noticia a Sky News. Isto além dos relatos que já existiam em Lviv, Kharkiv e Zhytomyr, depois de se terem registado explosões em Kiev.

Entretanto, a Rússia retirou-se de mais uma cidade na região de Kherson, avança a AFP. Segundo a agência, as autoridades russas responsáveis pela ocupação de Nova Kakhovka, em Kherson, confirmaram ter deixado a cidade, onde estavam debaixo de fogo ucraniano. “Foram localizadas para localizações seguras na região”, assegura uma publicação no Telegram feito pelas autoridades de Moscovo.

O próximo embargo da União Europeia (UE) ao petróleo bruto e aos derivados do petróleo russos vai aumentar a tensão no mercado, advertiu esta terça-feira a Agência Internacional de Energia (AIE). No relatório mensal sobre o mercado petrolífero, a AIE assinala que este embargo, que entrará em vigor em 05 de dezembro para as importações de petróleo e em 05 de fevereiro para os derivados, acrescentará “mais pressão” sobre os mercados, especialmente no mercado do gasóleo, que é “excecionalmente apertado”.

Acrescenta que a proposta do G7 de impor um preço máximo para as compras de petróleo russo “pode aliviar as tensões, mas uma miríade de incertezas e desafios logísticos permanece”. Além disso, a situação da Rússia como produtor e exportador será testado com os embargos da UE, que fazem prever que a produção da Rússia desça abaixo dos 10 milhões de barris por dia em 2023, uma vez que o que a UE deixar de importar não pode ser compensado por um aumento das compras à China, Índia ou Turquia.

Estes são os últimos tópicos que aqui ficam. Farto de  guerras, prometia não voltar a elas aqui no Sorumbático. Uma promessa de bota abaixo, feita há umas semanas. Veja-se o que continua a acontecer. Promessas? Previsões? O João Pinto, o do Futebol Clube do Porto, disse uma afirmação que ficou para a história futebolística – e não só: “Prognósticos? Só no fim do jogo!”

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18.2.23

Grande Angular - O perdão, o castigo e a desculpa

Por António Barreto

É o pior que pode acontecer: confundir o perdão e a desculpa. Neste caso, a Igreja, uns Bispos, um grande número de padres e outros poderão ter perdão, o que é um assunto da hierarquia, dos fiéis, das vítimas e dos familiares destas. Mas não têm desculpa, e este assunto pertence à sociedade e às instituições. E se não têm desculpa, merecem castigo.

 

A Igreja pode suspender ou expulsar Bispos, Padres e outros. Mas não os pode castigar pelos crimes cometidos. Esta última função é das instituições. Aquilo de que se trata é de crimes, não de divergências religiosas, nem de polémicas litúrgicas. A Igreja é conivente, os arguidos são os padres. 

 

Os crimes foram vários. Abuso sexual de menores, violação, cumplicidade e encobrimento. Nenhum destes crimes merece o perdão da sociedade, muito menos desculpas. O encobrimento, em particular, que atingiu uma dimensão considerável.

 

Apenas uma muito pequena parte dos crimes aparece neste relatório. Em circunstâncias proporcionais, menos do que em muitos outros países, como os Estados Unidos, a Irlanda e a França. A Igreja não ajudou. Os meios e o tempo foram escassos. Os arquivos mantiveram-se excessivamente fechados. Já houve sacerdotes, membros da comissão e fiéis que declararam, sem hesitar, que tudo o que foi desvendado fica muito aquém da realidade. Se esta comissão parece ter cumprido o seu dever, já a Igreja está muito longe de o ter feito.

 

Sabemos, todavia, que a natureza do regime político e a liberdade de expressão não foram variáveis importantes. Na verdade, estes crimes praticados na Igreja e por eclesiásticos, durante setenta anos, tanto o foram durante a ditadura, como na democracia. Além disso, o clima de frugalidade e de repressão sexual, como era antigamente, e o de permissividade e de exibicionismo, como é agora, conviveram igualmente com estes crimes.

 

Uma primeira lição a retirar é a de que a Igreja, por si só, não é capaz de pôr um termo a estas práticas e castigar os seus autores e responsáveis. Há muito que a Igreja sabia. Há muito que “todos sabiam”. Mas ninguém tinha provas. Nem queriam ter.

 

Uma segunda lição, ou conclusão, é a de que a Igreja ficará com o encargo de tratar das questões internas, da liturgia, da suspensão, da expulsão e da prevenção, mas depende da justiça e das instituições uma acção mais eficaz e mais justa: legislar, castigar, prevenir e publicitar. Mas a Igreja tem também de estar consciente de que o seu silêncio é o pior incitamento ao crime e à prossecução destes actos. Quer isto dizer que deve, também para efeito internos, colocar um termo à ocultação, à desculpa e à cumplicidade.

 

O que podem os cidadãos, as instituições e as autoridades fazer para ajudar a Igreja a tratar destas questões? Antes disso, é preciso que a Igreja aceite ser ajudada e queira resolver e prevenir. Se assim for, às instituições e aos cidadãos compete sobretudo a função de legislar, prevenir, julgar e castigar. E demonstrar que um crime cometido na Igreja tem um valor diferente do mesmo crime perpetrado na sociedade.

 

O que podem fazer os fiéis para ajudar a Igreja a evitar a perpetuação deste problema? Ter mais voz, participar nos assuntos da congregação, sem pensar que está a pôr em causa a fé. É como na política: sem a pressão dos fiéis e sem a participação dos crentes, a Igreja não se emendará. Talvez fosse possível, há séculos, manter o silêncio e a passividade. Hoje, já não é. Os costumes mudaram. As liberdades mudaram. A consciência cívica mudou. As solicitações multiplicaram-se. As vocações estão em crise fatal (pelo menos nos países ocidentais). A prática religiosa também. 

 

É verdade que a Igreja abriu portas e gavetas. Ou antes, entreabriu. Esperemos que faça mais, muito mais. Esperemos que os fiéis exerçam os seus direitos e não tenham receio de enfraquecer a Igreja com a exigência da verdade e da justiça. Pelo contrário. Se a Igreja quer sair desta história com alguma força, não será com ocultação que o conseguirá. 

 

A Igreja fez muito, ao longo dos séculos, por Portugal, pela Europa e pela cultura ocidental. Devem-se-lhe identidade, valores, artes e serviços incontáveis. Até para a separação de Deus e de César, ou a distância entre o Livro Santo e a Constituição, o cristianismo e a Igreja católica foram mais longe do que outras crenças. É uma história sólida. Os tempos modernos e o sexo estão a destruir esse património. E a arredar a Igreja para uma despensa de velharias. Quando não para uma cave de torturas. A Igreja está obrigada a pensar e a reformar-se de modo a poder continuar a prestar serviços aos cidadãos. Aliás, se houver reparação das vítimas, é à Igreja que compete suportar os encargos, não ao Estado.

 

Nem sempre, nos últimos séculos, a Igreja portuguesa se ilustrou por um contributo marcante de bondade, de justiça e de igualdade, apesar de se considerar sempre fiel a esses valores. Mas a verdade é que, desde o fim da ditadura e do início da democracia, a Igreja brilhou pelo seu papel moderador e agregador. Apesar do jacobinismo reinante e do anticlericalismo sempre em moda, o balanço da acção da Igreja é positivo. Agora, está em causa este passado recente. É incerta a possibilidade de ser útil ao país e aos cidadãos, não apenas aos seus fiéis.

 

O que pode fazer a Igreja para retomar o seu papel importante e moderador na sociedade portuguesa? Nada se fará se for só na Igreja portuguesa. Se não houver o resto, a começar pelo Vaticano, nada será feito aqui. Mas se a Igreja souber castigar, sem desculpar, então teremos esperança. Mais ainda, se a Igreja entregar à Justiça o que à Justiça pertence.

 

Será que a justiça portuguesa, tão tíbia e ineficaz perante casos difíceis, está à altura de avaliar e julgar dezenas de padres e uns tantos Bispos pelos crimes de abuso sexual de menores ou encobrimento? Poderá a justiça estar à altura dos outros casos? É que, evidentemente, na Igreja, não há só abuso de menores. Há também os abusos, o assédio e as violações de adultos. Sem falar nas numerosas instituições sociais e equiparadas, colégios privados, internatos, organizações desportivas e militares, lares, associações de juventude e outros. Sem esquecer, evidentemente, que é no seio da família que ocorre a maioria de abusos e de violência, sexual e de género, de menores e de adultos. Verdade é que nem este alargamento de âmbito pode servir, como já há quem o tente fazer, para dissolver as responsabilidades da Igreja e dos padres. Nem a visibilidade titilante dos crimes da Igreja deve permitir pensar que não há mais. Mas há. Muito mais.

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Público, 18.2.2023

 

 

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13.2.23

Na Feira bem Popular *Sardinhas assadas com pimentos

Por Antunes Ferreira

“E não se esqueça, ó senhor Jeremias, diga lá à dona Rita cozinheira que eu quero a salada com muitooooos pimentos!! O vozeirão da Senhora Dona Elvira fez-se ouvir nas mesas em redor daquela que nós ocupávamos e que, na verdade eram duas juntas pois o nosso grupo era composto por treze bicos mais ou menos encostados uns aos outros ou outras. Assim falou Elvira Monteiro de Oliveira Figueiredo, como assim teria falado um tal Zoroastro que fora um dos primeiros (senão mesmo o primeiro) profetas a defender a existência de um Deus único.

 

A digna madama, viúva do general Flávio Silveira de Oliveira Figueiredo, impunha-se pela imponência, pelo trato, pela arrogância – e pelo peso: rondava a centena de quilogramas e por tal motivo usava frequentemente uns balandraus que más línguas viperinas insinuavam ter ela aproveitado do que usava o falecido na Grande Loja Soberana de Portugal. O que para o caso não aquenta nem arrefenta.

 

Cheirava, pois, a sardinha assada nos restaurantes ao ar livre da Feira Popular ali em Palhavã, local por excelência se ia aos fins de semana desanuviar a cachimónia, ir às panelas, à grande roda, ao comboio do terror, à montanha russa, ao water shot, aos carrinhos eléctricos de choque, ao poço da morte e – principalmente para mim, crianço com oito anos – comer algodão doce, muitas cores mesmo paladar.

 

Os meus progenitores faziam parte da “seita” encabeçada pela matrona; não era um clube nem uma associação, muito menos se pagavam quotas. Mas eram unidos e até os machos iam aos futebóis juntos enquanto as damas ficavam no paleio, tricotavam, cortavam nas casacas alheias e por vezes carteavam umas canastas. Sem ser a pilim – está  bem de ver, todas eram pessoas sérias, quando não se riam.

 

Nessa noite, o Nuno Santos Costa (não tinha nada que ver com o eterno ministro da Defesa e intimo do Salazar) dono das Farmácias Salutar e Santa Iria trouxera uma novidade: a “Colónia Balnear Infantil de O Século” estava de novo  enfrentar dificuldades financeiras, As receitas geradas pela Feira Popular não chegavam para as muitas necessidades e a iniciativa tomada pelo director do diário O Século, João Pereira da Rosa, em 1943 parecia estar a dar as últimas.

 

Não podia ser. A “Colónia” tinha vindo a ser um marco no apoio social a crianças desfavorecidas pela vida – ou pela sorte. Por ela vinham passando todos os Verões centenas e centenas de catraios e catraias que de outro modo nunca teriam tido a hipótese de ver o mar. A sua vida tinha sido acidentada. A colónia de férias para crianças desfavorecidas fundada em 1927 pelo Jornal «O Século» transferira--se em 1943 para o edifício renovado de uma antiga fábrica de conservas, em São Pedro do Estoril, onde ainda continuava. No mesmo ano, para financiar a acção social da colónia, o jornal criou a Feira Popular de Lisboa.

 

Entretanto chegava o Jeremias mailas sardinhas, as batatas cozidas e as saladas (com muitos pimentos bem assados) e atrás avançava a Joaninha com uma bandeja onde resplandeciam quatro jarrões de tinto carrascão de proveniência indeterminada, o que ela corrigiu: “É de Almeirim dum cunhado do patrão e escorrega pela tripa que nem se dá por ele!...”

 

Naturalmente sem rótulo; naquela altura ninguém fazia a menor ideia do que era REGIÃO DEMARCADA. Também não era preciso saber isso, bastava que a pinga fosse… pinga verdadeira. E, pelo que ouvia, sentado à beira dum canto, entretido com uma sandes de pão com fiambre e queijo com manteiga e uma limonada, o repasto seguia o caminho natural do sistema digestivo (de que eu na verdade não pescava patavina).

 

Foi quando a Senhora Maria de Fátima, dona da loja de hortaliça que ficava no rés-do-chão do prédio onde nós morávamos se levantou e disse que estava tudo nos conformes mas que ela ia até ao pavilhão das panelas; tinha mesmo uma fezada e acreditava que iria levar para casa o jogo completo de panelas, tachos e frigideiras tudo em alumínio por uma meia dúzia de rifas, uns tostões quase nada.

 

O esposo, já com um grãozinho na asa, disse-lhe que fosse sozinha – o pavilhão era ali mesmo ao lado – e que depois de agarrar os ganhos viesse ter com ele a fim de apanhar um táxi; àquela hora da noite tentar um autocarro ou um eléctrico era impossível e com o que ela ganharia no jogo gastar na bandeirada até achava uma piada.

 

Quando as coisas dão para o torto não há nada para fazer a não ser recolher a penates e bicarbonato de sódio. O evento resumiu-se assim. A Fatinha perdeu vinte e cinco mal réis, o marido fez uma cena, o homem do pavilhão até lhes deu um panelão como prémio de consolação. O pior foi a cigana da barraca de adivinhar o futuro que ao vê-lo de instrumento de cozedura na mão não se conteve: PANELEIRO!!!!     

 

A Feira Popular de Lisboa abriu portas a 10 de junho de 1943 no Parque José Maria Eugénio, em Palhavã, numa iniciativa do diretor do jornal "O Século" para financiar colónias de férias para crianças carenciadas.

A colónia já tinha proporcionado férias a mais de 30 mil crianças e o financiamento estava a tornar-se difícil, pelo que João Pereira da Rosa decidiu criar um financiador empresarial para a obra e pediu autorização para instalar uma feira em Lisboa.

A Feira Popular manteve-se em Palhavã até 1956 e, a 24 de junho de 1961, abriu em Entrecampos, onde permaneceu até 2003.

 10 de julho de 1943 no Parque José Maria Eugénio, em Palhavã, foi inaugurada a Feira Popular de Lisboa. Desde aí, segundo aqueles que a conheceram, durante o período em que decorria, a capital parava para viver a experiência. Depois, migrou para Entrecampos e a magia continuou.

Quem por lá passa e faz parte das novas gerações, não imagina que dois terrenos, um em Palhavã, outro em Entrecampos – agora abandonados aos pombos e às ervas daninhas –, já foram, em tempos, os lugares mais apreciados das férias de Verão de miúdos e graúdos, já que foram precisamente os dois locais escolhidos para a instalação da famosa Feira Popular de Lisboa. Mas quem teve a sorte de a conhecer, nem consegue visualizar esse vazio, já que a descreve, muitas vezes, como um lugar de encontros, abraços, de cores florescentes, música, gargalhadas, cheiros intensos, luzes, gritos de excitação, surpresas, danças, decibéis, diversões, terrores, vertigens e muitas emoções.

Um lugar onde o algodão doce assumia um papel quase principal e, por isso, muitas crianças acreditavam estar a “comer as nuvens”, tal como descreveu a atriz Ana Zanatti, em 2016, num texto publicado no blog De Outra Maneira, onde recorda aquilo que mais a marcou nessa época. “Mãe deixe-me comer as nuvens! Pai, compre nuvens! Era mais bonito de se ver do que de comer, mas eu achava que comer nuvens não era para todos!”, admitiu.

A verdade é que outras feiras – algumas com características e objetivos diferentes –, já tinham existido em Lisboa, tais como, a Feira Franca, a Feira do Lumiar, a Feira do Campo Grande, a Feira de Santos, a Feira de Alcântara ou a Feira de Agosto. Contudo, nenhuma delas se igualava à Feira Popular. Foi sob uma ideia de João Pereira Rosa, então diretor do jornal O Século – de que uma Feira pudesse recolher fundos para a “Colónia Balnear Infantil de O Século” –, Leitão de Barros e Gustavo de Matos Sequeira que se criou o “evento”.

A colónia já tinha proporcionado férias a mais de 30 mil crianças, mas o financiamento estava a tornar-se difícil. Então, João Pereira da Rosa decidiu criar um financiador empresarial para a obra e pediu autorização para instalar uma feira em Lisboa. Esta seria inaugurada pelo Presidente da República General Óscar Carmona e pelo ministro das Obras Públicas e Comunicações, o engenheiro Duarte Pacheco, além de outras individualidades, no Parque José Maria Eugénio em Palhavã, no dia 10 de Junho de 1943, onde anteriormente tinha estado instalado o Jardim Zoológico de Lisboa, 45 anos antes. Segundo o Diário de Notícias, a noite da sua inauguração, contou com cerca de 90 mil lisboetas que correram para a abertura.

 

A Water Shoot

“Era a alegria da minha juventude! Tinha 12, 13 e 14 anos. Era um sítio onde eu ia muitíssimas vezes, quer com os meus pais, quer com um tio meu que adorava levar-me. Era uma espécie de irmão mais velho e fazia sempre questão de me acompanhar! Que delícia recordar-me desses tempos!”, começou por contar Eládio Clímaco, ao telemóvel com o i. “Os Jardins do Cabo de Farrobo eram mesmo o sítio ideal, tão bonito, tão agradável… E depois as diversões que havia”, lembrou, destacando a famosa Water Shoot, a montanha russa presente na feira. “O jardim tinha um grande lago na altura (não sei se continua a ter), bem no meio. Nesse lago havia uma espécie de montanha russa, uma descida a pique que batia dentro de água e splash! Lembro-me tão bem do som que fazia. Adorava! Estava sempre cheio”, revelou. “Recordo também os restaurantes muito bons que serviam de ponto de encontro. As pessoas juntavam-se, comiam, conversavam, gargalhavam… Era uma época diferente”, acrescentou. Além disso, há algo que o marcou e que “lhe dá sempre muita graça”: “A ciganita Dora. Estava à porta de um dos divertimentos e dizia: ‘Consultem a ciganita Dora!’”, recordou entre gargalhadas. “E depois os comboios, a casa de terror… Era uma feira com muito espaço, com muita vida”, sublinhou.

A zona era rodeada de muros altos, cinza escuro e, só por si, acabava por constituir um motivo de excitação pela curiosidade do que lá estaria dentro. Os carrinhos de choque com uma vara ao alto que faiscava; o poço da morte que, segundo Ana Zanatti, “deitava um cheiro estranho a óleo ou petróleo”; o comboio fantasma onde se “atravessava selvas com gorilas”; “grutas com teias de aranha”, e esqueletos que “abraçavam” quem se atrevia a aventurar-se na diversão; a famosa sala de espelhos que deformava os corpos e que faziam Ana Zanatti rir, “da figura que os adultos faziam”. “O homem fenómeno, anão ou gigante, excessivamente gordo ou magro, a cigana que lia a sina, uma figura de mulher desconjuntada à porta da tenda que se rebolava e me fascinava pelo insólito, meio real, meio fantástica onde nunca me foi permitido entrar”, recordou a artista tal como Eládio, no seu texto.

 

O Poço da Morte e a 1.º Emissão da RTP

“Lembro-me do Poço da Morte, uma esfera de gradeado com um tipo magrinho, andrajoso e sujo de óleo numa motoca ferrujenta, às voltas lá dentro. Um cheiro a óleo de linhaça queimado pairava no ar. Lembro-me do Túnel do Medo que percorríamos de carrinho nuns carris. Lá dentro bruxas e esqueletos surgiam arrepiantes ao dobrar das curvas. Umas franjas no escuro roçavam-nos a cabeça. Com atenção, era possível num esforço conjugado agarrarmos os fios e puxar, fazendo cair o efeito especial e interrompendo o andar do comboiozito. Os gritos de susto do resto do pessoal eram a recompensa dos delinquentes, que só tinham que se escapulir rápido para evitar a inevitável fúria do dono do negócio”, detalhou também José Luís Vaz Carneiro, um dos autores do De Outra Maneira, no próprio blog. “Lembro-me do comboio fantasma – que era suposto fazer medo! Era básico: passava-se pela ‘selva de gorilas e feras’, sentíamos aranhas na cara e lembro-me que a viagem acabava com todos os passageiros a gritar à boca da saída – o que atraía e seduzia os incautos – porque ‘uma mão’ apertava uma perna – o que não estávamos à espera! Alguém pagou para o fazer!”, continuou, lembrando também a voz enrolada dos carrinhos de choque: “Vamos a uma voltinha? As crianças não pagam, mas também não andam!”, escreveu.

Além disso, Eládio Clímaco recordou as primeiras emissões da RTP - Rádio Televisão Portuguesa, que aconteceram precisamente nesse espaço, no último ano em que a feira ali esteve instalada. “A partir desse momento começaram as enchentes, claro! Lembro-me que eles se encontravam num pavilhão mais abaixo. Nós em cima tínhamos uma espécie de balcão, onde nos debruçávamos para ver as luzes da feira e os locutores. Nessa altura eram os intelectuais, como a Maria Fialho Gouveia… Finalmente o mundo tinha chegado até nós!”, reforçou o apresentador.

Júlio Isidro também ia para a feira popular ainda em pequenino e, na verdade, foi lá que alimentou o “bicho” por aquilo que acabou por se tornar a sua profissão: “Eu nasci na Avenida João Crisóstomo, perpendicular à Marques Sá da Bandeira que tem um dos muros da antiga feira popular. Portanto, mesmo muito pequenino ia com os meus pais”, afirmou o também apresentador de televisão ao i. Desses tempos, recorda-se do lago com barcos a gasolina que “cheiravam muito mal”, da selva, do castelo fantasma, da grande roda e, tal como Eládio Clímaco da Water Shoot. “Nessa eu não andava muito”, admitiu. O que mais lhe salta à memória, revelou, são os restaurantes: “Lembro-me que um deles tinha uma vaquinha, e das suas tetas saia vinho, em vez de leite”, contou. “Havia também os sorteios de panelinhas e era engraçado ver as pessoas que passeavam com elas nas mãos depois de as terem ganho”, acrescentou.

No entanto, o mais importante para si foi precisamente as emissões da RTP. Nessa altura, com 10, 12 anos, Júlio já ia à Feira Popular sozinho e permanecia a observar aquilo que viria a ser a sua “vida”. “Eram as sessões experimentais da televisão! Portanto, assistia a um trabalho feito ao vivo de profissionais que mais tarde viria a conhecer, também já a trabalhar na televisão. Lembro-me do Fernando Pessa, da Vera Lagoa, enfim...”, lembrou, sublinhando ter muito boas memórias da antiga Feira Popular, que para si será sempre a “única”.

 

A “migração” da feira

A Feira Popular de Lisboa manteve-se em Palhavã entre 1943 e 1956 e, a 24 de junho de 1961, abriu em Entrecampos, onde permaneceu até 2003.

“Nasci em 1994, por isso, quando a feira fechou em 2003, tinha uns oito aninhos. Contudo, recordo-me bem dos momentos que lá passei!”, afirmou ao i Vicente Oliveira. Ficava “doido” quando sabia que ia para lá: “Era uma alegria andar nos carrosséis todos e, fica-me muito na memória o algodão doce. Tão nostálgico pensar nisso. Se me perguntam qual foi um dos meus sítios preferidos no princípio da infância é a Feira Popular de Lisboa que me vem imediatamente à memória. Era como ir à Disneylândia. Fiquei muito triste quando soube que ia fechar”, lamentou. Até porque, segundo o jovem, atualmente com 27 anos, era também um ritual de família. “Eu só morava com a minha tia, mãe, prima e avó. Mas tinha muitos primos em Angola. Eles vinham nessa altura e fazíamos esse tipo de programas familiares. Estávamos juntos! E felizes! Comíamos churros, jogávamos todos os jogos, tentávamos ganhar peluches. E depois os carrosséis, as montanhas russas. Era uma excitação brutal, mas o que me fazia realmente brilhar os olhos eram os carrinhos de choque. Delirava por saber que os ia conduzir”, explicou.

 

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11.2.23

Grande Angular - Governo forte de Estado fraco

 Por António Barreto

É uma ilusão pensar que o Estado é, em Portugal, enorme, pesado e forte. Talvez seja enorme. Pesado é certamente. Forte é que não é seguramente. Alvo de predadores. Isco de caçadores. Pretexto de manobradores. E pedaço para gananciosos. Qualquer dos epítetos lhe serve. Forte é que não. Instrumento de poderosos. Volúpia de minorias. Burocracia de insaciáveis. Ferramenta dos mais fortes. Protecção dos estabelecidos. Tudo lhe serve. Forte é que não. Volúpia dos democratas. Lascívia dos autoritários. Sonho dos ditadores. E encanto dos Republicanos. Qualquer imagem lhe fica bem. Forte é que não. Cão de fila dos ricos. Esperança dos fracos. Paraíso dos racionalistas. Sonho dos fantasiosos. Também estes rótulos se lhe aplicam. Forte é que não.

 

Não tenhamos dúvidas: o governo, os sucessivos governos destruíram a força do Estado, decapitaram-no, amordaçaram-no, liquidaram a sua isenção e definharam a sua inteligência. Além de terem atrofiado, activa ou passivamente, a sua mais nobre função, a da administração da Justiça.

 

Há em Portugal um clima de cortar à faca, aquele onde se sente a corrupção, onde se vive da cunha, onde se julga que a democracia é o poder discricionário de quem tem os votos. Os últimos episódios de nomeação, demissão e substituição apressada de ministros, secretários de Estado, assessores, conselheiros, Altos funcionários, directores e administradores, são reveladores de desorientação. Ainda estamos longe da “noite das facas longas”, mas o ambiente é de terror. Só não há mais fugitivos, porque todos sabem, ou esperam, que a justiça não funcione. Como tem sido o caso.

 

É longo o catálogo de episódios, dramáticos uns, picarescos outros, que nos últimos meses e anos ilustram este ambiente pouco sadio para a democracia. Entre os mais recentes, as festividades das Jornadas da Juventude têm revelado graus de incompetência e de subserviência inimagináveis. Jacobinos de quatro costados, beatos de primeira água e ateus virtuosos parecem ter combinado entre si a elaboração deste auto burlesco, revelador de imprevidência e oportunismo. E quem pior se portou foram os poderes públicos.

 

Em todas as grandes obras e empresas que, recentemente, têm estado nas primeiras páginas, nota-se a persistência dos mesmos defeitos. Falta de capacidade científica do Estado. Incapacidade de previsão e planeamento. Emaranhamento de interesses legítimos ou não.

 

Há casos que serão um dia capítulos dos manuais de história, dos compêndios de gestão, dos tratados de administração, dos dicionários de práticas nocivas e eventualmente de súmulas de casos de justiça. O novo aeroporto de Lisboa é o exemplo mais importante. Adiado, atrasado e refeito durante décadas, foi objecto, pelas mesmas pessoas, pelos mesmos gabinetes, pelos mesmos governantes ou por governantes dos mesmos partidos, de decisões contrárias e contraditórias à distância de décadas, de anos e de meses. O futuro aeroporto de Lisboa já teve seis localizações, três das quais definitivas. Regulamente, volta ao princípio, à casa de partida. É obsceno o que já se gastou, disse e fez para o aeroporto de Lisboa. Há décadas que o poder político não decide. Que os técnicos do Estado não conseguem prever e avaliar. Que as empresas que trabalham para o Estado ganham para fazer o que lhes mandam, em vez de fazer o que devem: planear, projectar e antecipar.

 

Se este é o caso mais confrangedor, de outros reza a história de que não nos cansamos de ouvir falar. Porque estão sempre aí. O SIRESP, sistema de comunicações do Estado é outro exemplo que nos enfeitiça. Novos contratos, novas indemnizações, novas falhas e novos sócios: há matéria para sagas perpétuas. A linha de TGV e a nova rede de caminho de ferro estão também aí, há décadas, à espera, sempre prontas a recomeçar e esquecer.

 

A TAP está no quadro de honra da incompetência, da má gestão, do oportunismo e provavelmente da corrupção. Sempre com o governo no centro das decisões. Sabemos o que aconteceu com outras grandes empresas de serviços e de indústria, nos sectores das máquinas, das telecomunicações, da energia, dos cimentos e dos combustíveis. O país perdeu importantes centros de decisão. Os governos não se emendaram. E o denominador comum destas decisões parece ter sido sempre a falta de competência técnica e de capacidade científica do governo.

 

O Estado dispensou gradualmente centenas ou milhares de técnicos competentes e de especialistas qualificados, trocando todos por pessoal burocrático, com poderes para tratar das vidas dos outros e da sua, mas sem conhecimentos para avaliar e prever. Aos técnicos, aos cientistas, às pessoas qualificadas que dariam à decisão política a certeza e o rigor necessários ao bem público, o Governo prefere assessores, conselheiros, especialistas de imagem, técnicos de comunicação e encarregados de imprensa que compram e vendem o que quer que seja, pessoas certas, ideias erradas, projectos verdadeiros, mentiras e verdades. 

 

Este Estado vive sem instituições autónomas, pois tenta controlar tanto quanto possível, deixando que a auto-regulação seja cada vez mais uma figura de estilo. A actual discussão sobre as novas leis que regulam as Ordens profissionais é mais um sinal inequívoco. A pretexto de lutar contra o corporativismo, bandeira que fica sempre bem, o Governo pretende simplesmente mandar nas Ordens, regular os reguladores e ditar as regras. As suas novas leis para as Ordens profissionais são quase um mandato de captura! 

 

Ainda a sofrer de décadas de pretenso igualitarismo, os vencimentos dos quadros superiores do Estado e dos sectores públicos são ridículos, verdadeiros incentivos à emigração para o estrangeiro, para o sector privado e para a criação de escritórios e empresas que acabam por desempenhar as tarefas de que o Estado foi despojado, mas a preços verdadeiramente especulativos. Submetidos à direcção política tantas vezes incompetente, obrigados a cumprir regras absurdas, os técnicos e os cientistas mais capazes não são motivados e não se sentem atraídos pela esfera pública.

 

Mas não se trata apenas, nem sobretudo, do problema dos vencimentos dos quadros superiores do Estado. É também o facto de assim se poder recorrer a empresas de negócios exteriores. E ainda o pormenor de o poder político decidir sozinho, sem o rigor da ciência e da técnica. Presa de interesses económicos e políticos, o Estado português não tem capacidade científica. Não tem inteligência. Não tem isenção. Não tem sabedoria.

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Público, 11.2.2023

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10.2.23

No "Correio de Lagos" de Janeiro de 2023

 

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4.2.23

Grande Angular - A morte do Parlamento

Por António Barreto

A lei dita da Eutanásia não é a lei da Eutanásia. É, isso sim, a lei da Morte Medicamente Assistida, com duas hipóteses: uma, a do Suicídio Medicamente Assistido; outra, a da Eutanásia praticada, a pedido do doente, pelo Medico Assistente. Quer isto dizer que a Eutanásia não solicitada pelo doente, assim como qualquer outra forma de terminar a vida de alguém, sem pedido nem acção do doente, está excluída desta lei. Espera-se que para sempre.

 

A lei foi votada por partidos. Os que votaram a favor, os que se abstiveram e os que votaram contra foram sempre partidos. Com ou sem declaração de voto, com ou sem frases sopradas para jornalistas de conveniência à saída de uma reunião, não se conhecem pensamentos, decisões, deliberações, argumentos ou sentimentos individuais dos deputados. Sabe-se o que pretendem os partidos, mas, salvo raríssimas excepções, não se sabe o que querem os deputados. Cada um dos 230 pensa e diz o que o seu partido pensa e diz; acredita e vota no que o seu partido acredita e vota. São muito poucos os que entendem que os seus eleitores têm o direito de saber o que eles pensam e votam, não apenas os seus partidos. Como é sabido, votar livremente, de acordo com a sua consciência, pode ser, se for diferente do seu partido, um gesto muito perigoso para a carreira.

 

No trânsito entre São Bento e Belém, ida e volta, com paragem no Palácio Ratton, à Rua do Século e nos seus episódios, sérios uns, caricatos outros, esta lei revela mais um império partidário: no Tribunal Constitucional vota-se muito de acordo com os partidos de influência e de origem. Os jornais, solícitos e atentos, já publicam as estatísticas dos Juízes e dos seus votos de acordo com a distribuição partidária. O que, para um Tribunal Constitucional, é impensável e degradante. Mas é assim, infelizmente. É possível e por vezes interessante “classificar” os magistrados constitucionais, saber, por exemplo, os que são progressistas ou conservadores, crentes ou ateus, liberais ou reaccionários, defensores da regionalização ou centralistas. Isso é uma coisa. Que até pode variar e cruzar-se ou não com os partidos parlamentares. Mas não deveria estar garantido que, em geral, votam conforme os partidos que os designaram. 

 

Poderia pensar-se que estas fortalezas parlamentares, feitas de tropas obedientes, compostas por deputados que fazem o possível por não se distinguir e que abdicam da sua individualidade, são condições de estabilidade e de certeza política. Paradoxalmente, não é verdade. Apesar de disciplinados e anónimos, os deputados são sistematicamente tentados pelas iniciativas marginais e pelas invenções “societais” ou “civilizacionais” com que os activistas (nova e estranha categoria política…) os distraem ou tentam convencer.

Regresso a São Bento, onde, o Parlamento está a ser comandado pelas suas margens. À direita, o CHEGA condiciona o PSD, impõe-lhe regras e reflexos, sugere movimentos, lidera a sua respiração e estimula os seus reflexos. O PSD, com horroroso pavor do CHEGA, tenta fazer o seu serviço, com receio do extinto CDS, da ascendente IL e sobretudo do surpreendente CHEGA. Este último, não precisa de pensar, elaborar, estudar e propor, basta-lhe reagir, reclamar e denunciar. Nunca se viu um partido ganhar tanto fazendo tão pouco. A cada berro do CHEGA, o PSD treme. Neste partido, toda a direita treme. É verdade que o CHEGA só pensa nisso: destruir o PSD, afastar o PSD, colher votos do PSD, perturbar deputados do PSD e provocar divisões no PSD. Mas também é verdade que, no PSD, só se pensa nisso: como se libertar do CHEGA, como evitar o CHEGA e como impedir o CHEGA de crescer.

 

À esquerda, as coisas são diferentes, dado que o PS está no Governo. Mas a semelhança de situações é maior do que parece. Na verdade, as margens das esquerdas, o PCP e o BLOCO, comandam muito do que o PS é e quer ser. Até já comandam, um pouco, algumas iniciativas do Governo. Apavorados com as suas minorias e descrentes nos amanhãs e nas suas gloriosas fantasias, estes partidos, um de trabalhadores conservadores, outro de burgueses radicais, têm um só objectivo: desmembrar o PS. Criar a dúvida e a intranquilidade nos deputados socialistas, seduzi-los com rupturas radicais e revoluções de costumes e prometer ternura militante e calorosas bases sociais, são as linhas de acção destes partidos das margens. A verdade é que conseguem. Muitas das suas propostas sobre a eutanásia, o casamento, o divórcio, a adopção, a união de facto, a homossexualidade e suas variantes, as actividades culturais, as campanhas contra o racismo e aquilo a que chamam a descolonização e a desracialização, têm como o objectivo primordial desestabilizar o PS. O que têm conseguido com brilhantismo. Nunca se viu partidos tão pequenos e tão insignificantes terem tanta influência no Parlamento e na vida política nacional.

 

Temos assim que os dois grandes partidos do sistema, PS e PSD, pouco se ameaçam ou contrariam reciprocamente, antes agem em função das margens que comandam cada vez mais o Parlamento. Ainda não, muito, a vida social e política, mas sim, cada vez mais, o Parlamento. O que não é pouco. Entregar o Parlamento às margens activistas é meio caminho andado para tornar o país instável e ingovernável. Há muitos problemas a tratar e tentar resolver com enorme urgência, como sejam a educação e o Serviço Nacional de Saúde. Mas tal só se pode conseguir se houver equilíbrio e algum consenso de ponderação. Nunca se resolverá com as margens radicais.

 

Pode a liberdade individual fazer perder a qualidade da representação? É bem possível que seja o contrário a verdade. A escolha faz-se pelo valor intrínseco do que se diz e promete e pelas garantias oferecidas por um percurso, não pela autorização partidária e burocrática. Pode a liberdade de candidatura e de voto aumentar a imprevisibilidade? É provável. Mas a democracia é imprevisível por definição. E o melhor caminho para ultrapassar os riscos da imprevisibilidade não é o do arranjo autoritário, mas sim o do entendimento, da negociação e do diálogo. Será que a liberdade individual dos deputados é um risco para a estabilidade? É possível que sim. Mas a liberdade tem preços. Que valem a pena. A livre representação democrática é uma das figuras ou entidades mais dignas da vida política. É condição de nobreza da função.

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Público, 4.2.2023

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