31.7.11

Super-Álvaro e as doses de Caval(l)o

Por Alfredo Barroso

Ficámos a saber, através de jornais, que o actual ministro das Finanças, Vítor Gaspar, é um adepto da «desinflação competitiva» e um defensor da «austeridade orçamental», e que o economista que mais admira é Milton Friedman, precursor da «escola de Chicago» e mentor dos Chicago boys, que aproveitaram o Chile como laboratório, durante a ditadura militar de Pinochet, para aplicarem o seu modelo económico neoliberal, ou ultraliberal (tanto faz).

Mas não ficámos a saber, através de jornais, que o actual super-ministro da Economia, Emprego, Obras Públicas, Transportes e Comunicações (ufa!), Álvaro Santos Pereira, é adepto de Domingo Felipe Cavallo, economista e político argentino que cometeu a proeza de conseguir ser, sucessivamente, presidente do Banco Central da Argentina durante a sangrenta ditadura dos generais («mandato» de Jorge Videla), depois ministro da Economia do Presidente peronista Carlos Menem (perdão aos generais da ditadura, venda ilegal de armas, «Plano Cavallo» com efeitos desastrosos para o país), e, finalmente, ministro da Economia do Presidente radical de centro-esquerda Fernando de la Rua (revoltas populares contra as medidas de Cavallo, que o levaram à demissão, à declaração do estado de sítio e à renúncia do Presidente). (...)

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Luz - Trás-os-Montes, campanha eleitoral de 1976

Fotografias de António Barreto- APPh

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Naquela altura, tudo era possível. Até propaganda partidária na locomotiva. Ficava lá durante dias, caso o maquinista simpatizasse com o partido do cartaz... Se bem recordo a iconografia europeia do século XX, sempre as locomotivas foram locais de eleição para afixar cartazes políticos, geralmente revolucionários e de esquerda.

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30.7.11

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NOTA: ver o link indicado no 2.º comentário

O acesso às contas dos assessores

Por Ferreira Fernandes

DEMOCRATIZOU-SE um bocadinho mais um direito inalienável: a cusquice. Ontem, os recém-nomeados pelos ministros - chefes de gabinete, assessores, adjuntos, secretárias, motoristas... - consultavam, tal como os restantes portugueses, o novíssimo site oficial com as nomeações. Mas nos ministérios fazia-se análise comparativa: "Ora deixa-me lá ver quanto é que o Gonçalo, que foi para a Saúde, ficou a ganhar...", dizia o Xavier, que foi para a Defesa Nacional.
O dia foi de passo em frente porque, antes, as nomeações só vinham no Diário da República. Este obrigava à quase profissionalização da curiosidade: tinham de ser lidas centenas de despachos, separar os louvores e as exonerações, para no meio de tanta parra saber das nomeações. Agora, com meia dúzia de cliques tem-se a lista completa, as funções e, sobretudo (para o cusco), quanto ganha cada um.
E é essa questão que pode causar algum distúrbio entre os apoiantes do novo Governo, até ontem unidos pela vitória e pela sorte de terem sido escolhidos pelos ministros. É que para a mesma função há diferenças significativas de ordenado. Sempre houve, e bem, porque os membros dos gabinetes ministeriais são como o género humano em geral: cada um é um caso. O problema é que com a transparência actual vai ser imediatamente notório esse factor de inveja. Não posso dizer, desde ontem, se alguns nomeados ainda têm o Governo sob estado de graça.
«DN» de 30 Jul 11

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Sério, a sério?

Por Antunes Ferreira

PELOS VISTOS, a prática do copianço nacional teve mais um exemplo. Copiar em provas de exame em Portugal não é de agora; mas, agora, está a exagerar. Pelo menos a nível dos agentes da Justiça, para ser mais correcto, dos que se preparam (?) para o ser. Depois do episódio caricato mas grave ocorrido no CEJ (Centro de Estudos Judiciais) com candidatos a juízes, desta feita o caso passou-se na Ordem dos Advogados. Contágio entre vizinhos, quiçá.
Treze advogados estagiários foram apanhados a copiar durante os exames em Lisboa, quando usavam manuais de consulta com anotações próprias. As provas foram anuladas pela Ordem, mas os estagiários pecadores terão direito a repetir o exame no final de Setembro. Com tais ocorrências intervaladas por escassos meses, quase apetece dizer que o crime… compensa.
Para além da atitude faltosa, foi gerando mais uma saudável polémica sobre as próprias provas. Aqui d’el rei, o estágio tivera um preço «exorbitante», publicou um semanário lisboeta coleccionador de escândalos diversos e, veja-se, tinha decorrido em metade do tempo estipulado.
Esse não foi, porém, o único problema nas provas que dão acesso à segunda fase do estágio de advocacia. Vários candidatos queixaram-se ao SOL da falta de informação sobre os manuais de consulta e de uma formação com um preço «exorbitante», e que foi feita em metade do tempo estipulado. A Ordem disse que não.
O encontro, tal como qualquer partida de futebol, seja qual for a divisão em que os clubes se encontram, teve a sua primeira parte; agora estará no intervalo, para que depois se siga a outra metade. Aguarda-se, com expectativa, o decurso desta, para se saber qual será o resultado final do encontro. Porém, no caso vertente, não há totobola nem similar. Foram mostrados uns quantos cartões amarelos mas nenhum vermelho. Lá mais para o Outono os infractores terão nova oportunidade para serem aprovados.
A um tal cozinhado, temperado a gosto dos cozinheiros, dos comensais e de outros, tal como um círculo quadrado, acrescentem-se umas pitadas de picante, piripiri ou jindungo, q.b. para lhe dar o sabor exótico que possui. O bastonário Marinho Pinto vira no ano passado o Tribunal Constitucional reprovar a criação de prova de acesso à profissão
Nos primeiros exames nacionais criados pelo bastonário Marinho e Pinto, cerca de 1700 estagiários estavam inscritos para fazer as três provas que dão acesso à segunda fase do estágio que completa a formação da Ordem. Um número muito superior ao habitual porque não houve exames no ano passado, depois de o Tribunal Constitucional ter considerado ilegal a criação de uma prova de acesso à profissão. Continuo a citar o semanário em causa. Daí que no ano presente se tivessem apresentados os do ontem e os do hoje.
Saiu à estaca o bastonário, polémico ele também: disse que os estagiários apanhados com a boca na botija, no seu entender, deviam ser expulsos da OA. Mas quer a legislação geral quer a própria Constituição da República permitem que eles voltem a inscrever-se, para repetiram o exame.
No entanto, apressou-se a acrescentar que agora ocorrido não tinha qualquer comparação com o escândalo o caso que se verificara no CEJ onde o copianço fora generalizado. No exame da Ordem, apenas houvera uma dúzia de faltosos entre cerca de 1.700 candidatos. O que, bem vistas as coisas, até é uma percentagem aceitável. Comparada com ela, os chumbos nos exames de Português e de Matemática do 9.º ano foram catastróficos. Não se sabe, porém, qual a percentagem da utilização de cábulas pelos examinados.
Este País não será sério? A sério é que ele não é.

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29.7.11

Leitura de Verão: Balsemão e Ongoing

Por Ferreira Fernandes

LUTA LIVRE entre dois poderosos grupos de imprensa: à minha esquerda, com o peso da tradição, a Impresa; à minha direita, com o peso da ambição, a Ongoing.
A coisa anda à volta de um alvo externo, a RTP, mas já meteu política (com uma vítima colateral, Bernardo Bairrão) e já meteu espiões (com um chefe da secreta que abjurou o secretismo e agora já faz capas de jornais).
Este último aspecto, claro, é o que mais me excita. Desde a II Guerra Mundial (Hotel Aviz, Avenida Palace, MI-5, Abwehr...) que não se falava tanto de espiões em Portugal. O ex-chefe do SIED, uma história de espiões tem de ter siglas, Jorge Silva Carvalho, falou para o DN e lançou-nos outra sigla, aquela para onde agora trabalha: OSS (Ongoing Shared Services).
Até agora, confesso, percebia pouco dos escândalos à volta deste caso (culpa minha por insistir em ler jornais), mas tudo se me iluminou com as três letrinhas: OSS. É que houve outra: a Office of Strategic Services, a americana OSS que por cá andou, na II Guerra, a treinar-se para ser CIA. Essa OSS dos anos 40 teve uma glória. Aliciou os notários portugueses - de cada vez que havia uma transacção de 100 contos os americanos ficavam a saber - e, no fim da guerra, a OSS tinha o rol dos testas-de-ferro que ficaram com os bens alemães. Sobre questões financeiras, aqueles espiões foram admiráveis. Chave para este livro de espionagem: ontem e hoje, do cifrado para os cifrões o caminho é curto.
«DN» de 29 Jul 11

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28.7.11

Pelo direito de se mentir um bocadinho

Por Ferreira Fernandes

UMA EMPRESA de cosméticos fez um anúncio com Julia Roberts, de 44 anos, sem uma ruga. As autoridades britânicas proibiram a campanha da L'Oréal porque as fotos foram retocadas. Eu também me senti ofendido com a foto. Prefiro a Julia Roberts, aquela de Pretty Woman, olhos expressivos e boca viva, à foto de um tampo liso de fórmica. Mas, na verdade, aquele anúncio não falava para mim, vale de pouco a minha opinião. Aquele anúncio dirigia-se a mulheres que gostariam de ter a pele de uma lisura imaculada.
Como todas as empresas que recorrem à publicidade, a L'Oréal, nas suas fábricas, faz produtos; nos seus anúncios, vende uma esperança. Disseram as autoridades britânicas: justamente, com as fotos retocadas estão a vender esperanças falsas. Respondo: vender esperanças falsas seria pôr nos anúncios a Julia Roberts de Um Sonho de Mulher. Essa só Deus pode prometer e cumprir. Já anunciar simples cara sem rugas é uma esperança mínima que não se pode negar a uma cliente.
A publicidade, que é a arte honesta de esconder toda a mentira de uma meia verdade, tem todo o direito de acalentar pequenas esperanças ao género humano. A tal autoridade, a Advertising Standards Authority (ASA), pode vir a chamuscar-se se os políticos ingleses perceberem o precedente perigoso (revolucionário, até) que é banir um anúncio por causa de uns retoques. Se entrar em vigor a política de verdade pura e dura, o mundo moderno desmorona.
«DN» de 28 Jul 11

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Enxovalhada

Por A. M. Galopim de Carvalho

1kg de massa de pão

4 ovos inteiros (gemas e claras)
raspa de dois limões
duas colheres de chá de fermento em pó (Royal)
0,5kg de açúcar, de preferência, amarelo
1 chávena de café bem cheia de leite
200g de margarina para bolos, ou manteiga
canela em pó a gosto (mais ou menos 1/2 colher de chá)

Peça na sua padaria que lhe vendam um pão em massa.
Faz-se uma cova na massa e colocam-se dentro os ingredientes, que se misturam e batem muito bem, amassando.
Depois de bem amassada, vai ao forno em tabuleiro untado com manteiga e polvilhado de farinha.
Fica, mais ou menos, três quartos de hora no forno, primeiro quase no máximo e, passados dez minutos, a temperatura mais baixa.
Experimenta-se com um palito para se verificar se este sai seco. Se assim for, a enxovalhada já está cozida.

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Jurisprudência que honra a magistratura judicial

Por C. Barroco Esperança

É INJUSTO confundir as diatribes políticas do presidente da Associação Sindical de Juízes (ASJ), com ofensas a outros órgãos da soberania, com a serenidade e discernimento que se verificam nos acórdãos dos Tribunais em defesa da liberdade de expressão.

A absolvição dos três arguidos do processo "A Filha Rebelde", que estavam acusados dos crimes de difamação e ofensa à memória de pessoa falecida, por dois sobrinhos do último director da PIDE, Silva Pais, foi um acto que dignificou os juízes e tranquilizou o país onde o sinistro major dirigiu a polícia política do salazarismo. (...)

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27.7.11

NO 2.º volume da trilogia Millennium, de Stieg Larsson («A Rapariga que Sonhava com uma Lata de Gasolina e um Fósforo»), pode ver-se, a certa altura, o que aqui se afixa. Não haverá nada a dizer?

As matrizes da cumplicidade

Por Baptista-Bastos

PORTUGAL está num quarto escuro, cercado por todos os medos. Diariamente, a surpresa toca no batente. Aumentos de tudo, desemprego cavalgante, empresas encerradas, perspectivas nulas. O ministro Vítor Gaspar, que me parece uma pessoa séria, independentemente do seu extravagante sentido de humor, avisa-nos de que o futuro será cada vez mais pesado e trágico. As pessoas queixam-se, amargamente, nos jornais, nas rádios e nas televisões do insuportável da vida. A emigração cresce, a esperança mingua. A perfeição da democracia é proporcional à sua liberdade, que é proporcional à sua extensão.

Ante a tragédia na Noruega, o primeiro-ministro daquele país afirmou que vai melhorar, cada vez mais, as instituições democráticas e aumentar o conceito de sociedade aberta. Aquele político entende (e bem) que um povo formado na liberdade sabe evitar o medo e o egoísmo que restringem a sua acção e o seu comportamento.

Exactamente o contrário do que sucede em Portugal. As indicações governamentais, de que vamos tomando conta, impõem uma definição de democracia restritiva, com leis do trabalho retrógradas, alterações à Constituição extremamente redutoras, penalizações sociais cada vez mais graves. A diferença entre um socialista e um ultraliberal consiste na forma de entender a liberdade como um todo, ou na ausência desse todo.

Afinal, Pedro Passos Coelho imita, com ligeiras modificações de estilo, o que condenava a José Sócrates. Diz uma coisa e faz outra, persegue quem o contraria, cria a legalidade racional com os despautérios políticos mais imprevistos. Acontece um porém: ele advertiu-nos do que ia fazer. Como os portugueses estavam fartos do "socialismo moderno", apressaram-se a votar na mudança, sem atentar muito bem no que os esperava. A concepção de poder de Passos Coelho não possui nada de original: limita-se a resumir tudo o que seja Estado, ligado à repressão directa e indirecta do social, através de leis iníquas, mas validadas pela "maioria."

O poder de que Passos Coelho está a conquistar conduz às aberrações mais fatídicas, porque imprime a sua marca nos corpos e nos espíritos: controla-os, disciplina-os e normaliza-os. O aparelho político com o qual se apoia, justifica todos os absurdos. Não tenhamos dúvidas: o que se propõe é uma vigilância total sobre todas as nossas acções, mas uma vigilância sem ser vista.
«DN» de 27 Jul 11

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26.7.11

Pedido de ajuda

Por António Barreto

A FFMS, Fundação Francisco Manuel dos Santos, responsável pela PORDATA e pelos ENSAIOS DA FUNDAÇÃO, está empenhada em estimular e desenvolver o debate público de ideias sobre todas as questões que nos dizem respeito.
A FFMS gostaria de conhecer o que se diz, escreve e publica sobre o que faz. Uma permanente busca na imprensa e nos meios de comunicação social tem dado muito elementos interessantes. Mas também seria necessário saber o que se passa na blogosfera. Nesta, todavia, não sabemos o que se deve fazer, nem que aplicações utilizar.

Decidimos assim pedir ajuda a um blogue amigo, o Sorumbático! Quem nos ajuda?

NOTA (CMR): em tempos, o Sorumbático teve uma pequena aplicação (como se fosse um contador) que permitia, clicando no respectivo ícone, saber quais os blogues onde ele era referido (ou, pelo menos, onde havia links para ele). Não era grande coisa (acabou, até, por se avariar e ter de ser apagada), mas era melhor do que nada.
Julgo que o que a FFMS procura é uma ferramenta dessas. Alguém tem sugestões?

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Na Finlândia há exames e retenções, estúpida!

Por Guilherme Valente

"A soberania do conhecimento é a única que nos resta"
J. Veiga Simão

1. QUANDO a ignorância, a leviandade e a audiência se combinam, a mistura é explosiva. Um exemplo: «na Finlândia não há exames nem retenções». Da AR ao comentário loiro numa televisão, a asneira tornou-se moda e arrogância.

Na Finlândia há retenções e exames. Não é por não haver a possibilidade de retenções que a escola na Finlândia é boa. É por a escola ser boa que as retenções são ali residuais. E a que se deve essa qualidade?

Em cenário de fundo, o respeito pela educação e o prestígio da escola. Os pais, em geral com instrução elevada, acompanham com exigência o trabalho escolar dos filhos.

Depois, a arquitectura do ensino, a cultura de exigência, a qualidade da formação dos professores, programas e currículos assentes nos saberes que contam (libertos das tretas, que impedem o trabalho e a concentração no essencial. Responsabilidade e responsabilização dos directores, que respondem perante o ministério e as «autarquias». Directores que não são eleitos pelos pares. (...)

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Alguém viu este filme de John Houston e leu o livro que lhe deu origem?

O Outono da Europa

Por Maria Filomena Mónica

NO PRECISO momento em que escrevo, os líderes dos dezassete países da zona euro estão reunidos, em Bruxelas, com o objectivo de tentar evitar o contágio da crise da dívida grega às economias da periferia europeia. Enquanto chefe da maior economia, Angela Merkel é a chave da resposta. As críticas relativamente à sua actuação não se têm limitado a vir de fora. Helmut Kohl, o pai da Alemanha unificada, o responsável pela moeda única e o seu padrinho na ascensão ao poder, declarou há dias: «Ela está a destruir a minha Europa». Uma coisa parece certa: em 2025, a Europa terá deixado de ser o centro do mundo. As maiores economias serão os EUA, a China e a Índia.

Não admira que andemos desnorteados. Mesmo em Inglaterra, um país robusto e com moeda própria, as crises - a industrial, a agrícola, a dos serviços – se acumulam. Em todos os outros, se encontram lesões, agravadas por idiossincrasias locais. Compacta, a Alemanha surge como uma torre de força, mas os que dela estão perto, sabem quanto é quebradiça. Na sua eterna aspiração à unidade, a França continua à procura do homem providencial. Em Portugal, sob a azulada doçura deste céu incomparável, sofremos de todas enfermidades. Uma contudo partilhamos com a Grécia: enquanto, nas outras naus, se luta contra a tormenta, na nossa, tagarela-se.

Adivinharam: estas ideias foram retiradas de um artigo que, em 1888, Eça de Queirós publicou em o Repórter, o jornal dirigido pelo seu amigo Oliveira Martins. A crise levou-me à sua releitura. Notei então que Eça não se fica pelo lamento, argumentando que a situação da Europa nunca deixara de ser medonha: «Foi-o, durante todo o século XVIII, através de mais indiferença e de uma maior doçura de vida. Tem-no sido em todos os séculos desde que os Árias aqui chegaram, cantando os Vedas e empurrando os seus rebanhos para oeste». Na sua opinião, raro teria sido o momento em que, olhando à volta, o europeu não havia julgado ver a máquina política a desconjuntar-se.

Os males a que estava a assistir mais não seriam do que a natural depressão de Dezembro, de onde surgiria uma mais rica «vegetação de liberdades e de noções». E assim se retomaria o ciclo orgânico da História. As novas sociedades enfrentariam outras dificuldades. Vozes sombrias de novo afirmariam, em línguas ainda não faladas, que tudo se estava a desconjuntar, mas quando a Primavera regressasse, a Humanidade teria dado outro passo no caminho da justiça e do saber: «E assim, aos tombos e aos socos, ora destroçado, ora reflorido, o Mundo avança irresistivelmente». Eça nasceu num tempo em que a Inglaterra ainda dominava o mundo, o que conferia alguma serenidade aos europeus. Mesmo um intelectual tão céptico quanto ele podia dar-se ao luxo de antever o futuro com um sorriso. Hoje, tudo mudou. Não preciso de lições de Economia, para saber que não é já possível acreditar nas Quatro Estações da História.

«Expresso» de 23 Jul 11

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25.7.11

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A propósito da crónica anterior

Por Ramalho Ortigão

VEJA-SE como em cada legislatura se propõe e se discute uma das poucas questões graves de que o parlamento ainda se ocupa. Referimo-nos à coisa a que, no calão oficial em que tem degenerado a língua pátria, se chama — a questão da fazenda.

Reunidas as câmaras e aberto perante elas o orçamento do Estado, começa-se invariavelmente por constatar, num trémulo elegíaco de sinfonia fúnebre, que continua a existir o déficit. Cada um dos três governos [ou, daqui em diante, 'partidos'?] a quem a coroa [ou, daqui em diante, o P.R.?] alternadamente adjudica a mamadeira do sistema encarrega-se de explicar aos taquígrafos essa ocorrência — aliás desagradável, cumpre dizê-lo — mas de que ele, governo em exercício, não tem a culpa. A responsabilidade cabe ao governo transacto, bem conhecido pelos seus esbanjamentos e pela sua incúria.

Para cada um desses três governos sucessivamente encarregados de trazerem o déficit ao regaço da representação nacional, o governo que imediatamente o precedeu nesse mesmo encargo é o último dos imbecis.

Tal é o conceito formidável em que cada um dos referidos três governos tem os outros dois!

A coroa pela sua parte — e é este o mais augusto do todos os seus privilégios — é sucessivamente da opinião de todos os três ministérios; e depois de haver retirado, com sincero nojo, a sua confiança aos imbecis do grupo n.º 1, n.º 2 e n.º 3, a coroa torna a restituir a citada confiança, com uma efusão de júbilo tão sincero como o nojo anterior, a cada um dos grupos de imbecis já referidos mas colocados cronologicamente em sentido inverso daquele em que estavam, ou sejam, por sua ordem, os imbecis n.º 3, n.º 2 e n.º 1.

Trocadas as descomposturas preliminares sobre a questão da fazenda, decide-se que é indispensável, ainda mais uma vez, recorrer ao crédito, e faz-se um novo empréstimo. No ano seguinte averigua-se por cálculos cheios de engenho aritmético que para pagar os encargos do empréstimo do ano anterior não há outro remédio senão recorrer ainda mais uma vez ao país, e cria-se um novo imposto.

Fazem-se empréstimos para suprir o imposto, criam-se impostos para pagar os juros dos empréstimos, tornam-se a fazer empréstimos para atalhar os desvios do imposto para o pagamento dos juros, e neste interessante círculo vicioso, mas ingénuo, o déficit — por uma estranha birra, admissível num ser teimoso, mas inexplicável num mero saldo negativo, em uma não existência, — aumenta sempre através das contribuições intermitentes com que se destinam a extingui-lo já o empréstimo contraído, já o imposto cobrado.

Assim como os alforges dos antigos pobres das feiras e das extintas ordens mendicantes, o déficit tem dois sacos, um para diante outro para trás, ambos destinados a receber o vácuo. Num dos sacos mete-se a dívida flutuante, no outro mete-se a dívida consolidada. De quando em quando há um relâmpago de júbilo, porque parece por um momento que o alforge do déficit está vazio, isto é, que está sem vácuo dentro: é a dívida, que se achava em estado de flutuação no saco da frente, que passou no estado de consolidação para o saco de trás.

A alegria fugaz mas intensa que provém da ilusão desta gigajoga vale o dinheiro que custa, mas custa sempre alguma coisa, porque de todas as vezes que eles mexem na dívida, seja para o que for, mesmo para a mudar de saco, ela cresce.

Pela parte que lhe respeita o país espera. O quê? O momento em que pela boa razão de não haver mais coisa que se colecte, porque estará colectado tudo, deixe de haver quem empreste por não haver mais quem pague.

No entanto o problema de aumentar a riqueza — único meio de prover aos encargos — é considerado como absolutamente estranho à questão da fazenda. E todavia nem toda a gente ignora que a riqueza não aumenta senão pelo desenvolvimento progressivo do trabalho e que este se acha ligado aos progressos da indústria. (...)

«As Farpas» (Vol. 6) - Junho de 1882

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Nunca

Por João Paulo Guerra

«NÃO USAREMOS nunca a situação que herdámos como uma desculpa para aquilo que tivermos de fazer». A frase poderia ter sido proferida por Soares em relação aos governos provisórios e em particular ao «gonçalvismo», por Sá Carneiro ou Balsemão com respeito a Soares, outra vez por Soares dirigida a Balsemão, por Cavaco apontando para Soares, Mota e companhia do Bloco Central, por Guterres como indirecta a Cavaco, por Barroso denunciando Guterres, por Santana assestado a todo o mundo incluindo uma parte do PSD, por Sócrates virado a Santana ou Barroso ou ambos. Mas não.

A frase foi proferida por Pedro Passos Coelho, no dia 16 de Junho de 2011, no final da cerimónia de assinatura do acordo político de governação entre PSD e CDS-PP, num hotel de Lisboa. Louvando-se pelo facto de nenhum dossiê lhe escapar e de ter já em agenda tudo quanto havia a fazer para enfrentar a crise, o então candidato a primeiro-ministro prometeu que iria romper com esse hábito serôdio dos governantes portugueses que consiste em descarregar sobre o «governo anterior» todo o improviso, remedeio, arranjo de última hora, imposição ou cedência. Nada disso: o País «vai ter um Governo que não se vai desculpar com o que aconteceu antes nem com as dificuldades do presente para entregar o resultado que os portugueses querem receber».

Até que Passos Coelho descobriu, varrido para debaixo de algum tapete pelo «governo anterior», o «desvio (…) colossal», como Durão Barroso tinha descoberto o «Portugal de tanga». E como em política, à portuguesa, as promessas são removíveis, de geometria variável, por conta do «governo anterior» o Governo actual vai carregar os portugueses com mais e mais austeridade. Nunca pode ser até já. Na política em Portugal a única novidade está na lábia.

«DE» de 25 Julho 11

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«The portuguese way»

NO SEGUIMENTO da crónica anterior, aqui ficam duas fotos recentes: a de cima foi tirada anteontem, à porta de uma farmácia, em Lagos, e mostra turistas a tomarem contacto íntimo com aquilo a que eles, segundo já lhes ouvi, chamam «The portuguese way of parking». A de baixo, semelhante a outras já aqui afixadas, é da semana passada, e mostra como continua a ser possível estacionar à porta do Café Império, em Lisboa.

COMO ERA A URBANIDADE EM 2011

Por Manuel João Ramos

O QUE EU ESCREVERIA EM 2021, se me pedissem um texto para a MOV (Newsletter da CML):

(Este texto é escrito segundo as regras anteriores ao Acordo Ortográfico, entretanto revogado em 2018).


OS “CARROS” DE 2011

Há cem anos apenas, era comum, das janelas dos prédios, gritar “Água vai!” e lançar para a rua dejectos fecais e resíduos domésticos. O viandantes que se cuidassem e fugissem a tempo do perigo vindo de cima.

Há cinquenta anos, escarrar gosma purulenta para o chão era tão normal como assobiar e atirar dichotes de mau gosto para qualquer mulher ou rapariga que mostrasse mais que dez centímetros de perna nua.

Maravilhemo-nos. Há quinze anos, tornou-se finalmente comum passear o cão ou cadela pelos passeios da urbe com um saco de plástico enfiado no bolso das calças ou simplesmente na mão que segura a trela do bicho.

Maravilhemo-nos mais. Há uns meros dez anos, não era ainda considerado comportamento anti-social guiar pela cidade a velocidades estonteantes, como se fosse uma fatalidade matar quem se atravessava à frente do “carro” (os peões que fugissem do perigo).

Lembram-se dos “carros”, mastodontes de ferro e plástico que pesavam uma tonelada e se moviam a gasolina, aquele entretanto desaparecido líquido mal-cheiroso e poluente, responsável por tantas doenças respiratórias?

É extraordinário olhar para as fotografias das ruas de Lisboa há dez anos. Como é que aceitávamos viver assim? Milhares de carros em filas contínuas, com gente impaciente lá dentro, a ocupar a maior, e melhor parte, do nosso espaço público. Tudo era pensado e construído em função do “carro”. Asfaltámos e cimentámos a cidade, agredimos os nossos idosos e deficientes, proibimos as crianças de usar a cidade, fechámo-las em casa em frente a écrans que as tornaram míopes e imbecilizadas. Que coisa tão estranha, a cidade que tínhamos há dez anos.

Os “carros”, com as suas estradas e toda a sinistralidade que causavam, foram responsáveis por uma parte daquela imensa dívida externa que ainda estamos a pagar, desde que a Troika aterrou na Praça do Comércio (lembram-se? A Troika dos nossos credores – com um nome tão carinhoso, o de uma carruagem com skis puxada por três burros).

Andar a pé em 2011 era um perigo, até porque as pessoas achavam normal – tão normal como cuspir para o chão ou dizer “Água vai!” – estacionar sobre os passeios e obrigar os concidadãos a circular pela “rua”. Havia “passadeiras” (frequentemente ocupadas por “carros” estacionados), para onde éramos encaminhados, porque era preciso – pensávamos nós – manter constante o fluxo automóvel e “disciplinar” os peões. E havia semáforos, e um software primário a que chamávamos Gertrude, que “regulava” centralmente o trânsito automóvel da cidade, isto é, que nos impelia a conduzir os “carros” a velocidades

que – pasme-se – atingiam os 120 km/h.

E depois, para além da Lei permitir toda esta selvajaria, ainda havia quem se considerasse estar acima dela. Houve até um caso, que na altura passou por uma quase normalidade, de um magistrado que chocou contra o “carro” do presidente da Assembleia da República, quando na Av. da Liberdade (sim, na altura também estava asfaltada!) circulava a 130km/h (!!!) sem respeitar os “sinais vermelhos”, a uma hora a que costumávamos chamar “de ponta” (não, não é o que estão a pensar! Chamava-se “de ponta”, porque era quando havia mais “carros” por todo o lado).

Quando conto estas coisas estranhas aos meus filhos e netos, eles não querem acreditar. “Atirar dejectos para a rua? Escarrar para o chão? Guiar a mais de 30 km/h e estacionar no passeio?” Como as coisas da urbanidade mudam ao longo dos tempos.


Manuel João Ramos

Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados / ACA-M

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O que eles fizeram pelas ciências da Terra (6)

Giovanni Arduíno
(1714 – 1795)

Por A. M. Galopim de Carvalho

NATURAL de Caprino, na Itália, e educado em Verona, muitas vezes referido por Arduíno de Pádua, é lembrado como o fundador da estratigrafia, a par dos alemães Georg Christian Füchsel (1722 – 1773) e Johann Gottlieb Lehmann (1719 - 1767). Pioneiro da geologia italiana foi vulcanista, mineralogista e químico.

Desde tenra idade Arduíno demonstrou interesse pela actividade mineira, acabando por ser reconhecido como especialista italiano neste domínio. Em 1769, a República de Veneza nomeou-o director de agricultura e indústria, tendo realizado pesquisas em mineração, metalurgia e química. Além disso, dirigiu a exploração de algumas minas em Veneto e na Toscânia. A estas ocupações somou a de professor de química, mineralogia e metalurgia em Veneza e, depois, em Pádua. (...)

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24.7.11

Trabalho para férias

Por Rui Tavares

COMO resolver a crise do euro em poucas semanas:

Já nos próximos dias, os ministros reunidos no Conselho reconheceriam que entrámos num novo patamar da crise com as subidas dos juros em Itália e na Espanha. Esses juros aproximam-se do limiar (acima dos cinco por cento, dependendo dos prazos de dívidas) em que entram em espiral. A partir daí, a acreditar nos casos gregos, irlandês e português, os juros fogem correndo; só há subida, descida nem pensar. Mesmo que os casos italiano e espanhol sejam diferentes, ninguém vai esperar para saber. Ambos os países são demasiado grandes para deixar cair, e impossíveis de salvar com os atuais mecanismos.

Isto quer dizer que o tempo dos remendos acabou. Vamos supor que a direita tem razão, e que a dívida é o nosso grande problema de longo prazo. Ainda assim, o nosso problema de curto prazo não é a dívida — são os juros da dívida. É a curto prazo que estamos todos mortos.

O Conselho pediria então à Comissão um plano de contingência para a mutualização da dívida. Sim, já sei das objeções. Mostrem-me então outro plano que funcione: a austeridade, empurrar com a barriga, fazer a dança da chuva e acender velinhas já falharam todos.

Será então a mutualização da dívida para trazer estes juros para níveis toleráveis — ou esperar pelo pior. Os planos de contingência já estão esboçados. As primeiras emissões de eurobonds poderiam ser feitas pelo Banco Europeu de Investimentos, sem mudar os tratados. A Comissão apresentaria uma primeira proposta no início de Agosto.

O presidente do Parlamento Europeu, seguindo o artigo 134 do seu regimento, convocaria uma plenária de urgência do PE. Os relatores dos pacotes de crise que já estão nomeados, de vários grupos políticos, pronunciam-se sobre as propostas da Comissão, o Parlamento aprova-as, e reenvia-as para o Conselho.

A crise do Euro termina antes do fim do verão.

Mas não termina a crise da União Europeia, que ficou gravemente ferida neste processo todo

Além da primeira mutualização de dívidas, para estancar a crise do euro, a Comissão deveria preparar até ao fim do ano um Plano para a Europa, que não é nenhum dos atuais, mas que parte dos eurobonds para desenhar uma visão mais ampla do que apenas salvar os Piigs. Se alemães, franceses e finlandeses não perceberem o que têm a ganhar com isto, não irão lá com discursos líricos.

Não adianta pedir solidariedade a quem não se sente no mesmo barco. Solidariedade europeia sem visão europeia é caridade, e isso já se viu que não funciona.

Felizmente o mercado potencial de eurobonds é muito grande — e seguro. Serve para conter a crise e para relançar a economia do continente. Para evitar abusos, os eurobonds, com os seus juros baixos, devem cobrir dívidas apenas até uma certa proporção do PIB de cada país. A partir daí começaria a área perigosa dos juros nacionais; todos os países teriam interesse em fugir dela e este esquema daria à Alemanha uma possibilidade de salvar a sua face moralizadora.

Uma proporção desse dinheiro deveria ser reinvestido federalmente em emprego e infraestrutura, porque o nosso verdadeiro problema de longo prazo é a sustentabilidade do crescimento, que permita pagar dívida e garantir o modelo social (e não lixar o planeta). Mas parLinka isso precisamos de um governo europeu, que poderia ser eleito em 2014.

Rebuscado? Improvável? Talvez. Não venham é dizer que não há saídas.
In RuiTavares.net

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Apontamentos de Lisboa

O calceteiro que compôs este emblema da CML (na Av. Almirante Reis) inverteu um dos 4 triângulos rectângulos e colou-o a um dos outros - fazendo, assim, um quadrado (embora um bocado manhoso...). Estaria a tentar uma nova demonstração do teorema de Pitágoras, ou é apenas mais um da legião do «é igual ao litro»?

«A Ilha de Sukkwan»

Alguém leu e quer comentar este perturbante livro?

Luz - Tourém, 1981

Fotografias de António Barreto- APPh

(Clicar na imagem, para a ampliar)
Talvez seja centeio...

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23.7.11

Assim não dá!

Por Helena Matos

PRECISO de enriquecer ou de empobrecer. Ou mais precisamente tenho de mudar de estatuto. O que não posso, não quero nem aguento mais é fazer parte dessa entidade impropriamente chamada classe média. Mas média de quê? Da riqueza dos ricos e da pobreza dos pobres? Talvez por falta de ricos e excesso de pobres (o grupo mais significativo dos contribuintes é aquele que, por baixos rendimentos, não paga praticamente IRS) o resultado é uma classe média com aspirações lá em cima e rendimentos muito cá em baixo.

Mas seja por isso ou pelo seu contrário, o que para o meu caso conta é a pretensão, ou melhor a minha exigência, de deixar de ser classe média. Quero que o Estado me declare rica ou pobre. Mas média não. E não adianta contrapor a esta minha reivindicação o argumento de que estas coisas não se determinam por decreto. Isso seria bem observado caso Portugal fosse um país razoável. (...)

Texto integral [aqui]

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Como sufocar O Grito?

Por Ferreira Fernandes

NÃO É EXACTAMENTE país do qual saibamos muito, mas tem uma das pinturas que mais depressa reconhecemos: O Grito, de Edvard Munch, a expressão violenta da angústia.
A Noruega é hoje tão rica (petróleo) que se permite recusar a União Europeia, só tem países amigos à volta e aparentemente não devíamos relacioná-la com o seu mais famoso quadro. Ontem ainda, durante a tragédia de uma bomba no centro de Oslo e um tiroteio num acampamento de jovens, vimos chegar as imagens e não reconhecemos nelas a ideia que temos de angústia. Ideia que, dou-me conta agora ao escrevê-lo, nada traduz melhor do que o desespero daquela figura num cais de Oslo, mãos levadas à cara, olhos e boca grotescamente abertos - mas isso é O Grito, não as imagens de ontem. As janelas rebentadas por vários andares, mas as pessoas não reagiam com o desespero a que já nos habituaram os momentos após bomba nos souks de Bagdad e Carachi.
Num dos vídeos de ontem, um casal pisa com cuidado os vidros espalhados no passeio e cruza um banco em que um homem continua a ler o jornal. Homem e banco eram esculturas, mas a sua placidez não contrastava com o que se passava à volta.
À hora em que escrevo, não sei ainda se o ataque terrorista é de grupo internacional islâmico ou de radicais noruegueses. A ser o primeiro, a resposta norueguesa foi admirável. A ser o segundo, duvido que os noruegueses consigam sufocar por muito mais tempo o grito.

«DN» de 23 Jul 11

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Linguagem verbal (?)

«Talvez por não dominar inteiramente as esquisitices da língua pátria, o secretário-geral do PSD/Madeira ter-se-á limitado a usar aquilo a que chama "linguagem verbal" ("paneleiro", "filho da p...", "mentiroso", "corrupto", "feito com 'eles'", "vai para o c...", segundo o DN) para afugentar um jornalista de uma conferência de imprensa sobre a estimada, e habitualmente elevada, festa do Chão da Lagoa.
"Dessa discussão - diz o PSD/Madeira em comunicado, num português também ele elevadíssimo - houve linguagem verbal de ambos os protagonistas". Só que o jornalista, pelos vistos, não arredou pé. Tivesse Jaime Ramos brandido, como o PSD nacional, algo (um imposto, por exemplo) "extraordinário" e o jornalista, decerto um contribuinte, teria desaparecido num ápice».
Manuel António Pina, in JN


Por Antunes Ferreira

A TRANSCRIÇÃO
é de parte do artigo de opinião de Manuel António Pina ontem publicado no Jornal de Notícias. Antigo jornalista do quotidiano portuense, as suas crónicas são seguidas com a maior atenção, pois que os temas que aborda são actuais e de muito interesse. Manuel António Pina, lembro, recebeu este ano o Prémio Camões, o mais importante da Cultura Portuguesa.

O também líder parlamentar do PSD/Madeira cuja truculência é suficientemente conhecida – e a sua má educação também – é um bom exemplo de quem não tem papas na língua, e que tem sim asneiras. Umas quantas dentre as inúmeras: Sócrates, então primeiro-ministo – um papagaio mentiroso; Carlos Pereira, deputado do PSD/M – uma prostituta ofendida; Baltazar Aguiar, deputado do PSN – um vadio e drogado.

Outro Jaime, desta feita, Gama, já há bastante tempo tinha acentuado que na Região Autónoma da Madeira havia um défice democrático, o que motivou, na altura, a polémica de que alguns se devem lembrar. Curiosamente, Gama, já depois como Presidente da Assembleia da República, na visita que fez à ilha, ignorou estrategicamente o que afirmara, sublinhando mesmo que fora muito proveitosa e tivera oportunidade de contactar com todas as forças políticas que o tinham querido fazer. Não recordou, obviamente o «qualificativo» de Bokassa branco que dera a Jardim em 1977 no Parlamento.


Mas ficara para a história da RAM a afirmação que também como deputado fizera em 2008: «um exemplo supremo na vida democrática e um exemplo combativo». Alberto João rejubilara; a oposição madeirense verberara: no ano seguinte, não houve qualquer representação da esquerda nos encontros ou cerimónias da visita da então segunda figura do Estado.

No episódio em que deu por encerrada, antes mesmo dela começar, a conferência de imprensa para apresentar a festa do Chão da Lagoa, o social-democrata (?), já havia declarado à sua chegada que ela não se realizaria, quando foi informado da presença do jornalista Élvio Passos, do DN/M, jornal que para os laranjas madeirenses é o órgão da renegada oposição. O quotidiano publicou ainda que, «no final de todas estas “agressões verbais”, o número dois de Jardim no partido deixou ao jornalista o desafio: "Escreve isto tudo"». E não é ele que escreveu mesmo?

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22.7.11

Alguém quer comentar este delicioso livro?

Não temos Murdoch mas temos pior

Por Ferreira Fernandes

HÁ DIAS, o americano Jon Stewart abordou o escândalo inglês das escutas como um alívio. Ele tem um programa televisivo diário, o Daily Show, onde a actualidade é apresentada com humor abrasivo. O seu ponto de partida era que a América está moralmente nas lonas. Um colega de Jon (esse, inglês) tratou de lhe mostrar que havia pior: a Inglaterra do caso Murdoch. Um país onde um jornal paga a detectives para escutar ilegalmente o telefone de uma menina raptada... "Para ajudar à investigação policial?", perguntou Jon, o ingénuo. Não, só para mexeriquice (a menina acabou assassinada). "Felizmente, há a polícia, que investigou esse jornal!", disse Jon. Qual quê, a polícia estava comprada pelo jornal... "Resta, o Governo..." Nem esse, o primeiro-ministro Cameron empregou como seu porta-voz o ex-director do jornal pulha...
No fim, Jon Stewart suspirou de alívio: a América estava muito melhor do que a Inglaterra. Sorte a dele, não a minha. Em Portugal, não há jornais que de forma sistemática pagam a bandidos para fazer escutas ilegais, é verdade. Mas não é por moral, é por falta de dinheiro dos jornais. O que não os impede de terem acesso a informações obtidas ilegalmente, por exemplo, em segredo de justiça. Fornecidas por quem? É isso que faz mais grave o nosso caso.
A máfia de Murdoch, por muito máfia, é clara nos seus propósitos: ganhar mais dinheiro e poder. A nossa é difusa, nem lhe conhecemos as intenções.
«DN» de 22 Jul 11

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21.7.11

O que vale é que, pelo menos em Lisboa, os transportes públicos são acarinhados!

PARA compensar os lisboetas dos aumentos dos preços da Carris, a rapaziada que manda nestas coisas oferece aos utentes a possibilidade de contemplarem paradas de carros de luxo enquanto esperam pelo autocarro. Além disso, e tendo em conta que o transporte individual "sempre é outra coisa", é dada a possibilidade, a quem ainda não tenha carta de condução, de usar uma escola da especialidade sem ter de andar muito.
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A propósito: incompreensivelmente, continuam por atribuir os almoços de lagosta prometidos, desde Abril de 2008 (e 2 por mês!), a quem consiga fotografar a PSP, a Polícia Municipal ou a EMEL a rebocar carros estacionados em paragens da Carris - ver quais as que dão prémio [AQUI].

Sardinhas de tomatada com pimentos assados (para 4 adultos)

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16 sardinhas grandes e bem frescas
4 pimentos grandes e carnudos
5 cebolas grandes
6 a 8 dentes de alho graúdos
500g de tomate sem pele e triturado
1,5 dl de bom azeite
piripiri facultativo e a gosto

SE GOSTA de sardinhas, de pimentos assados e de uma boa tomatada com muita cebola, bem apurada e um nadinha picante, experimente este prato, que dá algum trabalho, exige a permanência na cozinha durante a sua confecção, mas regala os olhos, o olfacto e as papilas gustativas dos que se preparam para o degustar.

Duas horas antes de iniciar o cozinhado, tire as cabeças, as escamas e as vísceras às sardinhas, lave-as e coloque-as num recipiente temperadas de sal grosso, sobretudo, nas barrigas.

Escolha os pimentos bem carnudos e asse-os sem os deixar queimar (pode usar a grelhadeira eléctrica). Limpe-os de peles e sementes e corte-os em pedaços ou em tirinhas de tamanho a seu gosto e reserve-os.

Num tacho suficientemente grande, coloque o azeite e dê uma entaladela ao alho fatiado, sem deixar fritar. Junte a cebola cortada às meias rodelas grossas, o piripiri e deixe cozer (amolecer) em lume brando. Acrescente o tomate triturado e deixe apurar bem. Vá vigiando e juntando, de quando em vez, pequenas goladas de água para não deixar secar.

Retire o sal às sardinhas, passando-as por água corrente da torneira, mergulhe-as na tomatada e deixe cozer. Acrescente os pimentos assados e mantenha o cozinhado em lume brando por mais 5 ou 10 minutos a tomar gosto.

Sirva com batatas cozidas ou, para quem goste, simplesmente com o belo pão alentejano.

Bom apetite!

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Demagogia e governação

Por C. Barroco Esperança

A viagem do primeiro-ministro num voo de cerca de duas horas, em classe turística, viagem oferecida pela TAP, parece um acto de mera demagogia que não produziu qualquer efeito nos desmandos que se verificam na função pública e não originou qualquer economia.
A Companhia aérea não faria ao governante a ofensa de lhe oferecer um lugar onde os assuntos de Estado, que certamente estuda em viagem oficial, ficassem à vista do passageiro do lado, nem o país se prestigia com o primeiro-ministro a viajar em turística. (...)

Texto integral [aqui]

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20.7.11

Alguém viu este filme de Hitchcock e leu o livro que lhe deu origem?

As sombras das dúvidas

Por Baptista-Bastos

POR DUAS VEZES, o Expresso disse que o Governo instara o SIS a fazer o varejo dos negócios de Bernardo Bairrão, tanto em Angola como no Brasil. Passos Coelho deseja que os membros do Executivo sejam absolutamente imaculados. O dr. Bernardo Bairrão, que abandonou a administração da TVI, para ser secretário de Estado de uma pasta, cuja designação esqueci, manifestou pasmo e indignação e exigiu rápida auditoria à sua vida, tanto pessoal como profissional. E adicionou à repulsa a exigência segundo a qual o SIS deverá tornar pública a sua ficha. Veio a terreiro o dr. Miguel Macedo, aquele senhor de alvos cabelos, agora ministro, desmentir a suspeita de qualquer infâmia e revelar que o dr. Bairrão não assumira o cargo, por motivos pessoais e políticos.

O imbróglio não ficou fechado. O SIS negou ter devassado a existência civil do dr. Bairrão, e o dr. Bairrão insistiu em saber a verdade do caso, porque estava em causa o seu bom nome. Ricardo Costa, director da gazeta semanal em referência, fez, na SIC, formal e grave, veemente e claro, a solene declaração de que imprimira a verdade, e que a verdade é só uma.

Não se sabe quem mente, quem omite ou quem rasura. Os "próximos desenvolvimentos" poderão, ao acaso das circunstâncias, esclarecer o assunto. Permanece, no entanto, a dúvida metódica: quais os motivos certos que levaram o dr. Passos Coelho a não aceitar o dr. Bairrão como membro do Executivo? Os tais motivos pessoais e políticos não aliviam a consciência de ninguém, nem abafam a curiosidade generalizada.

A confusão, a suspeita e a desconfiança navegam em águas palustres. Anteontem, Marques Júnior, capitão de Abril, antigo deputado do PS, fiscal das "secretas", não se serviu de metáforas nem de sinédoques para nos dizer que as coisas estão claras e que dá o assunto por encerrado. Em que ficamos? Possuirá o semanário provas evidentes de factos que se dissimulam, assegurando, neste caso, que a teia de mentiras dispõe de tantas ramificações que atinge a própria natureza do Estado?

Ricardo Costa irá às televisões, escreverá no jornal, exporá documentos definitivos e assustadores comprovativos do conluio tenebroso e das obscuras conivências, agitando a bandeira da verdade e escorraçando a conjura?

Seja, ou não, escorreito como a maçã riscadinha, e puro como a Virgem do Monte, o Executivo de Pedro Passos Coelho não consegue arredar a dúvida nem fazer com que os espíritos espaireçam. Um pesado ponto de interrogação pesa sobre o Governo, uma dolorosa incerteza e uma hesitação inquietante ensombram a nobreza da palavra de honra de que o primeiro-ministro diz ser seu apanágio.

O Expresso agiu segundo factos indestrutíveis, como Ricardo Costa afiançou, ou caiu num ardil e estatelou-se numa armadilha? Algo de sombrio aconteceu. E o que aconteceu será alguma vez conhecido?
«DN» de20 Jul 11

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19.7.11

Trabalhando para o boneco

EMBORA este trabalho seja tão digno como outro qualquer, ele tem, no entanto, a particularidade de ser relativamente inútil - como se pode confirmar por outras duas fotos, tiradas no mesmo local, e que se podem ver [AQUI].

Khol

Por João Paulo Guerra

HÁ FIGURAS cuja dimensão política, cultural e humana os leva a entrar e a ficar na história, concorde-se ou não com a lógica que enforma o seu pensamento. E esse é o caso do antigo chanceler democrata-cristão da Alemanha, Helmut Khol. E há silhuetas, mais ou menos esborratadas, que estragam a fotografia do seu tempo. E esse é o caso de Angela Merkel. Claro que a convertida à democracia-cristã, depois de uma carreira profissional pública sem sobressaltos na ex-RDA, pode apresentar em seu abono o crescimento brutal da economia alemã, enquanto grande parte da Europa agoniza. A questão será convencer os seus contemporâneos que o crescimento alemão não se fez e se vai fazendo também à custa do definhamento desses outros países e da falência do projecto de construção europeia.

Helmut Khol, pelo que se lê nos jornais de ontem, é de opinião que Merkel está a arruinar e a pôr em causa a construção europeia. E a crítica, que Khol terá feito em confidência a um amigo que, por sua vez, a transformou em inconfidência para Der Spiegel, nem sequer é nova. Anteriormente, o antigo chanceler tinha já comentado que a Alemanha deveria prosseguir o seu caminho de ajudar os outros, no que toda a gente viu, e com razão, uma crítica ao papel de carrasco que Angela Merkel tem desempenhado em relação à Grécia e a outros países da zona euro. Aliás, Helmut Khol não deixou que sublinhar que ajudando os outros a Alemanha também se ajudou a si própria, no passado não muito distante.

Compreende-se a irritação de Helmut Khol. O projecto de construção europeia em que se envolveu foi uma causa de grandeza, fundada na cultura e na história de um continente. Mas isso era quando a democracia-cristã tinha valores e não apenas planos de negócios e acumulação.

«DE» de 19 Julho 11

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18.7.11

A tentação da seara alheia

Por Ferreira Fernandes

CAVACO Silva vai a Caminha, assiste à assinatura para a construção do Museu Sidónio Pais e fala aos jornalistas: "Eu gostaria que o euro fosse mais fraco." Não devia dizê-lo. Mas o Presidente até não foi professor de Economia? Precisamente por isso. Mais depressa se lhe perdoava que falasse de rimas na poesia ou do gaze a usar em cirurgias nos campos de refugiados. Aí, suspeitava-se que quisesse mostrar algum saber nas especialidades dos seus adversários nas anteriores presidenciais, Alegre e Nobre, e as suas palavras fariam parte de uma das funções de um Presidente: dizer coisas vagas.
Outra das funções é traçar linhas gerais e políticas globais. Agora, falar de coisas específicas e directamente ligadas ao que outros responsáveis exercem (sim, temos um primeiro-ministro e temos um ministro da Finanças, e nenhum dele se chama Aníbal) é meter-se em seara alheia. Sobretudo quando especifica sobre assunto em que passa por mestre. Passos Coelho, que remédio, já veio dizer que também ele considera que o euro está alto. Mas, suponhamos, que o Governo quisesse defender outra posição nas cimeiras europeias: abria-se uma polémica?
Que essa impertinência tenha sido dita à saída de uma cerimónia homenageando Sidónio Pais - o Presidente que acumulou, com golpe de Estado, as funções de chefe de Governo - é só infeliz coincidência. É, evidentemente, só isso - mas já basta que o seja. Não há assessores que previnam essas coisas?
«DN» de 18 Jul 11

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Memórias Fardadas (5) - A caserna

Por A. M. Galopim de Carvalho

NA NOSSA caserna, na Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, durante aquele Outono/Inverno de 1953/54, ressonavam cerca de cento e vinte cadetes, entre licenciados e universitários apanhados a meio dos estudos (por diversas razões de sua responsabilidade) havia de tudo: engenheiros civis, electrotécnicos e agrónomos, arquitectos, matemáticos, biólogos e, até, um geólogo. Havia um camarada de Viseu que trocava os «zês» pelos «gês» e um outro, lá bem do Norte, que dizia «baca» em vez de vaca. Havia um Vasco, do Porto, pequeno como eu, de bigode negro de corvo, que comia todos os queLinkijos de Évora que lhe levasse, duros e perfumados, a tresandar a sal e a cardo. Despachava-os à dentada, de uma vez e sem pão, como quem come uma maçã, o que me escandalizava, habituado a ver nestas rodelinhas douradas um precioso conduto quase só para dar gosto ao pão. (...)

Texto integral [aqui]

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17.7.11

A Amiga Lurdes

Por Alice Vieira

DESDE o princípio que as amigas lhe tinham feito ver o disparate que era ter um caso com um homem casado. Mas ela encolhia os ombros, ou respondia com a frase estafada, “já somos ambos adultos para sabermos o que andamos a fazer”.
Ao princípio tudo tinha sido muito excitante, telefonemas a desoras, camélias no dia de anos, jantares prolongados ao som de velhas músicas francesas e italianas, tudo com um ligeiro sabor a aventura adolescente, do tempo em que namorava às escondidas dos pais.
Mas, a partir do momento que ele se reformou, as coisas complicaram-se — e, sem o trabalho a dar-lhe cobertura, cedo entrou numa rotina que a exasperava: os almoços no mesmo restaurante ao fim da rua, o amor quase cronometrado, e aquele olhar de fera acossada, com medo de ser apanhado.
Um dia ela explodiu: “nunca saímos deste gueto! Tens medo que a tua mulher nos encontre?” (...)

Texto integral [aqui]

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Luz - Socalcos do Crasto, Douro, 2008

Fotografias de António Barreto- APPh

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Em frente à quinta do Crasto, uma parcela chamada “Vinha dos cardenhos”. Os “cardenhos” eram (e em muitos casos são ainda) as instalações onde dormiam os trabalhadores, especialmente as “rogas” das vindimas. Até aos anos sessenta e setenta, as condições eram geralmente muito más. Os dormitórios eram colectivos, as “camas” eram montes de palha em cima de umas pranchas de madeira. Hoje, felizmente, as condições são geralmente melhores e mais aceitáveis.

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16.7.11

Um deslize colossal

Por Antunes Ferreira

DE ACORDO com o Dicionário Universal da Língua Portuguesa da Texto Editora, na página 346, o adjectivo colossal significa «que tem proporções de colosso; muito grande; vastíssimo; enorme; desmedido; gigantesco». Por seu turno, na mesma página e imediatamente a seguir, colosso (Lat. Colossu < Gr. Kolossôs, κολοσσός) é um s.m. «estátua enorme; (fig.) pessoa agigantada; coisa de grandes proporções; grande poderio ou valimento».
O termo leva directamente a recordar que uma das sete maravilhas do mundo antigo foi o Colosso de Rodes (Κολοσσός της Ρόδου), «uma estátua de Hélios, deus grego do sol, construída entre 292 a.C. e 280 a.C. pelo escultor Carés de Lindos. A estátua tinha trinta metros de altura, 70 toneladas de peso e era feita de bronze.», de acordo com a Wikipédia.
Esta, ainda acrescenta: «Já que o colosso tinha um pé apoiado em cada margem do canal que dava acesso ao porto, todas as embarcações que chegassem à ilha grega de Rodes, no Egeu, passariam obrigatoriamente sob as pernas da estátua de Hélios, protector do lugar. Na mão direita da estátua havia um farol que orientava as embarcações à noite. Era uma estátua tão imponente que um homem de estatura normal não conseguiria abraçar seu polegar.»
Pedro Passos Coelho, numa reunião interna do seu partido, o PSD, usou a palavra colossal para classificar o desvio nas contas públicas que o novo governo terá encontrado, justificando assim a necessidade de lançar medidas adicionais de austeridade este ano.
A afirmação – parece que ela sim desmedida – originou um debate que registou, entre outras obviamente, as intervenções do PS. Vitalino Canas defendeu que o primeiro-ministro devia ir à Assembleia da República justificar a que desvio se estava a referir e lançou a acusação de que o governo estava já «a preparar terreno para não cumprir os objectivos» acordados. Por seu turno, Vieira da Silva afirmou que Passos Coelho estava a usar o passado como capa para as novas medidas, ainda que tivesse antes afirmado que o não iria fazer. «Se o começa a fazer, esse sim, é um desvio colossal».
Esta reacção obrigou a que surgissem da parte dos sociais-democratas tentativas de explicação para o «desvio colossal». Esfarrapadas, há que dizê-lo. O primeiro-ministro o que pretendera dizer fora que face ao desvio, o trabalho que o Executivo tinha pela frente era «colossal». E quanto à ida ao parlamento, que sim, mas também, e que a «explicação genérica» devia ser «aprofundada».

Entretanto o Boletim Económico de Verão publicado esta semana pelo Banco de Portugal, indica que não é tanto assim. E refere que será apenas de 0,4% do PIB. E, até Miguel Beleza referiu que se o desvio fosse de facto de 0,4 pontos do PIB não lhe parecia colossal. Tanto quanto se pode presumir, a Moody’s esfregou as mãos de contente, pois que este tipo de afirmações tem normalmente um impacto negativo. Eles comem-se a si próprios, terão afirmado. Autofagia.
O «desvio colossal» ainda vai dar pano para muitas fatiotas. Pedro Passos Coelho deve estar a pensar que o seu PSD tem retransmissores que não consegue restringir. É dura a profissão de primeiro-ministro. E, mesmo na Rua de São Caetano, as paredes, além de terem ouvidos, tudo indica que também tenham boca. Enfim, um deslize colossal.

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Procure no (...) que encontra

Por Ferreira Fernandes

VOLTO à explicação que Vítor Gaspar deu à frase que abalou a semana, "desvio colossal".
Relembro, em reunião à porta fechada na Comissão Nacional do PSD, Passos Coelho disse qualquer coisa. Lubrificando a promiscuidade habitual, um comissário soprou a um jornalista que o primeiro-ministro disse que encontrou nas contas públicas um "desvio colossal". Logo se desatou uma polémica, da qual nunca ficaremos a saber a relação com a realidade como sempre acontece quando as testemunhas são anónimas, os contextos apagados e a vontade de chicana, muita.
Inevitavelmente, o ministro das Finanças seria perguntado à primeira oportunidade pela polémica e preparou-se para isso. Perguntaram-lhe. Não tendo estado no local, Gaspar agarrou-se às três únicas coisas palpáveis da polémica: a palavra desvio, o espaço entre as duas palavras e a palavra colossal. É, ele lembrou que não se discutia sobre "desvio colossal", mas sobre "desvio (...) colossal".
Não nos darmos conta do espaço entre as palavras às vezes faz-nos perder o melhor do filme. Por exemplo, num célebre poema se juntarmos "as armas e os barões assinalados" a "ter inveja", ficamos convencidos que os portugueses só têm inveja. Mas se entre as palavras iniciais e as últimas ocuparmos o espaço com dez cantos e 1102 estrofes trata-se, afinal, do maior elogio aos portugueses.
Em finanças, Vítor Gaspar ainda não poupou que se visse. Mas já nos fez poupar uma polémica. Nada mau.
«DN» de 16 Jul 11

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Apontamentos de Lisboa

Estas imagens são da mesma família de outra que já se mostrou [aqui].

Contas

Por João Paulo Guerra

OS PORTUGUESES, forçados a viver deitando contas à vida, são cada vez mais fracos a matemática. As negativas no 9.º ano bateram o recorde este ano: 60 por cento. Na aritmética da aflição, ou do endividamento, é que os portugueses devem ter um enorme traquejo. E senão, vejamos:

Nos tempos da Ditadura, quando os portugueses geriam a miséria de ordenados incertos em envelopes fechados, sem aumentos nem acrescentos de lei mas apenas por favor do patrão, o velho Botas ainda se lembrou de criar um imposto extra para a custear os imensos gastos da guerra colonial. Depois do 25 de Abril, com salário mínimo, aumentos salariais, novos direitos, foi o fogacho breve da Revolução. E logo chegaram o FMI e a austeridade. Primeiro estava no governo o PS, depois o Bloco Central, do PS e PSD, e lá veio por duas vezes o FMI apertar os furos dos cintos. Em 1983, como agora, o receituário do FMI e do Governo acrescentou um extra ao IRS.

Seguidamente, os portugueses deitaram contas, a ver passar os milhões da Europa, desfilando por redes de auto-estradas não se sabe em todos os casos para onde. E depois de uma breve folga, lá voltou o aperto de contas, quando Durão Barroso, pouco antes de fugir a sete pés, descobriu que o «pântano» deixara o País «de tanga». Seguiu-se um episódio de carnavais e sestas. E quando Sócrates chegou arrependeu-se no mesmo dia de prometer que não aumentava impostos e aumentou-os. O País tinha ficado de pantanas ou de «santanas», dá no mesmo.

E agora é o que se sabe, mais o imposto extraordinário - mais extraordinário pelo facto de não ser para todos - e o que virá por conta do «desvio colossal», eufemismo do PSD para dizer «a herança do governo anterior». E tudo isto com um recorde de negativas a matemática.
«DE» de 15 Julho 11

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15.7.11

Brincando com as palavras (A propósito da crónica anterior)

HÁ UM jogo de salão em que as pessoas recebem letras, tiradas à sorte, e vão tentando compor palavras com elas. Aparentemente, aqui, sucedeu exactamente o oposto...