30.7.22

Grande Angular - Nada está perdido

Por António Barreto

É difícil escolher a frase mais adequada. “Nada está perdido”? Ou “nem tudo está perdido”? O futuro dirá. Mas há aqui qualquer coisa. Apesar das sombras, o governo e a legislatura ainda têm futuro. E trabalhos. E obra a fazer.

Algo parece ou está errado. Nasceu o sentimento de que a legislatura pode durar menos do que previsto. E que o governo não está à altura da necessidade. Ainda o governo não tem seis meses e já se fala de crise. A legislatura fica vulnerável quando meia dúzia de deputados de esquerda e uma dúzia de direita conseguem condicionar a assembleia. A verdadeira ameaça europeia é a do fascismo russo, mas o governo e os socialistas vivem aterrorizados com o fascismo do Chega, que incomoda muita gente, mas não mete medo a ninguém. E já o governo sente a necessidade de fazer “reuniões de reflexão” especiais para relançar e coordenar. O governo revela cansaço de ideias e vacuidade de projectos. Anda à procura de segundo fôlego, quando nem sequer mostrou o primeiro.

Sem que se perceba exactamente porquê, o governo dá repetidos sinais de fraqueza. Insiste nos bons resultados da sua gestão, mas todos os dias é desmentido pela realidade. A autoridade do “chefe” não é posta em causa, mas é deficiente o seu papel de orientador, de coordenador e de piloto.

O partido do governo vive eufórico com o seu papel, surdo com a sua força e desnorteado com a enormidade das tarefas. Tem orgulho na maioria absoluta, mas é incapaz de governar democraticamente, em diálogo, com eficácia e respeito pelas instituições. Vive obcecado com os ataques do Bloco, ínfima parcela da legislatura, mas potente propagandista de causas fracturantes. O PS não resiste à vaga das “questões de sociedade”, o aborto, a eutanásia, a adopção e o casamento de homossexuais, as minorias, o racismo, a imigração e as questões de género. Os governos socialistas hesitam entre ocupar-se seriamente dessas questões ou deixar correr as bases do partido que assim não se envolvem em política. O problema é que os dirigentes socialistas começam a acreditar nessas estranhas questões.

Todas as semanas, os governantes se multiplicam em aparições públicas. Começa a ter-se a impressão de que os seus gabinetes têm sucursais nos canais de televisão. Cada vez que surge novo problema, vacinas ou incêndios, fecho de maternidade ou falta de abastecimentos, o governo responde da mesma maneira: são problema estruturais, para os quais são necessárias respostas estruturais. Para todos e cada um desses problemas, das filas de espera aos preços dos combustíveis, da falta de comboios ao inferno dos aeroportos, o governo mostra ou promete planos estruturais, globais e integrados, a médio e longo prazo, sustentáveis, transversais e consistentes. Para já não dizer consolidados e resilientes. Nenhum desses planos resolve coisa alguma, a começar pela porta da maternidade, os transportes ferroviários e os professores nomeados a tempo e horas.

O governo e o seu partido sabem que não têm desculpas. A pandemia, a crise energética e a guerra na Ucrânia tornaram tudo mais difícil, mas não são motivos para baixar os braços. Pelo contrário, são fortes razões para lutar, insistir e realizar. O governo, o seu partido e o seu grupo parlamentar repetem, sem aparente convicção, os mesmos argumentos e desculpam-se com as crises internacionais. Mas já poucos acreditam. A não ser os próprios.

O governo tem o que tanta falta faz, em todos os tempos e circunstâncias. Tem trunfos que cheguem. Tem maioria absoluta. Tem a benevolência presidencial. Tem uma oposição fraca à procura de si própria. Tem uma extrema-esquerda reduzida a duas brigadas sem peso nem futuro. Tem um mundo sindical relativamente sossegado, com trabalhadores preocupados com a inflação, os empregos precários e os baixos salários. Tem um patronato enfraquecido e dependente. Tem tempo. Tem meios e fundos europeus. Se tem isso tudo, por que razão não age? E por que dá esta sensação ou certeza de inabilidade e imperícia?

A situação na saúde pública é de tal modo grave que se chega a pensar em requisição civil ou em estado de emergência. As urgências de obstetrícia, os blocos de parto e as maternidades fecham por períodos de horas ou dias, num indecoroso espectáculo inédito em Portugal e na Europa. É patético ver, nas televisões, quase todas as noites, os anúncios das horas de fecho das urgências. A esperança dos governantes é de que a população esteja anestesiada com os bombardeamentos na Ucrânia, os doentes de COVID e os incêndios nas florestas. Sem qualquer dúvida, estamos perante uma das mais graves falhas da Administração Pública portuguesa das últimas décadas. E certamente diante de um desastre sanitário e social nunca visto. Sem hesitação, trata-se de uma profunda crise de gestão, de política pública, de coordenação, de previsão e de organização. Não há explicação “estrutural” que defenda as autoridades sanitárias e políticas.

A decisão sobre o aeroporto transforma-se no caso mais absurdo da vida pública portuguesa. O governo e os seus ministros mostram-se de tal modo enredados nos processos de decisão e de contradição que o caso ficará na história com todos os títulos adequados: o mais longo, o mais contraditório, o mais dispendioso, o de maior prejuízo, o de mais envolvimentos de interesses ilegítimos, o de maior incompetência técnica e científica, o de maior ineficácia e o de maior desperdício directo e indirecto. Já com enormes responsabilidades históricas do seu partido neste processo, o governo saltou para o aeroporto a pés juntos, com a graciosidade de um elefante e a aparente competência de um mastodonte. Por mais que nos habituemos a lembrar os trinta anos de planos e estratégias, não se consegue ficar calmo. A simples enumeração das sucessivas escolhas, OTA, Portela, Alcochete, Montijo, Rio Frio e Beja, mostra a evidência deste desastre.

Como a Justiça entrou de férias, só lá para Outubro teremos novamente a crónica e as notícias dos grandes casos, do crime de corrupção e colarinho branco, das “causas célebres”. Mas a passividade do Parlamento e a abstenção do Governo persistem neste sector crítico.

Entretanto, lá fora, na rua e na vida, a inflação cresce a níveis há muito esquecidos. A desigualdade e a pobreza mantêm a sua tendência crescente. E o governo prepara mais planos sustentáveis, resilientes e transversais.

Nem tudo está perdido. Ainda há tempo e meios. Mas é difícil perceber a miopia.

Público, 30.7.2022

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29.7.22

Disparates

Por Joaquim Letria

Hoje ouve-se e diz-se disparates com grande facilidade e impunidade. 

É natural. As palavras soletram-se à vontade do freguês sob o manto protector do malfadado acordo ortográfico, a memória transformou-se numa vaga ideia e o rigor da verdade é cada vez mais trémulo e, muitas vezes, jaze mesmo inanimado no ruído das vozes e pensamentos que se cruzam neste atoleiro, sem corresponder à verdade dos factos e em total ausência de raciocínio.

Durante anos combati organizadamente a ditadura mas nunca tive o descaramento de me intitular anti-fascista. Lutei apenas com milhares de outros pela liberdade e pela justiça, submetendo-nos consciente e clandestinamente a uma pena de dois a oito anos de cadeia nos Fortes de Caxias ou de Peniche se fôssemos apanhados. E quando veio a liberdade cheguei-me, feliz, para trás e fiquei a ver, a procurar ajudar e, por vezes, a quedar-me desiludido com o que veio por aí fora .

Agora os anti-fascistas são às dezenas, auto-intitulam-se, organizam-se e marcham pelas ruas não percebendo nós muito bem quem lhes faz o jeito de serem os fascistas contra os quais eles devem estar. Parece mal aproveitarem-se duns tontinhos a quem não se pode levar a sério, assim como não é bonito brandir umas supostas ameaças que não sabemos de quem vêm e que são muito difíceis de acreditar.

Devendo tudo isto, na minha modesta opinião, ser encarado, visto e investigado como um mero caso de polícia, oxalá não venham os investigadores e as secretas a descobrirem que tudo não passa, afinal, duma manobra propagandística que muito bem serve os dois lados e que bem pode ter sido lançada por um moderno Rui Pinto, criaturas agora muito na moda e de grande utilidade para os políticos de ocasião.

MUDANDO DE DISPARATE

Às 16 e 32 do passado domingo, dia 16 de Agosto, eu ouvia a Rádio Renascença pela qual tenho admiração profissional e ocasionalmente me dá a alegria de escutar a Graça Franco, uma das melhores jornalistas deste país. E foi então que escutei a voz fresca que conduzia a emissão acusar a Raínha Elizabeth II de Inglaterra de não precisar de carta para conduzir, o que era um privilégio da monarquia além dela ter muitos motoristas. É verdade. Além de que no Reino Unido aprende-se a guiar, não se tira a carta. Mas a menina é jovem e não tem quem a ajude a não dizer disparates, senão saberia que Elizabeth entre 1939 e 1945, durante a II Guerra Mundial, passou a vida a guiar ambulâncias sob os bombardeamentos nazis a Londres. Aqui fica um disparate que alguém na RR poderia ter evitado à simpática menina que está em muito boa idade para aprender. Se calhar a culpa é da raínha, que não diz a ninguém que foi anti-fascista… 

Publicado no Minho Digital

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28.7.22

O Patriarca Clemente e o ocaso de um prelado amoral


Por C. B. Esperança

O Patriarca de Lisboa, Dr. Manuel Clemente, a menos de 1 ano de terminar o prazo de validade canónica como bispo titular da diocese, e seis anos como cardeal eleitor, vê a sua leveza ética exposta na comunicação social e o passado sujeito a escrutínio.

O patriarca Clemente deve o barrete cardinalício à caída em desgraça do bispo Carlos Azevedo com a exposição de uma antiga traquinice sexual, o que lhe permitiu viajar do Porto para Lisboa para substituir o bispo previsto e suceder ao patriarca Policarpo.

D. João V, graças ao esbanjamento do ouro do Brasil, adquiriu a dignidade cardinalícia para o Patriarca de Lisboa, atribuída por Clemente XII em 17 de dezembro de 1737. Foi assim que o bispo Clemente alcançou o barrete cardinalício, pelo qual muitos bispos perdem a cabeça, com a transferência para a Sé Patriarcal.

O cardeal Clemente carregava já duas pesadas nódoas no currículo antes de lhe bater à porta a divulgação pública do crime que ocultou – a pedofilia de um dos seus padres.

– Foi lastimável a saída à rua paramentado com um colete amarelo em manifestações para extorquir dinheiro do erário público para colégios privados. Pode ter descurado as almas, mas procurou defender os interesses dos seus colégios confessionais.

– Antes das eleições legislativas de 2019 publicou a lista dos partidos concorrentes e a indicação dos que estavam de acordo com a doutrina da Igreja católica, indicando dois que satisfaziam todos os critérios, o CDS e o Chega, tendo os resultados eleitorais provado que o cardeal não teve grande apoio divino nem do eleitorado.

Para uma saída desonrosa faltava-lhe a conivência na ocultação de crimes de pedofilia, receber a denúncia de abusos, reunir-se com a vítima e manter o padre em funções sem participar o caso à polícia e permitir que o alegado autor dos abusos sexuais continuasse a gerir uma associação privada que acolhe famílias, jovens e crianças. 

Em resumo, deu ao padre a oportunidade de continuar a delinquir e escondeu o crime que lhe cabia denunciar às autoridades. É uma vergonha e é crime.

O sr. Cardeal sabe certamente que, para a Igreja católica, os pecados são cometidos por pensamentos e palavras, atos e omissões. Pode desprezar o Código Penal, mas não pode ignorar o Código Canónico.

O Patriarcado justificou que a vítima optou por não querer tornar o caso público, apenas desejando que o crime não se repetisse. A ser verdade, sem um desmentido formal, o patriarca Clemente só tem um caminho, renunciar imediatamente e, como crente que vê na oração um detergente, passar o resto da vida a rezar, independentemente das sanções penais, para lixiviar a alma.

Ponte Europa  / Sorumbático 

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22.7.22

MONUMENTO NATURAL DAS PEGADAS DE DINOSSÁURIOS DE OURÉM-TORRES NOVAS – O MAIS IMPORTANTE GEOMONUMENTO NACIONAL

Por A. M. Galopim de Carvalho






Geomonumento instalado na antiga Pedreira do Galinha, foi assim classificado, em 1996, pelo Decreto Regulamentar 12/96 de 22 de outubro.

 

Como cidadão e como geólogo, é meu dever informar o país e, em especial, os governantes das excepcionais grandiosidade, espectacularidade e importância científica deste invulgar património, o que exige que se pense em grande na sua adequada musealização, como um polo de interesse científico, pedagógico, cultural e turístico de nível internacional, na certeza da sua garantida rendibilidade económica, uma previsão realista que tem, também, em conta, a proximidade (10km) de Fátima, cujo Santuário chama, anualmente, vários milhões de visitantes.

 

 

O meu propósito relativamente a este Geomonumento pode parecer um sonho ambicioso, mas todos sabemos que “sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança”. 

 

Este propósito visa ultrapassar o muito e o bom que já ali se fez. Engrandece-o ao dar-lhe a importância que lhe é devida.

 

Trata-se de uma iniciativa pessoal que só me compromete a mim, não só na qualidade de cidadão, que sempre fui e sou, mas também na de quem, desde a primeira hora, há 25 anos, ali deixou muito trabalho. 

 

Já o afirmei, por palavras faladas e escritas, que não pretendo ultrapassar ninguém.Pretendo, unicamente, servir.

 

 

OBJECTIVOS DESTE PROPÓSITO

 

1 - Divulgar amplamente a real importância científica, pedagógica, e cultural deste património natural.

 

2 - Lembrar que estas potencialidades constituem um grande atractor turístico, potenciado pela proximidade (10km) do Santuário de Fátima.

 

3 - Convencer as entidades que o tutelam a encontrarem meios para fazerem nascer um projecto a ser “pensado em grande”, com projecção internacional, compatível com as características que o distinguem a nível mundial.

 

4 – Conseguir que as mesmas entidades encontrem os meios necessários à sua execução.

 

 

CARACTERÍSTICAS DESTE GEOMONUMENTO

 

1 - Raridade e significado geológico e paleontológico de uma jazida do Jurássico médio, com cerca 275 milhões de anos, internacionalmente conhecida e reconhecida. 

 

2 - Qualidade e grande número (cerca de quatro centenas) de pegadas de grandes saurópodes, muitas delas organizadas em trilhos, em número de 20, dois deles, com mais de 140m.

 

– Grandiosidade e espectacularidade da jazida, no topo de uma única camada de calcário com 62 500 m2 de superfície.

 

4 - Extensa área envolvente, susceptível de comportar diversos equipamentos complementares deste importante Geomonumento, que especialistas deste tipo de realizações sabem encontrar. Eis algumas, já então pensadas ou propostas, em colaboração com os arquitectos Mário Moutinho e Martins Barata:

- Percurso de circulação pedonal quilométrico 

- Jardim jurássico 

- Museu e Centro de Interpretação 

- Auditório

- Espectáculos de luz e som 

- Espectáculos em 3D, com recurso a realidade virtual

- Exposições temporárias cobertas e/ou de ar livre

- Painel do tempo

- Comboio ou túnel do tempo

- Parque infantil 

- Recinto de merendas,

- Cafetaria e/ou restaurante

- Silhuetas gigantes

- Parque de estacionamento automóvel.

 

 

5 – Atracção turística potenciada pela proximidade (10km) do Santuário de Fátima.

 

 

ACÇÕES DESENVOLVIDAS NO PRESENTE

 

1 - Em 27/06/2022, informei, deste meu propósito: 

- o Director Regional de Lisboa e Vale do Tejo do ICNV, Eng.º Rui Pombo,

- o Presidente da Câmara Municipal de Torres Novas, Pedro Ferreira,

- o Presidente da Câmara Municipal Ourém, Luís Albuquerque e 

- o Presidente da Câmara Municipal de Porto de Mós e da Associação para o Desenvolvimento das Serras d’Aire e Candeeiros (ADSAICA), Dr. Jorge Vala.

- o Vice-presidente da mesma Câmara, Dr. Eduardo Amaral. 

 

- Em 17/07/2022, contactei o Primeiro-ministro que o reencaminhou para 

a Secretaria de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, onde já fui recebido, em 05/07/2022, numa primeira reunião, onde explanei o essencial deste propósito.

 

 

APOIOS RECEBIDOS

 

Universidade de Lisboa (UL) – Tendo abraçado muito positivamente este propósito, o Reitor, Professor Doutor Luís Ferreira, delegou, em 22/06/2022, a sua representação na Directora do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, Doutora Marta Lourenço.

 

Universidade de Évora (EU) – A Reitora, Professora Doutora Hermínia Vasconcelos, manifestou-nos o apoio desta Universidade a este propósito, tendo, em 12/07/2022, delegado a sua representação no Professor Doutor Rui Dias, desta mesma Universidade.

 

Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) – O Reitor, Professor Doutor Emídio Gomes, manifestou-nos, em 17/07/2022, o apoio desta Universidade, delegando a sua representação nos Professores Doutores Artur Sá e Elisa Preto Gomes.

 

Instituto de Ciências da Terra - Envolvendo as Universidades de Évora, Minho e Porto, já nos manifestou, por escrito, em 02/07/2022, idêntico apoio.

 

Unidade de Investigação “Geobiociências, Geoengenharias e Geotecnologias, da Universidade de Aveiro, idem, em 21/07/2022.

 

Ciência Viva - A Drª Rosalia Vargas, Directora desta Agência Nacional, a quem, em 24/06/2022, dei conhecimento deste propósito, pretende ser parte dele.

 

 

Sociedade Geológica de Portugal (SGP) – Declarou verbalmente, em 18/07/2022, o seu apoio a este mesmo propósito, aguardando-se a respectiva declaração, por escrito.

 

Associação Portuguesa de Geólogos (APG) – Manifestou-nos por escrito, em 18/07/2922, idêntico apoio.

 

Associação Portuguesa de Professores de Biologia e Geologia (APPBG) - idem, 08/07/2022.

 

Liga de Protecção da Natureza (LPN) – idem, em 18/07/2022.

 

Instituto Politécnico de Tomar - idem, em 04/07/2922.

 

Centro Português de Geo-história e Pré-história, idem, em 01/07/2022.

 

 

INDIVIDUALIDADES ENVOLVIDAS NA DEFESA E VALORIZAÇÁO DESTE GEOMONUMENTO

 

Elisa Ferreira – Professora catedrática de Economia da Universidade do Porto e actual Comissária Europeia para a Coesão e Reformas, fica na história deste Geomonumento. Foi no seu mandato e com todo o seu apoio que, após conversações entre o governo e o industrial, foi acordado pôr fim à exploração, a que se seguiu, em 1996, a classificação da jazida como Monumento Natural e a entrega do sítio à administração do PNSAC.

 

Maria João Botelho – Arquitecta e então Directora do Parque Natural das Serras d'Aire e Candeeiros (PNSAC), liderou o grupo de trabalho que conseguiu a respectiva salvaguarda e conduziu à dita classificação. Deste grupo de trabalho fizeram parte o Dr. José Manel Alho, em representação da Quercus, o Eng.º Carlos Caxarias, designado pela Direcção Geral de Minas, o concessionário da pedreira, Rui Galinha, o vereador David Catarino, da Câmara Municipal de Ourém, o vereador Pedro Ferreira, da Câmara Municipal de Torres Novas, e uma representação do Museu Nacional de História Natural chefiada por mim, então director deste Museu.

 

José Manuel Alho – Biólogo e actual Vice-presidente da Comissão de Coordenação do Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDRLVT), enquanto Director do PNSAC e, depois, Presidente do Instituto de Promoção Ambiental (IPAMB), coordenou, 1997, o “Programa de Intervenção no Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios da Serra d’Aire”, de que fiz parte, e no qual pudemos contar com a valiosa participação do Arqtº. Pedro Martins Barata. Os trabalhos prosseguiram a bom ritmo, enquanto durou a equipa ministerial liderada pela 

 

Pedro Martins Barata - Professor catedrático convidado do Instituto Superior Técnico e da Faculdade de Arquitetura da então Universidade Técnica de Lisboa, integrou o atrás referido grupo de trabalhos e é o autor do Aramossáurio e do Painel do tempo.

 

Fernando Catarino - Professor catedrático jubilado da Universidade de Lisboa, está, desde início, envolvido nos trabalhos inerentes a este Geomonumento, nomeadamente, no que se refere à criação e acompanhamento do Jardim Jurássico

 

Mário Moutinho – Arquitecto e Reitor da Universidade Lusófona, autor do primeiro projeto de musealização deste Geomonumento, está comigo nesta proposta.

 

INDIVIDUALIDADES QUE NOS APOAIM NESTE PROPÓSITO

 

António Sampaio da Nóvoa – Reitor emérito da Universidade de lisboa, Ex-embaixador de Portugal na UNESCO e Conselheiro de Estado.

Jorge Paiva – Professor catedrático de Botânica, da Universidade de Coimbra.

António Batista Lopes – Advogado e editor da Âncora Editora.

Carlos Fiolhais - Professor catedrático de Física da Universidade de Coimbra. 

Henrique Cayatte - Designer e ilustrador, Professor convidado da Universidade de Aveiro.

Carlos Medina Ribeiro – Engenheiro Electrotécnico do ramo de Energia (IST), (ex-chefe de projectos na Efacec Engenharia e ex-colaborador (como animador e escritor) da Missão para a Sociedade da Informação.

Luis Raposo - Pré-historiador, Professor universitário e Presidente do ICOM Europa.

Fernando Tavares Rocha – Professor catedrático de Geologia da Universidade de Aveiro.

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Nota Final

Estou a completar os 91 anos de idade e sei, portanto, que não o verei concluído, mas isso não me impede de trabalhar, empenhada e intensamente, para o pôr em marcha, necessariamente a correr. 

 

 

 

 

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O saque dos casamentos

Por Joaquim Letria

Nos três últimos casamentos para que fui convidado, os noivos não aceitavam prendas em géneros nem sugeriam artigos que gostassem de ter ou que lhes pudessem dar jeito ou lhes fizessem falta.

Disseram, descaradamente, que “a gente tem tudo, o que queremos é que nos dêem dinheiro vivo.” Agora mesmo me convidaram para outra boda destas em Outubro.

Num desses casamentos de que falo, o noivo que era engenheiro não teve mesmo pejo em me dizer:

— Eu dou-lhe o NIB e depois você manda-me o comprovante.

Já não podemos oferecer uma lua de mel requintada de que jamais se esqueçam, um faqueiro de prata ou casquinha “comme il faut”, um serviço de Vista Alegre, Sévres ou Limoge,  ou lençóis e almofadas de linho, seda e penugem de avestruz. Isso acabou, que nem eles sabem do que se trata nem apreciam.

Acabaram também as listas numa boa casa ou armazém, onde se podia consultar as necessidades dos noivos e aquilo que muito agradeceriam que lhes oferecessem, de electro-domésticos a tudo o que fizesse falta a uma casa a estrear. Agora é tudo resumido a “dinheiro, eu mando-lhe o NIB e não se esqueça do comprovante”.

Claro que o comprovante, julgo eu, é para que os ofertantes sejam generosos e tenham vergonha de dar pouco, ou sejam sem vergonha, como os noivos, e se pendurem num copo de água cada vez mais foleiro e mal servido. Ou seja, os actuais casamentos estão transformados num puro acto de extorsão suave.

Ao contrário da maioria, eu gosto de pagar impostos. Penso mesmo que pagar impostos é comprar a nossa felicidade – na saúde, na educação, nas casas, nos transportes, etc.. Aprendi a sentir e a pensar assim quando vivi no Reino Unido. O que não gosto é do que fazem e não fazem com o dinheiro dos nossos impostos. Mas isso é outra coisa de que todos nós temos muito justamente razões de queixa.

Perguntarão vocês com toda a justiça: que raio têm os impostos a ver com os casamentos?

Eu explico: é que se o fisco investiga e cobra o crowd funding, se penaliza petições e ofertas a instituições, movimentos de solidariedade e doações a doentes necessitados, também devia ir aos noivos, investigarem os NIBS e as comprovantes e aplicar-lhes a pastilha. Não lhes ensinava boas maneiras mas explicava-lhes que é bonito partilhar a riqueza.

Publicado no Mundo Digital


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21.7.22

Pensando no futuro…

Por C. B. Esperança

O facto de o PS, por razões conhecidas, não ter explicado que a crise financeira mundial de 2008, provocada pela falência do banco Lehman Brothers, foi a principal responsável dos problemas financeiros nacionais, impediu os portugueses de tomarem consciência do efeito perverso do princípio dos vasos comunicantes no sistema bancário, conhecido por risco sistémico.

Admira, por isso, que a pandemia em curso e a guerra na Ucrânia, tão funestas e de proporções colossais, torne autistas os partidos políticos e as pessoas, sem reverem os seus paradigmas, enquanto a extrema-direita capitaliza o medo, a incerteza, a raiva e o ressentimento, com o discurso de ódio, que ganha adeptos e não encontra oposição.

Surpreende que, após seis milhões de ucranianos refugiados, um número incalculável de mortos e estropiados, o espetro da fome mundial e o declínio da Europa através de uma guerra onde a geoestratégia comanda os disparos, haja quem, na UE, confunda o jogo de poder das grandes potências nucleares com a ética.

Quando está em causa a continuidade do planeta, é desolador ver líderes mundiais numa disputa que arrisca a vida na Terra e garante a derrota de todos os povos, indiferentes ao sofrimento, à fome e ao desespero que alastram a todos os continentes.

Países, partidos e pessoas continuam indiferentes e irresponsáveis face à maior e à mais arrasadora tragédia das nossas vidas num planeta a cuja sobrevivência parecem alheios. 

Quando é urgente garantir as necessidades básicas para todos, fingem viver num mundo paralelo onde a água, o oxigénio, o ozono, a constância climática e os alimentos jamais faltarão para qualquer habitante desse planeta imaginário.

Quando a utopia de uns e o egoísmo de todos se tornam dominantes, o aparecimento da vacina para o coronavírus deixa de ser determinante e a paz na Ucrânia já não remedeia os danos económicos, climáticos e éticos já causados.

Vamos todos acabar mal.

Ponte Europa / Sorumbático 

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19.7.22

No “Correio de Lagos” de Junho de 2022

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DESDE que os meus netos começaram a frequentar a escola, que eu passei a usufruir de um pequeno ‘prazer de avô’, que consiste em os levar de manhã cedo, pela mão, num trajecto vagaroso que, seguindo pela Rua da Gafaria fora, corre ao lado do Parque da Cidade. E estava tudo muito bem até que a autarquia se lembrou de passar a regar generosamente a erva que por lá cresce, ligando todas as manhãs uma verdadeira orquestra de aspersores, “quer chova, quer faça sol” — expressão que deve ser entendida no seu sentido literal, como passo a explicar:


QUEM costuma ler este jornal (e frequenta as redes sociais da nossa cidade), talvez se lembre de umas quantas imagens, de Setembro do ano passado, mostrando uma outra zona desse mesmo parque a ser encharcada com água de rega... atirada para as placas de betão, as escadarias e os passadiços, mais ainda do que para a erva. Mas isso, de tão frequente que sempre foi, nem seria notícia se, dessa vez, não estivesse a CHOVER, como se podia confirmar pelas pessoas que se viam, nas imagens, de guarda-chuva aberto — não para se protegerem da água dos aspersores, mas sim daquela com que S. Pedro, nesse dia, brindava os lacobrigenses.

Pois bem, guardei as fotos e os vídeos numa velha pasta que tem o nome de “regas absurdas”, tentei fazê-los chegar ao meu estimado colega Matos Fernandes (à época Ministro do Ambiente, que se batia pela dessalinização no Algarve...), e não pensei mais nisso.
Entretanto, com o decorrer do tempo, Portugal começou a registar cada vez mais zonas em situação de SECA SEVERA E EXTREMA, com particular destaque para o Barlavento Algarvio e para a nossa “Barragem da Bravura”, tendo nesse mês de Setembro sido notícia, com laivos de alarme, o facto de ela estar apenas a 20% da sua capacidade. 

Depois disso, e como se pode ver pelos mapas e gráficos divulgados regularmente pelo Serviço Nacional de Informação de Recursos Hídricos, esse valor continuou a baixar, sendo que, no mês passado, a respectiva bacia hidrográfica já ia em 14,6%, [entretanto, já desceu abaixo de 13%] de longe a pior de todas as monitoradas.

 

E ESTÁVAMOS nisso quando, na manhã do passado 31 de Maio, pude assistir novamente a uma dessas regas à chuva... com boa parte da água a escorrer para os passadiços de betão, para a calçada e para o alcatrão, onde, juntando-se à outra que estava a cair do céu, seguia para as sarjetas, diligentemente a caminho do mar.

Mas, e como é sempre possível fazer pior, pude constatar que, no dia seguinte, e apesar de ter chovido de noite, os rodopiantes aspersores lá estavam a trabalhar, madrugadores e infatigáveis, molhando e encharcando o que já estava molhado e encharcado... altura em que eu decidi passar a levar os meus netos por outro caminho, para me furtar à pergunta que a qualquer momento me poderiam colocar: «Ó avô, é a isto que se chama ‘chover no molhado’?» — apesar de eu já ter a resposta preparada: «Não, meus queridos, isto é ‘molhar o chovido’».

 

NOTA FINAL: Quando, em tempos, divulguei no Facebook a foto que mostra os presidentes do Turcomesnistão e da Bielorrússia a fazerem uma “dessas regas inteligentes”, houve uma senhora brasileira que escreveu que “isso é mesmo coisa de português!” — um comentário habitual no Brasil quando se trata de idiotas, mas que, neste caso, é um pouco injusto — pois, como vimos, o que não falta por cá são portugueses capazes de fazerem isso... e muito, muito mais!

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No “Correio de Lagos” de Junho de 2022

 

 

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No “Correio de Lagos” de Junho de 2022

 

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15.7.22

A inesquecível Maria de Lurdes Modesto

Por Joaquim Letria

Maria de Lurdes Modesto, a inesquecível autora dos programas de televisão e de livros de culinária que ainda hoje ninguém igualou nem esqueceu, completou, no passado dia 1 de Junho, 92 anos de idade.

Foi em 1958 que Maria de Lurdes Modesto se estreou na televisão com um programa que de imediato se tornaria num dos mais vistos no país, atraindo com a sua simpatia e conhecimento tanto mulheres como homens.

A mais famosa gastrónoma do País, título que ainda hoje ninguém lhe arrebatou, depressa se converteu em concorrente de Berta Rosa Limpo, autora do fascinante livro de culinária, “O Pantagruel”, uma espécie de Bíblia dos gastrónomos.

Todavia, não foi como gastrónoma que Maria de Lurdes Modesto se estreou na televisão, meio que conquistaria até hoje. Foi como actriz numa Noite de Teatro da RTP que Maria de Lurdes Modesto enfrentou as câmaras pela primeira vez, ao representar em directo a peça “Monsieur de Pourcecaugnac” numa produção do Liceu Francês com encenação da RTP.

Maria de Lurdes saiu-se tão bem na sua estreia televisiva que depressa foi convidada a vir para Lisboa e  a participar  em programas televisivos, deixando a sua cidade natal de Beja. Como condição disse: “Só se for um programa para mulheres.” E foi dessa maneira que a professora de trabalhos manuais do Liceu Charles Lepierre se estreou a cozinhar em directo, sem teleponto e carregada de nervos que depressa se convertiam em experiência, conhecimento e saber do que mostrava e falava.

Por simples curiosidade, deixem-me que lhes diga que o seu primeiro prato seria algo de estranhar para a maioria do paladar tradicional dos espectadores: um prato de alcachofras que foi um estranho sucesso... Só passados anos de programas a seguir ao telejornal, naquela TV triste e a preto e branco é que Maria de Lurdes Modesto se atreveu a publicar o seu primeiro livro, “As Receitas da TV”. Maria de Lurdes Modesto recebia caixotes de cartas de espectadoras que se lhe dirigiam e nesse seu livro confessava com modéstia: “Ao preparar os meus programas não é difícil decidir-me por uma receita. Basta atender os numerosos pedidos das senhoras espectadoras”.

Simples, simpática, culta e conhecedora daquilo que fazia Maria de Lurdes Modesto nunca valorizou o seu valor como educadora, como estrela de TV e uma vez num jantar em que ficámos lado a lado disse-me  que “o meu programa não significa nada de importante”.

Maria de Lurdes Modesto é autora da “Grande Enciclopédia da Cozinha”, e de “Cozinha tradicional Portuguesa", o livro de culinária mais vendido de sempre em Portugal, além duma vasta obra onde sempre teve a preocupação da componente saudável da nossa alimentação. Faz compotas deliciosas e continua desperta e interessada por tudo que anima a nossa vida.

Publicado no Minho Digital

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9.7.22

Grande Angular - O público e o privado

Por António Barreto

Estamos a viver novos momentos importantes para a vida política nacional e para a definição de direitos dos cidadãos. Três fenómenos despertaram o debate e excitaram as mentes. Por um lado, os “rankings” das escolas. Por outro, a crise do Serviço Nacional de Saúde e os desastres das urgências. Finalmente, a decisão do Ministério Público de Famalicão relativamente aos alunos da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. No que precede, o denominador é o confronto entre o público e o privado, entre a Administração Pública e a sociedade civil e entre o Estado e os cidadãos. Ninguém duvida da importância decisiva desta discussão. Do seu resultado e do quadro político que será desenhado, depende muito da nossa vida colectiva.

Os “rankings” das escolas confirmaram, em quase todos os critérios, o avanço das escolas privadas relativamente às públicas. O que é de esperar e há muito se sabe. As escolas privadas recrutam alunos em meios geralmente privilegiados ou afortunados, têm mais dinheiro, mais propinas, mais professores, melhores edifícios, menos degradação de equipamentos, mais actividades culturais, mais disciplina e mais envolvimento dos pais. O que não impede que haja frequentemente, nas escolas públicas, alunos excelentes, professores dos melhores e participação parental qualificada. Ou haja, entre as particulares, abcessos indecorosos. Mas a média é, previsivelmente, favorável às escolas privadas. É por isso que os interesses ligados ao sector público, ao Estado e aos sindicatos de professores tudo fizeram para evitar a realização e a publicação dos “rankings”. Felizmente, perderam. Podemos hoje consultar aqueles dados e fazer as comparações que quisermos, assim como detectar vantagens e defeitos em certas escolas. Sabe-se que os “rankings” não dizem tudo, que podem ser enviesados, que distorcem certos aspectos da realidade, que são um incentivo à comparação fácil e que ajudam a ocultar fenómenos de desigualdade social. Certo. Mas também se sabe que são bons instrumentos de medida e avaliação à disposição das famílias, dos profissionais e dos cidadãos em geral.

É absolutamente normal que o sistema privado, com todos os seus privilégios, tenha melhores resultados. O que deveria ser um incentivo para as autoridades do sistema público aprenderem receitas de êxito, como sejam o financiamento, a estabilidade docente, a remuneração dos professores, a disciplina escolar, a actividade cultural e a autoridade pedagógica. Este incentivo contrasta, evidentemente, com a atitude ridícula de tanta gente que, perante a superioridade dos resultados, propõe que se acabe com o ensino privado e se escondam os “rankings”. Se a escola pública é um dos principais meios de luta contra a desigualdade social, então deveremos empenhar-nos em conhecer, criticar e valorizar todo o sistema, em vez de esconder os defeitos, proibir as comparações e eliminar os que fazem melhor.

Curioso é ver atitudes similares relativamente à crise actual do SNS. As últimas semanas foram um desespero. Além das habituais esperas de meses ou anos, tivemos agora o colapso das urgências de obstetrícia e das maternidades. Mais uma vez, as autoridades e o fantasmagórico ministério garantem que nunca houve tanto dinheiro, que os investimentos crescem como nunca e que há mais médicos e enfermeiros do que jamais se pensou… Ao que se segue, evidentemente, um ataque à medicina privada, aos seguros de saúde, à livre escolha de médico, à Ordem dos Médicos e aos profissionais das instituições privadas. Novamente, em vez de olhar para as instituições privadas e delas retirar o melhor, as autoridades culpam-nas e responsabilizam-nas pela sua própria crise de gestão, de disciplina e de justa remuneração de médicos e enfermeiros. Sabemos que, no sistema de saúde pública, há unidades hospitalares excelentes e que nos hospitais públicos se encontram por vezes os melhores médicos, equipamentos e cuidados. Mas parece cada vez mais difícil fazer coexistir os dois sistemas de saúde. Com demasiada frequência, os defensores da saúde pública pensam sobretudo em destruir a saúde privada, não em ter melhor gestão, recompensar os seus profissionais, garantir condições de trabalho decentes e atender os cidadãos de maneira competente, humana e eficiente.

Finalmente, o caso dos “pais de Famalicão”, a culminar, para já, na absurda proposta do Ministério Público de retirar aos pais o poder paternal, durante as horas de aulas, substituindo-os pelos órgãos da escola. Parece estarmos a viver em comunas chinesas ou em sovkozes soviéticos. Ou em kibutzim israelitas no seu período totalitário. Como se os alunos estivessem a ser espancados pelos pais alcoólicos! Como se estes fossem monstruosas criaturas capazes das piores violências sobre os seus filhos! Com efeito, o Ministério Público alega proteger os jovens contra os maus tratos que os pais lhes querem infligir! Estas violências consistiriam nos obstáculos criados pelos pais ao acesso de seus filhos às luzes das doutrinas democráticas e outras impostas pela escola.

É difícil ver tão absoluta asneira, tão despótico comportamento! Espera-se ainda pela decisão judicial e pelas disposições ministeriais, mas neste processo já se foi evidentemente longe de mais. Novamente, o Estado contra os privados, contra as famílias e contra os cidadãos.

Todavia, as famílias de Famalicão e de todo o país têm de respeitar o currículo nacional e acatar as regras próprias da escolaridade obrigatória. Há formas de lutar pela reforma legislativa e pela objecção de consciência por motivos ponderados (familiares, religiosos, culturais, etc.). O mero desrespeito pela lei não é aceitável. O problema é que esta lei e o seu conteúdo constituem puro contrabando ideológico e uma maneira de promover o despotismo cultural na moda. Mas, infelizmente, fazem parte das regras legais.

A objecção à lei desta famigerada disciplina de Cidadania é tão legítima quanto a objecção à criminalização do aborto, à proibição do suicídio assistido, ao uso da Burka no espaço público, à tourada ou ao ritual de sangrar animais, assim como tantos outros dispositivos aceites por uns e recusados por outros. Há leis “democráticas” injustas, infames e iníquas: é dever de muitos lutar contra elas. Mas por meios legais. E sobretudo na tentativa de equilibrar interesses públicos e privados. Esta legislatura tem as condições ideais para fazer esse equilíbrio. Mas parece que há quem as queira desperdiçar.

Público, 9.7.2022

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8.7.22

GRALHAS

Por Joaquim Letria

Há, pelo menos, quatro categorias de gralhas.

As primeiras são as que se subtraem ao bom critério de quem lê, mas que carecem de importância ainda que molestem a vista. As segundas são as que trocam uma palavra por outra, correcta em si mesma, que são as mais perigosas porque podem induzir a desorientações e a alguns erros. As terceiras são aquelas gralhas que inventam uma palavra e são capazes de confundir filólogos e outros estudiosos da língua. Por fim, as quartas, que são aquelas que levam o ouvido a confundir duas noções diferentes, muito utilizadas nos meios audiovisuais e outros propagadores da cacofonia.

As primeiras são muito cordatas. Escrever, por exemplo, “choclate” em vez de chocolate, numa frase em que se refere o pequeno almoço com torradas, manteiga e geleia de laranja.

As segundas podem ser incómodas, uma vez que a leitura parece correcta. Por  exemplo, falar do open do pénis da Austrália em vez do desporto da Navratilova e do Federer.

Das terceiras dei uma vez notícia delas quando uma aluna minha leu um texto meu e me perguntou o meu propósito quando ali escrevi que “comer uma maca por dia mantém o médico à distância”. Só nesse momento conheci que tinha uma gralha no  texto e pude então esclarecer que onde o tipógrafo por lapso escrevera “maca” se devia ler maçã, o que fazia sentido e correspondia à correcta tradução do provérbio inglês que nos ensina que uma “apple a day keeps the doctor away”.

Quanto à quarta categoria de gralhas, todos nós temos experiência constante e surge com frequência nos actos solenes e nos rodapés dos noticiários dos audiovisuais e podem não ser mais do que  transcrições fonéticas da errónea conjunção copulativa “e” com o adjectivo “responsável”, tomando-se por certo o insulto que atinge o “experiente e responsável político” ao lhe chamar “experiente irresponsável”. Mas não faz mal. Desde que temos este acordo ortográfico já não se sabe bem o que se escreve, o que se lê e o que está certo. Por isso, há que manter sempre um sorriso e não lhes dar grande importância.

Publicado no Minho Digital

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