30.11.11

Independência

Por João Paulo Guerra

AMANHÃ celebrar-se-á pela última vez, tanto quanto está previsto, o feriado da restauração da independência de Portugal.

E é sintomático que o Governo tenha sacrificado o feriado da independência nacional como um simbólico penhor da subordinação do País ao jugo dos agiotas. Um país que é forçado por outros a pedir emprestado, pagando de juros 50 por cento do valor concedido, é um país ocupado pela usura.

Nunca Portugal foi tão dependente. Durante a maior parte da ocupação dos Filipes, à qual a revolução de 1 de Dezembro de 1640 pôs fim, Portugal podia, pelo menos, cunhar moeda e governar-se em autonomia política e administrativa. E quando deixou de ser assim, e passou a depender, como agora, de um poder centralizado pelos burocratas estrangeiros, que em tudo metem o bedelho e sobre tudo dão ordens e aplicam sanções, os portugueses de bem revoltaram-se e expulsaram o ocupante e respectivos colaboracionistas. O mais desprezível dos colaboracionistas foi expulso pela janela.

A Europa deixou de ser uma União, como antes deixara de ser uma Comunidade, para ser um continente ocupado por agiotas. A próxima etapa desta deformada União, gizada no papel, é a divisão da Europa num subcontinente de pobres que alimenta o clube dos ricos. O lugar de Portugal, país dependente, sem voto na matéria, é obviamente no subcontinente dos Zé-Ninguém.

Sucede que os acontecimentos podem prever-se e determinadas causas podem produzir previsíveis efeitos. Mas a História escreve-se depois dos acontecimentos e à distância. E quem sabe se o abolido feriado da independência nacional passa a ser o toque a rebate por um País soberano, livre e justo, em incessante busca de "um dia inicial inteiro e limpo" (Sophia de Mello Breyner Andersen).
«DE» de 30 Nov 11

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A vocação da trapaça

Por Baptista-Bastos

O GOVERNO decidiu "suavizar" os cortes nos subsídios a pensionistas e funcionários públicos. O PS ficou muito contente e reivindicou para si o êxito do "recuo" do Executivo. Esqueceu-se, o PS, de dizer, que esteve à beira de aprovar o Orçamento. Não fora a ameaça de rebelião na sua bancada as coisas teriam sido borrascosas. O discurso socialista, no seu garbo aparente, é a banalização do disparate. O PS de Seguro não tem mais nada a dizer senão futilidades. E as migalhinhas que Passos Coelho e os seus atiram aos mais pobres dos portugueses fornecem-nos a verdadeira dimensão de um empreendimento de demolição do Estado com o reforço de uma insensibilidade social que deixou de ser simbólica. O "socialismo democrático" fez passar, com a ambiguidade cobarde da abstenção, esta nova afronta à miséria. E afundou, ainda mais, uma leitura exclusivamente de Esquerda, exigida a quem da Esquerda se reclama.

A coligação de Direita resvala, assustadoramente, para um autoritarismo cego, que nem as advertências de muita gente do seu lado conseguem demover. E o aproveitamento das federações patronais leva-nos a reequacionar a natureza da sua linguagem, cuja fria amoralidade elimina qualquer resquício de compreensão. Os movimentos da sociedade civil são ainda demasiado débeis para se esboçar os princípios de uma força que se opusesse à amplitude desta situação. A verdade, porém, é que nem uns nem outros são suficientemente livres. E os perigos configuram ameaças de magnitude, que não excluem ninguém. Ainda há pouco, o próprio Francisco Van Zeller aludia à falta de discernimento de quem governa e nos estava a levar por veredas muito arriscadas.

Não são, somente, a especulação financeira e a nebulosa a que chamam "o mercado", os fautores desta crise: a ausência de resposta ideológica que se antagonize com a monumental trapaça fortalece os desígnios dos que fortalecem esta economia criminosa. Trapaça, repito, é o que tentam inculcar, como generosa bondade, os cortes nos subsídios, sem que ninguém denunciasse a indignidade. O fatal Miguel Relvas veio dizer que essa decisão demonstrava a clemente humanidade do Governo e a inesgotável capacidade deste em promover o diálogo. Estamos em pleno cenário de hipocrisia, e a desfaçatez com que certa gente usa as palavras devia ser punida com a boca cheia de... areia.

A mentira continua a ser a regra e a honestidade a excepção. Em tempos que já lá vão, Pedro Passos Coelho, assumindo a pureza como princípio, pediu desculpa aos portugueses pelas baldrocas de José Sócrates. Parecia ter um indiscutível horror aos acontecimentos que nos circulavam. E agora, que faz ele, quando as circunstâncias são semelhantes ou piores? A vocação da sinceridade esvaziou-se nas exigências do "pragmatismo".
«DN» de 30 Nov 11

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29.11.11

Gostava de Acreditar

Por Maria Filomena Mónica

POR VEZES, há coincidências que espantam. Hoje, dia em que estou a escrever, tive conhecimento que o Primeiro-Ministro pedira aos portugueses para «não deixarem de acreditar no futuro», que a maioria PSD/CDS ia avançar com uma proposta de alteração ao Orçamento Geral do Estado a fim ter autorização para aplicar uma taxa às pensões mais altas podendo ir até 50% do valor mensal (a ser cobrada de uma só vez) e que, após ter sido ouvido o Senado Universitário, a Universidade de Lisboa decidira conceder-me o título de Investigadora Emerita, com base em que me teria distinguido pela «continuada acção ao longo dos anos, pelo prestígio adquirido no seu campo académico e científico e pela projecção nacional e internacional da Universidade de Lisboa». Por suspeitar que o título me fora atribuído não tanto pelo reconhecimento do meu trabalho mas por critérios burocráticos, fiquei sem saber como reagir, o que pouca importância tem diante do apelo do Primeiro-Ministro.

Gostava de acreditar que o montante dos subsídios - de Natal e de férias – que para o ano me vai ser retirado, bem como o do corte na pensão «doirada» que recebo, não iriam ser canalizados para o aumento da frota automóvel dos governantes, para a contratação de adjuntos inúteis ou para a criação de «Observatórios» universitários que só observam o que os governos lhes aponta, mas dirigidos para que a escola pública tivesse prestígio, para que o sistema de justiça fosse responsável e para que os centros de saúde se tornassem eficientes. Gostava ainda de acreditar que a Mafalda, a fisioterapeuta que me pôs o corpo direitinho, poderia ter o filho que deseja, que a D. Isaura, a funcionária pública que me atura, conseguiria arranjar um lar onde a mãe, sofrendo de Alzheimer, pudesse ser humanamente tratada, que a Verónica, que terminou o curso de História com brio e glória, arranjasse um emprego e que a D. Rosa, a minha mais próxima vizinha, não seria obrigada, por não ter dinheiro com que os pagar, a reduzir os medicamentos de que carece. Em suma, gostaria de pensar que os sacrifícios que me vão ser impostos no final de uma carreira que a instituição a que pertenço considera susceptível de distinção serviriam para dar conforto aos menos afortunados, mas conheço bem demais os poderosos do meu país para acreditar que isso venha a suceder.

No que diz respeito a sacrifícios, os governantes deveriam aliás ser os primeiros a dar o exemplo. Que sentido faz o Presidente da República receber, não pelas funções que exerce, mas como pensionista (da CGA e do Banco de Portugal)? Não se indigne já o leitor, pois há pior. Após ter descoberto que a sua reforma, como ex-juíza do Tribunal Constitucional (7.255 euros), era superior ao salário que auferiria na Assembleia da República (5.219 euros), Assunção Esteves optou pela primeira, mantendo todavia o direito às ajudas de custo, no valor de 2.133 euros. Enquanto os que podem rapam o tacho, os pobres olham-nos com ódio ou, na melhor das hipóteses, com desprezo.

«Expresso» de 26 Nov 11

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Entre sonhos e pesadelos

Por Ferreira Fernandes

EM LISBOA, um congresso sobre os 25 anos da adesão à CEE. Ontem, discutiu-se isto: "Foi esta a União Europeia com que sonhámos?" Irónico, na semana em que a capa do Economist era um pesadelo, o fim do euro...
Para perceber melhor o tema, viajei (pelos jornais) até 12 de Junho de 1985, a data da adesão. Nesse dia, o DN dedicou a capa ao acontecimento. O editorial de Mário Mesquita, então director, evocava Eça, para nos dizer que os ventos de além Pirenéus sempre nos entusiasmam na razão inversa do que percebíamos, de facto, das novidades.
No tempo de Eça, eram os livros franceses que chegavam pelo Sud-Express; em 1985, era a União Europeia. E, também desta vez, embarcámos em mitos ingénuos como, por exemplo, o de a Europa ser "sinónimo, no plano económico, do advento da riqueza". Para contraponto das ilusões, Mesquita aconselhava-nos atenção a todas as perspectivas, sobretudo as contraditórias. Ele alinhou uma dúzia, eis duas delas: a Europa próspera e protestante do Norte e a Europa pobre e católica do Sul...
Dir-me-ão, hoje: que banalidade, quem não conhece essas duas diferenças? Mas claro que as conhecemos, só que o fervor pelos ventos, pelo Sud-Express, enfim, pelo milagre, convenceu-nos que se tinham esbatido. Daí, o espanto quando o que nos sucede não acontece à Holanda.
Outra coisa (ou talvez a mesma): nos dias anteriores à adesão, à magna adesão!, os jornais só falavam da crise interna, do fim da coligação PS-PSD.
«DN» de 29 Nov 11

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Fado

Por João Paulo Guerra

ANA MOURA, que é indiscutivelmente fadista e cantadeira, é que falou bem. Disse que o fado “sempre foi património da Humanidade”.

Carlos do Carmo também falou bem e foi oportuno ao dizer que o País "nem sempre esteve apaixonado pelo fado", mas que "hoje se orgulha dele". De resto, e como seria de esperar, a justíssima decisão da UNESCO de reconhecer o fado português como património cultural imaterial da humanidade proporcionou a exibição de numa verdadeira feira de vaidades, com muita gente inesperada a pôr-se em bicos dos pés. Uma embaixadora da candidatura exibiu-se mesmo num filme de promoção reivindicando que o fado era ela. E não se deu por nenhum preopinante que se tenha lembrado de evocar a memória e a condição de embaixadora de Amália Rodrigues que divulgou mais o fado pelo mundo que a candidatura.

A alusão de Carlos do Carmo não se confinava certamente apenas aos alvores do chamado Estado Novo quando "o fado foi para o major". Isto é, quando o fado e os fadistas se viam a contas com o chefe da polícia dos costumes e do pensamento. Nem aos tempos em que a Emissora Nacional emitia palestras sobre "a miséria moral e musical do fado". É que o fado, se houve tempos que foi dos salões e outros que foi das tabernas, também foi alvo de perseguições e de preconceitos, tanto da parte de consabidos moralistas como de autoproclamados intelectuais.

Mas hoje os portugueses precisam de distinções e de condescendência que elevem um pouco a destroçada auto-estima nacional. E descobrem que têm consigo, nesta hora, o fado, fado triste das vielas ou fado alegre das praças e avenidas. Com que voz? A de Amália, certamente. Para dar voz a quem? Já agora, a um poema de Luís de Camões: "chorar não estima neste estado, aonde suspirar nunca aproveitou".
«DE» de 29 Nov 11

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28.11.11

As claques que nos têm reféns

Por Ferreira Fernandes

SÁBADO, o jornal mandou-me para a "caixa de segurança" do Estádio da Luz. Reportei na edição de domingo.
Volto ao assunto com um pormenor: ali, na caixa, quase não vi adeptos. Daqueles comuns, dois amigos cinquentões que decidiram ir à bola, senhoras que apreciam o ar franzino do João Pereira, o pai que inicia o filho a ver o Rui Patrício, falando-lhe do Damas, da mesma forma que o pai dele, suspirando pelo Carlos Gomes, o levava a ver o Damas.
Sábado, quase ninguém dessa gente, como os com quem eu trabalho ou são meus amigos, e são do Sporting como eu não sou, e com quem eu discuto mas nunca me zango sobre futebol. Naquele galinheiro, tirando alguns dirigentes do clube em solidariedade com as claques, quase toda a gente era das claques. E havia uma explicação de pescadinha de rabo na boca para assim ser: só havia gente das claques porque eram as claques que lá estavam.
As claques são os eucaliptos dos estádios. O Benfica encafuou-as em condições ultrajantes, entre redes, e perigosas, multidão apertada em lugar íngreme, porque eram claques; e as claques portaram-se como se esperava delas, incendiando cadeiras.
Os adeptos sportinguistas ausentaram-se, naturalmente, desse lugar feio, porco e mau.
Os adeptos são reféns das claques dos seus próprios clubes. Qualquer clube. E assim será até à primeira direcção de um clube que não aceite ser cúmplice de criminosos e acabe com as claques.
«DN» de 28 Nov 11

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«Dito & Feito»

Por José António Lima

MÁRIO Soares, que achou «muita graça» a Fernando Ulrich ter invectivado os «funcionários de 5.ª linha da troika» e «até estava com a ideia de lhe telefonar para lhe dar cumprimentos», afirma que «a troika está a funcionar como parecendo o Governo do país», enquanto vai repetindo à exaustão que «a Europa deixou de ter líderes» (infere-se que só no seu tempo havia líderes na Europa, os quais terão entrado depois em vias de extinção).

Vasco Pulido Valente antevê «o fim da Europa», culpa a maléfica Angela Merkel (tal como Mário Soares não se cansa de fazer) e vislumbra «uma catástrofe que conserva a Grécia, a Itália e Portugal num extraordinário estatuto de menoridade». Manuel Alegre, no mesmo registo apocalíptico de Pulido Valente, teme que «os mercados e os especuladores acabem com a democracia». E Miguel Portas assegura que «o que hoje se está a passar na Zona Euro cheira demais a soberania limitada».

Ora, quem se habituou, ao longo de anos e anos, a viver à custa do dinheiro emprestado pelos outros e na base de um endividamento em espiral – como é o caso da Grécia, da Itália e de Portugal – não pode queixar-se de que os seus credores e financiadores lhe imponham regras e restrições. Que condicionam, obviamente, a governação desses países. Mas foram esses mesmos países que se colocaram num estatuto de menoridade e dependência forçada, que autolimitaram a sua própria soberania. Estavamà espera de quê? Quando Soares, Alegre ou Portas pedem um empréstimo bancário e são, depois, incapazes de o pagar, culpam-se a si próprios ou culpam a banca?

Acresce que a evolução da União Europeia implica um modelo de soberanias nacionais gradualmente limitadas e crescentemente partilhadas. As intervenções de resgate financeiro e de saneamento das contas públicas na Grécia, em Portugal ou em Itália significam que há mais Europa e não menos Europa, que há esforço de coesão e entreajuda e não a prevalência da divisão e do desmembramento.

É o fim da democracia, o fim da soberania e o fim da Europa que aí vêm? Só para quem gosta de agitar fantasmas como forma de esconder as suas fraquezas e de alijar as suas culpas.
«SOL» de 25 Nov 11

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Convite

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Além

Por João Paulo Guerra

NO MESMO dia em que, contas feitas, se apurou que Portugal iria pagar 34.400 milhões de euros de juros pelos 78 mil milhões de créditos pelo resgate financeiro, os juros dispararam porque a agência Fitch atirou o ‘rating’ de Portugal para o patamar do lixo.

E assim, os portugueses que já sabiam que iam ter que empobrecer para pagar a incompetência de uns, a ganância de outros, a delinquência de terceiros e a agiotagem de quartos, afinal vão ver as suas vidas atiradas para o lixo. Com a Fitch a fazer disparar os encargos, os agiotas preparam-se neste momento para se aboletarem com mais de metade do bolo só em juros da dívida.

Indiferentes às denúncias e queixas quanto à falta de credibilidade, de representatividade e mesmo de seriedade, as agências de ‘rating' continuam a fazer das suas. Escrevo este texto a olhar para o contador da dívida corrente global, patente na edição online do The Economist, um implacável taxímetro que não se detém nem para respirar: a dívida norte-americana escreve-se com 13 algarismos e representa um quinto da dívida global; a dívida do Canadá representa mais de 61% do PIB: a da França mais de 82% e a da Alemanha 75,4%. No Japão, a dívida pública anda perto dos 200% do respectivo Produto Interno Bruto.

E perante esta situação planetária, há um pequeno conjunto de países do sul da zona euro, e respectivas populações, em vias de asfixia por medidas já aplicadas ou em vias de aplicação, ditadas não se sabe bem por quais interesses, intermediadas e sucessivamente agravadas pelas notações das agências de ‘rating'.

Um dia destes escrevia José Vítor Malheiros no Público que "ninguém elegeu as agências de ‘rating', os mercados, a ‘troika'". Pois não. Mas o que está a acontecer situa-se para além da democracia.
«DE» de 28 Nov 11

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Das rochas sedimentares (14)

Por A. M. Galopim de Carvalho

NATUREZA MINERALÓGICA E LITOLÓGICA DAS AREIAS TERRÍGENAS

NESTE tipo de estudo, geralmente realizado com recurso à lupa binocular com luz polarizada ou ao microscópio petrográfico, há que proceder, previamente, à separação da amostra em classes dimensionais e, assim, observar, separadamente, os grãos de cada uma dessas classes. Por outro lado, em alguns estudos especializados, nomeadamente os que visam a dinâmica sedimentar, procura-se conhecer a granularidade média das areias. Nestes propósitos, generalizou-se a separação e classificação das areias (escala de Wentworth) em muito grosseiras (2-1mm), grosseiras (1-0,5mm), médias (0,5-0,25mm), finas (0,25-0,125) e muito finas (0,125-0,063mm). (...)
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27.11.11

O Estádio a que o País Chegou

Estádio municipal de Leiria
Por Carlos Fiolhais

MUITA gente se lamenta do estado de quase bancarrota em que nos encontramos. Mas há responsáveis que se passeiam impunemente por aí. Alguns deles são, decerto, os decisores políticos, a nível tanto nacional como regional, que acharam uma boa ideia há cerca de dez anos construir ou reconstruir dez novos estádios para o Euro 2004 de Norte a Sul do país. Pertenço ao pequeno grupo daqueles que, na altura, acharam que essa era uma ideia delirante. Hoje esse grupo alargou consideravelmente pois o delírio custou-nos caro, muito caro.

Só no Centro do país construíram-se três estádios que foram caríssimos e hoje estão quase vazios. Em Aveiro, o estádio do arquitecto Tomás Taveira é o quinto recinto desportivo nacional com maior capacidade (pode albergar 32 000 espectadores), só perdendo para os estádios da Luz, do Dragão, de Alvalade e Estádio Nacional. É a casa do Beira-Mar, mas quase ninguém lá vai assistir aos jogos. Dados os custos insustentáveis, já foi sugerido por líderes locais que se implodisse para construir um estádio menor. Em Coimbra, o estádio chamado “Cidade de Coimbra”, da autoria do arquitecto António Monteiro, é um gigantesco OVNI (leva 30 000 pessoas), numa zona da cidade que merecia melhor. O campo pertence à Câmara Municipal de Coimbra que, por causa da dívida exigida pela obra, ficou sem dinheiro para mandar tocar um cego. No último jogo da Taça de Portugal aí realizado, no qual a Associação Académica de Coimbra venceu o Futebol Clube do Porto não estiveram mais do que dois mil espectadores. O Presidente da Académica já sugeriu a destruição do estádio e a construção de um outro menor. Mas, pasme-se!, existe um outro estádio, muito perto da cidade, o “Sérgio Conceição” (ostenta o nome de um jogador que ficou conhecido pela sua indisciplina), que pertence também à Câmara... Finalmente, em Leiria, há o terceiro grande estádio municipal da região Centro (leva 30 000 pessoas), da autoria de Tomás Taveira tal como o de Aveiro. O estádio de Leiria deixou de ser o cenário dos jogos da equipa local, a União de Leiria, em virtude do reduzido número de espectadores e das despesas incomportáveis de manutenção. A equipa de hóquei em patins de Turquel, uma freguesia do distrito de Leiria, gaba-se de ter jogos que são vistos por 1400 espectadores, mais do que as pessoas que vão ver muitos jogos de futebol do União de Leiria, que hoje joga na Marinha Grande. Perante o descalabro financeiro, a Câmara de Leiria não teve outro remédio senão colocar o seu estádio em hasta pública por 63 milhões de euros. Não houve, no mês passado, quem ocorresse ao leilão.

No resto do país a situação não é muito diferente. No Norte, o Boavista tem um estádio que é usado pela sua equipa que milita no terceiro escalão do futebol nacional. No Sul, o Estádio do Algarve é um outro grande monumento à estupidez humana, pois tem permanecido ainda mais desocupado do que os seus congéneres.

Tudo isto era previsível e podia ter sido evitado. Não o foi foi porque havia na época uma enorme loucura colectiva. Os políticos moviam influências e a banca emprestava dinheiro com uma facilidade que hoje nos espanta. Ainda ninguém fez acto público de contrição Os nossos estádios estão aí vazios tal como os nossos cofres.
Revista "C" de 24 Nov 11

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Luz - Douro, 1978

Fotografias de António Barreto- APPh

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Já nos anos setenta, começaram a aparecer os baldes de plástico, a substituir as cestas tradicionais. E os pequenos bidões ou contentores de latão ou plástico no lugar dos antigos cestos vindimos. Mas as cabeças daquelas mulheres que aguentam todos os pesos em equilíbrio são as mesmas...

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26.11.11

A malta do «É igual ao litro»

Na Praça de Alvalade, em Lisboa, pode ver-se mais uma esfera armilar representada com o já habitual (e lamentável) erro - mas, desta feita, com a bênção do santo padroeiro...

PR contra Passos, dia sim, dia sim

Por Ferreira Fernandes

PALAVRAS equilibradas como um discurso pedindo uma "repartição equitativa dos sacrifícios", palavras piedosas como um discurso pedindo "apoio aos mais desfavorecidos", palavras consensuais como um discurso pedindo mais "diálogo com o maior partido da oposição e com os parceiros sociais"...
Bonitas palavras, pois, como um discurso de bonitas palavras. E, no entanto, não me convencem. Preconceito meu? Sem dúvida. E ad hominem. O meu argumento contra aquelas palavras é o homem que as proferiu em discurso. Porque o problema daquelas palavras é virem daquele homem, Cavaco Silva. Aquelas palavras, vindas de quem vêm, só me dizem que a boa vontade e o diálogo necessários estão hoje mais difíceis de alcançar porque há uma nova frente de divisão: o Presidente da República está desejoso de mostrar publicamente que aperta os calos ao Governo.
Fosse eu de partido de oposição e estaria talvez contente pela cumplicidade insuspeita e inesperada vinda de Belém. Mas sou só cidadão, simples e sem agenda, excepto a de querer que a boa vontade verdadeira e o diálogo sincero se conjuguem para resolver os problemas do meu País.
Queria ter um Presidente discreto e activo, e não um ex-chefe de partido disposto a retomar as rédeas. As frases dele contra São Bento já são demasiadas para que, mesmo que me acariciem no sentido do pêlo (sim, também sou por mais diálogo), me iludam. É que eu já ando cá há muito. E ele também.
«DN» de 26 Nov 11

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As expectativas nacionais

Por Antunes Ferreira

HÁ QUEM diga que nunca uma noite e a madrugada subsequente foram tão importantes para Portugal. É consabidamente um exagero; mas, será? Muito se fala do 25 de Abril e com inteira justiça, muito se falou no primeiro de Dezembro e com razão (ou sem ela). Ambas as datas marcaram a História do nosso País, como símbolos da reconquista da liberdade e da independência. Porém, neste momento, as atenções da lusa gente estão viradas para outros lados.
Com certeza que se trata da penosa notícia dada pelo Governo durante a discussão do famigerado OE 2012: o montante dos juros que todos temos de pagar para saldar as contas do generoso empréstimo de 78 mil milhões de Euros, concedido por uma trindade benfeitora, a troika. Uns 34,4 milhões, mais coisa, menos coisa. Ninguém empresta de borla a quem quer que seja. Mas, aqui, não há expectativa. Já se sabe.

Outra hipótese relaciona-se com o ex-deputado do PSD Duarte Lima e/ou com o presidente camarário ex-PSD Isaltino Morais: um já preso, o outro à espera de o ser, estrebuchando muito como é natural. Bom, neste particular as coisas melhoram no que respeita à expectativa. No que respeita ao ainda autarca, porque quanto ao outro político a haver alguma é apenas saber-se se continuará sozinho atrás das grades ou se se lhe juntarão o filho e o sócio. E não se fala do caso Rosalina; trata-se de outro, ainda que os dois envolvam dinheiro – e muito.

Então qual é o tema que exige tanto de atenção a tantos cidadãos? Que, afinal, são dois. Logo à noite, termos o derby. No estádio da Luz, com jaula para os leões, o Sport Lisboa e Benfica e o Sporting Clube de Portugal defrontam-se para a Liga principal, patrocinada pela cerveja e pelas telecomunicações. Não se mencionam as empresas, pois o Sorumbático não publica publicidade. Elementar, meu caro leitor.
Todos os jogos entre estes dois «grandes» (se ainda é possível usar tal terminologia) fazem acorrer aos locais em que se defrontam verdadeiros mares de gente – e de há muitos anos a esta parte. Ainda o futebol se jogava em campos pelados e já isso acontecia. Os rivais querem-se quanto mais próximos melhor; Lisboa é o local mais indicado, ainda que o Porto reivindique a parte que diz que lhe toca. Ver-se-á o que vai acontecer.

E, logo de seguida, vem a votação em Bali dos delegados da UNESCO sobre as 49 candidaturas a Património Imaterial da Humanidade. Sobe a temperatura; não só porque a Indonésia é um País quente, mas também porque o Fado é um dos candidatos e alimenta fundadas razões para conseguir o galardão. No entanto, prognósticos… só no fim do jogo, frase que imortalizou o futebolista João Pinto, o do Futebol Clube do Porto.

Duas belíssimas e justificadíssimas razões para que nós estejamos mais do que atentos, atentíssimos. Em casos como estes, o que é que tem que as agências de notação varram os ratings deste triste País ou dos seus bancos para o caixote do lixo? Nada, que se lixe. Muito menos importa que o ainda bi-inquilino de Belém tenha ou não tenha promulgado uns quantos diplomas? Nada, que se trame. E quanto à Greve Geral e respectivos números e percentagens? Nada, já acabou ela. Mande-se às urtigas.

Sigamos todos, isso sim, com cuidados e desvelos q.b. o desenrolar destes capítulos de novelas da vida real, ainda que pela televisão. E que são reais determinantes da vida nacional. Para virtuais já temos que sobre. A crise, essa, como se dizia nos primórdios da velhinha RTP, segue dentro de momentos.

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25.11.11

Não há maneira de meter isto no PIB?

Por Ferreira Fernandes

DESLUMBRO-ME com o álbum 'Portugal', de Cyril Pedrosa, que ganhou um dos maiores prémios da banda desenhada francesa. Neto de emigrantes dos anos 30, ainda a França era destino raro para portugueses, Pedrosa fez um romance autobiográfico com desenhos. Nas suas digressões (está agora no Brasil - onde é apresentado como um grande da banda desenhada mundial), Pedrosa diz que 'Portugal' nasceu do descobrir-se português. Esse facto foi uma mancha difusa na sua vida, mas tão funda que nunca deixou de o acompanhar (ele tem 39 anos).
A 2.ª geração dos Pedrosa (o pai e os tios do artista) já têm os nomes próprios franceses (no álbum: Jean, Jacques e Yvette), e a 3.ª, como Cyril, não fala português.

É uma constante dos emigrantes portugueses - em França, mas também nos Estados Unidos, no Brasil, na África do Sul... -, a reacção comum é desaparecerem na paisagem: os seus filhos serão, antes do mais, filhos da terra (como o eram também nas colónias africanas).
De tantas qualidades que se emprestam aos nossos emigrantes raramente se fala desta: eles dão cidadãos aos países para onde vão, atentos à nova cultura, não formam bolsas enquistadas de eternos estrangeiros. E, apesar disso, com uma saudade que nem sabe pronunciar a palavra - eis o que vem desenhado no álbum 'Portugal'.
Andarmos nisto há séculos deu-nos uma noção de globalização "avant la lettre", diria Pedrosa. Não haverá maneira de tirarmos partido disto? De meter no nosso PIB?
«DN» de 25 Nov 11

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Greve

Por João Paulo Guerra

EM PRIMEIRO lugar, convém dizer que a greve geral se destinou a protestar contra as medidas de austeridade cega do Governo e da ‘troika' e que não deve haver ninguém - mesmo aqueles que a coberto do anonimato, nos ‘sites' de jornais e rádios, entre palavrões e erros de ortografia, reclamam a prisão e deportação dos sindicalistas e dos grevistas - que goste que lhe roubem os subsídios de Natal e de férias, reduzam os ordenados, aumentem as horas de trabalho, carreguem nos impostos, cortem nos direitos à saúde e à educação, ou que façam de Portugal um País sem futuro para os jovens da actualidade.

Em segundo lugar, será de esclarecer os que entendem que um grevista é apenas alguém que não quer trabalhar, que a greve é um direito constitucional e que o primeiro prejudicado pela realização de uma paralisação é o grevista que não recebe esse dia. E que o sacrifício e a generosidade dos grevistas tem em vista não tanto o benefício próprio mas o bem de todos, inclusive dos que o acusam e insultam e que nem um dia de salário dão para a melhoria da sua e da vida dos outros.

Para além disso, talvez seja de fazer ver que os prejuízos para a economia resultantes de uma greve geral representam apenas a perda de um dia. Enquanto os prejuízos que resultam para a economia da austeridade cega, que causa a recessão e dispara o desemprego - contra a qual se batem os grevistas - são para muitos e maus anos, alguns serão mesmo para sempre.

Por fim, haverá que sublinhar que o medo e a ameaça são os maiores aliados do poder, na política de espoliação de quem trabalha, como são os piores conselheiros de quem tem que pensar muitas vezes entre o valor da coragem de parar um dia de trabalho e o preço de que o mandem parar de trabalhar para o resto da vida.

«DE» de 25 Nov 11

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As Plantas do tempo dos Dinossáurios

Por A. M. Galopim de Carvalho

Em Lisboa, na Rua da Escola Politécnica, 58

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Das rochas sedimentares (13)

Por A. M. Galopim de Carvalho

ROCHAS ARENÍTICAS OU PSAMITOS

À SEMELHANÇA do que foi dito a propósito do termo conglomerado, também o vocábulo arenito circula no discurso falado e escrito, encerrando conceitos diferentes. Proposto em 1913, pelo geólogo americano Amadeus William Grabau (1870 – 1946), este termo, no seu sentido mais alargado, engloba as rochas detríticas formadas por mais de 50% de clastos do domínio granulométrico (dimensional) das areias (2 a 0,063 mm), independentemente das respectivas naturezas mineral, lítica ou biológica , e do grau de litificação (compactação, cimentação). Variável entre as areias soltas, como as das praias, dos rios e das dunas, e os seus equivalentes consolidados, arenito corresponde, neste sentido, ao psamito, proposto pelo geólogo e mineralogista alemão, Carl Friedrich Naumann (1797 - 1873), e às expressões rocha arenítica e rocha arenosa, sejam elas, como se disse, móveis ou consolidadas. (...)

Texto integral [aqui]

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24.11.11

O nosso fado é sermos imateriais

Por Ferreira Fernandes

TEMOS, então, que o fado pode tornar-se este fim-de-semana Património Imaterial da Humanidade.
Imaterial quer dizer impalpável, intangível. Que não se pode tocar. Não tocado, não sei se é exactamente o que se pode dizer do fado, com as suas violas e guitarras. E não me parece oportuno propor o fado, logo agora, quando não nos faltam assuntos etéreos e incorpóreos - imateriais, enfim - para concorrer...
O emprego, por exemplo, já começa a ser um património imaterial para muitos (aliás, para os portugueses juntar património e imaterial já começa a ser uma redundância).
Outro exemplo de imaterialidade é metade do subsídio de Natal. Olha, esse prémio estaria no papo, a UNESCO não podia deixar de votar na candidatura do Subsídio do 14.º Mês, Património Semi-Imaterial da Humanidade Portuguesa.
A senhora Irina Bokova, directora-geral da UNESCO, que alertou para o excesso de candidaturas, nem sabe do que se livrou por os portugueses se terem limitado ao fado.
Esta semana, não fosse o assomo bolsista com os zunzuns da compra pelos angolanos, até poderíamos concorrer a património imaterial com as acções do BCP. Nesse sector, o financeiro, podíamos apresentar candidaturas até que a voz nos doesse: sendo o líquido um estado da matéria, a nossa proverbial falta de liquidez faria de nós candidatos ideais para estes prémios da UNESCO.


«DN» de 24 Nov 11

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A Espanha, a direita e a Igreja católica

Por C. Barroco Esperança

EM ESPANHA, tal como as sondagens prenunciavam, a direita (PP) ganhou com a maior maioria de sempre enquanto o PSOE sofreu a sua maior derrota, após a ditadura. A crise internacional, a crença do eleitorado na mudança, o desemprego brutal e as medidas de austeridade de Zapatero foram o húmus onde a vitória da direita floresceu. Não foi o PP que ganhou o poder, foi o PSOE que o perdeu.

Rajoy ganhou com a mais ampla maioria o mais estreito caminho para governar. Teve o bom senso de não fazer promessas e apenas contava com a complacência dos mercados face à maioria absoluta, expectativa gorada com a subida dos juros da dívida soberana, na segunda-feira posterior à vitória, para níveis nunca atingidos. (...)
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23.11.11

A páginas tantas, Portugal

Por Ferreira Fernandes

LENDO o começo da semana.
Na cozinha, um casal dá conta que a sua casa está a ser assaltada. A velhota reagiu: "Comecei a gritar e ainda fui buscar a vassoura." Naturalmente, não lhe serviu de nada. Dos bandidos, um tinha faca que pôs no pescoço da mulher e outro tinha uma pistola: "Dá um tiro no velho para ele se calar", ouviu-se, sem consequências. Os assaltantes levaram ouro e um relógio.
Noutras páginas, um casal chega a casa às três da manhã. Quatro encapuzados, "todos com caçadeiras em punho", batem no homem, enfiam-no num carro mas abandonam a mulher que ficou à porta de casa. Às cinco da manhã, ela recebe uma chamada do telemóvel do marido. Os raptores pedem um resgate, enquanto se ouvem, ao fundo, gritos do raptado. Onde está uma mulher apavorada, duas horas depois de o marido ter sido raptado? Claro, na esquadra. Os polícias tomam boa nota de tudo, até do telefonema, e o gang raptor é preso no mesmo dia.
Duas histórias dos dias de hoje e de duas desadaptações. A mulher do primeiro casal assaltado ainda pensa que a coisa vai lá com vassouradas. O gang do segundo caso já aprendeu a violência moderna (que atravessa os dois crimes), mas ainda não a ciência que os raptos exigem ("não previna a polícia!", diz-se sempre ou faz-se com que os familiares entendam).
Dos dois enganos, o da velhota é enternecedor e o da brutalidade burra assusta. Ambos são bons subsídios para um País perplexo.


«DE» de 23 Nov 11

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Jovens, fora daqui!

Por Baptista-Bastos

UMA TELEVISÃO esteve a fazer perguntas a jovens portugueses. Os jovens portugueses foram unânimes: estão fartos de ver os seus sonhos e ambições espezinhados, não se resignam a esta desordem política que lhes interdita o acesso ao bem-estar e à felicidade, e que eliminou do horizonte humano qualquer expressão de justiça. Uma rapariga, por sinal muito bonita e de frase curtida em leituras e decisões, preparava-se para abandonar o País e viajar até onde as suas faculdades fossem reconhecidas e estimadas. "Mas vai voltar, um dia?", perguntou-lhe, afobada, o jornalista, "Nunca mais! Aqui, não tenho futuro!" A luz, na televisão, era mais clara, e o rosto da rapariga atingiu uma inesperada dureza. Talvez o desprendimento de quem tem a sensação de não ser desejada.

Foi esse alheamento que me impressionou. De repente, na afirmação, "Aqui não tenho futuro!", deixara de residir a ternura e a intimidade, e passara a descoberto a factura de uma nova sabedoria, que me era estranha e, até, um pouco incómoda.

Na mesma reportagem, a informação, crua e grave, de que centenas de médicos e enfermeiros, por igual jovens, competentes e de confuso destino português, estavam de malas aviadas para se fixar no estrangeiro. Uma dessas, agora de abalada, demonstrou o seu desgosto com uma pequena frase: "Que havemos de fazer?"

Estes rapazes e raparigas são disputados em toda a Europa, e o interesse por eles, pela qualidade do seu trabalho, da sua devoção e da sua humanidade chegam à Austrália e à Nova Zelândia. Parece que o velho problema do mal na História renasce com a razão do Estado e a sua falta de ética da responsabilidade. O Estado, de certa forma corporizado no Governo, utiliza como meio específico a força da exclusão, da indiferença e do abandono, por detrás da qual se perfila a violência. As coisas complicam-se ainda mais se, noutra perspectiva, substituirmos a bondade pela grosseria. E recordo aquele membro do Governo (cujo nome desejo colocar à margem deste texto, desejadamente asseado) que incentivou os jovens portugueses a abandonar o País, violando, descaradamente, a palavra dada de respeito pela Constituição e pelos outros.

Perdemos a nossa gente nova porque estamos a ser friamente enganados por uma clique amoral, incompetente e inchada de soberba. Há qualquer coisa de infame numa política que não coincide com a justiça e com a procura do bem-estar das populações. A ilustração desta indignidade vemo-la todos os dias e atinge proporções insanas quando a juventude é assim dizimada por um Governo que a despreza ao ponto de a expulsar. "Pátria madrasta, país padrasto", concluiu João de Barros, o das Décadas, numa frase tão lacónica como excruciante.
«DN» de 23 Nov 11

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22.11.11

Em Louvor dos Preconceitos

Por Maria Filomena Mónica

OS PRECONCEITOS têm uma reputação, negativa, que julgo injustificada. A realidade mostra que os nossos cérebros têm lá dentro uma espécie de disco, onde vamos armazenando informações cujos fundamentos tendemos depois a esquecer. Em vez de nos prejudicarem, estes pré-conceitos, note-se o hífen, facilitam-nos a vida. Reconhecer que os temos é bom, porque mesmo quem não o admite os alberga.

A lista dos meus é infindável. Não gosto de graffitis, de canções tirolesas, de call centers, de telemóveis, de astrólogos, de tatuagens, de música nos elevadores, de cachecóis futebolísticos e de nouvelle cuisine. Tenho outros, mas, se entro por este caminho, prevejo que receberei cartas a explicar-me que nem todos os alemães são nazis. Dito isto, reconheço que alguns, nomeadamente os que andam ligados à raça, são perigosos. Anteontem, ao cruzar no meu bairro um jovem de ar escandinavo, estive para atravessar a rua, por ter associado o seu aspecto a Anders Breivik.

Muitos foram os filósofos que, com razão, criticaram a teoria de Locke, o qual defendia que, à nascença, o cérebro humano era uma tabula rasa. Uma vez que as nossas mentes são, desde o início, habitadas por uma atitude genérica perante o mundo, a sua tese está errada, o que não quer dizer que estejamos ferreamente condicionados. À medida que crescemos, a nossa personalidade vai-se alterando, o que leva a que os nossos preconceitos também se transformem.

Ao contrário do que parece, uma vida sem preconceitos é perigosa. Veja-se o caso de Bazarov, o niilista de Pais e Filhos, de Turgueniev, o qual apenas acreditava na Ciência, desprezando as opiniões que nela se não baseassem. Imagine-se o que seria um mundo em que não pudéssemos enunciar juízos morais e estéticos, mas apenas científicos. Como toda a gente percebe, dizer que o David, de Miguel Ângelo, é belo tem um estatuto diferente da afirmação que declara ser a água uma substância formada por oxigénio e hidrogénio.

Claro que há preconceitos estúpidos, mas daí não se pode concluir que todos o sejam. O essencial é isolar os bons. É isso que tento praticar. Por vezes, basta-me saber de onde provêm certas afirmações para imediatamente me colocar do outro lado da barricada. Uma das razões porque gosto de ler os artigos do Prof. Boaventura de Sousa Santos é porque me libertam da tarefa de pensar. Quando vejo o seu nome no fim de um texto, sei que devo afirmar o contrário.
Dir-me-ão que é um preconceito. Começou, de facto, por o ser, mas já não o é, uma vez que acabo de ler o seu último livro, Portugal: Ensaio contra a Autoflagelação. Como se isto não bastasse, tomei conhecimento de que, a 7 de Outubro, proferiu a lição inaugural de uma cátedra, despudoradamente intitulada Boaventura de Sousa Santos em Ciências Sociais, criada pela Universidade de Coimbra. Segundo revelou o reitor, a instituição está em risco de encerrar por falta de verbas, pelo que espero que a novel cátedra esteja a ser financiada pelo Sociólogo-Mor do Reino.

«Expresso» de 12 Nov 11

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Esquerda

Por João Paulo Guerra

EM ESPANHA, a esquerda que dá tranquilidade à direita, como diz a esquerda desalinhada, foi varrida da cena do poder por um candidato de direita com um vasto cadastro de derrotas eleitorais.

Na mesma ocasião, em Portugal, a esquerda doméstica, e domesticada, reuniu-se com os respectivos sindicalistas mas não falou da greve geral. É histórico e a história mais recente está a confirmá-lo: há uma certa esquerda tão formatada pela democracia formal e pelos interesses do poder económico que mal se distingue da direita. Por exemplo, a diferença entre a coligação PSD/CDS no poder em Portugal e a oposição PS de António José Seguro é a distância que vai entre cortar os dois ou só um dos meses na contagem dos salários anuais. No meio da desgraça geral um salário por ano pode aliviar um pouco, mas na substância essa batalha não altera nada.

O descrédito desta esquerda está bem à vista nos mais recentes resultados eleitorais na Europa. A esquerda tipo Sócrates ou mesmo género Zapatero ou Papandreou, foi responsabilizada pela crise e varrida do poder pela direita, que tem como símbolos Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, para a qual a cultura social da Europa é a mãe de todas as crises e misérias. A esquerda alinhada pela direita poderá parecer mais dada ao clientelismo e à desbunda com dinheiros públicos. Mas os casos da Madeira e do BPN não são de molde a deixar os portugueses descansados quanto à cultura da direita nesta matéria.

De resto, a esquerda contida foi mais longe que a direita que certos aspectos da legislação e da prática sociais. Melhor dizendo, fez o trabalho sujo à direita e estendeu-lhe a passadeira do poder. E agora os seus próprios militantes sindicais não lhe merecem o mínimo sinal de solidariedade e de consideração.
«DE» de 22 Nov 11

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Então é assim

Por Alice Vieira

A IRMÃ dizia-lhe sempre “não te metas!”, mas nunca fazia caso.
Naquele dia também não. Olhou para o miúdo a arrumar carros, sujo, calças esburacadas, corpo que não devia ver água há eternidades, e meteu logo conversa. A princípio as respostas não passaram de grunhidos acompanhados de encolher de ombros, mas ao fim de algum tempo já sabia que largara a escola, não tinha poiso certo, andava por ali a fazer pela vida.

- E não gostavas de voltar à escola?

Novo encolher de ombros, e um assobio para um possível freguês.
Ela não desistia às primeiras e por ali ficou, a tentar conhecer mais da vida do rapaz que, por essa altura, já sabia que se chamava Chico. (...)

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21.11.11

«Dito & Feito»

Por José António Lima

NA PRIMEIRA tentativa de definição oficiosa do que é o serviço público de televisão, instalou-se a balbúrdia geral – como era de esperar.

O relatório do grupo de trabalho nomeado pelo Governo parte do pressuposto de que os conteúdos de um serviço público televisivo devem cingir-se àqueles que as televisões generalistas privadas tendencialmente não têm vocação para oferecer. E aponta para conteúdos como a divulgação científica e artística, ficção histórica, documentários, modalidades desportivas secundárias, etc. É um pressuposto que tem, pelo menos, alguma lógica na tentativa de definir um conceito compreensível de serviço público.

Mas o relatório do grupo de trabalho levanta algumas questões sensíveis. Uma é propor o fim da RTP-Informação e a limitação dos serviços informativos a noticiários mínimos, o que vai frontalmente contra o modelo que o ministro Miguel Relvas quer pôr em prática. É o que se chama sair, ao Governo, o tiro pela culatra. A outra é defender um serviço público vocacionado para minorias, com programação complementar e audiências baixas, que contraria por completo a tese de um canal «não residual» advogada pelo presidente da RTP, Guilherme Costa, e pelo próprio ministro Relvas. E agora?

Como proposta lateral, o grupo de trabalho sugere ainda a extinção da desacreditada e politizada ERC. O que seria um passo louvável.

Resta uma pergunta final: se já há muito se abandonou o dogma da necessidade de existirem jornais sob tutela do Estado, de uma ‘imprensa de serviço público’, para assegurar a liberdade e a pluralidade da informação (e os poucos casos que restam, como o subserviente Jornal da Madeira ao serviço e às ordens de Jardim, são o exemplo da perversidade desse modelo), o que justifica a manutenção de um indefinível e ruinoso (para todos os contribuintes) serviço público de televisão? Ainda por cima, num tempo de acelerada mudança da oferta televisiva, com dezenas de canais que preenchem todo o tipo de preferências, e novos hábitos de consumo do audiovisual em inovadoras e sedutoras plataformas tecnológicas? E com uma juventude cada vez mais ligada à diversidade da internet e cada vez menos disponível para ver televisão?

O que justifica, de facto, manter um canal generalista de alegado serviço público?
«SOL» de 19 Nov 11

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Várzea de Sintra
Primeiro, nesta rua, faltaram os telefones - «Roubaram o cabo...» - informaram da PT.
Depois, foi a electricidade (incluindo a iluminação pública, em mais de 100 metros) - «Roubaram os cabos...» - informaram da EDP.

Agora não se deu pela falta de nada, pois foi só o cabo de terra que voou (incluindo boa parte do tubo que o "protegia").

Resumindo, ganhou Espanha

Por Ferreira Fernandes

VISTO de fora, como devem ser vistas as eleições dos outros, o essencial do que se passou ontem em Espanha é que o partido vencedor não vai precisar de pactos com forças minoritárias para governar.
A maior vitória de sempre do PP (conservador) e a maior derrota de sempre do PSOE (socialista) resume-se nisto: o PP tem a maioria absoluta.
Calculem um país não com uma Madeira mas 17 comunidades autonómicas, assim é Espanha. Onde todas as regiões abusavam, contando que o poder central lhes poria a mão por baixo em caso de desvios orçamentais, o que era comum em tempos de vacas gordas, mas perigoso na magna crise internacional e com Espanha sendo um dos países europeus mais frágeis.
O que era costume era o governo de Madrid ser obrigado a pactuar com partidos que só valiam meia dúzia de deputados, geralmente eleitos por se concentrarem numa região do país - Galiza, País Basco, Catalunha... -, que vendiam caro o seu apoio. Mas via-se mal como no nebuloso 2011 e nos anos que vamos entrar, um país europeu podia continuar a pagar resgates tão altos pela unidade e para se poder governar. Com a lucidez que os maus momentos por vezes trazem, os espanhóis fortaleceram o governo central.
O paradoxo da federação conservadora catalã, CiU, ilustra essa situação. Pela primeira vez, em eleições gerais, a CiU ganhou na Catalunha mas, ontem, sentiu-se derrotada: os conservadores do PP não vão precisar dela para governar.

«DN» de 21 Nov 11

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Palavras

Por João Paulo Guerra

O EMPRESÁRIO Belmiro de Azevedo adquiriu um estatuto que lhe permite dizer o que pensa.

Quer dizer: o direito de dizer o que pensa toda a gente tem nas democracias como a portuguesa. Mas sabe-se que os direitos são meras formalidades se não assentam em condições de independência e desprendimento. Por outro lado, o empresário Belmiro de Azevedo tem autoridade para dizer o que pensa, porque o seu discurso corresponde a uma prática coerente e a uma obra feita. Belmiro de Azevedo é de uma espécie que mais dia, menos dia, se transforma numa ave rara, que é a do empresário que empreende, gera riqueza e cria emprego. Mas enquanto a espécie tem exemplares raros como Belmiro de Azevedo haverá quem se incomode com o que ele diz, mesmo que outras pessoas, com menos eco nas palavras, o tenham dito e escrito anteriormente.

E assim, quando o empresário Belmiro de Azevedo diz, como acabou de dizer, que está desiludido com o chefe de Estado e com o Governo, a declaração tem o peso e o efeito de uma pedrada no charco de um consenso postiço. E quando o empresário Belmiro de Azevedo critica a política de austeridade, dizendo que "o preço a pagar pelo equilíbrio das contas não pode ser a miséria absoluta e o nascimento de um exército de excluídos", as palavras têm o efeito de munições perfurantes na unanimidade de conveniência que vai unindo no mesmo saco Governo e alguma oposição.

Para que esta crónica não seja um ámen, aqui fica o registo sobre a ingenuidade do empresário ao admitir que o Governo ainda arrepie caminho e que Portugal saiba enfim para onde vai. A grande questão nas políticas não é tanto a da sua competência, mas a dos interesses e propósitos que deliberadamente servem. Em outras circunstâncias, o empresário já abordou o assunto.

«DE» de 21 Nov 11

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20.11.11

UM AMBIENTE JURÁSSICO:

ANDRÉS (POMBAL), HÁ 150 MILHÕES DE ANOS

Na próxima quarta-feira, 23 de Novembro de 2011, pelas 18h, terá lugar no auditório Aurélio Quintanilha, do Museu Nacional de História Natural e da Ciência (Rua da Escola Politécnica), a terceira sessão do Ciclo de Palestras a propósito da exposição "Allosaurus: um dinossáurio, dois continentes?"

"Imaginemos como seria nesse tempo a zona centro-oeste do nosso país. Nela, a existência de um ambiente alagadiço sob um clima quente e húmido. Seres exóticos pululando nesse meio onde existiam vários crocodilos na água, répteis voadores nos ares e dinossáurios dominando em terra..."

São oradores: Nuno Pimentel * e Pedro Dantas**

* Professor do Departamento de Geologia da FCUL

** Investigador do Museu Nacional de História Natural/ UL

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Das rochas sedimentares (12)

Por A. M. Galopim de Carvalho

BRECHAS SEDIMENTARES

O TERMO
brecha não é exclusivo das rochas sedimentares, razão pela qual necessita de um segundo nome que o qualifique. Fala-se, assim, de brechas sedimentares, brechas pedogénicas , brechas ígneas, brechas tectónicas (cataclasitos ou milonitos), brechas de impacte meteorítico (impactitos) e, ainda, de brechas artificiais ou marmorites, expressão esta da indústria e do comércio referente a materiais de construção civil, fabricados com britas escolhidas, aglutinadas por um cimento, também ele artificial, sob a forma de placas e mosaicos serrados e polidos. O termo, que fomos buscar ao francês “brèche”, tem origem no alemão “Breccie” (ou “Brekzie”), com base no verbo “brechen”, partir, fender, quebrar. (...)

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Luz - Diante de Brandeburgo, Berlim, 2010

Fotografias de António Barreto- APPh

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No início da famosa avenida Unter den Linden. Os turistas abundam. E uns improvisados “artistas” fazem o que podem por ganhar a vida e “animar” os locais. Apesar da contenção dos alemães que me parece não terem exagerado com a epopeia da vitória sobre o comunismo, há, aqui e ali, ridículas figuras de “espontâneos” que procuram divertir os turistas. Que, aliás, se deixam divertir... Há soldados russos, espiões da STASI (a polícia política da Alemanha comunista), figuras de cera, maquetes de camiões dos anos sessenta... E toda aquela gente se faz fotografar, pois claro!

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A bicicleta do chimpanzé do circo

Por Ferreira Fernandes

GOSTO de ser surpreendido por sinais que, afinal, só me confirmam o que eu estou farto de saber. A crise, por exemplo, como a podia ignorar? Mas foi ontem, lendo uma pequena notícia no jornal francês Le Monde, que me convenci, definitivamente, da famigerada crise. Eis a pequena notícia que me abalou: perto de 70 por cento dos franceses estão dispostos a comprar, pelo Natal, brinquedos em 2.ª mão. Até os brinquedos de Natal, Senhor!...
A minha infância foi passada nos modestos anos 50, ainda não entrados nos tempos de prosperidade, de ilusão de cada vez mais e melhor da década seguinte. Um dia, pelo Natal, no meu bairro, São Paulo, em Luanda, desaguou um circo, espanhol e pobre, de trapezistas de meias furadas e animais famélicos. Estava no estertor, teve de haver uma colecta no bairro para dar carne ao leão, mas o circo morreu mesmo ali. Venderam a lona da tenda e a velha camioneta Chevrolet, e despacharam os animais, nunca soube para onde.
Na manhã desse Natal eu recebi o presente desejado: uma bicicleta. Mas os meus pais surpreenderam-se com a minha birra, não quis o presente: reconheci a bicicleta amarela do chimpanzé do circo.
Estamos, pois, regressados, diz Le Monde, a meio século atrás.
Resumindo: há mesmo crise. A boa notícia é que os tempos difíceis nem sempre são só o mau que parecem. Não há presente de que me lembre com tanta emoção como da bicicleta que rejeitei e nunca montei.
«DN» de 20 Nov 11

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19.11.11

A Assembleia e a Luz

Por Antunes Ferreira

CADA VEZ mais a vida política nacional tem mais piada, nomeadamente a nível parlamentar - ainda que, por vezes para lamentar. A memória é curta, praticamente para cada um dos cidadãos lusos. Por isso, sabe bem recordar, por exemplo, o soneto delicioso da Natália Correia em resposta ao deputado João Morgado do CDS que defendera que o acto sexual devia ser só para ter filhos.

Já que o coito – diz Morgado
tem como fim cristalino
preciso e imaculado
fazer menina ou menino
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca
temos na procriação
prova de que houve truca-truca

Sendo só pai de um rebento
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou – parca ração! –
uma vez. E se a função
faz o órgão, diz o ditado
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.

Mas também sabe bem relembrar a cena que ficou para os anais do legislativo português, em que o então ministro da Economia, Manuel Pinho, fez com os dedos na testa a insinuação de um par de cornos. Isso valeu-lhe a demissão do Executivo chefiado por José Sócrates. Situações deste calibre houve muitas em São Bento, durante a Primeira República. As gargalhadas que ecoavam pelo hemiciclo significavam que o riso também fazia parte da política. E oxalá continue a fazer.

No início da semana, durante a sua audição nas Comissões Parlamentares de Orçamento, Finanças, Administração Pública, Economia e Obras Públicas, a propósito do Orçamento do Estado para 2012, o ministro Álvaro Pereira declarou, de manhã, que o ano que vem iria marcar certamente o fim da crise. Mas, da parte da tarde, explicou que o que ele quisera dizer era o início do fim da crise.

Ao que o deputado do PS Paulo Campos respondeu que «não estamos no fim da crise, o senhor ministro é que está no fim da sua carreira». E sugeriu-lhe que fizesse um favor aos portugueses: demitir-se, que eles lhe agradeceriam a decisão. E reforçou as suas afirmações dizendo-lhe para fazer - a fim de alcançar tal objectivo - da bancada governamental um gesto feio, ainda que, obviamente, não citando o de Manuel Pinho.
Estes trotes parlamentares dizem muitos que são o sal da Política. Mas temperos ou condimentos deste quilate só originam o esturro dos cozinhados, o descrédito dos cozinheiros, o desalento e o protesto dos clientes consumidores. Significam, na verdade, que está o caldo entornado.

E, de repente, no meio do descalabro da política à portuguesa, no meio dos cortes de subsídios, no meio dos aumentos do IVA, dos transportes, da reverência à troika, do que quer que seja, eis que o povo se levanta e repete o hino nacional com um entusiasmo que não se via há muito tempo. Noutro comprimento de onda, é certo, mas dando à lusa gente alegria e risos, palmas e brados, ondulação das bandeiras verdes e vermelhas.
Na Assembleia da República? Claro que não; no estádio da Luz, com os 6-2 com que a equipa nacional brindou a congénere da Bósnia-Herzegovina. Contra os bósnios, marcar, marcar! Cristiano Ronaldo foi o principal herói da noite, heróis foram todos os jogadores, herói foi o treinador Paulo Bento, foram os adjuntos e, por um bocadinho, até esteve para ser Gilberto Madaíl.
Valha-nos isso, para nos lembrarmos de quem somos e de que ainda sabemos a Portuguesa.

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18.11.11

Obrigado aos amigos que, ontem, se lembraram desta...

Vampiros

Por João Paulo Guerra

COM A FALTA de princípios de um agiota e a arrogância de uma potência ocupante, a ‘troika’ fandanga que por aí anda já se arroga o direito de mexer em leis portuguesas.

Verdade se diga que agiotas e ocupantes fazem o que conquistam pela força ou o que lhes consentem por colaboracionismo e é este o caso em Portugal. A lei em foco é o Código de Trabalho onde a ‘troika' quer ver consagrados os cortes dos subsídios de Natal e de férias. Ou seja: a ‘troika' quer legalizar a posteriori uma ilegalidade e torná-la definitiva.

Curiosamente, a pretensão da ‘troika' - que por cá é acatada como uma ordem pela maioria das forças políticas - surgiu logo após estatísticas oficiais da própria União Europeia revelarem que Portugal é o único país europeu em recessão técnica. Já não cabe ao Eurostat diagnosticar que a recessão não é efeito secundário da doença da crise mas sucedâneo inevitável da cura de austeridade. No preciso momento em que se reconhece a catástrofe iminente que resultará do colapso do consumo, agravado pelo refluxo das exportações, a ‘troika' propõe-se dar o golpe de misericórdia à economia portuguesa: alargar aos trabalhadores do sector privado a machadada na massa salarial que lhes irá quebrar ainda mais o poder de compra, ao mesmo tempo que arruinará em definitivo qualquer hipótese de recuperação ao mercado interno nos tempos mais próximos.

A ‘troika' cumpre o seu papel vampiresco, de sugar até à derradeira gota o sangue das suas vítimas. O que custa a crer é que forças políticas, que chegam ao poder arregimentando eleitores com promessas de milhões, se verguem, à revelia de opiniões abalizadas de economistas e de empresários, à receita de depauperar até à ruína a economia de Portugal e até à miséria a vida dos portugueses.

«DE» de 18 Nov 11

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Das rochas sedimentares (11)

Por A. M. Galopim de Carvalho

SÃO DESIGNADOS como conglomerados extraformacionais ou alóctones aqueles cujas origens dos seus componentes, quer os fenoclastos, quer o material terrígeno da matriz, provêm do exterior da bacia. Entre eles, distinguem-se os ortoconglomerados, caracterizados por valores da percentagem da matriz inferiores a 15% do volume total da rocha. A relativa escassez desta componente confere a estes conglomerados a acentuada porosidade que lhes é peculiar. (...)

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17.11.11

Dois mamilos e um sexo

Por Ferreira Fernandes

GALILEU disse: "E, no entanto, [a Terra] move-se." Aliaa Almahdy fotografou-se, mostrando ter dois mamilos e um sexo. Galileu bateu-se contra os donos das ideias oficiais que diziam que a Terra estava imóvel no centro do Universo e que o Sol andava à volta dela. Aliaa vai contra os donos dos corpos das mulheres, que os querem tapados. Galileu é de há quatro séculos, Aliaa é de hoje. Galileu teve de queimar as pestanas nas lentes dos telescópios. A egípcia Aliaa usa espelhos para provar a sua tese: "Olhem-se ao espelho. Porque detestam o vosso corpo?", lança às compatriotas. Galileu escreveu tratados. Aliaa fotografou-se: nua, olhando-nos de frente, só com collants e sabrinas - em foto a preto e branco, com toque vermelho nas sapatilhas e no laço dos cabelos negros.
Para não ser morto na fogueira, Galileu aceitou dizer no tribunal da Inquisição que estava errado, para depois balbuciar a verdade no "e, no entanto..." O blog onde Aliaa expôs a sua nudez chama-se Confissões Calmas.
Os heróis individuais não gritam, se calhar sentem medo. Mas são heróis como nunca uma multidão vociferante o é. Os heróis individuais são os mais legítimos porta-vozes do que tem de ser. Falam baixinho e a Terra entra nos eixos. Fotografam-se e mostram o mais natural que temos.
Ai dos adversários dos heróis individuais, acabam por perder e nem podem esconder que foram vencidos pela razão.

«DN» de 17 Nov 11

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Toca o Hino

Por João Paulo Guerra

NA NOITE de terça-feira liguei o televisor e estava o povo a cantar A Portuguesa.

Ainda pensei que era uma resposta patriótica aos Ultimatos da ‘Troika' ou, pelo menos, que se celebrava o começo do fim do crise, nos termos da previsão do ministro da Economia e dos versos de Henrique Lopes de Mendonça: "Brade a Europa à terra inteira: Portugal não pereceu". Mas não, nada disso. Era apenas um jogo de futebol através do qual Portugal, esmagando implacavelmente os bósnios, se qualificara para a fase final do Europeu de 2012.

Bem precisados de alegrias andam os portugueses, massacrados no dia-a-dia e para o futuro por uma austeridade sem fim, que apenas promete recessão e portanto mais austeridade. De maneira que a vitória no chamado ‘play off', ao cair do pano do apuramento do Euro 2012, veio mesmo a calhar. Afirmou alguma superioridade de um País que os ricos andam a empurrar para fora do euro, um País que não tem títulos firmados apenas no insucesso e abandono escolar, mas também no próprio futebol: Portugal é o 8.º do ‘ranking' da FIFA, enquanto a Bósnia se fica para lá da vigésima posição na tabela. Depois, qualquer vitória, mas mais ainda com goleada, reforça a auto-estima nacional, tão abalada com a cotação do mercado português na categoria de lixo e do País na classe dos PIGS, acrónimo pejorativo para designar os países da segunda divisão do euro: Portugal, Itália, Grécia e ‘Spain'. A tribo, liderada em campo por seus galos de crista, vingou uma sucessão de vexames.

Ainda este mês Portugal vai ter outra alegria com a praticamente certa, e justa, elevação do Fado a Património da Humanidade. Fica apenas a faltar um milagre de Fátima, para que Portugal possa enfrentar com sucesso e alegria "as injúrias da sorte".

«DE» de 17 Nov 11

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Aparições marianas na Bósnia-Herzegovina

Por C. Barroco Esperança

HÁ TRINTA anos começou a ser fabricado na Bósnia-Herzegovina um milagre capaz de desviar uma parte importante da clientela de Fátima.

«Olhai a Virgem» ! O negócio nasceu em 24 de Junho de 1981, segundo a revista «Le Monde des Religions (N.º 50 – Novembro/Dezembro de 2011). Duas adolescentes em férias, na recôndita aldeia de Medjugorje, viram a eterna virgem, «uma mulher muito bela com uma criança nos braços». Mais tarde juntar-se-iam mais quatro adolescentes que elevaram o número de videntes para seis. (...)

Texto integral [aqui]

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16.11.11

Pois é, pois é...

Por Ferreira Fernandes

NOTICIÁRIO. François Mitterrand, recém-eleito, visita a maior feira aeronáutica e de armamento do mundo, o Salon du Bourget. Ele chega com uma repugnância fisgada: a França não pode continuar a alimentar guerras. Nessa noite, as televisões vão anunciar que o novo presidente quer moralizar a venda de armamento. Comprova-se com as imagens: descola um caça Mirage 2000, mas - anuncia-se - sem armamento, sem bombas e sem rockets.
Continuação de noticiário. Em Maio de 1995, quando Mitterrand se retira, há dois recordes a assinalar: é o Presidente francês com mais tempo no Palácio do Eliseu e a França é o país que mais armas vende ao Terceiro Mundo.
Continuação de noticiário, com mudança de cenário: Portugal, antes de 5 de Junho de 2011. O CDS critica as relações económicas de Portugal com a Venezuela de Hugo Chávez. O PSD critica o Governo português por ser caixeiro-viajante dos computadores Magalhães.
Continuação de noticiário, depois do 5 de Junho. O ministro Paulo Portas vai negociar com Chávez. O primeiro-ministro, Passos Coelho, vende Magalhães ao México...
Para analisar estes noticiários (de tempos e países diferentes e de partidos de esquerda e de direita chegando ao poder), pedi o depoimento do velho Samuel Samahonga, pastor de cabras quioco, no Leste de Angola. Ele disse-me: "Os águia voa 'arto' mas tem de baixar pra comer."
Não liguem à gramática, fiquem com a inteligência.
«DN» de 16 Nov 11

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É o fim

Por João Paulo Guerra

NÃO SE PERCEBE o alarido que aí vai por causa de uma frase do ministro da Economia.

O ministro foi apenas mais um político a anunciar o fim da crise. Os portugueses já deviam, aliás, estar habituados a anúncios deste teor e se não estão é porque não ligam patavina ao que os políticos dizem, o que é mau. É mau porque um dia, excepcionalmente, um político diz alguma coisa de importante e ninguém está a ouvir.

O fim da crise foi anunciado, em primeira-mão e por outras palavras, por Santana Lopes, em Outubro de 2004. Lopes era primeiro-ministro (!) e em entrevista ao Frankfurter Allgemeine proclamou que chegara "o momento", com o seu Governo, de corrigir a política de austeridade dos últimos dois anos, numa indirecta ao efémero combate de Durão Barroso contra o "País de tanga". Santana Lopes não teve a oportunidade histórica de corrigir a política de austeridade mas o chefe do Governo seguinte, José Sócrates, inaugurou formalmente "o princípio do fim da crise" em Agosto de 2009, ano de um farto calendário eleitoral. Aliás, já o ministro da Economia, Manuel Pinho, anunciara em Outubro de 2006 o fim da crise e um "ponto de viragem" na economia.

A originalidade do anúncio do actual ministro da Economia consiste apenas no facto de ter coincidido no tempo com o dia da publicação de dados do INE que contrariam a declaração ministerial. A recessão da economia e o empobrecimento de Portugal aí estão nas estatísticas, não como resultado da doença, mas da cura. Mercado interno de pantanas, devido à ruína do consumo das famílias; exportações em queda, como seria de prever.

O fim da crise começa na própria crise. E não sendo possível marcar-lhe um início, fica apenas de toda esta polémica um simples anúncio: é o fim.

«DE» de 16 Nov 11

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O discurso da impostura

Baptista-Bastos

NO DISCURSO do poder há uma expressão quase insistente que pretende amparar, como bondosas e altamente patrióticas, as decisões tomadas. "Tomámos em conta os superiores interesses do País." Esta impositiva forma de inevitabilidade política inculca-nos a ideia de que não há nada a fazer senão admitir com consideração e aceitar com respeito as determinações governamentais, quaisquer que elas sejam. Faz lembrar a famosa locução do salazarismo: "Tudo pela nação. Nada contra a nação."

Uma espécie de controlo impeditivo de um pensamento contrário. E, afinal, quais são "os superiores interesses do País"? A experiência no-lo tem revelado que a unilateralidade dos resultados desses "interesses" apenas se destina a favorecer uma minoria, e a abrir-lhe os caminhos de acesso ao poder. Esta impostura, por insistente (tanto Guterres, quanto Durão, Sócrates, Passos Coelho ou Seguro serviram-se da expressão), distingue-se por criar uma espécie de absurda legitimidade. Os tais "interesses" não são os da esmagadora maioria dos portugueses, e a perseverança com que os dirigentes políticos os nomeiam constituem o abastardamento da lógica interna da frase e da pressuposta grandeza do seu significado.

A base constitutiva da nação é a maioria dos portugueses, exactamente aqueles que são mais atingidos pelo infortúnio, e que não estão representados nos "interesses" defendidos pela classe dominante. A expressão, no seu formalismo hiperbólico, é o dispositivo gramatical de um sistema que não deseja ser questionado, por estar ausente de qualquer requisito moral.

No entretanto, Pedro Passos Coelho, grave e denso, avisa-nos de que, para sair da crise, "temos" de empobrecer. Temos, quem? Os mais de nós, atingidos pelas políticas cuja natureza dissimula uma devassidão ética e uma triste barragem ideológica. A vida, para os portugueses, vai ser muito difícil, avisa. Logo, porém, sorridente e feliz, o ministro Álvaro Santos Pereira, sossega a inquietação da pátria: "Certamente, a crise vai deixar de o ser em 2012." Erro grosseiro. Disparate político. Comentaram as boas almas. Menos de quatro horas depois, o ministro desmentiu-se a si próprio, mesmo quando as televisões reproduziram o paradoxo.

Talvez seja um episódio pitoresco. Porém, membros do Executivo, inclusive o primeiro-ministro, são useiros e vezeiros em tornar verdades num funesto derivado. A religião da mentira faz o seu caminho, quase sem contrariedade. E o País, quero dizer: a arraia-meúda do Fernão Lopes, continua a ser um elemento de espoliação, que não tem nada a ver com os apregoados "interesses." Aliás, eles nem ambicionam conhecer a exacta propriedade da frase. Têm sede de justiça e apenas exigem, a quem manda, decência, honra e um pouco de humanidade.

«DN» de 16 Nov 11

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15.11.11

«Dito & Feito»

Por José António Lima

ANTÓNIO Costa abandonou em 2007 o Governo de José Sócrates para se candidatar à presidência da Câmara de Lisboa e poder trilhar, com maior autonomia política, o seu caminho rumo a uma futura liderança do PS.

Mas, na prática, de 2007 a 2011 nunca se demarcou verdadeiramente do socratismo nem acautelou a mínima distância crítica face ao endividamento e à irresponsabilidade crescentes da governação de Sócrates.

Pelo contrário. Nos espaços de intervenção pública que sempre manteve, Costa foi apoiando todos os Orçamentos de Sócrates, um a um, desde o despesista e eleitoralista OE de 2009 até ao derradeiro e desesperado OE de 2011. Não regateando, pelo meio, justificações e elogios a todos os PEC, desde o PEC 1 em Março de 2010 ao funesto PEC 4 em Março de 2011.

Não deixa, por isso, de ser intrigante ver agora Costa a defender, nas reuniões do PS, o puro e duro voto contra este OE de 2012. Que é, por sinal, como lembrou António José Seguro, «o primeiro Orçamento que decorre do compromisso que o PS negociou com a troika». Eis um pormenor que António Costa, no seu afã oposicionista ao novo líder, parece ter esquecido: foi o próprio José Sócrates quem chamou a troika a Portugal solicitando um plano de resgate financeiro para tirar o país da bancarrota, foi o mesmíssimo José Sócrates quem assinou o memorando, com todas as suas consequências de cortes e austeridade na vida dos portugueses.

Que coerência política e que sentido de responsabilidade pública restam a António Costa para votar contra um Orçamento que é a consequência da governação de Sócrates e do PS, que resulta dos OE e dos PEC do PS que ele – António Costa – sempre aprovou, que tem por base um memorando negociado e assinado por Sócrates e o PS?

Na véspera das eleições de Junho, com Portugal prestes a mudar de página, Costa continuava a dar provas do seu delirante socratismo: «O país precisa de alguém que agarre o leme, que não se resigne, como José Sócrates», insistia. Como agora conclui António José Seguro, «os portugueses foram muito claros: querem o PS na oposição, deram-lhe 28%». António Costa é que parece que não deu por isso. Ainda não saiu da fase socrática.
«SOL» de 11 Nov 11

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Farto dos churrascos assaltou porque queria sushi em vez de entremeada

Por Helena Matos

EM PORTUGAL só se pode falar de assaltos se estes forem apresentados como uma consequência da crise (Veja-se por exemplo este título da edição de hoje do PÚBLICO “Crimes violentos alastram pelo país à medida da crise financeira” ).
Esta ideia de que os desempregados e os pobres se tornam em ladrões de caçadeira em punho parece-me profundamente ofensiva para os desempregados e para os pobres pois é não apenas uma ideia preconceituosa mas também falsa. Do que não se pode falar é da influência da legislação e do desfecho de vários julgamentos na proliferação do crime. Contudo não creio que isso tenha sido irrelevante neste e noutros casos:

Julho de 2010: Roubo de 2 milhões em ATM sem castigo.

Novembro de 2011: Absolvido dos ATM assalta à bomba. Mentor do ‘gang do Multibanco’ foi absolvido pela Justiça e voltou ao crime. Foi novamente capturado pela GNR. Carlos Ramos, 27 anos, no momento em que foi preso, sábado, à porta da sua churrasqueira no Pinhal Novo, por operacionais da GNR.

Obs. É certo que o agora detido pode vir a argumentar com sucesso que por causa da crise económica só lhe restava comer churrasco na sua churrascaria e acabou a virar-se para os assaltos porque queria sushi em vez de entremeada.

«Blasfémias.Net»

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O Além com valor acrescentado

Por Ferreira Fernandes

O JORNAL El País diz que as autoridades espanholas estão preocupadas com programas televisivos de videntes.
Ao contrário de nós, os espanhóis cuidaram em não cair sob a sobrenatural influência: os seus programas de videntes, cartomantes e afins são proibidos entre as sete da manhã e as 10 da noite. Quer dizer, durante os horários nobres infantis (por vezes com os pais ausentes de casa), as crianças espanholas estão imunes à pressão alta de personagens parecidas com alguns dos livros de Harry Potter. Espanha considerou que uma coisa é ler sobre feiticeiras ficcionadas, outras é telefonar-lhes com taxas de valor acrescentado.
Já por cá as crianças podem ver uma famosa deitadora de cartas a anunciar a uma mãe a morte da filha, num canal generalista e a horas acordadíssimas (é, já aconteceu). É mau? É bom? Depende, tem a desvantagem do provável susto mas os nossos miúdos ganham uma lição de política de verdade: se uma taróloga é reputada por adivinhar o futuro, ela, mesmo que seja horrível, revela esse futuro. Afinal, também um médico anuncia um carcinoma se for caso disso (dirão os programadores televisivos, que têm resposta para tudo).
Voltando ao artigo do El País, fico a saber que os espanhóis surpreenderam-se por haver videntes em canais ilegais, sem licença para transmitir. Se me dão licença, essas são as videntes sérias. Quem comunica com o Além, prescinde dos canais normais.
«DN» de 15 Nov 11

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Democracia

João Paulo Guerra

FINALMENTE alguém acordou e começa agora a falar-se sobre a chancela de inconstitucionalidade e ilegalidade que ameaça marcar algumas das medidas de austeridade anunciadas pelo poder para supostamente conter a crise, designadamente no Orçamento de 2012.

Mas o que é extraordinário é que grande número de democratas, perante a eventualidade de medidas da austeridade não passarem no crivo da constitucionalidade, acharem muito bem que, pura e simplesmente, se furte o Orçamento e a legislação avulsa à fiscalização do Tribunal Constitucional. Isto só prova que a democracia é um valor, um ideal e uma prática colados com cuspo na formação de muita gente com responsabilidades. A Dra. Ferreira Leite não estava a fazer blague quando, em 2008, sugeriu a suspensão da democracia por seis meses. Há muita gente com a mesma ideia na cabeça mas sem coragem para dizê-lo.

A democracia será pois um adereço que se usa quando vai bem com o tom do vestuário mas quando as conveniências o recomendam vai para a gaveta da cómoda das incomodidades. Se o país enverga o figurino da ‘troika' ou a farda do FMI, a democracia recolhe à protecção das bolas de naftalina até nova ordem. Entretanto, fica a vigorar no país uma modalidade de ditadura das Finanças, nada original pois até o Botas de Santa Comba a descobriu e pôs em vigor.

Para que assim seja, haverá que assegurar o anormal funcionamento das instituições, não vão alguns rebates de consciência democrática estragar o arranjinho assinado com os ocupantes da ‘troika'. Posto o que, é só manter as forças de vigilância em alerta laranja. As gazetas rezam que já existe um Plano B para enfrentar previsíveis recalcitrantes. O chanfalho sempre foi a continuação da política por outros meios.
«DE» de 15 Nov 11

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14.11.11

Hoje, os maçons escondem-se de quê?

Por Ferreira Fernandes

POR ESTES dias, o meu jornal está a dedicar várias páginas à Maçonaria. É um bom assunto. O melhor no mundo moderno ocidental, da igualdade à liberdade, está-lhe ligado. No último quarto de milénio, muitos dos nomes nobres que a História guardou foram maçons, e o seu legado, de uma maneira ou de outra, está relacionado com eles por terem sido maçons. Só para recordar um nome que parece não ter nada a ver com a frase anterior e tem: a Lisboa pombalina é luminosa porque o seu arquitecto, Carlos Mardel, foi maçom.
Mas o próprio dos jornais não é fazer recolhas históricas, os seus leitores querem âncoras actuais: é assim tão forte a Maçonaria em Portugal, hoje?
O bom e esforçado trabalho do meu jornal vai bater contra uma parede: muito da Maçonaria e quase todos os maçons são segredo. A Maçonaria destapa-se aqui e ali mas nunca se expõe, o resultado final de tentar focá-la acaba sempre em desilusão.
O culto do segredo, por tão anacrónico, hoje, entende-se mal. A explicação mais imediata é que os maçons ganham por o ser, e fazem-no em segredo para ganharem ainda mais. Mas, ontem, António Reis, que liderou o Grande Oriente Lusitano, disse ao DN que não: serem maçons "pode-lhes causar dificuldades nas suas carreiras profissionais."
Engraçado, tinha ideia do contrário: os maçons que exercem a minha profissão são mais do género a terem estátua sem eu saber porquê, do que não a terem embora a merecessem.
«DN» de 14 Nov 11

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