29.2.08

Nem pensar

Por Antunes Ferreira
DAS DUAS... TRÊS: a) ou se bate em José Sócrates; b) ou se bate em Luís Filipe Menezes; c) ou não se bate em ninguém. Regra certa esta e tripartida, na política à portuguesa. Não fora a existência das alternativas – e seria um dogma. Assim, nada de considerandos divinos; há que quedar-se pela lei terrestre, sem arrotos de pesporrência nem sons de arrogância. É assim; é a vida.
Lêem-se alguns títulos, a esmo e só no DN de ontem. Governo recua no fecho de Urgências. Metade dos portugueses exposta a níveis de ruído perigosos. Ministério Público investiga morte após lipoaspiração. Violência doméstica leva filho a matar pais; depois, suicida-se. PSD quer comissão para incompatibilidades. Governo obrigado a garantir acesso ao direito. Megaqueima de droga não esvazia armazém da PJ. Idosa em tribunal acusada de furto de creme de 1,39 euros.
Do primeiro-ministro, quase nada. Bom, convenhamos, o homem também deve ter direito a um dia de descanso. Ou quase. Pois se até Deus descansou ao sétimo dia... Nada de parangonas, no caso em apreço, ou seja a consulta a títulos gordos do quotidiano da Avenida da Liberdade. Ninguém sabe para o que está guardado, diz o fado, daí que hoje, sábado, talvez os cabeçalhos sobre o senhor de São Bento tenham outro impacto, voltem ao habitual.
Já quanto ao candidato (?) a chefe (?) do Governo (?) a roca fia mais fino. Menezes tem uma especial queda para se meter onde não fora chamado. Coragem política, dizem apaniguados seus. Companheiros há que sentem a pele engalinhar-se só por tal ouvirem dizer. Não se pode estar bem com Deus e com o Diabo. Não se poderá estar bem com Luis Filipe Menezes e com Pedro Santana Lopes? Os laranjas que resolvam.
O presidente do PSD tem vindo a coleccionar motivos para que seja cada vez mais controverso. Anteontem prometeu que quando chegar a primeiro-ministro, os médicos vão progressivamente deixar de acumular funções no serviço público de Saúde e no sector privado. «Tendencialmente a prazo deve-se caminhar nesse sentido», ou seja, «quem está no público está no publico, em full time, e em disponibilidade permanente e quem está no privado está no privado», disse aos jornalistas, após uma visita ao Hospital CUF Descobertas, em Lisboa.
De imediato, o bastonário da Ordem dos Médicos considerou «lamentável» a proposta do presidente do PSD para o fim da acumulação do exercício da medicina no sector público e privado, por achar que acabaria com o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Pedro Nunes reagiu, desta forma, à proposta de Luís Filipe Menezes, ou seja, como antes se disse, este defendera que não se pudesse acumular o exercício da medicina no sector público e no privado, princípio que dissera querer ver aplicado progressivamente, a prazo.
Para o bastonário, a proposta fora «preocupante», na medida em que «é uma demagogia entender que há qualquer risco ou menos capacidade do Serviço de Saúde pelo facto de alguns médicos, depois de cumprirem o seu tempo de trabalho, utilizarem o seu tempo livre para fazer consultas, em vez de irem para a praia ou cinema». E lamentou ainda que uma proposta deste tipo tenha saído de um partido que supostamente defende a liberdade de escolha.
Caldo (quiçá de cultura microbiana) entornado quanto aos médicos. Já não bastava o que, no entender deles, lhes tinha vindo a fazer o ex-ministro Correia de Campos, e vinha agora um colega fazer afirmações de um tal quilate. O clínico Filipe Menezes – muito mais político do que discípulo de Hipócrates – ficava, assim, em maus lençóis, quem sabe se hospitalares.
Mas já anteriormente, e num contexto totalmente diferente, o líder social-democrata opinara de tal modo que até um seu correligionário viera a público afirmar da irresponsabilidade do que afirmara. Luís Filipe Menezes comprometera-se, na terça-feira à noite, a retirar a publicidade da RTP se ganhasse as eleições legislativas de 2009 e formasse Governo, deixando o mercado publicitário para os privados. «Há uma opção que o PSD vai fazer, quando ganharmos as eleições: o canal público de televisão vai deixar de ter publicidade e vai ser mesmo um canal de serviço público», declarou Luís Filipe Menezes, em entrevista à SIC Notícias.
«Eu sei quanto é que isso custa e o que vai ter que ser renegociado», acrescentou. Questionado sobre o custo dessa decisão, respondeu: «São alguns quilómetros de auto-estrada. Há opções a fazer. Deixar o mercado da publicidade para os privados é uma opção de fundo que faremos quando formos Governo». Quando lhe perguntaram se tal era uma promessa, Menezes insistiu que se trata de um «compromisso».
Logo o antigo governante Nuno Morais Sarmento veio considerar a proposta de retirar a publicidade na RTP, avançada pelo líder do partido, como «avulsa» e «não reflectida», criticando ainda o dirigente por tardar em apresentar iniciativas políticas. Morais Sarmento, que assinou o actual acordo entre o Estado e a RTP de saneamento de dívidas, afirmou, em declarações à TSF, que «a matéria da televisão pública é séria demais para ser limitada a propostas que visam a sensação pública e a pressão do momento». «É impossível, numa questão com esta seriedade e complexidade, reduzi-la e comentá-la numa proposta avulsa e, por isso, desencaixada, como a supressão de publicidade ou a privatização da televisão pública». Mais críticas se registaram, desde as afirmações do ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, até ao Bloco de Esquerda. Francisco Louçã comentou que a proposta do líder social-democrata «mostra o que é o PSD hoje em dia». «É a prova exacta de um partido de interesses, um partido de serviços». Para o bloquista, o presidente do PSD pretende «acabar com o canal público de televisão, que é sempre uma condição do pluralismo da informação». Registo, sem comentários.
Isto tudo veio trazer à superfície – se é que nela não estava já – a complexíssima questão de se saber quem manda realmente da Rua de São Caetano. Menezes – ou Santana? Estranha condição esta que os sociais-democratas-liberais vivem. Santana é o que se sabe. Menezes (que não se sabia exactamente o que era) agora também já se sabe.
De tal forma o tema se agudizou que o presidente do grupo parlamentar laranja, nomeado por Luís Filipe Menezes, ironia inquietante, surgiu faz hoje oito dias a garantir que não havia dupla liderança no partido porque os social-democratas têm em Luís Filipe Menezes um líder forte «que sabe decidir». «Não é verdade que o partido tenha dois líderes e nem acredito, nunca acreditei e continuo a não acreditar em lideranças partilhadas, em duplas lideranças» afirmou.
«Eu compreendi, nomeadamente na legislação eleitoral autárquica, as razões do doutor Luis Filipe Menezes, apesar de ao princípio ter ficado surpreendido, e digo surpreendido porque não contava que ele fizesse aquela declaração em Pombal, não sabia que ele a ia fazer, mas também não tenho de saber tudo o que ele vai dizer todos os dias», sublinhou Santana Lopes. Recorde-se que Luís Filipe Menezes ameaçara quebrar o acordo com o PS sobre a lei eleitoral autárquica se o projecto de lei conjunto não fosse alterado para que os presidentes de junta possam votar os planos e orçamentos municipais.
Santana Lopes, porém, e como é sabido, não dá ponto sem nó. Assim, acabou, no entanto, por admitir que os rumores sobre divergências com Luís Filipe Menezes partem muitas vezes de dentro do próprio PSD, lembrando um episódio em que correu, no partido e no Parlamento, o boato de ruptura entre os dois depois de um almoço que teve de acabar mais cedo. «É dar mais trabalho às pessoas que é para elas terem menos tempo para inventarem essas interpretações», sugeriu.
Entretanto, o (ainda) líder do PSD afirmou que a manifestação de dia 7, que inicia a Semana de Luta da Frente Comum, «marca o ponto de viragem irreversível na popularidade do Governo e na construção de uma mudança». Os sindicatos da Frente Comum iniciam a 7 de Março uma Semana de Luta, que culminará com uma greve e concentração no dia 14, contra o novo diploma dos vínculos, carreiras e remunerações.
A Semana de Luta inicia-se com um encontro nacional de dirigentes e delegados sindicais do pessoal não docente dos ensinos básico e secundário, em Lisboa, com desfile para o Ministério da Educação. No dia seguinte (8 de Março) realiza-se a marcha de indignação dos professores. «Face à situação de descontentamento na educação, à perseguição de professores, ao clima de medo instaurado e à situação caricata de identificação dos docentes que falaram à televisão, tenho a certeza que a manifestação será um ponto de viragem irreversível na popularidade do Governo e na construção de uma mudança», afirmou Menezes.
É a hora da pancada em Luís Filipe Menezes. Mas é também e cada vez mais a hora de descontracção de José Sócrates, no que concerne às legislativas do ano que vem. Com concorrentes como Menezes, Portas, Jerónimo ou Louçã, o primeiro-ministro, ainda que em perda de popularidade, nem vai precisar de contratar empresa que lhe faça a mudança de São Bento. É tiro e queda: mais quatro anos se desenham no horizonte, cada vez mais com cores definidas. Oxalá não se trate de outra «evolução na continuidade»... Nem pensar!

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Do arquivo Humor Antigo, Ano de 1933 [v. aqui]

Apito

Por João Paulo Guerra
Afinal, pequenino e amarelo, o “Apito Dourado” existe mesmo.
PORQUE SERÁ que a operação policial contra o branqueamento de capitais tem o nome de código de “Furacão”? Será que o “Furacão” é um grau superior das operações “Tornado” ou “Ciclone”? E a operação “Voo Picado” tem alguma relação com a “Pássaros do Sul”? E será que a “Coruja” tem ligações com a “Noites Brancas”, ou a “Macumba” com a “Erva Daninha”?
Em geral os nomes de código das operações policiais reflectem alguma imaginação e um certo imaginário nem sempre de leitura óbvia por parte dos leigos. Mas agora foi esclarecido o mistério em relação a uma das mais badaladas operações policiais: o “Apito Dourado” existe mesmo e foi exibido em plena sala do Tribunal de Gondomar, a capital do ouro, por um árbitro do Porto, de 3ª categoria, não pronunciado no processo que envolve Valentim Loureiro e outros.
O árbitro recebeu o Apito, pequenino, dourado, no ano 2000 mas não se lembra se a oferta simbólica tinha a ver com o telefonema do então presidente do Gondomar, 25 minutos antes do apito inicial do jogo com o Paredes: “Veja lá o que pode fazer. Tenho umas lembrançazinhas para si”. O Apito é um mero berloque sem valor, uma amostra da capital da ourivesaria. Não é com apitos destes que se fabricam resultados, nem mesmo nas divisões secundárias.
Mas a cena do apito no Tribunal de Gondomar transcendeu a mera exibição do penduricalho, deixando à vista que a promiscuidade dos pedidos de favores e da oferta de pingentes faz parte das regras do jogo. O julgamento deste megaprocesso do futebol de terceira ordem continua. Talvez aconteça que em próxima sessão um árbitro tire da algibeira uma peça, toda descascada, da fruta proibida.
«Diário Económico» - 29 Fev 08 - c.a.a.

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Passatempo com prémio

DADO O INTERESSE que parece ter suscitado a crónica de Pedro Barroso, hoje afixada, foi decidido oferecer um exemplar autografado deste seu livro ao autor do melhor comentário que seja feito até às 20h da próxima terça-feira, 4 de Março.
Actualização (4 Mar 08): o comentário premiado foi o de "Anti-Eduquês", a quem se pede que escreva para sorumbatico@iol.pt até às 20h do próximo dia 10, segunda-feira, indicando morada para envio.

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28.2.08

A Quadratura do Circo

O acto tão belo de ensinar
Por Pedro Barroso
FUI, NUMA OUTRA ENCARNAÇÃO que recordo com um misto de saudade e enfado, professor durante mais de uma vintena de anos. De tal vivência sobra a memória de alunos que se fizeram homens, e que ainda hoje me abraçam no reencontro de um passado que foi comum, embora vivido de lados opostos da cátedra.
Juntando essa experiência com o tempo de aluno - desde os seis anos até ao mais alto grau de licenciatura que a possibilitou - contarei, por alto, mais de quarenta anos a lidar em escolas várias, como aluno e como mestre. Creio que é tempo de ter as experiências digeridas e as andanças suficientemente aprofundadas. Nunca pensei, contudo voltar a falar de ensino com a seriedade e a amargura que vos trago hoje.
Foi um tempo em que se aprendia quando era mester de aprender. Tinha de se decorar a tabuada e aprender a fazer contas, coisa que hoje foi substituída pelas máquinas portáteis de calcular. Tinham de aprender-se os rios e os seus afluentes da margem esquerda e direita, as vias rodoviárias e ferroviárias, a História de Portugal nos seus falsos heroísmos, é certo, mas com um detalhe que abrangia o Gonçalo Mendes da Maia, o Fuas Roupinho, a Deuladeu Martins, o alferes Duarte de Almeida, o Decepado, os reis e seus cognomes, o mapa cor-de-rosa, o Teorema de Pitágoras, a construção do octógono, o SO4H2, enfim.
Tinha de aprender-se a convulsiva Revolução francesa, a geografia do mundo, os cristais e minerais, as línguas em uso, o desenho geométrico ainda a tira-linhas, compasso e outras palamentas rústicas convertidas hoje em ridículos objectos de museu. Liam-se «Os Lusíadas» e a lírica Camoneana; e Gil Vicente, Garrett, Júlio Dinis, Camilo, Eça. Obrigatórios.
Respeitavam-se os professores. Havia faltas de castigo, faltas de material e até faltas por atraso. Uma crueldade, talvez. Mas havia. E no fim perdia-se um ano por chumbar no exame, por mau aproveitamento ou por excesso de faltas. Inapelável.
Ninguém batia num professor; nem aluno, nem pai exaltado. Os conflitos e problemas eram tratados com Directores de Turma; e no caso de serem mais complicados, passavam ao Director de Ciclo, ao Vice-Reitor ou em última análise ao Sr. Reitor, última instância de decisão, autoridade e suposta equidade.
Sentíamos um ambiente de normal deferência, provocada por uma educação, talvez, demasiado acrítica. Eram tempos que não importa defender, sabemos. Mas em que uns aprendiam, outros ensinavam, e o mérito aos melhores reflectia-se, quase sempre - passem algumas embirrações injustas ou simpatias casuais, que sempre as houve - na classificação correspondente ao seu saber.
E afinal, deveria ser, até, um tempo doce e cândido, esse de estudar. Um tempo que se relembra, um dia, com saudade. O primeiro zero no ditado. O primeiro desenho de uma elíptica. O primeiro texto em inglês que se traduziu. O primeiro compasso solfejado sem erro.
Do mesmo modo, já jovem adulto, julgando saber tudo, tenho também igual memória da primeira aula que dei, da reacção dos alunos, da relação discreta e casual mas respeitadora com os pais.
Ao longo da vida, tal como todos nós, coleccionei conhecimento. Mas os trunfos e dados principais, as bases fundamentais do aprender a aprender, esses foram-me dados pela Escola. Por todas as escolas, em todos os escalões e importâncias.
Conheci o outro lado do ensino, como vos disse, na pele de professor efectivo dos Liceus.
Ora bem. Davam-se aulas. Essencialmente isso. O tempo que nos davam em que aparentemente não estávamos a trabalhar, estaríamos em casa a estudar, a preparar aulas, a ver pontos, a aprendermos e relembrarmos muitas vezes a matéria que a nós mesmos nos andasse distante, para melhor a podermos dar no dia seguinte. Ou a descansar de uma das mais duras profissões do Mundo. Que também pertence.
Nas reuniões de notas discutiam-se critérios e aproveitamentos. Nos exames examinava-se o que realmente aquele aluno sabia ou não da disciplina em questão. Uma vez por período escolar acertava-se o passo na matéria, para que uns professores não andassem demasiado depressa e outros demasiado devagar. Mas a actividade essencial de uma escola era o ensino. A transmissão. A aprendizagem. Havia que ensinar. Havia que aprender.
Hoje, vejo os professores mais desiludidos que nunca com a sua profissão. Todas as interferências do tecido social, das associações de pais, dos eventuais mecenas e das superiores e enfadonhas tarefas administrativas impostas, imiscuíram-se no ambiente escolar, ocuparam o tempo do professor e diminuíram o seu prestígio e determinância no acto educativo.
As reuniões preparam-se com mais reuniões. O aumentado tempo de horário de permanência na escola não proporciona nem o auto-estudo, o descanso, a renovação, ou a auto-formação essencial.
Atafulhados em papéis para preencher, parece que os professores têm de justificar ao Mundo inteiro as suas análises, as suas classificações e metodologias. A legislação não pára de nos surpreender. Numa versão peregrina de alguma cabeça delirante, uma proposta houve, não sei se ainda vigente, em que a Escola poderia passar a ser dirigida por um representante dos Encarregados de Educação, ou empregados de Secretaria, ou, até, pelo representante eleito do Pessoal auxiliar.
Cabeça semelhante às que, nada mais tendo para fazer, elaboraram o novo tipo de conceitos e designações gramaticais, de memória ainda fresca no ridículo de todos nós. Tanta produção de legislação apenas tem trazido o caos, nunca a liquidez, nem a simplicidade dos factos – Uma Escola é um local de ensino, e pronto.
No outro dia, junto de um ex-aluno meu, há muito tempo já, hoje, ele próprio, professor, colhi o desabafo em relação à sua evolução técnica pessoal de que quando tinha tempo ainda não sabia, e que agora, que ia sabendo, não lhe era dado tempo para desenvolver essas aptidões.
Os programas indulgentes criam alunos ignobilmente inaptos, leia-se analfabetos. E o país, enganado, julga ter o nível educativo em alta. Aferido em que bitola de qualidade? Ao quilo?
Os alunos são, aliás, bombardeados com currículos demasiado carregados - feitos para deslumbrar a Europa, talvez - e desajustados, sombrios, feitos de matérias para esquecer. No fim, um dia, brindam a uma licenciatura sem futuro nem cabimento e infelizmente, quantas vezes, acabam engrossando a lista nacional do desemprego.
A Escola assim tornou-se um massacre para os professores. Uma amálgama de créditos, neo-hierarquias, deveres e secretariado forçado em que quase se parece esquecer o acto maior de ensinar.
Em vez de alma e alegria vejo raiva surda, revolta e perplexidade nas escolas de Portugal. Violência. Abuso. Cansaço. Impotência. Tempo perdido.
Não haverá mão que aja? Não haverá consciência que pare para pensar?
*
Actualização 1 (CMR): ver post seguinte - prémio para o melhor comentário a esta crónica. Os que já foram feitos também serão considerados.
Actualização 2 (4 Mar 08): o comentário premiado foi o de "Anti-Eduquês", a quem se pede que, até às 20h do próximo dia 10, escreva para sorumbatico@iol.pt, indicando morada para envio do prémio.

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«Este país não é para velhos» - Alguém viu?

UM VETERANO do Vietname anda despreocupadamente à caça quando julga que lhe sai a sorte-grande: depara-se com uma cena onde houve uma grande mortandade de traficantes de droga, da qual o único sobrevivente, muito ferido, fugiu com 2 milhões de dólares... mas não foi longe: deu a alma ao Criador a poucos metros dali, pelo que o recém-chegado resolve sumir com o dinheiro.

A partir daí, e como se está mesmo a ver, todo o filme é o caçador a ser caçado. A curiosidade está no mau-super-mau que o persegue e que, entre outras armas, usa uma garrafa de ar-comprimido com a qual arromba portas e dá uns tirinhos estranhos mas bem eficazes...

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Censura

Por João Paulo Guerra
Um professor da Universidade do Minho com contrato a prazo foi levado a fechar um ‘blogue’ de humor e um canal de vídeos que mantinha na Internet, ambos julgados “desprestigiantes” pelo Departamento de Sociologia da Educação e Administração Educacional (DSEAE) da instituição.
O DIRECTOR DO DEPARTAMENTO diz que não se tratou de censura, mas de meros conselhos para que o autor revisse “alguns elementos considerados incorrectos”.
O ‘blogue’ em questão – http://sol.sapo.pt/blogs/dissidencias/ – apresenta-se como “um espaço de sátira política e social” e o seu autor jamais se identificou, pelo que não poderia comprometer a instituição para a qual trabalha a termo incerto. Mas, mesmo assim, o DSEAE não gostou de ver e que outros vissem comentários satíricos aos governantes, à Igreja e a outras vacas sagradas.
E não terá sido apenas o DSEAE, pois alguns colegas do professor anunciaram que querem levar a punição do atrevido e inconveniente ‘bloguer’ “até ás últimas consequências”. Em Portugal há a nova questão da velha bufaria em que estamos. No Público de ontem, o autor do ‘blogue’ contava que alguns colegas lhe moviam uma “vigilância pidesca”. Os antigos bufos bufavam para aumentar o pecúlio. Os novos bufam para apresentar serviço e por amor ao emblema que os faz singrar na vida.
As instituições portuguesas não convivem nada bem com o humor. Fingem que acham graça, para não dar o flanco, quando são caricaturadas. Mas riem-se em tons de amarelo, disfarçando a raiva mal contida por não poderem entregar os autores dos gracejos às fogueiras inquisitórias. O mais que as instituições portuguesas toleram são bobos da corte. Mas os bobos não entram na classe dos humoristas: é mais palhaços.
«Diário Económico» - 28 Fev 08 - c.a.a.

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Passatempo com prémio cruzado...

NESTE PASSATEMPO, pretende-se premiar quem primeiro responda a uma das seguintes questões (ou a ambas):
1ª - Quem foi o autor deste texto?
2ª - A que poeta (cujo nome se ocultou) se refere?
O prémio é duplo, e será atribuído de forma cruzada:
O primeiro leitor que responder certo à 1ª pergunta (mesmo que não responda ou se engane na 2ª), receberá um exemplar dos referidos Sonetos.
O primeiro leitor que responda certo à 2ª pergunta (mesmo que não responda ou se engane na 1ª), receberá um exemplar de um livro do autor do texto.
O prazo termina às 20h de sábado, dia 1 de Março.
Actualização: as respostas certas (Eça de Queirós e Antero de Quental) foram dadas por "Perspectiva", a quem o prémio-duplo já foi enviado.

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Chipre – Um laboratório político

Por C. Barroco Esperança
DESDE CEDO os princípios igualitários do comunismo me seduziram tanto quanto deles me separaram o centralismo democrático e o partido único.
Diz o aforismo que de boas intenções está o inferno cheio e, de facto, as experiências comunistas fracassaram sem terem alcançado o bem que se propunham e evitado o mal, que se considerava transitório, condição sine qua non para o almejado paraíso.
O fracasso de uma experiência não arruína a doutrina e não se vê que uma segunda oportunidade, no respeito pelas normas do pluralismo e da alternância democrática, não possa e não deva experimentar-se, nomeadamente – como foi o caso – através de eleições livres.
O partido comunista do Chipre ganhou as eleições contra a direita e contra o empenhamento da Igreja ortodoxa que vai ter de aceitar um Estado laico, como é próprio das democracias. Cabe ao novo presidente mostrar de forma exemplar que os marxistas respeitam o pluralismo e abdicam da conquista do poder pela via revolucionária e o devolvem quando a sorte das urnas o determinar.
Dimitris Christofias prometeu durante a campanha eleitoral que iria preservar a economia de mercado e que não procederia à nacionalizações de empresas. O contexto geopolítico não lhe permitiria outra opção mas é saudável que um comunista possa mostrar que há caminhos alternativos à teologia ultraliberal.
Todos teremos a ganhar e Chipre não será a Cuba da Europa ainda que alguns julguem que um comunista que respeite a iniciativa privada seja uma espécie de vegetariano que não dispensa o bife.

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27.2.08

Passatempo com prémio - Relembrando

DADO QUE FOI no título deste famoso livro que Nuno Brederode Santos se inspirou para o da sua última crónica [v. aqui], o Sorumbático resolveu oferecer um exemplar dessa obra de John Reed ao autor do melhor comentário que venha a ser afixado nesse post até às 20h de hoje, quarta-feira.
Actualização: o passatempo foi ganho por "Musicólogo", a quem o livro já foi enviado.

Justiça

Por João Paulo Guerra
Será que observando o triste e degradante espectáculo de magistrados contra magistrados, DIAPs contra DIAPs, tribos contra tribos, se pode concluir que tudo isto faz parte do normal funcionamento das instituições?
A JUSTIÇA VIVE UMA CRISE jamais vista. Não se trata apenas da absurda lentidão, da rotineira ineficácia, da costumeira guerra de competências, de capelinhas e de corporações, das sobreposições ou vazios legais, tudo isto com nefastos efeitos na administração da justiça e do Estado de direito. O que se passa agora é bem mais grave. É uma luta sem quartel pelo poder, uma guerra de intrigas e manobras que entravam e desacreditam as instituições da justiça.
Um magistrado, protagonista de uma das mais recentes batalhas desta guerra, proclamou que tudo isto se resume a “coisas dos jornais”. Claro que sem jornais, ou apenas com jornais domesticados e pseudo-jornalistas escolhidos, tudo seria mais fácil. Mas não seria em democracia. E não são “coisas dos jornais” a sucessão de declarações e actos de hostilidade visando aniquilar esta figura, esmagar aquele grupo, promover aqueloutro, consolidar o poder de um terceiro.
Os filmes dos acontecimentos, desde que rigorosos, dão uma preciosa ajuda ao estabelecimento das relações de causa e efeito. Inicialmente tudo se resumia a uma guerra-fria de ditos e indirectas, mas depois a guerra aqueceu. E agora, no preciso dia em que o Procurador-geral da República, alvo central de grande parte da contestação, reuniu estruturas regionais do Ministério Público para mediar conflitos que comprometem a imagem das instituições, nesse mesmo dia abriu-se nova frente de hostilidades. O que se passa é uma guerra e já tem uma vítima: a justiça.
«Diário Económico» - 27 Fev 08 - c.a.a.

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«Michael Clayton» - Alguém quer comentar?

CURIOSIDADE: já toda a gente, decerto, viu o George Clooney dar corpo e voz a um divertido anúncio da Nespresso em que, num escritório, aparece uma senhora que o interpela; apenas pretende servir-se da maquineta para tirar um café, mas Clooney, julgando que se trata de dar um autógrafo, diz-lhe, pesaroso, que não tem caneta.

Ora acontece que a fase «Tem aí uma caneta?» aparece mais do que uma vez neste filme, pelo que é difícil evitar um sorriso - por mais dramática que seja a cena em curso...

QUEM, a seu tempo, se deliciou com «O Homem que Era Quinta-feira», tem agora uma boa notícia: a publicação deste livro do mesmo autor, com cinco saborosíssimas histórias de mistério (e humor-não-demasiado-negro), seleccionadas e prefaciadas por Jorge Luis Borges.

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Passatempo com prémio

COMO JÁ SUCEDEU com um problema semelhante (que, nos tempos em que foi concebido, estava ao alcance de adolescentes medianamente escolarizados), o prémio, a entregar ao primeiro leitor que o resolver, será um livro de literatura juvenil.
Mas atenção a um pormenor: embora a resolução matemática - que se exige - conduza a mais do que um resultado, apenas um é válido. Será preciso, naturalmente, explicar qual é o correcto - e porquê.
Actualização 1: a resposta certa foi dada por Mr. Shankly.
Actualização 2: um leitor coloca a seguinte questão - que bem poderá dar origem a um prémio suplementar: «Por que razão a soma das duas soluções matematicamente possíveis é 100, e teria de ser 100, qualquer que fosse o preço do quilo?»
Actualização 3: a resposta adicional voltou a ser dada por Mr. Shankly. Os livros-prémio, que entretanto escolheu, já lhe foram enviados.

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Os miúdos com fome

Por Baptista-Bastos
RELATÓRIOS INTERNACIONAIS dizem que temos fartura de tudo: de miséria, de desespero, de desemprego, de resignação, de mentiras; e falta do que confere a uma pátria a fisionomia moral, cultural, cívica, social e política. O retrato perturba. Perturba quem? As camadas da população mais sovadas: eu, tu, nós. Eles, vós, os outros, pertencem à lista que reivindica uma outra forma de viver: na abastança obscena, causadora da mais excruciante das desigualdades. Ainda há horas, recebi, mensagem electrónica, o rol de alguns privilegiados, cujos ordenados, mordomias, pensões, subsídios, indemnizações pertencem à etimologia da pouca-vergonha. E o DN de anteontem adicionou, ao infortúnio do viver português, a desgraça de que um quinto dos nossos miúdos está em risco de pobreza. A saber: a miséria nunca toca duas vezes.
O desemprego: origem de todos os males. E o emprego está sempre em risco. Mesmo trabalhando, milhares de pessoas sobrevivem na faixa da pobreza. O eterno divórcio entre política e moral, e entre História e ética não justifica a reprodução, multiplicada, dos privilégios. Estes valores dominantes, sustentados por partidos ditos de "esquerda", estão a criar o favorecimento da sua própria relegação. Quando a Sedes, sempre com atrasos históricos consideráveis, alerta para os perigos de uma grave cisão social, com eventuais convulsões de rua, reabilita, toscamente, o que Ortega y Gasset chamou "a rebelião das massas".
O pensamento sistemático da "globalização" não conseguiu sistematizar o mundo; e o monotema do "socialismo moderno", com Tony Blair na batuta e Guterres e Sócrates na flauta, foi a metáfora de um capitalismo desprovido (como, aliás, lhe compete) de emoção humana. O capitalismo nunca anunciou a felicidade na Terra, enquanto o "socialismo moderno", e seus habilidosos e loquazes tribunos, prometeram tudo e mais alguma coisa.
As duas páginas que o DN consagrou à pobreza atingem-nos como uma afronta. Mas é importante que jornais importantes persistam em falar na importância da infâmia. A denúncia da atroz realidade não constitui um ressentimento sem motivo nem um ódio monográfico aos grandes privilégios, embora Balzac tivesse escrito que todas as fortunas assentam num crime - e quem sou eu para desdizer Balzac?
As convulsões sociais que se pressagiam vão carecer de mediadores capazes de compreender o que está em jogo. Assim como de reavaliar os conceitos de "exploração" e de "alienação", que permitem explicar, de uma outra maneira "política", o País onde vivemos. Este país, dirigido por uma gente improvisada e insensível, a tal ponto, que empurra dois milhões de miúdos para a faixa da pobreza. Eufemismo que quer dizer: têm fome.
«DN» - 27 Fev 08

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26.2.08

Crianças

Por João Paulo Guerra
A pobreza infantil é uma nódoa da política portuguesa já marcada por situações de fome. Ora, se não têm pão, comam ‘brioches’.
AQUI HÁ UNS TRÊS MESES, numa cerimónia pública de apresentação de um livro, as palavras de um prelado português impressionaram vivamente quem as ouviu: “Cada vez que vejo um pobre a dormir na rua penso que nesse dia e por esse motivo o governo do país devia cair”. O que terá proclamado o bispo ao ler, nos jornais de ontem, os dados europeus sobre a pobreza infantil em Portugal? Há estatísticas que trazem consigo tanto sofrimento e amargura de tanta gente indefesa que só mesmo corações empedernidos e sensibilidades sociais embotadas podem ficar indiferentes. É o caso dos dados europeus que, uma vez mais, envergonham Portugal e deveriam rebaixar os titulares do poder em Portugal.
Só que os titulares do poder estão tão inebriados consigo próprios, tão enlevados com a sua própria propaganda, tão extasiados com os elogios das clientelas, tão cegos pelo brilho do dinheiro dos compartes e pelo sucesso dos interesses que não há miséria que os comova.
No último caso conhecido, os dados europeus revelam que Portugal é o segundo país europeu onde o risco de pobreza infantil é maior e mais duradouro. A situação piorou desde o relatório anterior e hoje em Portugal já existe um número considerável de crianças que sofre de sérias carências alimentares. Não consta que o Governo, de acordo com a vontade do bispo, tenha caído e nem é de prever que se tenha sentido minimamente incomodado. As muito pobres crianças portuguesas – uma em cada cinco – se não têm pão que comam ‘brioches’, como dizia Maria Antonieta, e siga em frente a tilintante marcha dos interesses.
«Diário Económico» de 26 Fev 08 - c.a.a.

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«Ah, grande motim!» - Passatempo com prémio

CONTINUAM A OUVIR-SE VOZES mais ou menos iradas e apocalípticas a prognosticar grandes motins populares a ocorrer "qualquer dia". Ora, partindo do princípio de que isso não passa de conversa de taxista (porque tudo indica que, em 2009, o "Zé" vai votar nos mesmos ou noutros semelhantes), o Sorumbático desafia os leitores a dizerem quem foi o autor (*) da seguinte tirada:
*
E lembra-me que uma noite, a propósito de não sei que novo escândalo [...], achando-nos uns poucos no Martinho, em torno de um café, exclamámos todos, pálidos de furor, cerrando os punhos:
- Isto não pode ser! Já sofremos bastante. É necessário barricadas, é necessário descer à rua!
Descer à rua, era a ameaça terrível. E descemos o degrau do Martinho!
*
(*) Além do nome do autor (o que não é difícil), deverão ser indicadas as duas palavras que faltam em "[...]". O prazo termina às 20h do dia 4 de Março e o prémio, como se está mesmo a ver, é o livro cuja capa aqui se mostra.
Actualização: o passatempo foi ganho por Victor Figueiredo, que deu a resposta certa às 14h44m e a quem o prémio já foi enviado.

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CONVIDAM-SE os leitores do Sorumbático para a inauguração da exposição PONTO DE VISTA, comissariada por Sérgio B. Gomes, no dia 27 de Fevereiro, pelas 19h00m, na Praça Central do Centro Colombo, em Lisboa - iniciativa inserida nas Comemorações do 10.º Aniversário FNAC Portugal.
Agradece-se confirmação até Terça-feira, dia 26, através do e-mail alexandra.libanio@fnac.pt.

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Apologia da imitação

Por Nuno Crato
ESTAMOS HABITUADOS a desprezar a imitação. Mas é ela que leva os bebés a aprender a falar, que nos leva a respeitar normas sociais mesmo antes de as compreender e, segundo várias investigações do comportamento animal, é ela que, em grande parte, explica a sobrevivência de muitas espécies gregárias.
Quando as zebras viajam, por exemplo, se uma delas vislumbrar um leão e fugir, todas se dispersam, mesmo sem verem a ameaça. O pânico é contagiante e a imitação torna-se um factor de sobrevivência.
Também assim tem sido com a espécie humana. Psicólogos e evolucionistas estão convencidos que a imitação entre os seres humanos é ainda mais acentuada que entre os símios.
Nos últimos anos, vários estudos têm apontado nesse sentido («Nature» 437, pp.737–40 e «Animal Cognition» 8, pp. 164–81), o que põe em causa alguns mitos românticos sobre a humanidade.
Mais recentemente, estudos psicológicos têm mostrado que a imitação é um factor de coesão e de atracção entre seres humanos.
Tanya Chartrand e outros psicólogos da Universidade de Duke, em Carolina do Norte, fizeram agora uma série de experiências que mostram a simpatia gerada pela imitação («Social Cognition» 25). Em diálogo com uma pessoa, os investigadores verificaram que, se imitarem discretamente alguns dos seus gestos, posturas, tiques de linguagem e pronúncia, geram uma maior simpatia. Mediram-no de várias maneiras, por exemplo, deixando cair ao chão, de forma casual, um lápis e registando se os entrevistados tomam a iniciativa simpática de o apanhar. A probabilidade de o fazerem é cerca de três vezes maior nos que foram subtilmente imitados durante a entrevista.
A imitação tem também poderes de persuasão.
«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 23 Fev 08; imagem obtida [aqui]

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25.2.08

Cenas de uma guerra perdida

Sequência fotografada esta tarde. De cima para baixo:
1.º- Chega uma carrinha da EMEL e bloqueia o carro que se vê por detrás da mota.
2.º- Mesmo à frente da carrinha, uma senhora, num carro branco, parece não dar por nada e deixa-se ficar. Ao fundo, o condutor que estacionou em cima do passeio, idem.
3.º- (Vista do outro lado da rua). Chega o reboque. A senhora e o senhor atrás referidos retiram-se...
4.º- Um outro condutor chega numa carrinha preta e, completamente alheio ao que se passa à sua volta, estaciona mesmo em frente do reboque e vai à vida dele.
5.º- O reboque e a carrinha da EMEL, que, pelos vistos, já haviam dado a missão por terminada, não incomodam mais ninguém e vão-se embora. De imediato, chega um carro cinzento, estaciona atrás do preto, e todo o ciclo (ou o circo?) recomeça...

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Para bom entendedor...

Por Antunes Ferreira
JÁ CÁ FALTAVA MAIS ESTA. Sócrates e o seu Governo transformaram-se em bombos de festa, em boa parte por culpa própria. Não estará num momento de auto masoquismo, pois, a sê-lo, estaríamos perante um grupo e o seu chefe caracterizáveis como suicidas. De tanta bordoada com que têm sido mimosiados, poderia passar-lhes pelas respectivas cabeças um novo 18 de Novembro de 1978. O que, como é evidente, não resolveria nada.
Para aqueles a quem a data pouco ou mesmo nada diz, aqui fica a informação resumida. James Warren "Jim" Jones, um Americano nascido em 1931 na cidade de Crete, Indiana, foi o fundador do grupo Templo do Povo, que se tornou sinistro após o suicídio em massa, justamente naquela data, por envenenamento. Por ordem dele e que se verificou na sua isoladíssima colectividade comunitária agrícola conhecida por Jonestown (do nome do fundador), localizada na Guiana. Jones foi encontrado morto com um ferimento de bala na cabeça junto aos 909 corpos dos seus seguidores.
Comparação espúria e incongruente, sublinha-se. Não passa pela cabeça de ninguém uma tal hipótese tsunâmica. Nem uma anedota, aliás despropositada, estaria na sua base. Isto porque, o Executivo, ao completar o terceiro ano de mandato – e apesar das declarações pintadas de cor-de-rosa do primeiro-ministro na sua entrevista à SIC – tem de estar consciente de que a sociedade portuguesa já o olha de viés e poderá sancioná-lo pesadamente em 2009.
Alhear-se de tal possibilidade é autismo. Aguentar os ataques repetidos de que vêm a ser alvos é obrigação dos governantes sejam eles quais forem. No caso vertente, são os chefiados por José Sócrates. Este, por conseguinte, além da carapaça que deve usar, tem de convencer o Povo de que o caminho certo é o que segue. O que é cada vez mais difícil. Não se ignore: o trabalho sujo, alguma vez e por alguém tinha de ser feito. Mas sob riscos tremendos.
Dirá Sócrates que tudo tem executado – e muito tem conseguido – para que Portugal deixe de ser o patinho feio da UE. A enorme melhoria das contas públicas atestam-no, o défice a um nível impensável há três anos exemplificam-no, a presidência portuguesa corroborou-o. Porém, os cidadãos estão em lençois que se podem qualificar de medíocres, para se não chegar aos maus. E o descontentamento é quase geral. E, mesmo assim...
Nós, os Portugueses, somos militantes do mal dizer, queixamo-nos por tudo e por nada, encontramos sempre um bode expiatório para aquilo que não conseguimos fazer – e que é o Governo. Somos assim de há muitos séculos a esta parte, nunca nos soubemos governar, nem queremos ser governados. Este espingardar contínuo está-nos na massa do sangue. Se continuamos a cuspir para o chão ou a atravessar as ruas fora das zebras - é porque sim, e porque não. Civismo, que é dele?
Veio, agora, a SEDES, uma das mais antigas associações cívicas portuguesas, afirmar em comunicado on-line que se sente na sociedade portuguesa «um mal-estar difuso, que alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional». Apesar de «nem todas as causas deste sentimento» serem «exclusivamente portuguesas», «uma boa parte são questões internas à nossa sociedade e às nossas circunstâncias». Daí que esse mal-estar, a manter-se, poderá originar uma «crise social de contornos difíceis de prever».O Estado, «a esfera formal onde se forma a decisão e se gerem os negócios do País», tem de abrir «urgentemente» canais para escutar a sociedade civil e os cidadãos em geral. «Os portugueses têm de poder entender as razões que presidem à formação das políticas públicas que lhes dizem respeito». Assim, a sociedade civil pode e deve participar no «desbloqueamento da eficácia do regime - para o que será necessário que este se lhe abra mais do que tem feito até aqui -, mas ele só pode partir dos seus dois pólos de poder: os partidos, com a sua emanação fundamental que é o Parlamento, e o Presidente da República».
O mal-estar sublinhado deve-se a «sinais de degradação da qualidade cívica», como a «degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários», a «combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma Justiça ineficaz» e o aumento da «criminalidade violenta» e da «insegurança entre os cidadãos». A associação afirma ainda que o Estado tem uma presença asfixiante sobre toda a sociedade «a ponto de não ser exagero considerar que é cada vez mais estreito o espaço deixado livre para a iniciativa privada». Mas, muitas vezes ele «demite-se do seu dever de isenta regulação para desenvolver duvidosas articulações com interesses privados, que deixam em muitos um perigoso rasgo de desconfiança». O comunicado é assinado pelo Conselho Coordenador, do qual fazem parte Vítor Bento (presidente) Alves Monteiro, Luís Barata, Campos e Cunha, Ferreira do Amaral, Henrique Neto, Ribeiro Mendes, Paulo Sande e Amílcar Theias.
A SEDES foi uma das vozes que tentavam criticar o regime salazarento. Granjeou um prestígio que se reconhece. Ainda que não tenha conseguido resultados muito significativos, deu por bastantes vezes, o lamiré para o que estava mal – e muito era. No entanto, cingiu-se sempre ao opinativo, nunca empreendeu acções para concretizar o que defendia. Nela participaram nomes que têm o seu lugar na História, sobretudo na do pensamento filosófico-político.
Depois do 25 de Abril diminuiu a sua intervenção através da crítica, que constituía o seu pecúlio na sociedade. Retirou-se para uma posição sossegada, havendo até quem disse que estava a desaparecer lenta mas definitivamente, por falta de espaço. No entanto, aqui e ali surgia como uma Fénix que renascia episodicamente. Constituíra-se num espécie de «reserva», quem sabe se da Nação... Um tanto letárgica, embora. Ficava-se pelos bastidores, raras vezes vinha à boca de cena e, quando isso acontecia, por papeis secundários.
Decidiu-se, neste momento, pelo protagonismo. E avançou com afirmações contundentes, que deixaram em bastantes bocas amargos a que se tinham desabituado. Naturalmente que os partidos já começaram a reagir face às afirmações feitas. Partidos que, sem margem para dúvidas, foram objecto incontornável do comunicado da SEDES.
Políticos, cujas fotografias pertencem ao álbum subliminar do texto da associação cívica, opinaram já a tal propósito, puxando obviamente a brasa à sardinha de cada um. E tentando, qualquer deles, desde Santana Lopes até António Vitorino, sacudir qualquer água dos capotes. Como se o comunicado não lhes tocasse e eles nada tivessem a ver com ele.
Não admira que assim seja. Como se disse atrás, este nosso País tem peculiaridades especialíssimas. Dizia Pinto Coelho, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, nos anos 60, que quando não era possível caracterizar uma situação jurídica... só havia uma saída: rotulá-la de sui generis...
José Sócrates tem de estar, forçosamente, atento aos considerandos e à ferroadas da SEDES. Sem desculpas, se o não fizer; ainda menos se as qualificar com arrogância. Para bom entendedor...

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Rápidas

Por João Paulo Guerra
- A DIRECÇÃO do PSD ordenou ao líder do grupo parlamentar do PPD/PSD que deixasse cair os pactos disto e daquilo com o PS, fazendo abortar alguns arranjos de modo a que os eleitores, num futuro próximo, saibam onde acaba a rosa dos socialistas e onde começam as setinhas dos social-democratas. Isto não é para que Santana Lopes fique a saber quem manda no PSD. É para o país saiba que ele ficou a saber que o PSD poderá ter duas cabeças mas tem apenas uma sentença.
– PARA CONTORNAR a lei do tabaco, a Associação de Bares e Discoteca da Zona História do Porto sugeriu aos seus associados que se transformassem em associações culturais e recreativas. Histórica sugestão. Já agora os bares de alterne podiam travestir-se de Fundações Culturais, as roulotes abastecedoras de colesterol em ONG, as claques dos clubes de futebol em associações cívicas, as co-incineradoras das cimenteiras em grupos ecológicos e até mesmo o Governo em instituição de solidariedade social.
– O PROCURADOR-GERAL da República reuniu responsáveis dos DIAP do Porto com os do resto do país tentando abrir uma linha de diálogo Norte / Sul e mediar o conflito declarado entre estruturas tribais do Ministério Público. Perante o estado a que o conflito chegou provavelmente para o mediar já só com capacetes azuis. Capacetes azuis e apitos dourados, para ser ouro sobre azul.
– A PROPÓSITO da temática da pobreza e das desigualdades, Mário Soares deu no Diário de Notícias o exemplo da China: o esplendor dos Ferraris, em Xangai, por contaste com a pobreza absoluta no resto daquele imenso país. Isto é que é ter a obsessão das viagens. Para apontar exemplos de desigualdades gritantes não é preciso ir daqui à China.
«Diário Económico» - 25 Fev 08-c.a.a.

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O país onde a lei se ataca de cernelha

Por Ferreira Fernandes
NAS DISCOTECAS é proibido fumar, diz a lei. Os donos das discotecas não gostam da proibição.
Centenas de filmes contam-nos como uma contradição desse tipo se resolveu em Chicago. Discotecas clandestinas, portas que se abriam só para quem conhece a senha, gangsters, Al Capone... Muito barrica de uísque partida à machadada, muito massacre de São Valentim, mas que belos enredos!
Voltando ao país dos brandos costumes, como é que a nossa espécie de Lei Seca é atacada pelos descontentes? Como de costume: de cernelha. Os patrões das discotecas do Norte, para secarem a lei contra o fumo, contornam-na: querem transformar as discotecas em "associações sem fins lucrativos". Juro.
Já agora: a proibição de mais de 120 à hora nas auto-estradas é só para automobilistas, certo? É que sou astronauta.
Portugal é o país ideal para dar a volta à lei. Tem um contra, comparado com Chicago: não dá para fazer filmes com acção e emoção. Só dá para comédias, que não fazem rir.
«DN» de 22 de Fevereiro de 2008-c.a.a

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24.2.08

Desastres

Foto AB
Por António Barreto
É SEMPRE ASSIM. Calor e seca trazem falta de água, perda agrícola, incêndios de floresta e morte de animais. Por vezes, doenças. Chuva traz inundações, perda de casas e bens, pobreza, destruição de estradas e comércios. E ameaças para a saúde pública. Sem falar nas avarias de telefones e de água canalizada, nos cortes de gás, nas paragens de semáforos e nos colossais engarrafamentos de carros. Nuns e noutros casos, bombeiros, serviços de protecção e prevenção, socorros de emergência, soldados, polícias e centros de saúde desunham-se quanto podem, mas são sempre insuficientes, raramente chegam a tempo, não estão dimensionados e faltam-lhes meios e organização. Esta é a fragilidade de um país. Esta é a fraqueza de uma sociedade que se moderniza velozmente, de um modo brutal. As camadas modernas vão-se sobrepondo sobre a sociedade antiga, sem evolução ou ajustamento. Auto-estradas por cima das couves, cabos de alta tensão e antenas de telemóveis em cima dos telhados e prédios instantâneos rodeados de ribeiras e ribanceiras, de taludes e areia. Restos de obras escorrem nas enxurradas, areia e tijolo espalham-se pelas ruas e aterram nas baixas das cidades ou perto dos rios e praias. A lama natural mistura-se com os detritos de uma sociedade desorganizada e desmazelada, a que presidem autoridades sempre mais interessadas no que dá nas vistas, com enorme desprezo pelo que faz falta. Como tão bem adverte, há décadas, Ribeiro Telles, cortam-se as vias de água, tapam-se os sistemas de drenagem, desviam-se cursos, entopem-se as sarjetas e os esgotos e não se cuida do espaço público. Nem sequer se aprende com os desastres anteriores. Aposta-se no futuro e sai Casino, estádio de futebol ou Exposição. Choque tecnológico ou plataforma. Resort de luxo ou TGV. Mas a sarjeta, senhores, a sarjeta! Essa fica esquecida. Sem falar na drenagem, no abastecimento de água, nas linhas de telefone, nos esgotos ou na organização dos serviços de emergência.
NO DOMINGO PASSADO, por acaso, vi meia hora de televisão. Num programa da RTP, quando liguei, Pacheco Pereira falava disto tudo, a propósito das inundações de 1967 e de outras, mais recentes, referindo-se em especial à cidade de Loures, onde os desastres costumam ser de grandes proporções. Tanto denunciava, pareceu-me, as autoridades como os costumes das populações. Foi imediatamente desmentido por um senhor empertigado da câmara ou dos serviços de protecção locais, ou de ambos. Foi-lhe dito, secamente, que não sabia do que falava, que a câmara já tinha feito o que devia e que umas novas construções evitariam aqueles desastres. Pacheco Pereira, garantia o seu contraditor, não sabia o que dizia, estava afastado de Loures e falava como um ressabiado, pois tinha perdido as eleições. Ponto final. Duas horas depois, uma carga de água varreu as ilusões modernizadoras do senhor. Só não sei é se lavou também a sua arrogância.
NOS GRANDES DESASTRES, há sempre uma parte pessoal. A minha não foi tanto ter ficado sem telefone fixo durante uma semana, como foi a de ter sido entregue aos “call centers” da PT. Dezenas de chamadas e centenas de “prima a tecla três” ou “marque dois” não foram suficientes para reparar a linha. Era da humidade, da caixa, do verdete ou de qualquer outra sujidade. Desde o momento que um assinante deixa o seu número, nunca mais consegue falar com pessoa viva. Vai de máquina em máquina, de “call center” em “call center”, de serviço em serviço, tem de carregar em sucessivas teclas, até que os gravadores lhe dizem que está tudo registado e lhe desligam a chamada. A nova tecnologia, a modernidade e a simplificação dão nisto. Pena é não haver concorrência real nos telefones fixos!
*
DESASTRE MAIOR, mas com origem diferente, é o que se abateu sobre a Câmara de Lisboa. Ou antes, que a Câmara de Lisboa ofereceu aos seus munícipes. Como se sabe, a Câmara está falida. O que quer dizer que, sendo entidade pública, não está. Decidiu pedir um avultado empréstimo, subscrito por todos os partidos. O Tribunal de Contas, em aplicação das leis em vigor, nomeadamente a última sobre as finanças locais da autoria do então ministro e hoje presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, impediu o empréstimo. A Câmara e os grupos partidários nela representados vão recorrer, mudar os processos, procurar expedientes. O Município precisa urgentemente de 400 ou 500 milhões de euros. Não para fazer obra, mas para pagar dívidas. Dívidas a centenas ou milhares de empresas e pessoas que forneceram bens e mercadorias, fizeram empreitadas, asseguram a manutenção e prestam serviços. Alguns destes credores faliram, enquanto outros tiveram de pedir dinheiro emprestado (de que pagam juros), têm sérias dificuldades, despediram colaboradores, reduziram a sua actividade e vivem em grande stress. Os partidos, os autarcas e os governantes discutem o processo, debatem as normas jurídicas, compram pareceres aos melhores advogados, acusam-se mutuamente e denunciam responsabilidades. Do que se percebe, ressalta que a responsabilidade é de todos os partidos e de todos os presidentes de câmara que ocuparam cargos em Lisboa desde há pelo menos quinze ou vinte anos.
As consequências deste episódio são devastadoras. Para as pessoas que sofrem os efeitos e não têm meios ou recursos para serem compensadas. Mas sobretudo para a nossa vida colectiva. Por ser pública, uma entidade pode ficar a dever, falir e ter comportamentos absolutamente irresponsáveis, que nada lhe acontece. Por serem dirigentes públicos, os autarcas podem gastar o que não têm, ficar a dever, provocar a falência de cidadãos e empresas e não cumprir os compromissos e os contratos assinados. Por serem eleitos, podem fazer a demagogia que lhes dá na cabeça, gastar no que lhes apetece, contratar os amigos e subsidiar o que lhes interessa, que não são depois chamados a pagar e assumir responsabilidades. Talvez tudo fosse diferente se os políticos tivessem de responder, com os seus bens, pelas dívidas e pelos abusos de que são responsáveis. Talvez não houvesse tanta demagogia se os bancos comerciais fossem as únicas entidades capazes de avaliar a capacidade financeira de uma Câmara. Uma coisa é certa: as dívidas da Câmara de Lisboa (e certamente de muitas outras autarquias e entidades do Estado central) constituem um poderoso estímulo à impunidade da vida colectiva. Mais: revelam que o Estado, em Portugal, não está submetido ao direito. Este é um verdadeiro desastre. Uma inundação é preferível.
«Retrato da Semana» - «Público» de 24 de Fevereiro de 2008

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Dez dias que lhe abalaram o mundo

Por Nuno Brederode Santos
PENSOU QUE ERA O DESTINO a passar-lhe rente à porta. Deslumbrou-se com o estatuto e o "panache", pelo que, na luta por eles, entregou o poder que conquistara a todos os aliados de ocasião: Santana, Jardim, Ribau, Marco António. Para desmentir a ideia de ruptura, engalanou-se com comendas antigas: Ângelo Correia, Luís Fontoura, Mira Amaral. Para esconjurar alguns demónios, quis ainda neutralizar Cavaco, Balsemão, Ferreira Leite. Depois - enfim - percebeu. Só não percebeu que era tarde. Que nem todas as epopeias pessoais culminam na glória ou no caos: há muitas que estiolam, gemebundas, na pior melancolia.
Em dez escassos dias, Menezes deu a volta ao seu mundo. Da postura de Custer, à frente da carga ingénua do Sétimo de Cavalaria, passou à de David Crockett, nas paliçadas do Álamo: se está perdido por mil, "let´s give America something to remember". O PSD de Menezes já está a posar para a História. Já não constitui uma ameaça populista ao cruzeiro institucional do regime. Ameaça, sim, mas tão só, a vocação governativa do partido. Claro que para um jovem quadro laranja que julga que a vida inteira se joga no futuro próximo, essa visão embaciada, trémula e cada vez mais longínqua do poder a curto prazo é muito, se não for tudo. Mas para os demais são boas novas.
Talvez o primeiro sinal desta descida a esse mundo alternativo, em que os avatares querem ser primeiros-ministros, tenha sido dado com uma estratégia de tudo e nada: se for eleito, "desmantelo o Estado em seis meses", mas, durante a próxima legislatura, "não encerrarão mais serviços públicos". Ou com a surpreendente declaração de que, se alguém lhe quisesse disputar a liderança, ele promoveria de imediato umas "directas": um líder com quatro meses de exercício - e que os mais cépticos julgavam estar tranquilo - lançava assim a intranquilidade entre os seus e mostrava-se presa dos piores terrores nocturnos. Agora, porém, refinou: "Se querem que eu saia, terão de tirar-me à bomba." Isto já não é o "Papão" ou o "Homem do Saco": é Freddy Krügger em "Elm Street". E o consequente surto bombista vai envergonhar a Al-Qaeda. Porque os pretextos não vão faltar.
Os sinais vêm-se acumulando. Tanto que já não deixam dúvidas. A virulência do ataque a Miguel Veiga (a quem mais não se exigia do que o respeito pelo estatuto conquistado), um imprevisto apoio de Cavaco nas presidenciais, deu o mote. As várias tentativas de desautorização de Santana (de que estão em curso a ruptura dos pactos na justiça e na lei autárquica, por este negociadas) e o sacrifício de Ribau Esteves (subscritor da famosa carta a pedir aos presidentes de junta um sacrifício afinal inútil) fizeram o resto. O anúncio de uma auditoria externa às lideranças anteriores (de Durão Barroso e Santana) irá produzir novos inimigos. E o já famoso acrescento "o meu PSD não tem nada a ver com isso" faz a síntese perfeita do suicidário "orgulhosamente sós" - de que ainda muita gente se lembra - com essa forma desesperada de priapismo indolor, que é o "depois de mim o dilúvio".
E o dilúvio aí vem. Baseado nos autarcas, fogem-lhe já vultos maiores como Rui Rio e Capucho. Jardim vai sublinhando a condicionalidade do seu apoio. Paula Teixeira da Cruz reúne um grupo, razoavelmente transversal, de notáveis e anuncia um clube de reflexão. O "Compromisso Portugal" reanima-se, muito por conta da sua predominância PSD, mas é a Cavaco que presta vassalagem. Alexandre Relvas, Ferreira Leite, Rui Rio, Aguiar-Branco, Passos Coelho e António Borges reaparecem nos comentários divinatórios dos jornais. Nada que Menezes não conheça. Tudo isto é metade do que ele atiçou contra Marques Mendes.
Só um factor joga a favor de Menezes: o tempo. Mas talvez não chegue. Mesmo sabendo que, da data das eleições legislativas, há que recuar para a da formação das listas (mais o período necessário para aplacar os inevitáveis descontentamentos); e que, desta, há que recuar para a antecedência necessária a que uma nova liderança surpreenda o país e ganhe credibilidade para poder explorar alguma usura governamental. Porque mesmo sabendo tudo isto - que significa que o corrente ano (ou muito pouco mais) é o prazo útil para encontrar uma alternativa interna - ensinam-nos a experiência e a lógica das coisas que alguma séria tentativa será feita.
«DN» de 24 de Fevereiro de 2008
*
NOTA (CMR): O Sorumbático oferece um exemplar do livro de John Reed «Dez Dias que Abalaram o Mundo» ao autor do melhor comentário que seja feito a esta crónica até às 20h da próxima quarta-feira, dia 27. Actualização: o júri decidiu atribuir o prémio ao leitor "Musicólogo". Obrigado a todos!

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23.2.08

Passatempo com prémio

COMO É EVIDENTE, o desafio consiste em decifrar esta velha charada. No entanto, depois de ver a solução, parece-me que, para que tal seja humanamente possível, é preciso ter em conta o seguinte:
Tal como na charada anterior, o seu autor parece ter aproveitado um desenho feito com outra finalidade pois as grades, por exemplo, não têm qualquer significado.
A resposta pretendida é uma simples palavra, que tanto pode ser o particípio passado (feminino/singular) de um verbo, como um substantivo feminino.
*
Como de costume, irão sendo dadas sucessivas dicas até à decifração final e, eventualmente, o prémio irá aumentando com a passagem do tempo. Em caso de dúvida, a resposta a considerar é a que foi imaginada pelo autor da charada.
E agora... boa sorte!
*
Actualização: a resposta certa («Acometida») foi dada por 'Enigma', a quem já foi enviado o livro que, entretanto, escolheu.

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A praga dos 'pop-up'

Vários leitores se têm queixado dos irritantes pop-up's que lhes aparecem quando acedem a este blogue. Na maioria dos casos (pelo menos para quem usa o I. E.), basta activar Ferramentas> Opções da Internet> Privacidade> Bloquear janelas de pop-up >OK.
Mesmo assim, e como me informaram que um dos responsáveis por isso era o site-meter da Bravenet, eliminei-o. Vejo, no entanto que, embora com menos frequência, os pop-up's continuam a aparecer, chegando, por vezes, a bloquear o browser.
Peço, pois, a ajuda de quem me possa informar como resolver o problema.
*
Actualização: no seguimento dos conselhos dados nos comentários, eliminei também o Webstats4U. Parece que o problema ficou resolvido... Obrigado a todos!

22.2.08

Proposta de discussão

A PROPÓSITO de um assunto que anda a preocupar muito boa gente (o famoso couvert que alguns restaurantes metem na conta mesmo que o cliente não lhe toque), um leitor coloca outras questões relativas a facturações eventualmente abusivas:
*
«Quem paga TV Cabo (ou Cabovisão, ou outras semelhantes) não estará a pagar duas vezes os canais da RTP? E quanto à 'Contribuição para o Audio-visual' (*), por que razão temos de pagar a rádio nacionalizada, que muitos de nós nem pedimos nem ouvimos? E quem tem mais do que uma casa, cada uma com seu contrato de electricidade, porque é que paga a taxa várias vezes?
(*) É incluída na factura de electricidade, o que obriga o consumidor de energia eléctrica a pagá-la, quer utilize quer não, e mais do que uma vez se tiver mais que um contrato de fornecimento de electricidade».
*

Pois bem; como as questões são pertinentes, o SORUMBÁTICO premiará (com um livro, como de costume) o melhor comentário que, até às 20h do próximo dia 25, seja feito acerca desse assunto. Será valorizada a concisão dos textos.
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A imagem (aqui afixada sem a respectiva legenda) é do arquivo Humor Antigo - [v. aqui]

*

Actualização: terminado o prazo, o "júri" considerou não estarem reunidas as condições para a atribuição do prémio.

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'Yes'

Por João Paulo Guerra
OLHANDO PARA O PASSADO RECENTE: ‘What a day!'. Olhando para o futuro: ‘Yes, we can’. Portugal ‘is getting better’. Pelo menos em inglês. Porque em português é o que se sabe. A taxa de desemprego atingiu em Dezembro os 8,2 por cento, a terceira mais alta da Europa. E a criação de emprego está a ser feita sobretudo por via de contratos a prazo. Há cinco anos, contavam-se em Portugal 26 mil licenciados no desemprego; no ano passado, o número subiu para cerca de 60 mil. Em consequência fundamentalmente do desemprego, em 2007 duplicou o número de famílias portuguesas sobreendividadas.
A taxa do risco de pobreza baixou, de 2005 para 2006, de 19 para 18 por cento da população, cerca de um quinto da população. Mas de acordo com o INE, um terço da população activa seria pobre se dependesse apenas dos rendimentos do trabalho. E entretanto aumentaram os “novos pobres” entre sectores da classe média. Em 2007, os salários em atraso atingiram um montante de mais de oito milhões de euros. Ao mesmo tempo o fosso das desigualdades sociais continuou a aprofundar-se. Os 20 por cento de portugueses com os maiores rendimentos auferem cerca de 7 vezes mais do que os 20 por cento mais desfavorecidos. E um quinto da população detém 45 por cento da riqueza nacional. As pensões de reforma em Portugal são as mais baixas da UE a 15 e as terceiras mais baixas da Europa a 27 países. A média das pensões em Portugal é quase metade do valor de Espanha. E de futuro o valor das pensões vai cair ainda mais drasticamente.
O aumento dos preços está a ter consequências devastadoras no poder de compra. Por exemplo, em três anos o simples consumo do pão caiu 50 por cento.
Que fazer? Talvez desabafar… em inglês.
«Diário Económico» - 22 Fev 08 - c.a.a.

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Passatempo com prémio: «Quem foi este senhor?»

Se a resposta certa for dada até às 15h de hoje, o prémio será um livro. Se o for entre as 15h01m e as 20h, serão dois. Depois dessa hora, logo se verá...
*
Actualização: o passatempo foi ganho por Vasco Campilho, a quem já foi enviado o livro que, entretanto, escolheu.

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Pela hora da morte

TODA A GENTE DIZ que a vida já não é o que era. Mesmo aqueles que vivem bem, na abastança, assim o entendem, o que impede que este desabafo possa constituir privilégio dos humildes.
A vida já não é o que era. É um facto. Mas a morte também não.
Quer nos confortos e nos pormenores que nos dão os mimos da vida, quer nas alegrias e nas dores que nos temperam a existência, ou nas pompas e nas circunstâncias com que antecedemos o fatal desenlace, que será o «grande final» de todos e cada um, se perdeu, irrecuperavelmente, a qualidade.
Morrer, hoje em dia, além de estar pela hora da morte, já não é o que era.
Morremos mal e depressa. Os nossos amigos nem sabem bem do que morremos e os nossos inimigos lançam facilmente insidiosos boatos na maior impunidade, por meio de melífluos sorrisos que parecem querer dizer tudo e não dizem nada, mas que são mortíferas certidões de óbito da nossa virilidade, da dignidade dos nossos herdeiros. Definitivamente, não se pode morrer em paz.
Os testamentos são raros. Essa celebração hipócrita, de negro irrepreensível à volta de um notário de voz trémula e solene, de olhar perscrutador perseguindo todas as reacções da assembleia, praticamente desapareceu.
Resta aos vivos a emoção instantânea e sem glória do totoloto ou a pinderiquice de um carro no «Um, dois, três». Resta aos mortos deixarem dívidas sem honra ou andares de juro bonificado.
Amigos do peito, daqueles para todas as ocasiões a ponto de porem gravata preta no dia em que nos acompanham à última morada, já não há. Hoje, o traje para um funeral ou é ditado pelo acaso ou envergado em consonância com a caracterização dos acompanhantes.
Morre um amigo, pintor de arte. Vai-se de camisa branca, dois botões abertos, fio de ouro grosso, blazer azul-marinho, jeans, sapatos de pala, de preferência com elástico verde e vermelho, a imitar Gucci.
Morre um amigo, gestor de empresa pública. Vai-se de príncipe-de-gales cinzento, camisa azul Oxford, gravata azul-escura a contrastar, preferivelmente de seda pura e adamascada.
Morre a mãe de um amigo. Não se vai. Manda-se telegrama e espera-se junto à pia da água benta a saída da família em missa do sétimo dia.
Morre uma actriz que se admirava. Vai-se para que toda a gente pense que teria havido coisa em que se não deve pensar, muito menos em tal momento, e envia-se um bouquet de rosas Baccarat.
De flores, nem falar se deve. Dispendiosas e importadas, quase inodoras, não deixam mais aquele cheiro típico de enxerto em cera de círio que se consumia lentamente nos tempos dos velórios a sério.
Coroas. É bom nem referir. Toda a gente sabe que quase não há.
Os necrófilos foram extintos como libelinhas. A necrofilia erradicada, como a varíola, e nem se manifesta nas formas mais suaves e benignas, cujos sintomas eram facilmente detectáveis nos olhos gordos que escorriam para o negro acanalhante de um vestido de viúva, ou para o brilho cintilante e convidativo de um par de alianças ostentado no mesmo dedo branco e leitoso de carnuda viúva, ou de esguio e austero viúvo.
O respeito de um cortejo automóvel, de marcha pesada, longo comboio negro reluzente a atravessar a cidade que respeitosamente tirava o chapéu à sua passagem, que silenciosamente encomendava almas ao Criador, cedeu lugar à buliçosa gincana de carros vermelhos ou cinzento-metálicos, japoneses, com prova de perícia final junto ao cemitério, onde as badaladas se confundem em ritmo alucinante de última volta de corrida de atletismo. As três badaladas e o balde de cai converteram-se em imagem literária, reduziram-se ao pó da liberdade poética.
As carretas puxadas por três parelhas de cavalos ajaezados de negro e prata, de grandes palas sobre os olhos com cocheiros e trintanário, mestre-de-cerimónias e carpideiras, são recordações nostálgicas de meninos dos anos 40, a embaciarem com o bafo húmido as vidraças das tardes de Novembro, trémulos de medo do quarto escuro.
Hoje, viaja-se para a última morada em Mercedes panorâmico, com rádio-telefone e bancos de autopullman tipo familiar.
Da promiscuidade post mortem é melhor nem falar.
Quem se lembra do tempo em que também na morte todos sabiam o lugar que lhes pertencia? Onde vai o tempo em que, nos jazigos, as prateleiras de cima se deixavam para os avós, as do meio para os pais, as rés ao chão para os filhos, que deveriam morrer em seu tempo, e no subsolo havia sempre lugar para um velho criado sem família, ama de leite ou caseiro dedicado?
Como se pode ser indiferente a esses mausoléus que albergavam urnas de bom: mogno incrustado, com fotografias sorridentes em molduras de laca, madrepérola e prata, anjinhos de canteiro, ou mesmo de escultor, tocando trombetas dos dois lados do nome de família honrada, de preferência soletrado com duas consoantes, e tudo isto dominando as classes mais desfavorecidas, alinhadas onde lhes competia, no pó a que regressavam, cruz, sim, cruz sim?!
Sobretudo, como se pode não fazer o sinal da cruz perante a promiscuidade em que cada um cai hoje, depois de morto, esse festim de urnas acolchoadas em jazigos onde já nem se respeita a tia morta no Caramulo, de tuberculose; onde se tem dúvidas sobre qual é a urna do pai, onde se chega sem que a opinião pública, aqueles que contam, leiam uma coluna necrológica como deve ser, como as de outros tempos, em que havia extintos benfazejos, famílias beneméritas e senhoras muito esmoleres?
Na impossibilidade quase certa de, no que respeita à liturgia da morte e suas indústrias subjacentes, acompanharmos o que de bom se pratica lá por fora, onde os cemitérios parecem greens sem golfistas e cuidadosos caracterizadores nos maquilham extremadamente para que repousemos sem olheiras; na certeza de que os bons tempos ora aqui evocados não voltarão para todos nós que ainda não fomos a Deus chamados a servir em Sua presença, resta-nos a reconfortante conclusão, reconfirmada na paz deste domingo, que a única coisa a fazer é viver o mais e o melhor possível. Ainda que saibamos que a vida já não é o que era.
Lisboa, 1987

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21.2.08

Passatempo com prémio duplo

Se necessário, clicar na imagem, para a ampliar
ESQUECENDO a bizarria implícita num aquário de forma cónica (e também as medidas em pés), o SORUMBÁTICO oferece um dos livros que à direita se vêem ao primeiro leitor que der a resposta certa acompanhada da respectiva justificação matemática.
NOTA: os livros são literatura juvenil porque, quando o problema foi enunciado (há 75 anos), era suposto poder ser resolvido por adolescentes.
Actualização: a resposta certa (8 pés) foi dada no comentário-2. A questão adicional, colocada no comentário seguinte, também já foi respondida (-7 pés).

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O néscio edil de Alvaiázere

Por C. Barroco Esperança
NO ÚLTIMO SÁBADO, para fingir que está vivo e rivalizar com Santana Lopes, Luís Filipe Meneses deslocou-se a Alvaiázere na qualidade de presidente do PSD. O primeiro apareceu nos noticiários das televisões e o segundo nos jornais regionais. Problemas de uma liderança bicéfala e de uma cabeça ainda pior do que a outra.
Quem surpreendeu foi o presidente da Câmara local. Não é um primata insensato, um solípede à solta num comício, a bolçar alarvidades, é um político ambicioso, medíocre cidadão, de rudimentar cultura e imenso analfabetismo político, a que não serão alheios a juventude e o habitat.
Paulo Tito Delgado Morgado é o nome do jovem edil que chamou a Sócrates «ditador prepotente» e fez outras acusações ao estilo de Alberto João Jardim, sem a ousadia nem a experiência do mestre. Tratando-se de luta política, o exagero e a truculência fazem parte da liturgia dos comícios mas há enormidades que não podem ser ditas sob pena de branqueamento de um passado de ignomínia que o autarca desconhece.
«António de Oliveira Salazar era um aprendiz de ditador ao pé de José Sócrates» - disse o irresponsável edil. A enormidade é irrelevante para o primeiro-ministro que foi votado em eleições livres e facilmente será despedido nas próximas, ao contrário de Salazar que nunca as permitiu e que só abandonou S. Bento graças à benevolência de uma cadeira carunchosa que o transferiu para o Hospital da Cruz Vermelha. Grave é o insulto para com os presos sem culpa formada, os degredados, os mortos pela PIDE, os exilados, os réus dos Tribunais Plenários, os torturados do Tarrafal, Peniche e Caxias, os demitidos da função pública por motivos políticos, as vítimas da guerra colonial, etc. etc.
Tal afirmação é digna de quem prefira a ditadura à democracia mas não pode ser dita por quem ocupa um cargo por eleição. Quando falta o sentido das proporções, por ignorância ou má fé, pode ser-se eleito autarca em Alvaiázere mas perde-se o respeito no País.
Paulo Morgado é demasiado novo para saber o que foi a ditadura e precocemente velho para aprender princípios democráticos. Lamentável é a pusilanimidade de Luís Filipe Meneses que ignorou tais despautérios e afirmou: «temos um excelente exemplo de como deve ser exercido o poder social-democrata».
Com tal exemplo ficamos vacinados.

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