31.12.11

OFERECERAM-ME o livro pelo Natal; e ia eu na página 40, quando fui levado a ver o filme, actualmente em exibição. Depois disso, regressei ao "papel".
Alguém quer comentar um ou outro - ou ambos?

O último ano que sou optimista

Por Ferreira Fernandes

COMO os pessimistas, hoje vou estar acordado até à meia-noite - eles para terem a certeza que o ano velho foi mesmo embora, eu para ver o novo ano chegar.
A 2011 arrumo-o com uma frase: foi um ano ímpar (comprove, faça o teste do algodão aritmético). Mais logo, vou brindar. Aí, uns dirão que o copo está meio vazio, outros, meio cheio - e eu, optimista prático, com a esperança que os produtores de copos passem a fazer meios copos, dando plenitude à vida.
Não vou brindar com Coca-Cola mas aplaudo-lhe o espírito do seu anúncio natalício "Razões para Acreditar". Os pessimistas dizem que o anúncio é oportunista e eu digo que é só anúncio. Com este acrescento, lembra boas razões para acreditarmos. E não está sozinho. Em 2011, foi lançado o livro The Better Angels of Our Nature (Os Melhores Anjos da Nossa Natureza), que pergunta: podemos ser optimistas? É interessante que o livro tenha aparecido neste famigerado 2011, porque o autor, Steven Pinker, professor de Psicologia em Harvard, tem 800 páginas a dizer que sim, podemos ser optimista (somos cada vez mais inteligentes e menos violentos).
Sabia que nos anos 50, um anúncio americano mostrava o marido a surrar a mulher por ela ter comprado o café errado? Hoje, a marca do café que patrocinava o anúncio teria a chávena, não meio, mas toda vazia.
Mas, apesar disso, este é o último ano em que vou ser optimista aqui. Para o ano adiro ao acordo ortográfico e passarei a otimista.
«DN» de 31 Dez 11

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Entre Natal e Ano Novo

Por A. M. Galopim de Carvalho

FOI EM Évora, entre o Natal e o Ano Novo de finais dos anos 30 do século que passou, um tempo em que a fome pairava nos campos do Alentejo. Uma situação que está a regressar, não só a esta vasta região do sul de Portugal e sobre a qual é forçoso reflectir.
Nesse tempo, os homens vinham pedir esmola em grupos de três ou quatro, não para se imporem pelo número, mas porque se envergonhavam se viessem sozinhos. Batiam às portas, cumprimentavam levando a mão ao chapéu e o que falava apenas dizia que não tinham trabalho e que precisavam de levar de comer para os filhos. Não lhes chamávamos nem mendigos nem pobrezinhos, porque de facto o não pareciam nem eram. (...)

Texto integral [aqui]

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O herói do Barreiro

Por Antunes Ferreira

O BARREIRO está eufórico. Isto porque, num mar encapelado de desgraças, terramotos, roubos, assaltos, assassinatos, crises, austeridades, drogas, poluições, prostituições, compadrios, corrupções et aliud, de lá surgiu uma notícia – por incrível que pareça – boa. É pouco: óptima, excelente, fabulástica. E sem a terrível adversativa: mas,… Como despedida dum velho ano acelerando em cadeirinha de rodas para o forno crematório e como entrada do novo (que aliás já vem velho) deixa-nos felizes. O que cada vez é mais raro.

Publicou «A Bola» na sua edição de quinta-feira que Luís Miguel Menoito, com dez anos de idade, transformou-se no pequeno herói do cidade da ex-Siderurgia Nacional. E muito justamente. A sua mãe, Maria Menoito, de 51 anos, é epiléptica e quem a socorre quando tal é necessário, de há três anos a esta parte, é ele. Ou seja, segue atentamente a progenitora desde os sete anos. É obra.

Maria, por mor da doença, sofre crises convulsivas. A última aconteceu há um mês e quem a salvou foi o filho. Conta-se em poucas linhas. O Luís, apesar da sua tenra idade, não perdeu a calma, chamou o 112 e deu todas as informações ao INEM sobre o estado da mãe. Quando os bombeiros chegaram à rua de Maria e Luís, tinham uma criança de calções e camisola, ao frio, à espera da ambulância, a acenar-lhes, com uma calma que surpreendeu tudo e todos – continua o diário desportivo.

A história impressionou e comoveu toda a corporação. Luís vive apenas com a progenitora e quando ela passa a noite no hospital, a criança fica a cargo de uma instituição no Barreiro. A mãe Maria diz que às vezes é ele quem a alerta para tomar a medicação, orgulhosa do seu homem da casa. Na noite em que foram chamados, os bombeiros de serviço, Jorge Costa e Hugo Rodrigues, leram uma carta que os tocou. Nela, Maria indicava algumas das necessidades da família. E logo nasceu uma onda de solidariedade: arranjaram-se roupa e alimentos para os dois.

Aluno no terceiro ano, e naturalmente adora brincar, como qualquer criança. Gosta do Lego e do Homem-Aranha, mas a maior paixão do Luís... é o Benfica. É assim desde pequeno. É fã do Carlos Martins, que agora está a contas com o problema de saúde do filho, de todos conhecido. Mas, cheio de fair play confessa que também gosta do Ronaldo, do Figo, do Fábio Coentrão e do Aimar. Resumindo: adora todos os jogadores do seu clube da Luz, mas quanto ao treinador Jorge Jesus, acha que «é chato. Está sempre aos gritos!»

«A Bola» conclui a notícia revelando que o Luís menino pediu um presente ao Pai Natal. É só o que lhe falta: ir ao Estádio da Luz ver um jogo do Benfica pela primeira vez. Quem sabe se 2012 não será o ano em que alguém o vai ajudar a concretizar este sonho... Depois de sabido o desejo, a coisa não é muito difícil. A bola está no campo do clube encarnado. Ou seja no estádio da Luz.

Bem o merece o Luís Miguel. É um verdadeiro study case de vivência, de humanidade, de maneira de ser, de calma, de atenção, enfim, de amor pela mãe. Que singularmente se chama Maria, numa época em que uma outra Maria também foi mãe, de acordo com a tradição cristã. Que transformou o solstício do Inverno no Natal.

O Luís Miguel Menoito deu-nos, portanto, a satisfação, até mesmo a alegria, de poder constatar que ainda há coisas boas neste desgraçado Mundo que continuamos a tentar destruir, mesmo sabendo que é o único que temos. Por ele fora, haverá muitíssimos casos como o deste catraio de dez anos de idade. Certamente que sim.

Mas este menino-herói é nosso, é do Barreiro e ao sabermos do que fez, do que faz e do que oxalá faça, sentimos todos nós os Portugueses o orgulho de o termos. Pelo menos, todos o devíamos ter. Porém, há sempre a velha estória do pano e da nódoa.

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30.12.11

Horribilis

Por João Paulo Guerra

A CONSTATAÇÃO de que 2011 foi para os portugueses um ano horribilis só é contrabalançada pela certeza de que 2012 será ainda pior.

O empobrecimento, única receita do Governo para a chamada crise, deu apenas os primeiros passos e adotou as primeiras medidas para uma pobreza sustentada, digamos assim. E os portugueses, por prevenção ou falta de meios, já gastaram menos este Natal. Mas ainda assim festejaram, embora mais comedidamente. Para o ano que vem é duvidoso que a esmagadora maioria dos portugueses - os que vivem de rendimentos fixos, sejam salários ou reformas - encontre meios ou tenha mesmo algum motivo para festejos. E a esta maioria de portugueses ter-se-ão acrescentado entretanto as vítimas da recessão provocada pela contração forçada do consumo interno.

A grande questão, em relação a Portugal, é que para a imensa maioria da população não se trata de eliminar hábitos de consumismo - como já se escreveu -, mas de cortar no consumo básico, certamente um pouco melhorado pois isso deve fazer parte da evolução das economias e das aspirações das sociedades, mas ainda assim contido nos limites de um país que era dos que dispunha de poder de compra mais reduzido na Europa.

Neste contexto, os costumeiros votos de «próspero ano novo» constituem em Portugal uma manifestação de maldoso sarcasmo. O ano de 2012, em primeiro lugar, não é novo: é a continuação, extremada, das desastrosas políticas dos últimos governos, agora vigiadas pelos prestamistas que tomaram conta do País. Em segundo lugar, 2012 vai ser o primeiro ano de uma nova contagem do tempo planeada para Portugal: um tempo de miséria, exploração, desigualdade, eliminação de direitos e repressão. Para salazarismo, só falta um Salazar. Ou será que já o encontraram?
«DE» de 30 Dez 11

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Sócios, ele é o Economista do Ano

Por Ferreira Fernandes

QUEM é o meu Economista do Ano? Sócios, é isso que vou explicar.
O que é que Portugal tem de fazer? Vai qu'ir buscar dinheiro... Ontem vi o patrão da barragem Três Gargantas, Cao Guangjing. Ele é o chinês que comprou a EDP - e fez-me luz! Foi quando ele disse: "Podemos trazer dinheiro e bancos chineses." Sócios, ele é o 20.º jogador do plantel, aquele que foi anunciado num discurso, em Lisboa, a 24 de Março!
Na altura, foi dito que vinham aí charters e os portugueses riram-se. E não é que aconteceu mesmo?! Portugal foi buscar sponsors, foi buscar as Três Gargantas.
Agora Portugal vai ter comissão de charters... vai ter comissão de bancos... vai ter comissão de barragens...
Ontem Cao Guangjing foi recebido no Ministério da Economia e hoje vai ao Ministério das Finanças e vai ser recebido por Passos Coelho... Porquê? Sócios, porque foi feito um Departamento do Jogador Chinês, como foi preconizado no tal discurso em Março. "Portugueses, isto é um projecto de irmos p'ra frente! Vamos ganhar, vamos tar lá em cima outra vez", foi dito então.
E agora eu vou ter que eleger o Economista do Ano. Aquele discurso não foi nem do Teixeira dos Santos nem do Constân... sócios... oh sócios... por favor, tou concentradíssimo, não é?, nem pelas falinhas mansas do Gaspar, nem pela sumidade académica do Álvaro - foi dito com os pés por Paulo Futre. Não foi citado pelo Financial Times mas está no YouTube. E, sócios, Futre foi o único que acertou.

«DN» de 30 Dez 11

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Rabanadas

Por A. M. Galopim de Carvalho

A RECEITA
das rabanadas que se fazem em nossa casa foi-nos ensinada por uma amiga de Évora que viveu muitos anos no Porto, onde aprendeu a fazê-las.
São as melhores que se confeccionam em Portugal, dizem os familiares e amigos que, nesta época de Natal, nos visitam e as comem, deliciados.

1 pão para rabanadas (com um ou dois dias de feito)
8 ovos grandes (XL)
1,5 quilos de açúcar de cana, branco, areado
1 a 2 litros de leite gordo
Cascas finas de um limão
Cascas muito fina de 5 ou 6 laranjas
Paus de canela em quantidade a gosto
1 litro de óleo para fritar

Corta-se o pão em fatias da espessura de um dedo (cerca de 1,5 cm).

Num tacho alto e largo, leva-se ao lume o leite bem açucarado, paus de canela e casca de limão. Depois de bem quente, a ferver, e com o açúcar bem dissolvido, põem-se as fatias, uma a uma, a embeber no leite, retirando-as, de seguida, com todo o cuidado para travessas, onde ficam, lado a lado, sem se sobreporem.

Terminada esta operação, aquece-se o óleo numa fritadeira suficientemente larga e funda. Entretanto, batem-se os ovos e coloca-se o batido num recipiente onde, se possam passar as fatias, uma a uma, indo de seguida, a fritar no óleo bem quente.

Num outro tacho alto e largo (ou no mesmo, depois de lavado), coloca-se o restante açúcar (cerca de um quilo) com um pouco de água e, em quantidade, paus de canela e a casca de laranja cortada às tirinhas muito finas.

Quando esta mistura ferver, vão-se mergulhando aí as fatias já fritas, uma a uma ou duas a duas, consoante o tamanho do tacho, picando-as com um garfo para que a calda as embeba por dentro. Vão-se virando e picando e terminada esta operação, colocam-se num recipiente fundo (susceptível de ir à mesa) e regam-se por último com a dita calda.

Depois… é só deixar arrefecer, comer e gritar por mais.

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"Não seria estranho"

Por Manuel António Pina

ESTÁ tudo explicado. Os cancros de alguns líderes "anti-imperialistas" da América Latina foram provocados pelos Estados Unidos. A notícia, sob a forma de reflexão "em voz alta", foi dada por Hugo Chávez num discurso feito numa base militar - provavelmente, digo eu, algum novo destacamento anticancerígeno do exército venezuelano - e transmitido pela TV: "Não seria estranho se eles tivessem desenvolvido tecnologia para induzir cancro e ninguém soubesse disso até agora..."

Já há cinco vítimas: os presidentes da Argentina (Cristina Kirchner, cancro na tiróide), Paraguai (Fernando Lugo, linfoma não-Hodgkin), Brasil (Lula, cancro na laringe, e Dilma Roussef, linfoma axilar), e o próprio Chávez. O caso de Chávez demonstra que os EUA ainda não dominam completamente a tecnologia cancerígena: o "Wall Street Journal" anunciou que o cancro seria no cólon mas, talvez porque Chávez não pára quieto, acabou por ser atingido no pélvis (e, tudo o indica, no cérebro). Além disso não há meio de conseguirem acertar em Fidel Castro.

Chávez costuma estar bem informado sobre novas técnicas de "guerra suja" dos EUA. Já em 2010 denunciou que o sismo do Haiti fora um "terramoto experimental" dos americanos, ensaio geral de um iminente ataque ao Irão com tremores de terra e maremotos.

Bons e pré-históricos tempos em que os EUA, para eliminarem um líder inimigo, arranjavam militares como Pinochet que lhes fizessem o serviço.
«JN» de 30 Dez 11

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29.12.11

Das rochas sedimentares (22)

Por A. M. Galopim de Carvalho

NÃO OBSTANTE o artificialismo das classificações a que se fez alusão, alguns autores continuam a separar, entre os pelitos, dois tipos petrográficos: os siltitos e os argilitos.
Os siltitos são definidos como rochas sedimentares terrígenas, formadas por mais de 50% de uma fracção granulométrica correspondente ao silte (0,063 – 0,004mm), essencialmente composta por partículas de quartzo, podendo conter, subordinadamente, feldspato, mica e outras espécies minerais eventualmente presentes, a que se associa, quase sempre, uma certa percentagem de argila. Numa linguagem simplificada, mas expressiva, poderíamos dizer que o siltito só difere do arenito na dimensão das partículas detríticas, muito mais finas do que a das areias. (...)
Texto integral [aqui]

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100 mil

Por João Paulo Guerra

MAIS de 100 mil portugueses emigraram em 2011.

E este será porventura o mais dramático e significativo balanço do ano: um em cada 100 portugueses teve e agarrou a oportunidade de deixar Portugal e procurar lá fora o que seu País não lhe dá. Estes 100 mil não esperaram que ninguém reconhecesse a incapacidade da política atual em proporcionar dignidade de vida aos portugueses e os aconselhasse ou exortasse a saírem. Foram pelo seu pé e muitos outros o fariam se encontrassem uma porta de saída.

Entretanto, esta questão das sugestões a setores da população portuguesa para que emigrem tem vindo a ser desviada para demagogias laterais que procuram escamotear o essencial. E o essencial é que esta espécie de democracia está a dar aos portugueses tão poucas saídas para a vida como os tempos mais plúmbeos da ditadura. As diferenças são meramente formais - emigrar agora com papéis ou outrora a salto, hoje para bairros de alvenaria ou ontem para os bidonville. De resto, antes para fugir à guerra colonial e à miséria, depois para fugir à pobreza forçada e à desigualdade, do que se trata igualmente é de procurar um lugar para viver o presente e encarar o futuro que o país natal lhes recusa. E o país é Portugal ocupado e debilitado, sem outro rumo que não seja a sorte madrasta para os seus naturais.

Os emigrantes têm em várias épocas da história ajudado a construir o País. Mas ninguém deixa a sua terra e os seus por gosto. A miséria das políticas e as políticas de miséria é que forçam o destino da diáspora. No momento atual, a cavalgada do empobrecimento, do desemprego, da perda de direitos é que empurra milhares de portugueses lá para fora. Houve quem pensasse que nunca mais aconteceria. Afinal foi só trocar a mala de cartão pela mochila.
«DE» de 29 Dez 11

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Um ano do caraças

Por Ferreira Fernandes

SE HÁ ANO que fez por ser lembrado, foi este, 2011. Deixem-me consultar a mnemónica: Bin Laden, Kadhafi e Kim Jong-il, triplo AAA e triplo desastre japonês, Steve Jobs, novela trágica de Rosalina e novela de alcova de Strauss-Kahn, Murdoch e os seus jornais, Presidenta Dilma, indignados e Primaveras Árabes, Barcelona de Messi... A minha mnemónica 2011 é como aquelas de cábulas de liceu, em acordeão para lembrar muito e só com vago rastilho para instigar a memória. Cada nome faz explodir um romance, evoca a milenar história dos homens (e o seu rosário de sangue, sexo e dinheiro, e também a sua antologia de vontade e talento), multiplica pistas e deixa-nos derreados por tanta coisa num ano só. 2011 foi do caraças!

Kadhafi-2011, por exemplo, foi como passar de sócio a pária. De convidado que até impunha como devia ser recebido, de tenda, a abandonado à turba - "não sabem o que é compaixão?", disse a alguém, momentos antes de ser empalado. Terão esses momentos horríveis a ver com a classificação esperançosa, "Primaveras", que damos às revoltas árabes? Certamente que sim, porque os homens não mudam ao som de cânticos celestiais, por mais que evoquem o Céu quando se manifestam. Mas, atenção, a Praça Tahrir pôde passar o ano com enchentes sucessivas e, apesar do sucesso mundial das retransmissões, não ter nada para anunciar - aquela jovem blogger cairota que mostra o corpo, e de quem já nos esquecemos o nome, fosse ela a vencedora de 2011, a Primavera Árabe poderia ser já proclamada. Isto para dizer que, se o ano foi enorme, talvez não seja onde julgamos. Outras vezes, porém, as câmaras souberam acertar com o acontecimento: morre uma inexistência, o tal Kim n.º 2, e vimos, na dor aviltante de um povo, a morte definitiva do comunismo.

Muitos dirão que 2011 foi o ano da crise do euro. Não acho, felizmente, aí, o ano falhou. Aí, 2011 ficará como bem-intencionado e teimoso (tanta cimeira), mas desconseguido. O acontecimento do ano foi o escândalo Murdoch. O maior patrão de imprensa mundial (Times, Wall Street Journal, Sun, New York Post...) tinha um jornal que vasculhou no telemóvel de Milly Dowler, de 13 anos, raptada e assassinada. O Diabo está nos pormenores.
«DN» de 29 Dez 11

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O português errante

Por Manuel António Pina

ATRAVÉS do secretário de Estado José Cesário, o Governo diz-se preocupado com o desemprego de milhares de portugueses emigrantes em países como, entre outros, o Luxemburgo, Reino Unido, Suíça ou Andorra. O Governo tem boas razões para se preocupar. Se toda essa gente resolver regressar a penates, para onde irá o Governo enxotá-la?

E se os 100 ou 120 mil portugueses (mas o número, admite o secretário de Estado, "pode ser muito superior") que emigraram em 2011- os tais "jovens [e] pessoas que se encontram na fase mais avançada da sua vida activa" que, segundo Passos Coelho, "uma sociedade que se preza não pode desperdiçar" - não encontrarem trabalho nos países de destino e regressarem também? Dir-lhes-á Passos Coelho, como aos professores, que Portugal não é uma sociedade que se preza e passa bem sem eles? Fechar-lhes-á a porta de entrada com a mesma diligência com que lhes abriu a porta de saída? Apelará, como o ministro Miguel Relvas, à sua "visão universalista" e mandá-los-á "ter sucesso na construção [doutro] país"? Ou pedir-lhes-á que esperem até que ele acabe a "democratização da economia" facilitando e embaratecendo os despedimentos, reduzindo férias e feriados e decretando trabalho forçado sem remuneração?

Indesejados no seu próprio país, resta hoje aos portugueses, como ao judeu errante, construir o Portugal futuro com que sonhou Ruy Belo "sobre o leito negro do asfalto da estrada".
«JN» de 29 Dez 11

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Intolerância religiosa e banhos de sangue

Por C. Barroco Esperança

É DIFÍCIL perceber a complacência dos países civilizados e democráticos para com o proselitismo cristão e, muito especialmente, islâmico. Se um partido político tivesse inscrito nos seus princípios o apelo à violência e ao assassínio, como preconizam os livros sagrados dos três monoteísmos, os seus dirigentes seriam julgados e condenados.
Sob o pretexto de que a linguagem é metafórica, de que os livros não dizem o que lá está escrito e de que é preciso saber interpretá-los, usa-se uma benevolência que pode conduzir a retrocessos civilizacionais. Ninguém que tenha lido a Tora, a Bíblia ou o Corão pode desculpar a violência própria do espírito tribal da época em que foram escritos e do carácter patriarcal que os informa. (...)
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28.12.11

Há mais de 2500 anos... na Grécia.

(In «Péricles» de Violaine Vanoyeke)
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Onde é que já vimos isto?

Brasil

Por João Paulo Guerra

A NOTÍCIA da subida do Brasil ao sexto lugar da escala das economias mundiais tem diversas leituras.

A primeira é que este enorme sucesso da economia brasileira acontece ao cabo de oito anos de governo de Lula da Silva, um presidente que deixou o poder com mais popularidade do que tinha à chegada. Os portugueses pouco saberão sobre a governação de Lula, pois por cá falava-se essencialmente sobre escândalos, que nem sequer conseguiam atingir o presidente, e pouco ou nada sobre o corte com a dependência do FMI, a diversificação das relações económicas, a política de crescimento com criação de emprego e desenvolvimento social, a estabilidade.

A segunda leitura é que o Brasil sobe, ultrapassando o Reino Unido, enquanto as economias europeias descem. Não tardará que a Índia e a Rússia ultrapassem a França e Itália, se não mesmo a Alemanha. E isto acontece quando a Europa mergulha na crise dos seus egoísmos. A União Europeia é um saco de gatos, que se discute eternamente a si próprio, nos seus joguinhos de poder e de interesses, jamais discutindo como constituir um mercado comum e coeso de crescimento e desenvolvimento. A terceira leitura é que num mundo em crise o Brasil continua a crescer, aproveitando os seus recursos e dinamizando o mercado interno: mais poder de compra, mais crédito, mais consumo, mais iniciativa, mais riqueza e crescentemente mais distribuição, mais saúde e educação.

E é este imenso país que continua a crescer que é agora de novo um Eldorado - como foi nas primeiras décadas do século XX - para os portugueses pobres e sem horizontes. Só nos primeiros seis meses deste ano o Brasil concedeu vistos de residência a mais de cinquenta mil portugueses. Que grande lição para um pequeno país campeão do insucesso escolar.
«DE» de 28 Dez 11

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Tudo chora em Pyongyang

Por Manuel António Pina

DEIXANDO, como o PCP, de parte "fenómenos e práticas da realidade política coreana com as quais não se identifica[m]", também os passarinhos choram a morte do querido líder norte-coreano Kim Jong-il, cujas pompas fúnebres se realizam hoje e amanhã.

Informam o "Rodong Shinmun", jornal oficial da monarquia marxista-leninista Kim e o órgão do Partido do Trabalho da Coreia que, mal se soube do passamento do amado ditador, um grou voou três vezes à volta de uma estátua de Kim Jong-il e duas pombas bicaram a janela da dependência de uma fábrica de cimento onde os operários faziam compungidamente o luto pelo extinto, pondo-se depois "nos ramos de um pessegueiro a chorar durante meia hora". Noticia por sua vez a Rádio Pyongyang que uma ave branca não identificada (pode muito bem ter sido o Espírito Santo, de qualquer modo era algo "maior que uma pomba" e menor que um avião de reconhecimento americano) "limpou a neve que cobria os ombros de uma estátua do líder".

Mas igualmente o austero mundo mineral estará, segundo a agência oficial do regime, a KCNA, inconsolável. Assim, no momento em que Kim Jong-il soltava o último suspiro, o gelo de um lago de Monto Baekdu, sua terra natal, incapaz de suportar em silêncio o sofrimento, quebrou-se "com um rugido que fez tremer o céu e a terra".

Espera-se uma nota do PCP condenando a ingerência da Natureza nos assuntos internos da República Popular Democrática da Coreia.
«JN» de 28 Dez 11

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Passos em volta da exaustão

Por Baptista-Bastos

O PRIMEIRO-MINISTRO foi às televisões, admitindo-se, com modesta expectativa, que iria sossegar a nação. Não sossegou ninguém. Surgiu um homem alquebrado, de rosto fechado e descaído, exausto e confuso, conferindo ao discurso uma futilidade patética. Entre o apelo à confiança e a surpreendente declaração sobre a necessidade de se "democratizar a economia", com o concurso do povo, nada do que disse produziu o mínimo estremecimento de emoção. O dr. Passos não motiva, não congrega, não aquece nem arrefece. E é cada vez mais visível o esforço que faz para convencer aqueles dos outros e os próprios que o cercam.

Os áulicos do costume aplaudiram, com fervor inconsistente; e o CDS-PP, muito calado nos últimos tempos, mandou um moço grave e soturno, cujo nome não fixei, proferir umas irrelevâncias apropriadas. As televisões, preguiçosas e desprovidas de critério, têm dado espaço e tempo a pessoas que o são sem ser coisíssima nenhuma. E que os partidos recorrem ao rebotalho dos aparatchiks por inexistência de figuras de proa. Diz-se, também, que a coligação não afina com muitos diapasões, e que a ausência do dr. Portas nos "eventos" mais chamativos se deve a um certo mal-estar.

A verdade é que o presidente do CDS possui grande presciência política e as suas faltas em actos públicos talvez sejam um sinal de prudência e de distanciação de muitos actos do Governo. Enquanto o dr. Passos fala, fala e não diz nada, e dá entrevistas umas atrás das outras, numa fastidiosa rotina de vacuidades, o seu parceiro de aliança afasta-se, com um recato que lhe não é próprio, ele, tão dado à fotografia, à imagem, à primeira fila.

A sociedade portuguesa está gravemente enferma e o Executivo não consegue dar conta do recado. Embrulha-se em quezílias pessoais (caso da ministra da Justiça e do bastonário da Ordem dos Advogados); em afirmações desprovidas de sentido e logo apressadamente desmentidas (Álvaro Santos Pereira); ou em embaraçosas declarações de princípio (Miguel Relvas), reveladoras de impreparações políticas fulcrais. O que deveria ser dito pelo Governo é comentado pela Igreja, com argumentação sólida. O cardeal-patriarca de Lisboa, cuja independência de espírito já o opôs, por exemplo, ao Vaticano (celibato dos padres e ordenação das mulheres, verbi gratia), anunciou que as desigualdades sociais só seriam vencidas se a ordem económica sob a qual vivemos fosse rapidamente substituída. E a Conferência Episcopal, insistindo em que não há social sem cidadania, favorece, no resguardo peculiar à instituição, a necessidade do compromisso com o protesto e com a resistência às iniquidades.

Meu Dilecto: estamos no fecho de um ano desgraçado e nocturno. Que Hermes, o deus do bom caminho, ilumine o que aí vem, e não nos deixe enveredar por veredas e azinhagas.
«DN» de 28 Dez 11

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27.12.11

O que eles fizeram pelas Ciências da Terra (14)

Carlos Ribeiro
(1813 – 1882)
Por A.M. Galopim de Carvalho

FUNDADOR da geologia portuguesa, iniciou os seus estudos neste domínio a meados do século XIX, sendo, praticamente, o único estudioso que, na época, se ocupava deste tipo de investigação. Tendo reconhecido o trabalho de observação realizado no terreno como via essencial ao prosseguimento dessa mesma investigação, inovou a cartografia geológica, uma prática quase inexistente no panorama científico da geologia portuguesa. Foi o primeiro geólogo português que, no quadro dos conhecimentos de então, estabeleceu a sucessão estratigráfica dos terrenos de Portugal continental, sendo considerado o fundador da estratigrafia portuguesa. Carlos Ribeiro viajou por diversos países da Europa e manteve correspondência regular com os mais eminentes geólogos da época. (...)
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Democracia

Por João Paulo Guerra

QUEM QUER que diga que as atuais “reformas” - isto é, a cavalgada legislativa no dorso da ‘troika’ - tem em vista ou terá como efeito a democracia económica terá aprendido democracia tarde e a más horas e não terá eventualmente obtido aproveitamento.

A questão é que a democracia é, antes de tudo o mais, igualdade e liberdade. E as "reformas" cavam mais fundo o fosso das desigualdades, sendo que para vingarem exigem mão de ferro e pouco barulho.

Em primeiro lugar, as chamadas "reformas" não são equitativas. Atingem preferencialmente os assalariados e pensionistas e procedem meticulosamente ao esbulho dos respectivos rendimentos e à liquidação dos respectivos direitos. Em segundo lugar, as "reformas" visam liquidar o papel do Estado como garante de direitos sociais - na saúde, na educação, como futuramente na Segurança Social - com o objectivo de os transferir para o mercado. E, no mercado, quem quer saúde, educação ou pensão de reforma, compra-as segundo os preços e termos leoninos do mercador.

Não há nenhum indicador que sustente que estas ditas "reformas", aqui ou na Cochinchina, contribuem para mais igualdade. As alegadas "reformas" em curso são apenas uma dose cavalar da política de todos os governos das últimas décadas. O resultado, segundo a OCDE, é que o fosso entre ricos e pobres atingiu agora em Portugal o nível mais elevado dos últimos 30 anos. E daqui para a frente será sempre a piorar.

A segunda questão é que políticas deste tipo são inevitavelmente fontes de confronto social em que os governos intervêm pela força da repressão. E as ameaças do poder não deixam dúvidas quanto a intenções repressivas. Depois dos socialistas terem metido o socialismo na gaveta, chegou a vez de os social-democratas meterem a democracia no baú.

«DE» de 27 Dez 11

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Jogue e instrua-se

Por Manuel António Pina

ESQUEÇA o "Trivial Porsuit". O jogo das noites de 2012 será tentar descobrir uma ideia, uma "representação que se forma no espírito", uma "percepção intelectual" ou um "pensamento" nas 812 palavras da mensagem de Natal do primeiro-ministro.

É uma espécie de "Jogo da (in)Glória". Quem, por exemplo, encontrar algo parecido com uma "percepção intelectual" na frase "queremos colocar as pessoas comuns com as suas actividades, os seus projectos, os seus sonhos, no centro da transformação do país", avança duas casas; e quem, designadamente algum dos 689,6 mil desempregados ou dos 100 mil jovens forçados a sair do país, não vir na frase "uma sociedade que se preza não pode desperdiçar nem os seus jovens nem as pessoas que se encontram na fase mais avançada da sua vida activa" uma piada de humor negro, volta ao início e será obrigado a reler as estatísticas do desemprego e da emigração.

Já quem vislumbrar uma "representação que se forma no espírito" diferente da hipocrisia na frase "um dos objectivos prioritários (...) do Governo consiste na recuperação e fortalecimento da confiança", depois de ter ouvido Passos Coelho garantir que, consigo a primeiro-ministro, não haveria aumentos de impostos nem seriam confiscados os subsídios de férias e Natal, será expulso do jogo.

"Um Bom Natal e um Feliz Ano Novo", como disse Passos Coelho (foi impressão minha ou ouviu-se mesmo, em fundo, o sinistro riso de Muttley?)

«JN» de 27 Dez 11

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Apontamentos de Lisboa, com associação de ideias

C. Hitchens em Lisboa

Por Maria Filomena Mónica

NÃO DEVE haver muitos trotsquistas que tenham deixado de o ser na sequência do PREC, mas foi isso que aconteceu a Christopher Hitchens. Quando em 1974 aterrou no aeroporto da Portela foi recebido por um capitão do MFA que o levou para o Hotel Tivoli: «Pela primeira vez na minha vida estava na lista das pessoas desejadas». Não foi difícil deixar-se conquistar pelo ambiente de libertação sexual que flutuava no ar e pela visão de soldados em uniforme desfilando ao lado de estudantes e de operários: «A meus olhos, tratava-se de uma repetição quase literal das cenas do Couraçado Potemkin ou da invasão do Palácio de Inverno». Tinha 25 anos, o que não o impedia de manter as ilusões de quem, em adolescente, se envolvera nas revoltas estudantis.

A certa altura, encontrou-se com Mário Soares, um homem que, segundo conta nas suas memórias, «normalmente seria por mim considerado um Social-Democrata insípido e dúbio». Tendo-o ouvido falar, em tom romântico, dos militares portugueses, o líder do PS chamou-o à pedra: «Mas se os oficiais estão de tal forma ligados ao povo, porque não envergam a indumentária civil?». A frase acabaria por ficar no caderno de notas que o escritor levou para Inglaterra. Hitchens compreendera «que a democracia e o pluralismo eram coisas boas em si, quer dizer, eram fins e não um meio para se atingir outro fim».

Depois, muita coisa se passaria na sua vida. Mas dela e da sua obra outros falarão. Limito-me a mencionar a forma como o vi – ou antes como o não vi - e como ele me influenciou. Em Fevereiro de 2010, a convite da Casa Fernando Pessoa, então dirigida por Inês Pedrosa, Hitchens regressou a Lisboa. Em 2007, após a publicação de God Is Not Great, um livro menor se comparado com os seus artigos e ensaios, tornara-se no ateu mais célebre do universo. Quando me preparava para o ir ouvir, tropecei nos andaimes erguidos no meu prédio, tendo rachado o nariz, um acontecimento que não gostaria de atribuir a uma intervenção transcendente. No dia seguinte, lia nos jornais ter ele afirmado que o português que mais admirava não era Pessoa, mas Eça. Ia morrendo de desgosto quando soube que tinha partido para Évora e, logo a seguir, para os EUA.

Num gesto pouco condicente com o meu temperamento, decidi enviar-lhe a minha biografia de Eça (em versão inglesa), para o que pedi a sua morada. Autorizada a fazê-lo, a Inês Pedrosa mandou-ma, tendo acrescentado que ele lhe comunicara ir lê-la com todo o gosto. Poucos dias passados, era-lhe diagnosticado o cancro no esófago que, na passada semana, poria fim à sua vida.

Se tivesse de escolher entre as milhares de páginas que escreveu, seleccionaria a pag. 36 do seu livro Letter To A Young Contrarian (2001), onde declara que, por pior que seja a sociedade em que vivemos, devemos agir de forma decente. A posição a adoptar, diz-nos, é a do «como se». É por isso que me comporto como se Portugal fosse um Estado de Direito, uma democracia representativa e um país culto.
«Expresso» de 23 Dez 11

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26.12.11

Alguém sabe que janela é esta?

Natal

Por João Paulo Guerra

O FILHO do carpinteiro lá nasceu, como estava previsto, e agora vem a caminho a Troika de reis magos para o adorar.

Está previsto que chegue a 6 de janeiro e, tratando-se de uma Troika de reis, a chegada e estadia serão altamente mediatizadas, com diretos na televisão e bisbilhotices nas revistas cor-de-rosa. Trazem ouro, incenso e mirra, para resgatar a família do pequeno, mas os juros são a 44 por cento. E para lá dos juros há uma série sem fim de outras imposições.

A criança, que nasceu de pai artesão a recibos verdes e de mãe desempregada sem subsídio de desemprego, vai ter uma infância desvalida, própria de uma geração à rasca. O mais certo é que abandone o ensino sem completar o secundário. E quanto a saúde, se a quiser, que a pague. E assim, com um futuro tão incerto no seu território ocupado, o mais provável é que mais cedo ou mais tarde venha a ser aconselhada a emigrar.

Com tal currículo, o jovem será previsivelmente um indignado. Participará em acampamentos, ocupações, manifestações vídeo-vigiadas, ficará com cadastro e será rotulado para a vida. E se um dia vier a falar entre os doutores, será para ser enxovalhado pelos senhores do pensamento único e pelos seus numerosos missionários, lambe-botas e louvaminheiros. Entre os que o ouçam e sigam não vão faltar os provocadores, bufos e delatores, prontos a denunciá-lo e a exagerar a denúncia para valorizar e acrescentar os 30 dinheiros da recompensa.

E um dia o filho do carpinteiro vai passar as marcas e dizer blasfémias como "é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, que um rico entrar no reino dos céus". Os senhores do poder e do dinheiro têm medo mas perdem a paciência, crucificam-no mas benzem-se. E a Troika dos reis magos não levantará um dedo para o salvar.

«DE» de 26 Dez 11

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Gravatas & gasolina

Por Manuel António Pina

A NOTÍCIA é animadora: a "jihad" decretada por Assunção Cristas no Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenação do Território contra as gravatas terá resultado numa poupança de 136 mil euros em electricidade e 395 toneladas em CO2. O Ministério tem 10 500 funcionários, o que (é só fazer as contas, como diria Guterres) significa que, só pelo facto de se terem desengravatado, e presumivelmente apenas os do sexo masculino, cada um custou, em média, menos 13 euros aos contribuintes em 2011. E nem quero imaginar o que se poupará se a ministra for em 2012 um pouco mais longe e alargar a medida a mais peças de roupa.

Imagino, no entanto, quanto pouparia Assunção Cristas em euros e em CO2 se lhe tivesse ocorrido, além de desengravatar o pessoal, reduzir também os cerca de 4 000 automóveis herdados pelo seu ministério dois-em-um ou, ao menos, os ditos de "representação" e de "uso pessoal". O Ministério de Assunção Cristas é, de facto, o recordista absoluto dos ministérios "civis": 4 000 carros para 10 500 funcionários representa um carro por cada 2,5 funcionários, dez vezes mais do que a média dos restantes ministérios.

Infelizmente, os indicadores da Agência Nacional de Compras Públicas omitem quantos desses automóveis são Mercedes ou BMW topo de gama de "representação" ou para "uso pessoal" (e decerto com motorista de gravata), preferindo deixar isso à pérfida imaginação do contribuinte pagante.

«JN» de 26 Dez 11

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Método

Por Joaquim Letria

A MELHOR
aluna do nosso ensino secundário teve média de 20, não trabalhou nunca com computadores nem máquinas de calcular, decorou a tabuada e poemas da língua portuguesa e diz que a sua rotina era estudar a tempo inteiro. "Entreguei-me aos livros de corpo e alma e tive de abdicar de algumas coisas, mas não estou arrependida”, diz ela.
Suzete Marli da Cruz tem hoje 18 anos e viveu em Lamego, onde frequentou o Colégio da Imaculada Conceição, até ao 9.º ano, e o Colégio de Lamego até ao 12.º (...)

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Das rochas sedimentares (21)

Por A. M. Galopim de Carvalho

JÁ O DISSEMOS e não é demais repetir que, por razões dinâmicas, decorrentes dos diâmetros das respectivas partículas, o silte e a argila reagem de modo semelhante aos agentes de transporte (em suspensão na água ou no ar) e têm por destino os mesmos ambientes de sedimentação: os mais distantes das fontes, os mais profundos, os mais tranquilos ou menos energéticos. Neste termos, os siltitos são quase sempre argilosos e os argilitos, quase sempre siltosos. Dado o teor de alumina próprio dos minerais argilosos (silicatos hidratados de alumínio), alguns autores utilizam a expressão rocha aluminosa em vez de rocha argilosa. Para estes autores, os pelitos são, via de regra, rochas aluminosas. (...)
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25.12.11

Luz - Ensaio para o baile, São Petersburgo, 2010

Fotografias de António Barreto- APPh

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Parece que as danças de salão têm um êxito formidável na Rússia democrática. Diz-se que também antes. Cartier Bresson, por exemplo, fez algumas fotografias formidáveis de danças de salão em associações recreativas. Quando por lá andei, nos anos sessenta, viam-se alguns exemplos. Muito mais modestos. Agora, neste hotel de luxo, há bailes com frequência. A nova burguesia russa e as classes médias fazem filas para poder entrar. E é tudo muito organizado. Nas vésperas, há horas e horas de treino. Aqui, era o ensaio geral para o dia seguinte. As senhoras já se vestiam a rigor.

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24.12.11

Uma democracia "com falhas"

Por Manuel António Pina

PORTUGAL deixou em 2011 de ser uma democracia plena, de acordo com o Índice da Democracia 2011 do Economist Intelligence Unit, que classifica o país como "democracia com falhas". Segundo o serviço de investigação de "The Economist", isso deveu-se, sobretudo, à erosão da soberania associada à crise da zona euro.

É mais um título, o de coveiros da democracia, de que podem orgulhar-se PSD, CDS e PS, subscritores do memorando com a 'troika', e o Governo de Passos Coelho, que o põe submissamente em prática contra os portugueses sem o mínimo rebate de autonomia ou patriotismo.

A venda da soberania nacional aos 'mercados', a troco de uma 'ajuda' a prestações dependentes do bom e obediente comportamento dos seus feitores locais, teria que ter consequências sobre o regime democrático pois não é possível governar contra os interesses dos povos sem amordaçar as liberdades civis.

E a procissão ainda vai no adro. Não se sabe se "The Economist" já teve em conta o comportamento da PSP durante a manifestação de 24 de Novembro e as ameaçadoras declarações do seu director nacional ("Nós não andamos com bastões, nem com pistolas, nem com algemas, nem com escudos e etc. para mostrar que temos aquele equipamento"). Certo é que, entre outras "falhas", ainda não considerou - pois, para já, foi travada pela CNPD - a intenção do Governo de polvilhar cidades e florestas com câmaras vídeo por simples decisão administrativa.

«JN» de 23 Dez 11

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É Natal, ninguém leva a mal

Por Antunes Ferreira

NESTE NATAL o Governo envergou o traje vermelho, talvez seja melhor dizer encarnado, não vá haver susceptibilidades, debruado a branco, calçou as botas e enfiou (-nos) o barrete. A época das Festas Felizes tem destas coisas, pois é nela que emergem os sentimentos mais bondosos. A fraternidade impera, os presentes também.

O bacalhau com batatas e couves, convenientemente adubado com azeite e vinagre, acompanhados por salsa migadinha, cebola idem e alho aspas enche as mesas familiares num abundância festiva, complementada pelos coscorões, filhoses diversas, rabanadas e, last but not the least o portuguesíssimo bolo-rei, que estudos recentes vieram revelar ser de… origem francesa. Já não se pode acreditar em ninguém, muito menos em bolo-rei.

Queixamo-nos este ano que o Natal já não é o que era e o correio electrónico explica-nos porquê. Apesar de a maioria dos Portugueses já ter recebido a mensagem, aqui fica ela, demonstrando uma vez mais que esta é uma terra de pobretes, mas alegretes. Sinteticamente: os Reis Magos são exemplo. O Baltazar traz o incenso (o ouro, está quieto); o Belchior, mirra (nem falar da prata) e o Gaspar tira-nos tudo.

E, agora, a graçola complementar, posta a correr sabe-se lá por quem, ao fim e ao cabo quem tinha razão era a Velha Senhora: o boato é crime, fere que nem uma lâmina. Mesmo assim, corre também por aí que os monarcas que vão adorar o Menino desta feita não usam os camelos, porque estes foram todos para o Governo. Mal intencionados sempre houve, há e haverá; bocas sujas e peçonhentas, igualmente. Porém, num momento em que estamos todos empenhados – em levar a Pátria para a frente, como é óbvio e natural, há que ter muito cuidado com o que se diga. A emigração é aconselhada; resta saber quem será o último, para que não se esqueça de apagar a luz. Crise é crise.

Entretanto, veio a lume em diversos órgãos de informação (?) que, a partir de 1 de Janeiro de 2012, os doentes pagarão mais pelas taxas moderadoras, por cada exame efectuado no âmbito das urgências e há actos de enfermagem, como a administração de uma vacina ou a mudança de um penso, que vão passar a ser cobrados.

Ou seja, a Saúde, um bem, de resto despiciendo, vai custar mais cara. Em alguns casos chega-se mesmo a duplicar os valores das taxas moderadoras. Mudar um penso passa a ser motivo de interrogação. Terá um cidadão de fazer uma escolha ponderada entre o muda ele ou muda o enfermeiro num Centro de Saúde? Ah, mas os mais desfavorecidos ficam isentos; muito bem. A classe média critica: é sempre ela quem paga.

Mas, que se há-de fazer? A troika mandou, o Executivo, aliás diligente, foi mais papista que o Papa, há que aceitar resignadamente o que daí resultou. De resto, convém não esquecer que para ganhar o Reino dos Céus, há que sofrer nesta efémera passagem pela terra. É o que se pode entender como a remissão dos piores pecados – à martelada.

A autoridade, perdão, a austeridade impera. Através dela chegaremos à felicidade total num destes dias, num destes anos. Que o mesmo é dizer, estamos na pole position para atingir o Shangri-La., a juventude eterna, a meta do leite e do mel. Porém, para que isso nos aconteça, temos de vencer a crise, pagando os erros capitais cometidos anteriormente.

Anteriormente é uma maneira de dizer; esbanjadores, despesistas, similares & correlativos foram os governos socialistas. Toda essa corja começou no final da equipa encabeçada pelo Senhor Professor Aníbal Cavaco Silva, esse sim modelo exemplar de contenção e de boa gestão da res publica. No saudoso tempo em que éramos bons alunos.

Mas, estamos no Natal e em Portugal: ninguém leva a mal.

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23.12.11

Foi no Natal de há muitos anos

Por A. M. Galopim de Carvalho

FOI EM ÉVORA, no Natal de 1938, o ano em que deveria ter entrado na escola, mas a minha mãe não deixou. A Escola de São Mamede tinha fama pelas reguadas que ali se davam às crianças em nome do ensino e da boa educação. O meu irmão Mário, dois anos mais velho do que eu, e as mãos dele, de frieiras rebentadas, eram testemunhos dessa incompreensível mas bem real pedagogia. No entender de mãe, eu era muito pequenino para enfrentar tamanha violência, nesse tempo, perfeitamente aceite pela sociedade, em geral.
- Ficas aqui com a mãezinha. – Afirmava. - Aprendes comigo e, quando fores mais crescido, já podes ir para a escola. (...)
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O ministro de Tudo

Por Manuel António Pina

O MINISTRO adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, tem vindo progressivamente a assumir-se como o ministro de Tudo e Mais Alguma Coisa. Poderia pensar-se que sofreria da voraz síndroma "cheliomyrmex andicola", também dita síndroma da marabunta; mas não: o próprio Passos Coelho nele delegou, satisfazendo o seu insaciável apetite político, competências em áreas tão dispersas quanto as da igualdade de género, administração local, desporto, diálogo intercultural ou juventude, permitindo-lhe igualmente atribuir subsídios, condecorações, pensões por serviços excepcionais e relevantes e, até, a "pensão por méritos excepcionais na defesa da liberdade e da democracia", matéria em que o ministro Relvas exibe, como se sabe, invejável currículo.

Para além disso, falando Passos Coelho frequentemente por parábolas, a Miguel Relvas cabe ainda a interpretação autêntica das suas palavras. Assim, já veio explicitar que os portugueses que sigam o conselho do primeiro-ministro e emigrem rapidamente e em força para Angola ou Brasil (Relvas acrescenta Moçambique) aí encontrarão o Eldorado, pois"os portugueses [que] têm uma visão universalista têm sempre sucesso".

A emigração de jovens "portugueses com formação superior" para esses países deve porém ser, frisa Paulo Rangel, uma "segunda solução". A primeira é, obviamente, tentar emigrar para o PSD e, daí, para um "job" num instituto ou numa empresa pública.

«JN» de 22 Dez 11

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Uma EDP no fundo do túnel

Por Ferreira Fernandes

CLARO que eu podia ir pela ironia do PCP considerar "gestão danosa" a venda da EDP aos chineses (a EDP nas mãos dos comunistas não augura nada de bom, é?). Claro que podia ir pela ironia do Governo - que quer tirar o Estado português das empresas - entregar a EDP a uma empresa que pertence toda ao Estado chinês... Mas seria demasiado fácil, nos tempos que correm o que mais há são ironias. Por isso, se quiser ficar por elas, e eu gosto, tenho de cavar fundo para encontrar uma ironia histórica.
Vamos então falar da Grande Depressão, não desta que está a ser combatida com a austeridade e pelo corte das despesas públicas. Falo da outra, a Grande Depressão, da década de 1930, que o Presidente Franklin Roosevelt combateu com grandes obras públicas. E, dessas obras, a maior foi um plano de gigantescas barragens. E o pai delas, incluindo a famosa Barragem Hoover, em 1935, sobre o rio Colorado, foi o engenheiro John Lucien Savage (1879-1967).
Hmm..., John L. Savage, John L. Savage, o nome diz-me qualquer coisa... Isso, foi aquele engenheiro americano que, em 1945, foi à China, percorreu o rio Iang-Tsé, e determinou o lugar para construir a barragem das Três Gargantas (Three Gorges), uma das maiores do mundo.
Hmm..., Three Gorges, Three Gorges, o nome diz-me qualquer coisa... Ah, certo, aquela CTG (China Three Gorges) que comprou, ontem, a EDP.
Ainda bem que Roosevelt não poupou em investimentos. A ironia é que o dia de ontem começou aí.
«DN» de 23 Dez 11

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Das rochas sedimentares (20)

Por A.M. Galopim de Carvalho

INTRODUZIDO na nomenclatura litológica, em 1789, por GS Otto Lasius, o velho termo mineiro alemão Grauwacke, ou pedra cinzenta (em inglês, graywacke), referente a uma rocha de origem sedimentar, estratificada, descrita nas montanhas do Hartz, na Alemanha, radica nos elementos germânicos grau, cinzento, e Wacke que significa pedra friável.
Com mais de 15% de matriz, ocupando praticamente todos os vazios entre os grãos detríticos, os grauvaques são rochas coesas, consideradas as equivalentes paleozóicas e pré-câmbricas dos arenitos líticos do tipo dos fliches alpinos. (...)

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Tormentas

Por João Paulo Guerra

“PARTIDOS dali, houveram vista daquele grande e notável cabo, ao qual por causa dos perigos e tormentas em o dobrar lhe puseram o nome de Tormentoso”.

Foi nestes termos que o cronista João de Barros, nas Décadas da Ásia, relatou a viagem de Bartolomeu Dias quando, em 1488, dobrou o cabo, depois chamado Tormentoso ou das Tormentas, e que o rei D. João II reavaliou e rebaptizou como Cabo da Boa Esperança. E foi esta simbologia da História que o primeiro-ministro, mais de cinco séculos depois, utilizou para dizer ao País que a Esperança está ali à espera, ao dobrar das Tormentas.

O primeiro-ministro reconhece assim que a sua política é tormentosa, o que reúne largo consenso. Mas quanto à Boa Esperança, ao dobrar o cabo, nem tantos pensam assim. Há mesmo quem diga, e sustente com dados e avaliação de rigor, que a política actual não só vai deixar o País consideravelmente mais endividado, como vai levar os portugueses à miséria e desfalcar a democracia.

O que está a acontecer em Portugal, como em grande parte da Europa e do mundo, não é apenas um acerto de contas para afinar os défices e pagar as dívidas. O que está a acontecer é um ajuste de contas com a civilização que criou um código de direitos que afronta o espírito da ganância e o desiderato da acumulação. Portugal, como outros países europeus, não está apenas a tratar da contabilidade: está a eliminar direitos que distinguiam os tempos actuais da era da escravatura. Os resultados de um estudo da Universidade de Sheffield, na Inglaterra, revelaram que os sem-abrigo, cujo número dispara todos os dias, têm uma esperança de vida de quarenta e poucos anos. Voltámos à Idade Média.

Ver o Cabo da Boa Esperança para lá desta política é apenas um ingénuo e pouco convincente postal de festas felizes.
«DE» de 23 Dez 11

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22.12.11

Um romance português

Por Manuel António Pina

CAPÍTULO I: Em 2004, o Governo português era, como hoje, resultado de uma coligação entre o PSD e o CDS. O primeiro-ministro era Durão Barroso; Paulo Portas era ministro da Defesa. O Governo negociou então com o consórcio alemão GSC, de que faz parte a Ferrostaal, a compra de dois-submarinos-dois para a Marinha, que custaram a módica quantia de 880 milhões, negócio que desde cedo levantou dúvidas.

CAPÍTULO II: Ontem, um tribunal alemão condenou dois ex-executivos da Ferrostaal a dois anos de prisão e ao pagamento de elevadas coimas por suborno de funcionários públicos estrangeiros na venda dos submarinos. O tribunal deu como provado que a Ferrostaal subornou o ex-cônsul de Portugal em Munique, pagando-lhe 1,6 milhões de euros para que ele propiciasse "contactos com o Governo português".

CAPÍTULO III: Em Portugal corre também no DCIAP, desde 2006, um processo sobre o negócio por indícios de tráfico de influências, financiamento partidário ilegal e corrupção. Em meados do ano, estava parado "por falta de meios". Fora-lhe atribuído um só magistrado, que acumulava com outros processos; as traduções da documentação enviada pelas autoridades alemãs continuavam por fazer; ainda não tinham sido nomeados os peritos necessários ao prosseguimento da investigação...

Final feliz: Durão Barroso é hoje presidente da Comissão Europeia e Paulo Portas voltou ao Governo e é agora ministro dos "Negócios Estrangeiros".
«JN» de 21 Dez 11

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Um piedoso embaixador no Vaticano

Por C. Barroco Esperança

EMBORA estranhando a presença de duas embaixadas em Roma, em época de contenção de despesas, não me pronunciei sobre a decisão do Governo português de manter uma embaixada acreditada junto do Estado de Itália e outra, a poucas centenas de metros, junto do Estado do Vaticano.

O que não compreendo é a participação do embaixador português na missa pela América Latina, a que Bento XVI presidiu no Vaticano, no passado dia 12 do corrente mês, reunindo responsáveis eclesiais e governamentais da região.

A presença do embaixador Manuel Tomás Fernandes Pereira na referida missa foi, aliás, noticiada como sendo em representação de Portugal, um país constitucionalmente laico, onde a liberdade religiosa é uma exigência democrática pouco consentânea com participações em cerimónias litúrgicas de uma religião particular. (...)
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Um País Pequenino

Por Alice Vieira

DEIXA-SE cair na cadeira que dá para o corredor, há-de dormir a viagem toda, porque está cansada de dias seguidos a subir e descer de aviões, faz rapidamente as contas e em dez dias já entrou e saiu de oito aviões, e ela já não tem propriamente 20 anos. Fora isto mesmo que dissera ao jovem que a viera acompanhar ao aeroporto, e ele atirara-lhe com o habitual “o que interessa é a juventude de espírito”, coisa em que, evidentemente, só os jovens é que acreditam. Ela sorriu e lembrou-se do Rafael, que fugazmente tinha passado pela sua vida e que, nos seus últimos anos, a essa frase respondia sempre “o pior é que a juventude de espírito não me ajuda a subir escadas”. (...)

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21.12.11

Novo ciclo: a incerteza

Por António Barreto

COMO quase sempre na vida, os ciclos terminam antes que as pessoas se dêem conta. Algures em meados da década de noventa, os tempos da fartura e da prosperidade tinham acabado. Desde então, o crescimento estagnou, primeiro, desceu para níveis negativos, depois. Iniciou-se então uma época “entre ciclos”, durante a qual se mantiveram as ilusões e a euforia, agora condimentada com doses inultrapassáveis de demagogia. Vivia-se como se tudo fosse ainda possível, como se os cofres do Estado, das empresas e das famílias estivessem recheados. Como se ainda houvesse agricultura, floresta, pescas e indústria. Como se o investimento estrangeiro continuasse a procurar a nossa economia. Em poucas palavras, como se progresso interminável estivesse garantido. O Estado prometia e pagava. As famílias gastavam. A banca aproveitava. As empresas endividavam-se. O financiamento externo não cessava. Os avisos que alguns deram não tinham sequer eco, foram considerados sinais de senilidade e pessimismo. O futuro continuava radioso. (...)
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"Politicamente incorrecto" deve ser isto...

A infelicidade caucasiana

Por Joaquim Letria

COM OS incidentes na Geórgia, as atenções gerais desviam-se da crise universal do capitalismo para o “nacionalismo russo” que não quer mudar o mundo nem reeditar as ambições das aventuras de Pedro o Grande a Leonidas Brejnev.

Não acredito que Medvedev nem Putin desejem reconquistar o velho espaço soviético, nem que a Geórgia seja a primeira etapa na corrida à Ucrânia antes da volta à Crimeia. Mas acredito que possa ser o princípio duma grande maçada para nós todos, com novas crispações do povo russo, convulsões bálticas, birras moldavas e ucranianos a levantarem malcriadamente a voz, com a China, a Turquia e a América indispostas e a Europa com mais enfado. (...)

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A mentira e o desprezo

Por Baptista-Bastos

PARECE que há excesso de portugueses em Portugal. Para remediar tão desgraçada contrariedade, o Governo decidiu minguar-nos tomando decisões definitivas. Há semanas, um secretário de Estado estimulou a emigração de estudantes. Há dias, o primeiro-ministro alvitrou que os professores desempregados ou com dificuldade em empregar-se deviam encaminhar-se para os países lusófonos, nos quais encontrariam a felicidade que lhes era negada na pátria. O dr. Telmo Correia, sempre inteligente e talentoso, elogiou, na SIC-Notícias, a sabedoria cristã de tão arguta ideia.

Acontece um porém: e os velhos? Que fazer dos velhos que enchem os jardins e a paciência de quem governa? Os velhos não servem para nada, nem sequer para mandar embora, não produzem a não ser chatices, e apenas valem para compor o poema do O'Neill, e só no poema do O'Neill eles saltam para o colo das pessoas. Os velhos arrastam-se pelas ruas, melancólicos, incómodos e inúteis, sentam--se a apanhar o sol; que fazer deles?

Talvez não fosse má ideia o Governo, este Governo embaraçado com a existência de tantos portugueses, e estorvado com a persistência dos velhos em continuar vivos, resolver oferecer-lhes uns comprimidos infalíveis, exactos e letais. Nada que a História não tivesse já feito. Os celtas atiravam os velhos dos penhascos e seguiam em frente, sem remorsos nem pesares.

Mas há outro problema. A fome. A fome que alastra como endemia, toca a quase todos, abate-se nos velhos e, agora, nos miúdos. Os miúdos das escolas chegam às aulas com as barrigas vazias: pais desempregados, famílias desgarradas, "a infância, ah!, a infância é um lugar de sofrimento, o mais secreto sítio para a solidão", disse-o Ruy Belo; e as escolas já não têm o que lhes dar. As cantinas reabrem, mesmo durante as férias, e sempre se arranja uma carcaça, um leite morno, nada mais, oferecidos por quem dá o pouco que não tem.

Vêm aí mais fome, mais miséria, mais desespero, mais assaltos, mais violência, mais velhos desamparados, mais miúdos espantados com tudo o que lhes acontece e não devia acontecer. Mais desemprego, num movimento cumulativo, mecânico a automático, como nos querem fazer crer. Diz o Governo. Como se esta realidade fosse natural; como se a semântica moderna da sociedade explicasse a amoralidade da eliminação da justiça e a inevitabilidade do que sucede.

«DN» de 21 Dez 11

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20.12.11

«A Aventura da Terra»

Por A. M. Galopim de Carvalho

COM DOIS anos ao serviço da divulgação da geologia, no Museu Nacional de História Natural, da Universidade de Lisboa, a exposição “A AVENTURA DA TERRA, UM PLANETA EM EVOLUÇÃO”, inserida nas comemorações do “Ano Internacional do Planeta Terra” e do “Ano Internacional da Biodiversidade”, amplamente visitada por um público numeroso e interessado, dispõe, a partir de ontem, de um importante documento complementar. Trata-se do livro com o mesmo nome, coordenado pela Prof.ª Doutora Maria Amélia Martins-Loução, vice-reitora da Universidade de Lisboa, prefaciado pelo Reitor da mesma Universidade, Prof. Doutor António Sampaio da Nóvoa. (...)

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A madrugada dos irresponsáveis

Por Rui Tavares

NA NOITE de 8 para 9 de dezembro passado, em Bruxelas, os 27 chefes de governo da União não resolveram a crise do euro. De madrugada, tinham criado uma crise na União.

O que aconteceu talvez ainda não tenha sido digerido completamente. Ou talvez haja demasiada gente a atribuir-se o papel de explicadores de poderosos, justificadores de impasses, douradores de pílulas. Mas, não tenhamos ilusões, este foi o pior momento da Europa no novo século.

Os líderes da zona euro, com Merkel e Sarkozy à cabeça, e com a vergonhosa anuência de todos os outros, deram um golpe de morte à União Europeia. O novo tratado em que se lançaram vai ter de ser construído, por razões legais, fora da União. A construção que resultar daqui será puramente intergovernamental, porventura com a Comissão Europeia convocada para fazer de polícia. Esta será uma confederação feita à força mas que nunca terá força para lidar com as debilidades de uma moeda federal. Sim, houve conversa sobre dar 200 mil milhões ao FMI e ampliar o FEEF até 400 mil milhões, um dia destes. Entretanto, só a Itália precisará de, em janeiro, renovar 50 mil milhões da sua dívida. Fevereiro, mais cem mil milhões. Março, outros cem mil milhões. Abril, de novo cem mil milhões. Em quanto já vamos? Pouco importa: dinheiro desse não se encontra em lado nenhum. E a Espanha? A aplicação da austeridade em países como a Espanha, que já têm 20% de desemprego (e 45% de desemprego jovem) levará a níveis insustentáveis de tensão social. E os outros países? É quase inevitável que alguns entrem em incumprimento, outros em convulsão. A depressão económica será o destino da Europa como um todo. Para contrariar isto, a grande conquista da cimeira foi inserir limites à dívida na constituição e aplicar sanções semi-automáticas aos prevaricadores. Poderiam até tatuar os limites na testa e aplicar as sanções sob a forma de choques elétricos. O que é insustentável não se sustentará.

Entretanto, toda e qualquer esperança de democracia à escala europeia morrerá se este plano for avante. O Parlamento Europeu será mantido à margem, com uma boa desculpa: é uma instituição da União, tornada obsoleta pelo novo tratado. Algumas medidas virão a ser votadas nos parlamentos nacionais, é claro, por mero pró-forma. As decisões serão tomadas no eixo Berlim-Frankfurt, com gesticulação de Paris e um verniz de Bruxelas. Os governos bem tentarão atingir os limites do défice para reconquistar ao menos um pouco de independência, mas sem efeito. Se o pânico nos mercados não os derrubar já nas próximas semanas ou meses, a depressão chegará para impossibilitar o exercício nos próximos anos. Após cada fracasso dos governos periféricos chegarão mais imposições do centro. Alguém julga que isto será politicamente sustentável sequer a médio-prazo? O nacionalismo agressivo tomará conta de partes significativas do eleitorado.

A este ponto nos trouxe uma geração de líderes cuja irresponsabilidade só tem paralelo na dos anos 20 do século passado. A forma como o Reino Unido se afastou ou foi afastado pela França e Alemanha é apenas um sinal da leviandade desses líderes. Quanto mais tempo aguentar o aberrante edifício que estão a conceber, mais estrondo fará ao cair.
[esta crónica é parte de um ensaio a publicar esta semana]
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«RuiTavares.Net»

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19.12.11

Mandar emigrar começa a ser mania

Por Ferreira Fernandes

HÁ TEMPOS foi um secretário de Estado a convidar os jovens a emigrar, agora é o primeiro-ministro a propor o mesmo aos professores, irem para Angola ou Brasil.
Depois do "faça férias cá dentro", o slogan "vá trabalhar lá fora"...
Quando do primeiro convite para zarpar, escrevi: "Ide embora" pode não ser um mau conselho. Deu-o o meu bisavô ao meu avô, disse o meu avô ao meu pai, fiz eu pela minha vida em três países, decidiu a minha filha - ir embora. Se uma família honesta o fez, por que não dois honestos cidadãos a dizê-lo?
Mas da primeira vez que escrevi, acrescentei um porém: para político, "ide embora!" é curto. Do secretário de Estado da Juventude esperam-se propostas para fazer cá dentro. Porque conselhos sobre soluções naturais, como emigrar ou respirar, os portugueses não precisam, está-lhes no ADN. E, agora, quando Passos Coelho reitera o convite a alguns para emigrar, o meu porém aumenta. É que nas emigrações em geral os governantes podem lavar as mãos, chega o desenrascanço tradicional do candidato a ir embora. Mas na específica emigração de professores, não: são necessários prévios acordos com os países para onde vão.
Passos, tão expedito a mandar os outros trabalhar longe, não mostrou o trabalho que ele - com a rara sorte de português ainda a poder trabalhar em casa - deveria ter feito: acordos com Angola e Brasil. Era mostrando-os que devia ter começado a conversa.
«DN» de 19 Dez 11

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Das rochas sedimentares (19)

Por A.M.Galopim de Carvalho

MAIS pobres em quartzo (60 a 80 %) do que os quartzarenitos, os arenitos feldspáticos caracterizam-se pela presença de grãos de feldspato, numa percentagem convencionalmente inferior a 25%, composição reveladora de imaturidade. Muitas vezes referidos por arenitos arcósicos, arcosarenitos e subarcoses, são, no geral, argilosos e friáveis. Os seus equivalentes móveis são as areias feldspáticas resultantes, as mais das vezes, da remobilização de saibros graníticos. (...)

Texto integral [aqui]

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18.12.11

Procurados para quê?

Por Helena Matos

«O proprietário da ourivesaria Costa & Vitor, situada na Azinhaga das Galinheiras, foi hoje às 18h30m morto a tiro durante um assalto. O crime foi cometido por três homens encapuzados que usaram uma caçadeira de canos serrados. Segundo fonte da PSP adiantou ao DN, os indivíduos fugiram do local após o homicídio e são neste momento procurados.»

Mas procurados para quê? Para depois se concluir que certo, certo só os mortos como nestes casos? Ou as polícias deitam a mão ao primeiro desgraçado que vêem e Portugal é um país de inocentes no tribunal e culpados lá longe ou então devemos ter as mais bizarras leis do mundo. De ambas as hipóteses não sei qual será a pior.
«Blasfémias.Net»

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Luz - Embaixada dos Estados Unidos em Berlim, 2010

Fotografias de António Barreto- APPh

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A embaixada americana escolheu um dos lugares mais famosos e vistosos do novo Berlim unificado: mesmo ao lado da porta de Brandenburgo. As condições e os dispositivos de segurança são do mais rigoroso que se possa imaginar, incluindo um troço de rua de circulação privada proibida. Com o terrorismo mundial percebe-se a razão, mas que dá mau aspecto, dá... Quanto ao polícia alemão, parece deslocado...

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Cesária Évora não morreu

Por Ferreira Fernandes

NÃO MORREU Cesária Évora. Os nossos filhos partem, não morrem.
Um dia, muito lá atrás, algum português partiu e levou saudades, chegou a São Vicente. Muito depois já tinha sodades, estava em Sanvicente e um bocadinho dele chamava-se Cesária, miss perfumado e de pés descalços.
Portugal cumpria-se. Exactamente onde devia, num porto que mais porto não podia ser, Mindelo, cruzamento, canal e ilha em frente, restos de barcos cansados na praia. Mindelo, a do cais dos fugidos à seca que iam para São Tomé, outra vez partindo, outra vez levando saudades.
Às vezes, nos anos 50, o saxofone de Luís Morais vinha para o cais chorar uma morna, enquanto o barco rasgava o mar entre São Vicente, piquinino, e Santo Antão. Muitos anos depois, Cesária cantava a esses flagelados do vento Leste: "Quem mostra' bo ess caminho longe? Ess caminho pa São Tomé..." Era crioulo, tão longe do meu linguajar comum como uma cantiga de amigo, mas tão fundamente meu.
Um dia, numa estrada, o rádio do meu carro pôs-se a falar da minha terra, "Angola, Angola", repetia Cesária e "ess convivência dess nhôs vivência, paciência dum consequência, resistência dum estravagância", palavras que algum sentido teriam pelas lágrimas que me corriam.
Não morreu Cesária Évora, haverá sempre mar, mansinho, com lua cheia lumiam caminho. La na céu bô ê um estrela.
«DN» de 18 Dez 11

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17.12.11

«Não Há Alternativa – Trinta Anos de Propaganda Económica»

Por Alfredo Barroso

COMEÇO por uma constatação: o capitalismo desregulado e sem controlo – que tem prevalecido no mundo durante as últimas três décadas (1980-1990-2000), e que nos mergulhou nesta crise brutal cujo fim não está à vista – tornou-se incompatível com a democracia.
Porque a democracia não é apenas um princípio político – a regra da maioria. É também um princípio social – a constante procura da igualdade de condições.
Ora, aquilo a que hoje assistimos em todo o mundo é ao preocupante aumento das desigualdades e à escandalosa concentração da riqueza nas mãos de uma ínfima minoria de ultra-privilegiados. (...)
Texto integral [aqui]

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A guerra das três letrinhas apenas

Por Ferreira Fernandes

SE HÁ LETRA com os pés bem assentes é o A, construído como os antigos e sólidos edifícios, estreitando de baixo para cima. Daí a guerra "o meu triplo A é melhor que o teu" que ontem explodiu entre a França e a Inglaterra.
À beira de perder o seu AAA, a França atacou, como convém a quem defende.
Começou com o governador do Banco de França, Christian Noyer, que convidou as agências de rating a baixar a classificação do Reino Unido.
Seguiu-se o ministro da Economia francês: "No plano económico, hoje, mais vale ser francês do que inglês." Comparação confirmando a do primeiro-ministro François Fillon: "Os nossos amigos britânicos estão mais endividados que nós."
Os tablóides londrinos reagiram com a elegância que é de esperar deles: "Monsieur Noyer, você é um imbecil de categoria AAA", titulou o Sun.
Enfim, o vice-primeiro-ministro britânico Nick Clegg, mais europeísta que o seu aliado David Cameron, exigiu explicações a Fillon, que as deu, mas com esquiva política, dizendo que não queria ofender...
França e Inglaterra têm um longo historial de guerras, da Invasão Normanda a Napoleão, passando pela Guerra dos 100 Anos. Mas nos últimos dois séculos têm sido aliados e, ironicamente, este ano os caças britânicos e franceses combateram juntos na Líbia. Como cabos de guerra, Sarkozy e Cameron são aliados, mais pacíficos do que quando são financeiros.
Cherchez a guita (libra ou euro) é um bom método para explicar um conflito.
«DN» de 17 Dez 11

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Pai Natal? Nada

Por Antunes Ferreira

TUDO começara com a campainha. Pois, com a campainha, da porta da casa do Pai Natal. Em Rovaniemi, Lapónia de Cima, Finlândia ainda mais de cima, a uns escassos quilómetros do Círculo Polar Árctico. A dona da casa tinha ido a Helsínquia para comprar o peru, pequeno, umas costeletas da pá de rena (à socapa, não fora Rodolfo e as outras saberem), e um corta-unhas made in China, pequeno também e baratucho, solicitação do seu digníssimo esposo.

A crise tinha chegado a toda a parte, incluindo a Madeira, ainda que o AJJ dissesse que se estava nas tintas para ela, outros que a pagassem, de preferência os contenentais. Por que bulas não pousaria também em Rovaniemi? Aterrou, acolitada pela austeridade. As coisas iam de mal a pior. A União Sindical de Gnomos e Duendes da Finlândia achava-se em efervescência, podia lá ser, despedimentos na Casa do Pai Natal? E sem indemnizações?

Pois estava claro, era a jigajoga dos recibos verdes, parecia até que o acontecido se teria verificado naquele País sulista e despesista e a pedir esmola, Portugal, com o qual já tinha havido uma troca de mimos electrónicos. Mas, não. Era em Rovaniemi, numa Suomen tasavalta(*) solidamente coligada, com o pääministeri (**) Jyrki Katainen, o presidente do Partido da Coligação Nacional, à frente, nada de mãos largas, já bastam os gastadores com os euros alheios.

Fora, realmente, a campainha. Mauno, o gnomo-chefe, atendera. Era uma jovem – e que jovem – numa campanha de promoção de packages de transmissões, chamadas totalmente grátis, telev…, obrigado, já temos, e além disso… E a jovem, peço-lhe desculpa, mas poderia falar com o patrão? Eu sou um simples ajudante dele, mas o Joulupukki (***) está muito ocupado, compreende, é a época e os quefazeres são mais que muitos.

Poderia, pelo menos, entregar-lhe este meu cartão de visita, kiitos (****), eu espero. Com certeza. E foi entregá-lo ao preocupadíssimo cavalheiro, ainda sem o casacão vermelho, de suspensórios, que se passa?, é uma menina que insiste em falar consigo, este é o cartão dela Katryna Katainen, oh, oh, oh, deve ser alguma coisa ao nosso primeiro, manda-a entrar.

Ora como está, minha querida menina? Os olhos por baixo das sobrancelhas fartas e brancas (*****), luziram-lhe perante a figura torneadíssima que entrava no seu gabinete. Que se lixasse a crise! Coisas dessas, harmoniosa e magnificamente distribuídas, centímetro a centímetro, não nos entram pela porta todos os dias, bem pelo contrário. E o apelido? Sou, sim senhor, sou prima direita do Jyrki, somos unha com carne (o ancião, libidinoso, para ele próprio, e que carne…) Mauno, por favor, fecha a porta.


Entretanto, a Dona Frígida Natal apanhara uma excelente constipação em Helsínquia, a loja do chinês estava mais frígida do que ela própria, quiçá uma corrente de ar, brônquios mais apanhados do que raposa do Árctico em armadilha, só lá para 24, quiçá 25, se levantaria.

A disponibilidade do anfitrião era total; por singular acaso, e reciprocamente a da miúda tal e qual. Mauno, vai buscar uma garrafa de Veuve Clicquot, uns salgadinhos, um caviarzito, umas tapitas de lagosta, suado já estou eu, olha lá, pensando bem, outra de Moët, e flûtes. E depois, fecha a porta. Não atendo telefonemas. Se for a Senhora, eu depois falo-lhe, estou num plenário, com os gnomos que restam, a ver se não chegamos ao Hallitus Sosiaalinen Vuoropuhelu (******). Do qual nunca sai nada.

Chegara o 24. Dona Frígida recuperava na casa da mana em Helsínquia. E o solícito marido – porta fechada a sete chaves. Mauno fora buscar o trenó à oficina, vinha um brinquinho, até o relógio digital estava na hora, o computador de bordo nos trinques, não havia vírus que nele entrasse, muito mais seguro do que o Portal das Finanças, nem uma frincha convidativa aos hackers.

Os brinquedos e outras prendas en su punto. As renas abastecidas e oleadas. Tudo nos conformes, o GPS sem dúvidas metafísicas, muito menos geográficas. Porém, do Pai Natal, nem pó. Porta encerradíssima, pior do que caixa forte de Banco suíço, apenas aberta por momentos, necessidades são necessidades, aqui, na Lapónia ou na Moita.

Foi então que soou a campainha desta feita no toutiço do Mauno. Malta, carreguem o trenó, apaguem as luzes de estacionamento, vamos arrancar. Rodolfo, nada de aterragens malucas, para ninguém se magoar. Em Lisboa, ainda mais, os passeios estão cheios de cagalhotas de cão. Olha lá, ó Mauno: e o patrão? Desta vez, ele não vai. Está muito ocupado. Ou seja, motivos imperiosos.

Glossário
(*) República da Finlândia
(**) Primeiro-ministro
(***) Pai Natal
(****) Obrigado
(*****) Qualquer semelhança com alguém é pura coincidência
(******) Conselho de Concertação Social

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