31.1.18

Antiguidades - 12

Na realidade, anúncios de médicos recomendando cigarros não são tão antigos quanto se possa pensar...

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30.1.18

Estação de Biodiversidade em "Boca do Rio" - Vandalismo

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29.1.18

GEODIVERSIDADE, SOLOS E FLORESTAS

Por A. M. Galopim de Carvalho
Fala-se hoje muito de biodiversidade e ainda bem que assim é. Os biólogos têm sabido dar o devido relevo a este importantíssimo tema. O mesmo não tem acontecido com a GEODIVERSIDADE, palavra ainda ausente no discurso oficial, apesar de, não é demais lembrar, a geodiversidade constituir o suporte de toda a biodiversidade.
Numa primeira aproximação, geodiversidade pode ser entendida como o conjunto de todas as ocorrências de natureza geológica, com destaque para rochas, minerais e fósseis (testemunhos de uma biodiversidade passada), dobras e falhas, grutas naturais e galerias de minas, relevos e depressões terrestres e submarinas, vulcões, etc.
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Em condições favoráveis, os agentes físicos, químicos e biológicos, existentes à superfície do planeta, alteram a capa externa das rochas, condição necessária ao nascimento do SOLO (do latim solum, chão, pavimento) definido como um corpo natural, complexo e dinâmico, constituído por elementos minerais e orgânicos, caracterizado por uma vida vegetal e animal própria, sujeito à circulação do ar e da água e que funciona como receptor e redistribuidor de energia solar. Com efeito, quando ardem a madeira ou o carvão, seja ele o carvão vegetal ou o fóssil (a lenhite, a hulha ou a antracite), todo o calor que libertam é energia solar neles retida que se liberta. Toda a força que os animais, incluindo este “bicho” complicado que somos nós, desenvolvem no trabalho que executam, teve origem na luz solar, absorbida pelas plantas usadas na sua alimentação.
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Entidade presente na imensa maioria das terras emersas, na interface da litosfera com a atmosfera e a biosfera, o solo estabelece, assim, a fronteira entre a geodiversidade e a biodiversidade. Sem solos não haveria prados, charnecas, tundras ou FLORESTAS, nem hortas, searas, montados, vinhas ou olivais, nem toda a biodiversidade animal que nos rodeia.
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A Floresta é um habitat intensamente arborizado com inúmeras muitas espécies de outras planta e animais. A sua biomassa por unidade de  de superfície ultrapassa, de longe, a de outros biomas. Ocupando cerca de 30% da superfície terrestre, a floresta têm acção sobre o clima e representa um sector importante na economia da sociedade, como fonte de riqueza ( madeira, resina, celulosecortiçafrutos, entre outros),
Segundo o dicionário da Porto Editora, a palavra “floresta” provém do frâncico "forhist", colectivo de "forha", que significa plantação de pinheiros, através do francês antigo "forest", hoje "forêt".
O oxigénio atmosférico que nos assegura a vida é o resultado de uma interacção constante e contínua poe parte de todas as plantas que nos rodeiam. É por isso que dizemos que os parques arborizados, no interior das cidades, são os seus pulmões. E é por isso que lutamos pela defesa das florestas de todas as latitudes e altitudes, das quentes e húmidas, como a amazónica, à taiga canadiana e siberiana,  passando pelas de climas temperados, pois são elas que fabricam essa parte importante (21%) do ar que respiramos.

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28.1.18

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Sem Emenda - As Minhas Fotografias

Mendigo nas escadas da Igreja da Encarnação, no Chiado, em Lisboa – Há, no Chiado, cinco igrejas curiosas: Loreto (ou dos Italianos), Encarnação, Mártires (a única que ostenta o título de Basílica), Sacramento e São Roque (na Misericórdia). São todas de muito interesse, foram todas vítimas do terramoto de 1755, depois reconstruídas e restauradas. De idades diferentes (a dos Mártires começou a ser construída no século XII, pouco depois da conquista de Lisboa), as três tiveram o seu período barroco e a reconstrução depois do desastre. Durante décadas, eram as igrejas de culto das elites lisboetas, tendo mesmo havido diferenças sociais entre elas, umas mais “chiques” do que outras. Alguns mendigos são residentes na entrada das três primeiras. Já era assim no princípio do século XX, há fotografias. Nos anos sessenta e setenta, a sua presença diminuiu. Recentemente, nos últimos dez a vinte anos, regressaram. Por causa das crises, à espera dos fiéis, mas também, agora, dos turistas.
DN, 28 de Janeiro de 2018

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Sem emenda - Piedade e Misericórdia

Por António Barreto
Pelas más razões, duas das mais antigas instituições nacionais ocupam as páginas dos jornais e os noticiários de televisão: o Montepio Geral e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. O assunto resume-se em poucas palavras: o banco Montepio está em má situação financeira e a Santa Casa está tentada a investir nele, no que é encorajada pelo ministro da Segurança Social e pelo Governo. A história é tão estranha e os riscos são tão grandes que vale a pena olhar um pouco devagar.
A designação de Montepio é antiga. É a versão portuguesa das Monte di Pietà e Monte dei Paschi, das Mont de Piété ou das Monte de Piedad. No essencial, estas instituições não lucrativas tinham em comum realizar uma forma de solidariedade que se traduzia em empréstimos sobre penhora e com juros muito baixos. As instituições viradas para a beneficência evoluíram para outras formas de ajuda, em particular através de mútuas e de poupança para pensões. Diferem das casas de penhor, pois estas são casas comerciais e a usura é a regra!
Os primeiros Monte di Pietà foram fundados por franciscanos, para ajudar os necessitados, emprestar dinheiro com penhora de bens e evitar a usura. O Monte dei Paschi di Siena foi fundado no século XV e é o mais antigo banco do mundo. Está hoje nas mãos do Estado, depois de resgatado e resolvido por mais de cinco mil milhões.
O Montepio português, associação mutualista, foi fundado em 1840 com o nome de Monte Pio dos Funcionários Públicos. Mais tarde, vieram o banco e outras actividades conhecidas.
A Misericórdia de Lisboa, fundada pela Rainha D. Leonor, tem mais de 500 anos. Foi estatizada no século XIX pelos liberais. Assim ficou com a monarquia constitucional, a república e o corporativismo. Até que os revolucionários de 1974 extinguiram as misericórdias. Com a democracia, a nacionalização foi revogada, mas a Misericórdia de Lisboa continuou no Estado. Além dos jogos, sua principal fonte de rendimento, tem um vasto património e é a mais importante organização de solidariedade portuguesa. Ocupa-se de doentes (Alcoitão, por exemplo), pobres, velhos e crianças.
É fácil perceber por que razão a Caixa Económica Montepio Geral deseja que a Santa Casa da Misericórdia entre no capital do banco. Salvo erro, é simplesmente porque teve má gestão, precisa de dinheiro, não tem as contas em ordem e corre riscos de falência, resgate ou resolução. A Associação Mutualista Montepio Geral, proprietária do banco, quer a mesma coisa, isto é, que alguém entre com dinheiro, mas de modo a ficar a decisão inteiramente do lado dos seus actuais proprietários.
Já é muito mais difícil perceber por que diabo quer a Misericórdia de Lisboa comprar parte do banco do Montepio. Não se consegue entender. A tentação do negócio? A atracção sedutora e fatal da banca? A importância social e política? Ou simplesmente obedecer ao Governo?
O governo tem as suas razões, evidentemente. Pela boca de ministros avulso, sabe-se que o governo vê com bons olhos que a Santa Casa entre no Montepio. Os riscos desta operação são enormes. Uma instituição em bom estado, com um orçamento superior a 200 milhões de euros, vai exercer funções fora do seu estatuto para se perder numa outra em mau estado. Será que o Governo quer arranjar alguém que resolva o banco, sem ter de gastar o seu dinheiro e sem agravar o défice? Mas a Santa Casa é do Estado… Quer o governo evitar a resolução e a falência (como os outros bancos conhecidos)? Vai o governo ficar com dois problemas graves (Montepio e Santa Casa) em vez de um só?
Há evidentes riscos para milhares de pensionistas do Montepio, para outros tantos doentes, pobres, idosos e crianças apoiados pela Santa Casa. É chocante a irresponsabilidade dos governantes! E ainda mais surpreendente é a quase ausência de protestos na opinião pública. Só não se espanta quem pensa que os Portugueses estão já tão moralmente corruptos que não se importam com a destruição de instituições de apoio social, em nome de opções políticas de oportunidade.

DN, 28 de Janeiro de 2018

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27.1.18

Antiguidades - 11

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LIVROS PARA DEITAR FORA

Por Alice Vieira
Confesso: não sou capaz de deitar livros fora.
De resto, eu pertenço a uma geração que tem muita dificuldade em deitar fora seja o que for. Por isso os objectos se vão acumulando e eu perguntando-me “o que é que faço a isto?”. Já pensei em fazer uma trouxa e ir vendê-los para a Feira da Ladra, mas os meus horários não me permitem ficar lá uma data de horas à espera de ver aparecer multidões interessadas em galhardetes, quadros com o brasão de juntas de freguesia de terras que nem sei onde ficam, frascos de perfume há muito vazios, amostras de tecidos, restos de lãs que nem para quadrados de mantas de patchwork já servem, etc.
Mesmo assim, de vez em quando tapo a vista com a mão, encho-me de coragem, e reúno sacos a abarrotar de lixarada, e venho colocá-los à noite ao lado dos contentores, não vá passar alguém que ainda lhes descubra serventia.
Mas livros é que não.
Livros não sou mesmo capaz.
O pior é que, para lá de receber muitos livros (os meus amigos pertencem quase todos ao ramo…), eu ainda sou uma compradora compulsiva! Compro livros porque são de autores de que eu gosto, ou porque li uma crítica que me entusiasmou, ou até — assumo…— porque têm capas que são um espanto… Mas às vezes, prometem muito e dão pouco.
Então, periodicamente, encho caixotes de livros que vou enviando para bibliotecas ou escolas: livros que sei que nunca mais vou reler, livros que tenho em várias reedições, ou até livros de que eu, pessoalmente, até posso não gostar mas entendo que outros amem de paixão.
Mas não é desses que estou a falar: refiro-me àqueles que não mereceriam (se eu fosse capaz…) outro destino a não ser o lixo. Tão maus, ou tão inúteis, ou tão fora de prazo que não me passa pela cabeça dá-los nem ao meu pior inimigo.
Nos primeiros tempos da revolução, quando, de repente, descobrimos que podíamos viajar para os países até então proibidos da Europa de Leste, era fatal: regressávamos todos de lá vergados ao peso de toneladas de volumes encadernados com todas as intervenções dos camaradas nos diversos órgãos de soberania dos seus países. E — requinte dos requintes! — muitos deles na língua original.
Lembro-me de ter tido de comprar um saco só para nele enfiar os discursos do camarada Jivkov, que me ofereceram na minha primeira ida à Bulgária.
Digam-me: o que é que eu lhes faço?
Contava o meu querido Alçada Baptista que uma das suas tias, ao ver-se confrontada com a pergunta de uma das criadas (“o que é que eu faço às listas velhas do telefone?”) terá respondido: “dê a um pobrezinho.”

Se calhar, vou seguir-lhe o exemplo. Tal como eu, ela também era de um tempo em que não se deitava nada fora.

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25.1.18

Antiguidades - 10

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A comparação de Rui Rio a Cavaco Silva

Por C. Barroco Esperança
David Justino (PSD), um sociólogo que foi deputado, ministro e assessor de Cavaco, diz que este e Rui Rio “são duas personalidades muito diferentes”, mas “na parte de respeito institucional são iguais”.

Sendo a primeira afirmação claramente favorável ao novo líder do PSD, não se percebe se é elogio ou vitupério a segunda, vinda de um indefetível de Cavaco e Durão Barroso.
Não sei se Rui Rio será ou não um bom líder do PSD, mas a comparação com Cavaco é sempre ofensiva e, em relação ao respeito institucional, não podia ser mais acintosa. Se o objetivo era denegri-lo perante os portugueses não podia ter sido mais contundente.
Deixemos de parte os negócios pessoais e o nebuloso passado do salazarista para quem a Pide era uma patriótica instituição, tendo concedido a torcionários seus, pensões por relevantes serviços à pátria.
Quando a AR aprovou o estatuto dos Açores, um diploma que, tal como o da Madeira, é excessivo nos poderes conferidos ao Governo Regional, vetou-o, como devia, de acordo com a sua consciência, mas, ao ser-lhe foi devolvido sem alterações, só lhe restava uma atitude institucional, promulgá-lo. Num acesso de ressentimento, foi injurioso para com o Parlamento e a sua legitimidade, sem postura institucional nem elementar compostura. Aliás, só revelou tamanha ira quando o Governo proibiu a acumulação de vencimentos e pensões, tendo prescindido do vencimento de PR, por serem mais suculentas as pensões, limitado a adicionar as despesas de representação indexadas ao vencimento que perdera.
Referir Cavaco como paradigma do respeito institucional, é esquecer como prolongou o governo PSD/CDS, adiando a marcação de eleições até onde a lei permitia, impedindo o futuro Governo de elaborar, em tempo útil, o OE-2016. Atribuir respeito institucional a quem tudo fez para adiar a posse de um governo legitimado pela AR e lesou o País com ressentidos anátemas, para uso interno e reflexos externos nos juros da dívida soberana, é confundir um estadista com um chefe de fação.
Rio tem, decerto, além de maior cultura democrática, o sentido de Estado e uma postura institucional de que a comparação de David Justino o exonera, mas não foram as boas razões que lhe deram a vitória contra a máquina partidária. Os militantes intuíram que o radicalismo tornava irrelevante o seu partido.
O PSD mudou de líder, mas o partido não mudou.

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24.1.18

Antiguidades - 9

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23.1.18

E a propósito das "novas tecnologias"...

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Eles hoje aprendem de maneira diferente… Ah é?!

Os estudos mostram que “a presença ubíqua da tecnologia entre os jovens não lhes traz como resultado uma melhoria na coleta de informação, na procura de informação nem nas capacidades de avaliação”.
Quando estava a estudar no liceu, surgiu uma novidade tecnológica: o laboratório de línguas. Na altura estávamos a aprender Francês. Em vez de o aprendermos com um professor, dizia-se, iríamos ter um laboratório em que cada aluno se enfiava numa pequena cabina, com um microfone à sua frente e auscultadores nos ouvidos. Nessas cabinas individuais cada um ouviria um texto gravado, responderia a perguntas seguindo o seu próprio ritmo, gravaria as suas respostas, ouvi-las-ia de novo, corrigiria a sua pronúncia e, num ápice, seria fluente em Francês.
Era a modernidade! Era mais ativo, era mais moderno, as novas tecnologias entusiasmavam os alunos, o professor tornava-se apenas num “facilitador”, o aluno era o “centro das aprendizagens”. Estávamos no século XX, já a caminho do XXI. Os tempos eram outros.
A experiência terminou em poucos dias. Cansámo-nos. Era tão aborrecido estar fechado, sozinho, a ouvir vozes gravadas! Era desanimador falar para um aparelho e manter monólogos sem sentido. Era triste não ter colegas nem um professor que orientasse as conversas, que lhes desse alguma espontaneidade, algum toque humano.
Hoje sabe-se muito mais. Graças a estudos rigorosos de Patricia K. Kuhl e de outros investigadores de neuro-ciências e aquisição de linguagem, sabe-se mesmo que a interacção humana é insubstituível na aprendizagem inicial das línguas.
Entretanto, passaram-se muitos anos… e já ouvimos as mesmas teorias muitas vezes. Era a calculadora que iria entusiasmar os alunos com a matemática. Eram os computadores que iriam transformar os alunos em “aprendentes ativos”. Eram as novas gerações digitais. Eram os “smartphones” que faziam parte integrante da vida dos novos alunos. Era a internet que tornaria obsoleta a memorização e o conhecimento. Não, a escola não poderia ser a mesma!
Uma versão moderna destas teorias românticas postula que os jovens de hoje, nascidos depois de 1984, data em que apareceram os jogos vídeo de 8 bits, seriam completamente diferentes dos que os antecederam. Os novos jovens seriam “nativos digitais”, pois teriam aparecido num mundo novo e, desde muito cedo teriam dominado as tecnologias, que seriam para eles uma segunda pele, o seu meio natural. Nós, pobres adultos, tendo, quanto muito, e naturalmente com dificuldade, aprendido tarde a manejar as novas tecnologias, teríamos delas um domínio defeituoso. Seríamos apenas “emigrantes digitais” e não poderíamos perceber a nova maneira de aprender dos jovens.
Não, não estou a fazer uma caricatura. Foi assim que Mark Prensky descreveu e contrastou as diferenças entre estas gerações. Vale a pena ver o artigo original para perceber a origem destas ideias. As suas consequências para a educação são tão claras como potencialmente prejudiciais: os jovens não precisariam de ser ensinados a dominar as tecnologias digitais, não deveriam ser ensinados de forma sequencial, dever-se-ia aceitar que se distraíssem continuamente pois teriam uma mente especial, capaz de processamento paralelo ou “multitasking”, estariam preparados para a aprendizagem em rede, para a aprendizagem por inquérito próprio, para a experimentação num mundo digital. Seriam, finalmente, “aprendentes ativos” e teriam, por natureza, uma mente crítica. Forçá-los a seguir programas rígidos tolheria a sua iniciativa.
Na última década, contudo, vários estudos de psicólogos cognitivos vieram por em causa todas estas teorias. Começando pelo princípio: tudo indica que os “nativos digitais” são, afinal, um mito.
Quando se analisa a capacidade dos jovens para utilizar as novas tecnologias, verifica-se que são poucas as áreas em que ultrapassam os adultos educados. Na maioria das situações e dos casos, utilizam as tecnologias de forma passiva, limitando-se a funcionalidades básicas no que respeita à sua educação e sem conseguirem dar-lhes uso criativo para a resolução de problemas. Alguns estudos são enfáticos: “a presença ubíqua da tecnologia entre os jovens não lhes traz como resultado uma melhoria na coleta de informação, na procura de informação nem nas suas capacidades de avaliação”.
É verdade que nos impressiona ver a facilidade com que os mais jovens escrevem mensagens ou mudam de uma “app” para outra. Mas também nos impressiona a facilidade com que se levantam depois de uma queda, descem as escadas a correr ou aprendem uma língua estrangeira. Não foi sempre assim?
Recentemente, Paul Kirschner e Pedro De Bruyckere, dois conhecidos investigadores de psicologia cognitiva, publicaram um artigo que sumariza os estudos recentes sobre o mito dos nativos digitais. Esse artigo teve a honra de editorial na prestigiosa “Nature”.
Talvez algumas coisas estejam a mudar, como indica a receção da carta de dois investidores da Apple alertando para o vício das crianças nos telemóveis e outros aparelhos.
No Observador, um artigo recente de Ana Cristina Marques ajudou a colocar os pontos nos ii. Esperemos que os educadores não baixem os braços e deem às novas tecnologias o lugar que merecem: ajudantes preciosos da educação, mas ajudantes que têm de ser dirigidos. Aliás como tudo ou quase tudo em educação.
Publicado em O Observador

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22.1.18

Disto hoje não se vai ouvir falar

Por Ferreira Fernandes
Estou em Luanda. Conheci um homem que persegue os emails que ele próprio envia. Palmilha Angola a estudar as estradas a construir. Depois manda um email para o ministério correspondente. Logo a seguir, vai lá. Diz à secretária: já recebeu o meu email? "Já." Já fez seguir? "Ainda." Mana, faz lá seguir... "Vou fazer." Mana, não espera, faz agora. 
Depois, o homem sobe ao chefe de gabinete: já recebeu o meu email? "Acabei de receber." Já mandou para o diretor? "Vou mandar." Manda agora... "Ok"... 
E assim por diante, o homem que ajuda a construir estradas, sobe escadas. Ele usa a @ tal como Fidípides, o maratonista de Atenas, usava as pernas: perseguindo, para o seu trabalho prosseguir. Bendito. 
Como aquela quitandeira luandense que ontem vi subir uma calçada com uma carta na cabeça. Em cima da carapinha, um tabuleiro, em cima, um envelope e em cima deste uma pedrinha para a carta não voar. Ela levava sacos de fruta e os dedos estavam impróprios para levar a carta à mão. Então, ela arranjou-se para cumprir o que a encarregaram de fazer... 
Eram histórias destas, de sal da terra, que eu gostaria de contar da minha terra. Histórias que nunca se ouvem, não é? Angola está sequestrada por uma ideia verdadeira e desgraçada, mas incompleta — se a julgamos só por ela, treslemos aquele país de gente que merece respeito. E de quem nunca se ouve falar. 
No sábado, na televisão do Estado, a TPA, ouvi um debate entre quatro mulheres - uma socióloga, uma jornalista, uma ativista e uma advogada. Eu já ficaria encantado só de ouvir a minha língua falada da forma tersa e limpa, como o meu querido amigo Joaquim Pinto de Andrade me ensinou ser próprio dela. Mas foi mais do que isso. As quatro mulheres discutiam a corrupção. 
Uma lembrou que falar de corromper pode deixar só vaga ideia, urge é falar de factos: corromper é menos escolas, uma indecência! 
Outra avisou que já passou o tempo da pedagogia, hoje quer-se saber quem e o quê. 
Outra, ainda, falou do inominável que é "roubar fundos do combate à malária." E outra fez o retrato de corpo inteiro da corrupção. Era o saque do bem comum, era a irresponsabilidade mas era também a traição. Uma nação a construir-se precisa de orgulho: "Outros países fazem-nos doações, coro de vergonha quando alguém de nós rouba até o que nos dão." Eu sorri, agradecido. 
Quatro mulheres desencarceravam Angola da corrupção — não acabar com esta, mas lembrar que aquela é muito mais. Por exemplo, uma mulher com uma carta à cabeça subindo a calçada.
DN de 22 Jan 18

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