31.7.07

E VIVA O «PRECARIADO»!

Por Alfredo Barroso
EM ABONO DA VERDADE se diga que era a direita que queria pôr este país nos eixos. Mas a incompetência e o descrédito dos seus governos (Durão Barroso e Santana Lopes, ambos com Paulo Portas) fez com que eles caíssem, isto é, fugissem ou fossem corridos por indecente e má figura, para utilizar uma das expressões do povo fora dos eixos.
Criou-se, assim, um nicho (político) de mercado, propício a quem quisesse pôr o país na ordem - ou a pôr ordem no país, se optarmos por uma versão mais suave. Ordem nas contas públicas, no deve e haver do Estado, nos lucros das grandes empresas e nas perdas dos pequenos cidadãos, nos salários de quem ainda tem emprego, nos subsídios de quem já não o tem e nas reformas dos que estão a ficar com os pés para a cova.
O despropósito e despautério da direita lusíada fizeram com que esse formidável nicho de mercado viesse a ser ocupado, rapidamente e em força, pela chamada esquerda moderna (seja lá isso o que for), que se diz muito amiga dos pobres, mas prefere deitar-se com os ricos (certamente porque não cheiram mal da boca). E é nisso que estamos.
Sejamos sérios: para conservar a nação em bom estado, é preciso pôr o país nos eixos e meter o povo na ordem. O pedigree de esquerda (como diz o outro) é um óptimo disfarce e ajuda muito a convencer um país que é (pau) para toda a obra e por isso gosta de ser (pau) mandado. Um país que refila, mas amocha. Está habituado a resignar-se.
Ora, num país resignado e sem alternativas (o engenheiro Sócrates tirou o tapete programático ao doutor Marques Mendes e este foi espojar-se no Chão da Lagoa), conta bastante o ar severo de quem discursa, a catadura sombria de quem manda, a capacidade de indignação espectacular de quem está no poder. Indignação – imagine-se! – perante o atrevimento dos que não se resignam a ser tramados pelo poder e a ficar mais pobres e desamparados em consequência das reformas corajosas (?) que esse poder lhes impõe. (Já repararam que o nosso primeiro-ministro está sempre zangado quando discursa?).
Mas vejamos. Os partidos políticos que constituem o chamado bloco central (PS e PPD/PSD) ou o arco da governabilidade (expressão inventada pela direita para incluir também o CDS/PP, e, sobretudo, para excluir os que estão à esquerda do PS, ou seja, o PCP e o BE), estabeleceram dois critérios essenciais (ditados pela ortodoxia neo-liberal em voga) para avaliar o estado da nação, a saber: a redução (rápida e brutal) do défice orçamental; o aumento (mesmo que muito pindérico) da taxa de crescimento do PIB.
Pois bem. À luz destes dois critérios, ninguém duvidará de que a performance do governo da esquerda moderna chefiado pelo engenheiro Sócrates é bastante superior às performances dos patéticos governos da direita chefiados pelos doutores Durão Barroso e Santana Lopes (o que fugiu e o que anda por aí). Para já não falar da performance dos outros governos da esquerda moderna chefiados pelo engenheiro António Guterres (que se refugiou entre os refugiados das Nações Unidas). Agora é que a direita rejubila! Quer dizer: a direita dos interesses, das empresas, da alta finança, em suma: da massaroca!
Claro que, se avaliarmos os resultados deste governo da esquerda moderna à luz de outros critérios totalmente legítimos (embora não caros ao neo-liberalismo em voga) – por exemplo: o poder de compra dos cidadãos, que continua a diminuir; e a coesão da sociedade, que continua a degradar-se à medida em que cresce o desemprego, aumenta a precariedade e se alarga o fosso entre ricos e pobres –, é evidentemente desconsolador o balanço dos que estão acocorados no nicho político deixado vago pela direita lusíada.
Digamos que aquilo que este governo da esquerda moderna tem estado a fazer, com mais eficácia do que os governos anteriores e mais aplauso da direita da massaroca, é aplicar, à classe média em geral e aos trabalhadores em especial, a técnica da banda gástrica (novo método político cujos direitos de autor vou registar): já não se trata só de apertar o cinto, mas também de reduzir artificialmente a vontade de comer. No fundo, o propósito é o de reformatar a modernidade económica, banindo do vocabulário corrente as perigosíssimas noções de desenvolvimento humano, equidade e bem-estar social.
Estamos, assim, a assistir à emergência de uma nova classe social, a que alguns sociólogos já chamam «precariado». Uma espécie de neologismo que resulta da síntese dos termos proletariado (ao qual fora arrancada grande parte da classe média, no século XX) e precariedade (do emprego, do salário, da vida quotidiana e, portanto, do futuro). Viva, então, o precariado! Uma nova classe social tanto mais vulnerável quanto menos solidários e mais solitários forem os seus putativos membros – política e sindicalmente incapazes de se organizarem, envergonhados pela sua despromoção social, com receio de serem tratados como comunistas pela esquerda moderna e, por isso, já resignados.
Eu, que nunca fui comunista nem alguma vez pertenci à esquerda moderna (sou, mais prosaicamente, social-democrata genuíno, nada fictício), não tenciono resignar-me. Mas tenho perfeita consciência de que pouco ou nada posso fazer, para além das linhas desta prosa sorumbática - que não agrada ao poder do dia, seja ele político ou outro. Fui varrido há meses dos lugares de estilo onde se escreve prosa política convencional, isto é, atenta, veneradora e obrigada, ou, então, vagamente irreverente e inconformista q. b.. Pus agora a cabecinha de fora. Espero bem que não seja cortada. E viva o precariado!
NOTA: Como habitualmente, esta crónica está também afixada no blogue «Traço Grosso»

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VOLTA NÃO VOLTA CAI O ESCÂNDALO NA VOLTA

Por Ferreira Fernandes

ALBERT LONDRES foi um repórter francês , célebre por contar lugares onde não era bom morar. Das prisões da Guiana para onde se mandavam os degredados aos quartéis da África do Norte onde os duros da Legião Estrangeira eram domados com trabalhos forçados, ele viu e denunciou. E é essa testemunha experimentada que, para relatar o Tour, escreveu um livro com este título: Os Condenados da Estrada ou Volta a França, Volta do Sofrimento. E eram os anos 20, quando a prova ainda era gentil e os organizadores, porque ela se fazia por vezes à noite, convidavam os corredores a não fazer barulho quando "atravessassem vilas e aldeias."

Desde aí, volta não volta, cai o escândalo na Volta. Como avisou Albert Londres: "Dante não viu nada!" Para escapar àquele inferno, os corredores procuram pequenos paraísos. Em 1967, Tom Simpson, o primeiro britânico com a camisola amarela, medalhado olímpico, campeão mundial de estrada, subia o Mont Ventoux, onde o mistral sopra a 100 à hora. Estranha caminhada, a de Simpson, em ziguezague, olhar perdido. Cai. Populares das bermas remontam-no para o selim. O olhar continua perdido, as pedaladas hesitantes e queda definitiva. Enroladas na camisola de Simpson, algumas ampolas de anfetaminas. Dir-se-á, porém, piedosamente: o sangue acusou conhaque. Naquele lugar, o vento varre hoje uma lápide. E, cada ano, quando os ciclistas por lá passam, conta a lenda, as pulsações dos corredores dão um salto. De medo e culpa.

De 1954 a 1982, Antoine Blondin acompanhou a Volta a França, relatando-a para o jornal desportivo L'Équipe. No livro com essas crónicas, Voltas a França, escreve sobre o doping: "(...) é a arma ilusória dos mais fracos. Com ele, um mundo que tinha tudo para se afirmar na alegria contagiosa - a audácia, a coragem, a saúde - um mundo se revela possuindo também uma face onde tudo se cala. É a face escondida da Lua, com os seus vales de manha, as suas crateras de suspeita, os seus mares de repressão. É a face escondida da luta."

Doping mau, pois, que repugna a um escritor que era de direita porque o culto de heróis o marcava. Doping que desvirtua o combate dos deuses terrenos. Porém, Blondin escreve também: "Sonhamos com arcanjos, cuja pureza não teme os controlos e que nos dão orgulho na raça humana. Mas admito que haja, apesar de tudo, uma certa grandeza naqueles que foram buscar a não sei que purgatório o melhor deles. Apetece-me dizer-lhes que não deviam, mas emociona-me secretamente que o tenham feito. Os seus olhares perdidos são uma oferenda aos nossos aplausos."

Fomos nós que os viciámos, não em heroína, mas em serem heróis. Temos por eles o carinho que os dealers talvez tenham pelos seus clientes.

Texto: «DN» de 29 de Julho de 2007 - [PH]. O cartoon é de Rodrigo de Matos, publicado no «Expresso-online» («Humoral da História»), e oferecido, pelo autor, ao SORUMBÁTICO

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PASSEIO ALEATÓRIO

Damas
Por Nuno Crato
SAIU NA REVISTA SCIENCE um artigo em que Jonathan Schaeffer e outros sete investigadores da Universidade de Alberta, no Canadá, revelavam ter resolvido o Jogo das Damas. É uma notícia importante. O jogo é simples, mas até agora não se sabia se tinha ou não solução. Conseguiu provar-se que sim — se ambos os contendores não cometerem falhas, o jogo termina sempre em empate.
Passa-se pois com as Damas algo semelhante ao jogo do galo, que se torna fastidioso para jogadores que conheçam a estratégia óptima. O Jogo de Damas, contudo, é muito mais complexo. Tem 500 milhões de milhões de milhões de posições possíveis. Os investigadores, apesar de terem estudado o problema durante duas décadas e de terem usado centenas de computadores a trabalhar em paralelo, tiveram de seguir uma estratégia de ataque muito subtil. Estudaram os 39 milhões de milhões de casos em que há dez ou menos peças sobre o tabuleiro e determinaram quais as posições que desembocariam num empate se ambos os jogadores seguissem estratégias óptimas. Mostraram depois que, seguindo ambos os jogadores estratégias óptimas desde o começo do jogo, eram sempre conduzidos a uma das posições de dez peças que desembocavam num empate. Problema resolvido!
Isto não significa, contudo, que o jogo das Damas se tenha tornado tão fácil que não mereça a pena ser jogado. Não. As posições são tantas e os movimentos tão complicados que continua a ser impossível a um jogador não cometer falhas. O que pode ser em breve possível é construir um programa de computador que nunca perca neste jogo. Algo que continua a não ser possível no xadrez. Esperemos.
«Expresso» de 28 de Julho de 2007

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30.7.07

Desafio de férias - Solução

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Desafio de férias aos leitores

Já por mais do que uma vez o blogue DE RERUM NATURA se referiu a grandes invenções, um tema a que o SORUMBÁTICO também não é indiferente.
Assim, propõe-se (em simultâneo em ambos os blogues) um desafio que consiste em dizer, até às 18h de 31 de Julho (3ª-feira), «qual a invenção que esta gravura de 1880 pretende documentar» - o que era e para que servia.

Seguidamente, será dada a "resposta oficial", afixando o texto que acompanhava a gravura original.

NOTA: Estando em causa - digamos... - uma "investigação", o
SORUMBÁTICO oferece, como prémio ao primeiro leitor que, em "Comentários", der a resposta certa (a hora será a que estiver indicada no "Comentário"), um dos seguintes livros, à sua escolha: «Crime Impune», «Betty», «O Tempo de Anais» ou «Os Cúmplices» (de Georges Simenon); «12 Aventuras de Sherlock Holmes» (de Conan Doyle); «Um Crime no Expresso do Oriente» (de Agatha Christie).
-oOo-
A resposta certa já foi dada, aqui no SORUMBÁTICO (com cópia no DE RERUM NATURA), às 20h28m

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«ACONTECE...»

... mas não devia acontecer!

Por Carlos Pinto Coelho

NO PRÓXIMO DIA 19 de Setembro o Panteão Nacional vai receber os restos mortais do grande escritor Aquilino Ribeiro. Esperemos que, ao menos nessa data, já tenham sido corrigidos dois escandalosos erros de português inscritos em dois túmulos e que lá continuam hoje:
1. No túmulo do Presidente Carmona, o seu segundo nome ÓSCAR foi minuciosamente escrito sem acento: "Oscar". É verdade, acreditem!!
2. Mais recentemente, o túmulo do Gen. Humberto Delgado sofreu idêntico crime. Diz-se lá que ele foi candidato à PRESIDÊNCIA da República. Mas o que lá se lê é "Presidencia"!!!
Que diabo! Quem esculpiu aquilo teve MESES para escrever correctamente em bom português. E nem com tempo!
Até no Panteão, credo!!!
Pobre Aquilino, se ele souber, recusa-se a entrar!!

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SEXO EM DEMOCRACIA

Por João Miranda

EXISTE UM CONSENSO em Portugal de que o Estado deve promover a natalidade. Ninguém pergunta porque é que um assunto tão íntimo como a decisão de cada um se reproduzir é uma questão nacional, digna de atenção e de debate político.
A resposta está na relação entre a natureza humana e a política. Os seres humanos são, por natureza, obcecados pelo sexo. Mas não se trata de uma obsessão fortuita. É uma consequência da selecção natural. Aqueles que não eram obcecados pelo sexo não se chegaram a reproduzir e nós herdámos a obsessão pelo sexo daqueles que se reproduziram. A obsessão pelo sexo está relacionada com a obsessão pelo poder. O poder é apenas um meio para conseguir sexo, mas não o sexo pelo sexo, mas o sexo que gera descendência. Quem tem poder político tende a seguir estratégias de maximização da descendência. Os imperadores da China tinham milhares de concubinas numa corte servida por eunucos, os chefes de clã tinham o mítico direito de pernada e, em todas as épocas e em todas as culturas, os homens mais velhos mandam os mais novos (a concorrência) morrer na guerra. É natural que o homem democrático tenha também as suas estratégias para maximizar o seu sucesso reprodutivo.
Numa democracia o poder não pertence ao tirano, mas à maioria. O poder não se exerce directamente pela força, mas indirectamente por transferência de recursos através do sistema fiscal e dos subsídios do Estado. Estas peculiaridades da democracia originam dois tipos de fenómenos correlacionados. Por um lado o eleitorado é muito intolerante para os líderes que utilizem a sua posição para maximizar as suas oportunidades sexuais (caso de Bill Clinton). Por outro, os políticos consideram, muito acertadamente, que para serem reeleitos devem contribuir, ou pelo menos aparentar contribuir, para a maximização do número de descendentes da maioria dos seus eleitores.
Se bem que se conheçam alguns casos de Estados democráticos que recorreram, tal como os antigos imperadores chineses, à castração física das minorias (deficientes e párias sociais, no caso da Suécia entre 1934 e 1974), tais métodos são, compreensivelmente, impopulares. Em democracia, a maioria recorre à castração económica da minoria. Mas dado que as maiorias são instáveis, cada partido terá que captar segmentos do eleitorado para formar a sua maioria. Os subsídios à natalidade servem para captar uma fatia do eleitorado oferecendo em troca garantias económicas de que esse segmento terá mais hipóteses de se reproduzir com sucesso. O actual Governo optou por distribuir a maior parte dos incentivos à natalidade pela população de classe mais baixa, provavelmente por acreditar que este é o segmento mais fácil de captar. Mas o Governo deve ter cuidado. Os membros da classe média sentiram-se castrados.
«DN» de 28 de Julho de 2007 - [PH]

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IMBATÍVEL NAS DAMAS

Por Carlos Fiolhais

O JOGO DO GALO, que consiste em colocar três cruzes ou três bolas em linha, se for bem jogado pelos dois lados, conduz sempre a um empate. Acaba de ser provado que o mesmo acontece com o jogo das damas.
Com efeito, o programa informático Chinook, criado por uma equipa da Universidade de Alberta, no Canadá, foi utilizado intensivamente para investigar todas as configurações possíveis do jogo (que são muitas: um número dificilmente imaginável com vinte zeros). O resultado, recentemente anunciado na revista Science, é que o programa é imbatível nas damas, podendo quando muito sofrer um empate. A máquina ganha sempre contra um humano porque ela não faz erros, ao contrário de um jogador de carne e osso (errar é humano!). Em 1997 o Chinook foi reconhecido pelo Livro Guinness dos Recordes como o primeiro computador a ganhar um campeonato do mundo. Neste momento, o computador já nem entra em competição com humanos pois seria como “bater em mortos”. Os cientistas canadianos têm agora um outro objectivo: criaram um programa, chamado Polaris, que vai enfrentar os melhores jogadores de póquer. Vamos ver se o Polaris também consegue fazer “bluff”...
Note-se que as damas jogadas pelo Chinook são as damas anglo-americanas e não a variante do jogo mais popular entre nós, as damas espanholas, que além da Península Ibérica se jogam no Norte de África. Nas nossas damas, a máquina ainda não ganha… Tal como ainda não há, que eu saiba, uma máquina que nos vença na sueca.
E o jogo do xadrez? Este é muito mais complexo do que o jogo das damas e, por isso, a análise automática de todas as possíveis jogadas ainda não está à vista. Mas o computador já é na prática imbatível. No ano de 1997 o campeão do mundo de então, o russo Garry Kasparov, perdeu o “match”, hoje lendário, com o programa Deep Blue, da IBM. O actual campeão do mundo, o também russo Vladimir Kramnik, que sucedeu em 2000 a Kasparov, jogou há poucos meses contra um outro programa, o Deep Fritz. E o computador revelou-se, mais uma vez, imbatível!
«Sol» de 28 de Julho de 2007 - [PH]

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29.7.07

RECORDAÇÕES DA ILHA DO SENHOR GOVERNO

Por Fernanda Câncio
EM 1992, sob o pretexto das eleições regionais que iam ter lugar e das imputações de "défice democrático" vocalizadas pelo então secretário-geral do PS António Guterres, fui enviada à Madeira pela revista Grande Reportagem. Um pouco desinteressada das tricas partidárias, achava pilhas de graça ao senhor do arquipélago, à sua linguagem desbragada e às suas cantorias desafinadas. No país do monolítico primeiro-ministro Cavaco, Alberto João surgia como comic relief, espécie de caricatura do político sem vergonha, que nem se esforça por aparentar seriedade e compostura.
Mal cheguei, assisti a um comício do PPD-Madeira no Funchal. No palco, um Alberto João imparável acicatava os fiéis "contra os jornalistas do contenente, servos dos grandes interesses económicos que vêm para aqui tentar destruir a Madeira". Isto enquanto os tais inimigos da Madeira, como eu, estavam ali mesmo, no meio do povo. Um ou dois dias depois, o Público trazia, numa notícia assinada pela sua enviada Áurea Sampaio, o relato de uma cena a que não assisti , em que durante outro comício Jardim mandara um homem levar num certo sítio. Jardim negou a cena e desferiu mais uns elegantíssimos ataques ao Público e ao seu então director, o também madeirense Vicente Jorge Silva. Nessa tarde, entrevistei Jaime Ramos, o braço-direito de Jardim. Entre outras enormidades, certificou-me que se a Áurea aparecesse na sede do PPD na noite das eleições "levava um murro nos cornos". A conversa, reproduzida no artigo que escrevi e não contraditada (fora gravada) levou a que os jornalistas do contenente decidissem, em acção de protesto e solidariedade (apenas furada por Rodrigues dos Santos, da RTP), não ir à sede do PPD na noite eleitoral e fossem, no regresso a Lisboa, recebidos por parlamentares e pelo então PR, Mário Soares.
Este episódio, porém, foi apenas a caricatura maior de um ambiente geral de intimidação, desbragamento e surrealismo que me fez descrer de estar no país que creio ser o meu. Gente com pavor de falar - houve quem dissesse que não podia ser visto em público comigo - e que alegava perseguições e pressões várias; uma oposição inexistente (na noite das eleições, assisti, sem crer no que via, ao televisionado chorrilho de insultos que Alberto João desferiu sobre o adversário derrotado, o líder do PS local), à excepção dos rigíssimos padres políticos (uma curiosidade madeirense); populares que me respondiam, numa candura com sabor a sépia, "eu voto no senhor governo". Ainda rio das palhaçadas de Jardim, mas deixei de lhe achar qualquer graça. Ele ganha eleições, claro. Todas, e com maiorias absolutas. Mas, segundo ouvi dizer, e dito por gente que o elogia e com ele faz pactos, isso não só não faz dele um democrata como, parece, é péssimo para a democracia. A não ser que tenha dias. Ou geografias.
«DN» de 27 de Julho de 2007 - [PH]

AO LEME

Por Nuno Brederode Santos
A RECUSA do Governo da Região Autónoma da Madeira (e do PSD local) em dar cumprimento a uma lei da República - no caso, a da interrupção voluntária da gravidez - teve, como é costume, um primeiro momento filosófico: o "não me venham com essa do Estado unitário" (sendo que "essa" é a primeira estatuição do art. 6.º da Constituição). Veio depois a afirmação do princípio da inaplicabilidade da lei à Madeira, com o argumento de que, no referendo e ao nível regional, o "sim" perdeu com o "não". Seguiu-se a explicação de se aguardar a voz do Tribunal Constitucional. Mas, revelando este que tal nem lhe fora pedido, passou-se à espera dos pareceres jurídicos de apoio. Enfim, e perante o crescendo de declarações de figuras respeitadas da direita, que insistiam na inadmissibilidade de uma Região recusar uma lei da República, tudo veio dar à praia de não poder a Região ser obrigada a um dispêndio não orçamentado.
Jardim e os seus sempre gostaram do jogo à beira da ruptura, baseados na ideia - que a prática da República, lamentavelmente, fomentou - de que o bom senso, por o ser, acaba sempre vergando-se perante a irresponsabilidade. Ideia que, a bem de todos, terá de ser desmentida com factos. E quanto mais tarde o for, maiores serão os custos. Para todos.
Mas, no imediato, mais complicada é a reacção do Presidente da República. De facto, num primeiro momento (aliás tardio), Cavaco declarou que, "quando a legislação não é aplicada, os cidadãos podem recorrer a instâncias próprias, ao sistema de justiça". Pois podem, mesmo se, no caso concreto, estamos a lidar com prazos que tiram à sugestão qualquer sentido. Mas quem, não só pode, como deve, intervir é o Presidente da República. Porque não foram os cidadãos quem promulgou a lei em causa. Porque um responsável autonómico declarou rejeitar o carácter unitário do Estado - e ao Presidente cabe fazer cumprir a Constituição. E porque, embora com argumentos em constante mutação, foi formalmente dito e repetido que uma Região Autónoma recusa aplicar uma lei nacional - e isto corresponde ao mais irregular "funcionamento das instituições".
Num segundo momento (por definição ainda mais tardio), Cavaco, muito arbitral e superpartes, veio dizer que o papel do Presidente é encorajar a "cooperação entre as autoridades de saúde" nacionais e regionais. Mas a saúde, aqui, é já paisagem. A questão central é a do acatamento, ou não, pela Madeira, de uma (qualquer) lei da República. E é da República que Cavaco é Presidente. E foi a sua assinatura que tornou aquele acatamento obrigatório. Não se vislumbra o que haja para arbitrar ou para encorajar cooperações.
Ambos os momentos foram decepcionantes. E perigosos para o próprio Presidente. Porque, na ânsia de fugir aos incómodos da frontalidade, Cavaco afirmou doutrinas que, além de erradas, são limitativas da margem de intervenção do Presidente. É compreensível que ele não goste de tomar posições firmes quando julga não dispor de poderes para as impor. Nenhum dos seus antecessores gostou, mas nem por isso deixou de as tomar (pelo menos no que visivelmente punha em causa o funcionamento do sistema político). Talvez isso chame a atenção para algumas insuficiências de que a função enferma. Só que elas não lhe são imputáveis. Ao contrário das novas doutrinas que, sendo improvisos de circunstância para legitimar omissões do Presidente, serão amanhã o arrimo dos que quiserem esvaziar-lhe ainda mais a função.
Por inseguro que se sinta, Cavaco já terá percebido que ali, ao leme, é mais do que ele. E recordará, da campanha que aí o conduziu, como acenou com os prodígios de uma brumosa cooperação estratégica entre Presidência e o Governo. Porque os eleitores, esses, lembrar-se-ão de nada lhe ter prometido. Nem que o cargo era leve e tranquilo (uma espécie de triunfo de Pompeu sem ninguém a recordar-lhe que toda a glória é efémera); nem que o esperava o remanso divertido de uns anos de favas contadas, em que Portugal era uma nova Disneylândia.
«DN» de 29 de Julho de 2007

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28.7.07

«Humor Antigo» - 1923
Como remate para este conjunto de três crónicas seguidas sobre o mesmo assunto, aqui fica uma pergunta sem prémio: qual o título do romance de Saramago (de 1980) que esta anedota faz lembrar?

25ªHORA

Saramago
Por Joaquim Letria
TRATARAM JOSÉ SARAMAGO como se o nosso Nobel fosse o Pina Moura das letras. Confusões imerecidas por na exposição dum raciocínio assente em observações e análises que a experiência dita, o escritor ter-se atrevido a dizer que, no futuro, vê Portugal envolvido numa única realidade política peninsular que se chamaria, no seu conjunto, Ibéria.
Até no Qatar e na Nova Zelândia houve quem se fizesse eco indignado destas opiniões do autor do “Memorial do Convento”, expressas numa entrevista a um jornal português, e um poeta exigiu mesmo que o escritor pedisse desculpa ao povo português.
Outro patriota, desta feita um diplomata com credenciais apresentadas na capital do reino de Castela, não esteve com meias medidas e exigiu que Saramago “deixasse a política aos políticos e a estratégia aos estrategas”.
Os jornalistas estrangeiros que vendem prosas a jornais de outros países chamaram um figo a Saramago e os poucos correspondentes em Lisboa, também. Ainda bem. Sempre alguém fala de Portugal, sem ser por causa do futebol.
«24 horas» de 24 de Julho de 2007

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LEVANTÁ-LO DO CHÃO? ELE NÃO ESTÁ AÍ

Por Ferreira Fernandes

SARAMAGO FOI ACUSADO DE TUDO, até de traidor. Porque disse que amanhã vamos ser Espanha. Nem disse que gostava que assim fosse, disse como quem diz o inevitável: "Amanhã a Terra acaba." Vamos insultar os cientistas que garantem isso?
Não uivarei com os lobos. Saramago tem mais de 80 anos e continua a trabalhar. Ele paga os impostos em Portugal, podendo não o fazer. Eu, que vivo em Portugal, não cuspo para a sopa. Outra coisa, ele tem uma profissão útil: escreve (não vende, por exemplo, pit bulls). E escreve em português. Num país que diz tanto "a minha pátria é a língua portuguesa", é contraditório com ser traidor. E escreve bem português: não discuto se é ou não grande escritor, digo que não escreve "çamarra". Logo, não lesa a pátria (a língua).
Ah!, e ele ganhou o Nobel de Literatura. Ao alcance de qualquer um, eu sei, mas não é o mesmo que ser administrador em fábrica do sogro. Ou é?
E ainda: ele tem 80 anos e ama. Gostava de ver o caixote do lixo de quem tanto o despreza.
«DN» de 26 de Julho de 2007 - [PH]

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A entrevista de Saramago ao «DN»

Por Carlos B. Esperança
"Não sou profeta, mas Portugal acabará por integrar-se na Espanha"
*
A ESTIMULANTE ENTREVISTA de José Saramago ao Diário de Notícias, hoje [15 Jul 07], não decepciona. O mais notável ficcionista português, o Nobel do nosso contentamento, nunca desilude.
Mas uma coisa é gostar de o ler e, outra, diferente, concordar. Discordo da profecia da integração de Portugal em Espanha, não por nacionalismo, pecado que não cometo, mas por pragmatismo e convicção.
A geografia agrega-nos mas a história separou-nos e, por isso, a integração económica aprofunda-se mas persistem as diferenças culturais. Portugal é muito mais tributário da cultura francesa do que da castelhana e não creio que os portugueses nutram por Madrid mais afecto do que os catalães ou os bascos.
Sendo as coisas o que são, e os povos eles próprios e as suas circunstâncias, como diria Ortega Y Gasset, resta-nos a Europa cuja cidadania vem ao encontro de um país que viu na diáspora o seu destino e nunca temeu os grandes espaços, na certeza de que quanto mais europeus nos sentirmos menos espanhóis desejaremos ser.
Também por isto o meu europeísmo se aprofunda e me chama. É na Europa, herdeira do Renascimento, do Iluminismo, da Reforma e da Revolução Francesa que vejo o futuro de Portugal e dos portugueses, num projecto comum.
Na entrevista há ainda lugar para um olhar lúcido e magoado sobre medíocres censores como Santana Lopes e Sousa Lara, mais próximos dos Reis Católicos do que de Voltaire e Vítor Hugo.

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A propósito de Simpsons, aqui fica uma sugestão: não percam o filme que acabou de estrear; a ver com atenção e eventualmente mais do que uma vez - pois está cheio de pequenos gags que podem passar despercebidos e de referências (homenagens, como se lhes costuma chamar) a muitos filmes famosos. No que toca a estes, nem sequer escapa o «Uma Verdade Inconveniente» (a cena em que Al Gore se mete num ascensor para melhor dramatizar a subida da percentagem de CO2 na atmosfera): o elevador em que Lisa se mete começa por encravar, depois disparata, desata a subir até desaparecer, e por fim desaba no palco...

CMR

-oOo-

'BART, GOZA COM QUEM É DIFERENTE DE TI'

Por Alberto Gonçalves

É como as pessoas. A comédia televisiva americana atingiu a maioridade quando abandonou a doutrinação política. As séries de maior sucesso nos anos 60, 70 e 80, de Uma Família às Direitas a M.A.S.H., passando por Quem Sai aos Seus, eram abertamente liberais (ao modo da esquerda dos EUA). Hoje, são dificilmente suportáveis. À entrada da década de 90, os herdeiros do humor "descomprometido" de David Letterman criaram as melhores sitcoms conhecidas: o genial niilismo de Seinfeld e The Simpsons.

Ao invés de Seinfeld, os Simpsons não são apolíticos. Apenas não se percebe que tipo de políticos são. Sem particular originalidade, o vulgo considera-os uma "denúncia" da classe média americana. Mas numerosos ensaios (entre os quais o famoso Homer Never Nods, de Jonah Goldberg) tentam recrutá-los para o conservadorismo, e evidenciar a observância, ainda que subtil, dos valores familiares, patrióticos e até religiosos. Atendendo a que o seu principal argumentista é John Swartzwelder, libertário, antiambientalista, defensor do direito de posse de arma e, de acordo com os padrões em curso, um reaccionário, a hipótese não é absurda. É só desnecessária: farejar orientação ideológica na vertigem iconoclasta dos Simpsons é perder boa parte da piada, verificável em 400 episódios e, escusado lembrar, no filme que agora estreou. A graça dos dogmas é sempre inadvertida.

«DIAS CONTADOS» - «DN» de 29 de Julho de 2007 - [PH]

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Como habitualmente sucede aos sábados, aqui fica o post-aberto para quem o quiser utilizar.

27.7.07

25ª Hora

Chefes de sala
Por Joaquim Letria
CONGRATULEI-ME PELO FACTO de Luís Amado ter deixado o controle das bolas de Berlim das praias a Severiano Teixeira, mas uma fonte próxima de Amado chamou-me a atenção para que não é fácil.
O pobre do Amado gasta agora muito mais em roupas e cabeleireiro. Basta ver a reunião do quarteto para o Médio Oriente, onde desempenhou a contento o papel de chefe de sala.
O quarteto, como os de música, é sempre de quatro: Condoleeza Rice, Javier Solana, Ban Ki-moon e Sergei Lavrov, agora com um contratado encarregue das diligências a desenvolver em seu nome, que é o ex-desempregado Tony Blair. Amado faz o mesmo papel de Durão Barroso na cimeira dos Açores, quando aquele ali esteve a providenciar água do Luso e a cuidar das flores e dos “napperons” a W. Bush, Blair e Aznar que foram ali encenar a decisão da guerra do Iraque e se fartaram de levar com bombas por causa disso.
Chefe de sala rende sempre qualquer coisinha – vejam-se os casos de Sampaio, Guterres e Barroso. Ter as unhas limpas, não baralhar os talheres, falar inglês técnico e portar-se bem à mesa é meio caminho andado. Compensa. Se aparecer numas fotos, tanto melhor.
«24 horas» de 23 de Julho de 2007

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Estas imagens, que aqui se afixam de vez em quando, são apenas algumas das muitas que estão no blogue-arquivo «Humor Antigo» [v. aqui].

26.7.07

A QUADRATURA DO CIRCO

Net-Fábula adaptada
Por Pedro Barroso
QUALQUER INTERNAUTA MAIS AVISADO já recebeu forward matriz deste clássico, que me permitirei aqui hoje adaptar.
Lê-se numa crónica, que no ano de 2004, se celebrou na Austrália uma competição de Remo entre duas equipas, compostas por trabalhadores em representação das empresas públicas portuguesas e sua congénere das empresas japonesas.
Dada a partida, os remadores japoneses começaram a destacar-se desde o primeiro instante. Chegaram à meta primeiro e a equipa portuguesa chegou com uma hora de atraso.
De regresso a casa, a representação nacional reuniu-se para analisar as causas de tão desastrosa actuação e chegaram à seguinte conclusão:
Detectou-se que na equipa japonesa havia um chefe de equipa, que também acumulava com as funções de timoneiro e dez remadores, enquanto na equipa portuguesa – que se deslocara tarde e chegara apenas na véspera, por isso revelando algum jet leg… – havia apenas um remador e dez chefes de serviço, nenhum deles timoneiro, facto que teria obviamente de ser alterado no ano seguinte.
No entanto, no ano de 2005 e após ser dada a partida, a equipa japonesa começou de novo a ganhar vantagem desde a primeira remadela. Desta vez, a equipa portuguesa chegou com duas horas de atraso. A Direcção responsável pela nossa selecção voltou a reunir, após forte reprimenda da Administração e do Ministro do Desporto e viram que – enquanto na equipa japonesa havia um chefe de equipa/timoneiro e dez remadores, como sempre – a equipa portuguesa, após as medidas adoptadas com o fracasso do ano anterior, era composta por um chefe de serviço, dois assessores da administração, cinco chefes de secção, um timoneiro e um psicólogo para motivar o único remador.
Após minuciosa análise, chega-se à seguinte conclusão:
O remador era provavelmente INCOMPETENTE. Havia que mudar este estado de coisas. Fez-se um grupo de estudos para estudar o assunto, que estava a tornar-se motivo de embaraço nacional. Actuar.
Foi portanto decidido apresentá-lo a uma Junta Médica. Esta, como é norma, deu-o como apto para todo o serviço.
No entanto, no ano de 2006, a equipa japonesa voltou a adiantar-se, mal foi dada a partida.
A embarcação portuguesa – que este ano tinha sido encomendada ao Departamento de Novas Tecnologias, que, por sua vez, acabara aconselhando aquisição em segunda mão à Armada russa, por concluir que isso representaria uma melhor relação qualidade-preço-investimento – chegou com quatro horas de atraso.
Após a regata e para análise dos resultados, convocou-se uma reunião de administradores ao mais alto nível – mais concretamente no último piso do edifício – observando-se nela que:
1- A equipa japonesa, uma vez mais, não inovara, tendo optado novamente por dez remadores e um timoneiro/chefe de equipa.
2- A equipa portuguesa – após uma auditoria externa, uma assessoria especial do Secretariado para o Desenvolvimento e um relatório técnico solicitado em triplicado ao Instituto de Altas Tecnologias - optara por uma formação mais moderna, composta desta vez, por um chefe de serviço, dois chefes de secção, um psicólogo, um treinador, um auditor da Arthur Andersen, um membro do Comité Olímpico, um representante do Ministério do Desporto, um timoneiro mais leve e um Securitas que controlava as actividades e saídas do remador durante o estágio.
Acabou, assim, por ter de se admitir com transparência que:
1- Apesar destes esforços a comitiva técnica não optimizara suficientemente a qualidade nem o rendimento da representação.
2- Alguns itens vendidos em segunda mão pela marinha ex-soviética, como helicópteros, submarinos e barcos de remos, nem sempre estão isentos de problemas, cujos, muitas vezes, apenas se confirmam após a compra efectuada.
3 - O processo disciplinar que fora aberto ao remador e aconselhara a retirada de todos os seus bónus e incentivos profissionais, devido ao fracasso dos anos anteriores, não obtivera os resultados desejados.
4- Antes da competição, o remador fora mesmo ameaçado de passar a integrar o grupo de supranumerários previsto na lei, para que a incerteza no futuro o levasse a superar-se. Incompreensivelmente, tal ameaça também não resultara.
Decisões imediatas se impunham e foram tomadas por unanimidade:

a) Suspender imediatamente o treinador, por discordâncias sem sentido com a Direcção federativa.
b) Suspender o Securitas por suspeitas de mau desempenho na vigilância do atleta
c) Suspender relações com a congénere japonesa por suspeitas de doping da sua equipa
d) Suspender o auditor externo por difamação insultuosa da Administração Central
e) Declarar oficialmente o Remo uma modalidade de ética duvidosa por ser o único desporto onde o atleta despende uma energia enorme para andar para trás.

Após prolongadas reuniões, e em função destas aprofundadas análises, decidiu-se, com letra de Lei, para a futura regata de 2007 que:
Artigo I - "um novo remador será contratado em outsourcing exclusivamente para o efeito”, pois o comportamento do actual, já com 60 anos, apesar da sua experiência e profundos conhecimentos da modalidade, indicia mostras de desinteresse a partir do segundo quilómetro e uma indiferença quase total junto à linha da meta."
Artigo II - O velho remador, para castigo, além de deixar de representar o país em competições, continuará até à idade legal de reforma e treinar em tanque de treino indoor, interrompendo-se apenas para tomar oxigénio, devido a alguns problemas cardio-respiratórios, aliás absolutamente normais na sua idade.

Memorandum - O remador excluído foi, entretanto, alvo de um processo disciplinar, por ter proferido, no momento da chegada, insultos graves ainda por apurar, na pessoa do chefe da representação nacional e por se ter queixado ao Auditor de falta de colaboração desportiva eficaz dos restantes elementos da delegação.
O processo seguiu para a DREN (Direcção do Remo Empresarial Nacional).
A bem da produtividade da Nação. Publique-se e providencie-se.

a) Assinatura ilegível

Comentário do Tradutor - (ou seria elegível? Não sei. Não se percebe bem. Ficamos aguardando)

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Passatempo especial

Ed. Campo das Letras, 15 cm x 23 cm, 762 páginas

Numa altura em que tanto se fala das desgraças do ensino da Matemática, o SORUMBÁTICO oferece o livro cuja capa em cima se vê a quem der a melhor explicação para esta velha "curiosidade de salão". Em caso de empate, o prémio será entregue a quem der a resposta primeiro.
*
As demonstrações deverão ser feitas em termos matemáticos (recorrendo à Aritmética Racional, p. ex.) e apresentadas na caixa de comentários entre o momento em que o contador-de-visitas indicar o n.º 297.792 e as 12h do dia seguinte.
NOTA: Como esse número foi atingido às 0h 14m do dia 30 de Julho, as respostas poderão ser dadas até às 12h do dia 31 (3ª-feira)
*
A selecção da resposta vencedora não será feita por nenhum dos "contribuidores" do blogue, mas sim por um leitor amigo, pessoa que tem muito gosto por estes assuntos e a quem se pediu que executasse tão melindrosa tarefa...
*
Por sugestão do amigo a quem pedi que avaliasse as respostas, o prazo foi dilatado até às 24h do mesmo dia.
-oOo-
Por decisão do "júri" (v. "comentário"), o vencedor foi o participante que respondeu às 23h52m

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AÍ ESTÃO OS PREDADORES

Por Baptista-Bastos

"Falemos de política, discutamos de política, escrevamos de política, vivamos quotidianamente o regressar da política à posse de cada um, essa coisa de cada um era tratada como propriedade do paizinho." - Jorge de Sena
O INCONCEBÍVEL ACONTECEU, três décadas depois de Abril: as quatro confederações patronais reclamaram a mudança de artigos da Constituição: um, o 53.º, acaso o mais significativo, proíbe o "despedimento sem justa causa por motivos políticos ou ideológicos". Querem, também, limitar o direito à greve, e modificar as prerrogativas das associações sindicais e a contratação colectiva. Mas o projecto restritivo é muito mais amplo e por igual sombrio. O documento do patronato fornece, com nitidez, a imagem de quem o subscreve. Além do que fundamenta um profundo desrespeito pela democracia. É a ressurreição dos predadores.
Há duas semanas tive oportunidade de ler o discurso de Francisco Balsemão, no jantar da Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social, em que apostrofou o ministro Santos Silva. É um documento discutível. Menos num dos princípios: o da liberdade de expressão. Aí, o velho capitão de jornais permanece devotadamente fiel aos ânimos da juventude. Tudo o que agrida a livre enunciação das ideias encontra nele um tenaz adversário. Sei do que falo: trabalhámos juntos, durante anos, dando corpo a um projecto grandioso: o Diário Popular. A esmagadora maioria da Redacção era de Esquerda ou, pelo menos, desafecta ao regime. Trinta e cinco jornalistas, 150 mil exemplares diários de venda. A tese era a seguinte: "Neste jornal ninguém corta nada a ninguém." O estrondoso êxito do vespertino é devido, acima de tudo, a essa caução de liberdade.
Em 1969, no período eleitoral marcelista, dois redactores do Popular participaram, activamente, como candidatos da Oposição: Mário Ventura Henriques e o autor desta crónica. Balsemão, pela Acção Nacional Popular. Nenhum dos patrões, nenhum deles obstou à nossa actividade. Tanto eu quanto o Mário Ventura assumimos as consequências imprevisíveis dos nossos actos, e não traímos os testamentos éticos que resguardavam a grandeza da nossa profissão. Quando regressámos, as nossas bancas de trabalho esperavam-nos.
Relembro o episódio como paradigma. Francisco Balsemão interpreta a reafirmação de uma luta que nunca está definitivamente ganha, e que vale sempre a pena recomeçar. Aqueles senhoritos, confederados no lucro a qualquer preço, pertencem ao ranço da História, à parte mais reaccionária da sociedade portuguesa, que dificulta o progresso social e põe em causa valores e modelos que deveriam ser intocáveis.
Saibamos expulsá-los do futuro.
«DN» de 25 de Julho de 2007

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Blogue-arquivo «Humor Antigo» - Ano de 1923

Curtas-letragens

Férias
Por Miguel Viqueira
O BOM DO PRAXEDES arrematou duas assoalhadas lá para as bandas da costa sul alentejana e pôde enfim cumprir um sonho de muitos anos, férias de praia com a família toda. Lá foram os Praxedes no boguinhas de quarta mão, a patroa, a sogra, os putos, o tareco, o bobi e o pobre do periquito, a morrer de calor na sombra da gaiola.
Descer a falésia com o pessoal todo, a lancheira, o chapéu, as cadeiras, a bola e os baldes, o jornal e o bobi aos pinotes por ali abaixo, não foi nem fácil nem agradável. Mas quando chegaram àquela enseada paradisíaca, sem vivalma, que nem de encomenda para eles, aquele mar azul e transparente só para eles, o Praxedes ia desmaiando de puro gozo, oh maravilha, isto sim é vida! Praia e mar, mar e praia, sandochas, bejecas, bola e correrias e mais praia e mar, e o sol na pele morena e o regresso estafado à tardinha para se deixarem cair na cama.
Ao terceiro dia de paraíso na praia repararam que a sogra estava na mesma posição desde manhã. Ficara a olhar para o mar como se só ela o visse. Concluíram não sem desespero que a desgraçada se tinha finado ali mesmo. Depois de muito pranto e muito susto e muita dor, içá-la pela falésia acima, mais toda a parafernália costumeira, foi certamente um dos trabalhos de Hércules, mas o bom do Praxedes nunca saberia o que isso era. Pensaram – bem - que de nada lhes valia procurarem um hospital, esperar horas a fio para lhes certificarem o que já sabiam, mais depois um ror de papelada para a transladação e sem falar dos custos... O melhor era levá-la para a casita e amanhã, a todos os títulos infelizmente, regressariam a Lisboa pela fresquinha com a sogra morta.
Mas quem era capaz de levantar a sogra e dobrá-la sequer para a meter no carro no amanhecer seguinte, rígida como uma placa de betão? A patroa chorava desconsolada, os putos olhavam com medo, o Praxedes praguejava, até que improvisou um expediente dos seus. Procurou os ciganos da vila vizinha e comprou-lhes 3 x 2 metros de alcatifa. Só tinham da cara, paciência! Enrolaram a velha muito bem enroladinha, com muito cuidado para não ficarem de fora cabelos nem chinelos, ataram bem com cordéis, puseram o rolo no tejadilho e levantaram enfim o acampamento de férias. Para não atrair as atenções foram pela estrada antiga, devagarinho e cumprindo o código à risca. Os putos acabaram por impor a paragem numa venda para fazer xixi, já agora bebe-se uma bejeca e esticam-se as pernas, salvo seja!
De volta ao carro estacaram todos a olhar para ele, mãos na cabeça: o rolo da defunta sogra tinha desaparecido! Então foi o pranto desatado e as maldições sem temperança até que o sempre bom do Praxedes teve a intuição da sua vida: não longe dali havia uma pequena ravina e se os ladrões não fossem completamente estúpidos lá haveria de estar o embrulho... Todos a uma procuraram, e lá estava mesmo, desatado, assomando um tufo dos cabelos da morta.
Até Lisboa não pararam mais. Já bem de noite, no silêncio do quarto o Praxedes não dormia e tinha os olhos fixos no tecto. Amanhã o médico certificaria a defunção ocorrida durante o sono... Afinal tudo se compunha... Ah! nada como estar de regresso a casa!

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V. blogue-arquivo «Humor Antigo» - Ano de 1923

25.7.07

Artalócia & Pirilampo

OS APRECIADORES DE CIRCO sabem que há números que passam de geração em geração, mantendo-se praticamente inalterados ao longo dos anos, mas sempre fazendo rir o estimável público.
Desses, recordo-me de um em que Pirilampo, o palhaço-pobre, perguntava qualquer coisa ao Grande Artalócia, o palhaço-rico, que não respondia logo.
Então, aproveitando a pausa, o Pirilampo lançava uma nova pergunta - precisamente na altura em que o Artalócia respondia à inicial.
É fácil de imaginar o resto: uma sucessão de perguntas lógicas, a que correspondiam outras tantas respostas correctas - mas de tal maneira fora do tempo certo que o efeito era extremamente cómico e, como não podia deixar de ser, desastroso para o palhaço-rico.
Ora, quando, um dia destes, José Sócrates veio - finalmente! - mostrar-se preocupado com as juntas médicas e quando, ao fim de quatro meses, a senhora Ministra da Educação veio - finalmente! - desautorizar a zelosa funcionária da DREN, lembrei-me dos tais palhaços.
A única diferença... é que eles nos faziam rir.
Publicado no «Destak» de 27 Jul 07, numa versão preliminar

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25ª Hora

Poucos mas bons
Por Joaquim Letria
DAQUI A TRINTA ANOS vai haver menos portugueses do que há hoje. Os cálculos são fáceis de fazer. Mal passaremos os sete milhões e meio de habitantes contra os dez milhões de hoje. As razões são fáceis de perceber: morrem mais portugueses do que nascem. As causas deste fenómeno que tanto parece preocupar os estudiosos da demografia lusitana é que já são outra música, ainda que numa versão rápida e facilmente perceptível se possa dizer que é mais fácil cómodo e agradável morrer-se português do que nascer.
No outro dia, o senhor primeiro-ministro, ao inaugurar aquela ponte baixa demais para os barcos, dizia que graças àquela rasteira obra de engenharia Portugal ficava mais pequeno. Enquanto ele encolhe o país como os filmes de verão, os portugueses definham e morrem, sem razão para procriarem mais vítimas da Pátria e novos emigrantes lusitanos.
Todavia, apesar do IVA nas fraldas e da miséria do abono de família não sou tão pessimista. Quando ficarmos todos pobrezinhos de verdade, para o que já não falta muito, vão ver as ninhadas de filhos ranhosos e pé descalço que os portugueses desatam a criar. Já estivemos mais longe.
«24 horas» de 20 de Julho de 2007

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As leiteiras e o aquecimento global...

«Humor Antigo» - Ano de 1923

Quando encontrei esta velha anedota, não resisti, e enviei-a ao Eng.º Rui Moura, especialista em assuntos climáticos e que, no seu blogue «Mitos Climáticos», tem gasto bastante tempo e energias a ajudar as pessoas a arrumar ideias no que toca a esse assunto. Pelo óbvio interesse, e com sua autorização, segue-se o comentário que ele fez.
*
(...) foi nessa época que se verificou o fenómeno conhecido por «dust bowl» nos EUA. O John Steinbeck relatou o acontecimento nas «Vinhas da Ira». A seca é um complexo que ficou nas autoridades norte-americanas já que ela pode arrastar problemas sociais terríveis como sucederam nessa época. E o «global warming» começou quando o Congresso dos EUA chamou, em 1988, o James Earl Hansen, director de uma agência da NASA, para explicar a seca que estava a decorrer. O Hansen disse que era devido ao «global warming» e aos gases com efeito de estufa de origem antropogénica, nomeadamente ao dióxido de carbono. O New York Times chapou na primeira página este depoimento e a notícia propagou-se quase à velocidade da luz por todo o planeta. A nossa tragédia vem daí. A partir de então a NASA pretende demonstrar o acerto da falaciosa declaração do Hansen. Os cépticos chamam mesmo hansenismo por cacofonia com o lissenkoismo.
Se reparar na curva da temperatura média global (está no baú do meu blogue e devo reproduzi-la proximamente), entre 1910 e 1935 verificou-se uma subida com uma inclinação semelhante (ligeiramente menor) à da subida verificada entre 1975-2000. Curiosamente correspondem a um quarto de século já que a temperatura média global estacionou desde o início deste século. Aconteceu o mesmo entre 1935 e 1960 (outro quarto de século) durante o óptimo climático contemporâneo. Estes quartos de século são apenas coincidências pois não há razão para se considerarem ciclos marcados. Ou haverá? É caso para investigação.

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Woody Sócrates

Muito se tem falado, ultimamente, do facto de o Governo ter pago 30 euros a cada criancinha para fazer de figurante numa sessão de apresentação do Plano Tecnológico - tal como, dias antes, alguém pagara excursões a cidadãos de Teixoso, Cabeceiras de Basto e Alandroal para virem a Lisboa festejar a vitória de António Costa.
Ambas as rábulas me fazem lembrar uma famosa cena do filme «O Inimigo Público», em que Woody Allen nos revela que teve uma infância tão infeliz, que a mãe até tinha de pagar aos miúdos lá da rua para brincarem com ele...
CMR
-oOo-
SIMS, SR. PRIMEIRO-MINISTRO

Por Alberto Gonçalves

PARA ELEVAR PORTUGAL ao topo da modernização das escolas e suscitar a inveja da Terra, o Governo lançou o Plano Tecnológico para a Educação. A nova maravilha, que envergonha o Taj Mahal, custa 400 milhões de euros e, nos pormenores, visa aplicar às criancinhas os métodos de controlo paternal que o Governo tem disseminado entre os adultos: cartões electrónicos, câmaras de vigilância, etc.
O fundamento do projecto, porém, reside na informatização das salas de aula, que não têm aquecedores mas terão computadores e um "quadro interactivo". Estas duas miraculosas conquistas da ciência permitem que os petizes façam um exame sem recorrer à expressão escrita ou oral, de resto em desuso: basta carregarem num botão e as respostas surgem no tal ecrã digital.
E serão as respostas correctas? Após densa investigação, os peritos do ministério da Educação descobriram que o velho quadro de ardósia, os cadernos, os lápis e os afias são parcialmente responsáveis pela miséria do sistema escolar. Sucede que os alunos também não ajudam, e convinha trocá-los uma alternativa qualquer. Na apresentação do referido Plano, o eng. Sócrates deu o exemplo, ao dirigir-se a uma turma de figurantes contratados por uma firma de casting para substituir os tradicionais, e anacrónicos, discentes.
É um pequeno avanço. Não é o progresso desejado. Mesmo ensaiados, os figurantes ainda são de carne e osso, logo permeáveis a lapsos, como o de revelar às televisões que estavam ali a pretexto de um telefonema da agência e de 30 euros. Mediante um investimento adicional, é forçoso aproveitar o frenesim tecnológico e alargar a informatização das escolas a tudo o que nelas se mova.
«DIAS CONTADOS» - «DN» de 29 de Julho de 2007 - [PH]

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24.7.07

«ACONTECE...»

Passatempo com prémio (e convite)
Por Carlos Pinto Coelho


Pergunta: Em que cidade se encontra a fortaleza que conserva esta peça em bronze, alusiva a um momento da história colonial portuguesa? (*)
As respostas, a dar em "Comentário", só serão aceites depois de o contador-de-visitas indicar o n.º 296.692.
Ao primeiro leitor que, respeitando essa condição, der a resposta certa, será oferecido um livro, à sua escolha de entre os que estão indicados em "Comentário-1".
NOTA: Esta fotografia, como todas as outras aqui afixadas em posts com o título genérico «ACONTECE...», é da autoria de CPC, que aproveita a oportunidade para convidar os leitores deste blogue a visitar a sua página http://www.acontece.net que acaba de ser actualizada.


(*) A resposta certa (Maputo) foi dada, no "Comentário-10", às 22h46m

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A propósito da ASAE...

«La Nature», c. 1880
Clicar na imagem para a ampliar
Nos finais do séc. XIX, esta cozinha era o máximo em matéria de higiene.
Mas o que diria, dela, a ASAE? Talvez qualquer coisa como:
«A melhor prova de que era perigosa, é que os cozinheiros que se vêem na imagem já morreram, bem assim como todos os passageiros dos comboios onde eles trabalharam».

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25ª Hora

O Ministro das bolas de Berlim
Por Joaquim Letria
SEVERIANO TEIXEIRA tem o pensamento no Kosovo, o coração em Timor, a atenção no Líbano e a preocupação no Congo. Ninguém pode invejar a vida dum homem destes.
Nunca esquecerei o meu querido amigo Almirante Souto Cruz que, quando foi Chefe do Estado Maior da Armada, teve uma das decisões mais difíceis da sua brilhante carreira de distinto oficial da Nato ao decidir da vida sexual do burro do farol das Berlengas. Por isso, dou valor às múltiplas decisões transcendentes que Severiano Teixeira tem de tomar relativamente a toda a nossa orla marítima. Imagino-o, pasto da insónia, a reflectir sobre se concede ou não concede mais uma autorização para um brasileiro legal vender bolas de Berlim na praia do Rei ou pães de Deus na Cabana do Pescador. Vejo-o a criar o dispositivo de cabos do mar que controlará se os vendedores de bolos nas praias têm a obrigatória formação e licenciatura em higiene alimentar que a ASAE agora impõe. Para além de controlar se usam luvas e pinças em condições de manusearem as obrigatórias malas térmicas. Do que Luís Amado se livrou…
«24 horas» de 17 de Julho de 2007

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A propósito de planetas...

Quando se fala de vida extra-terrestre, uma das primeiras palavras que vêm à cabeça é, quase sempre, marcianos.
Esta imagem, publicada nos anos 20 do século passado, pretende representar Marte, mas o verdadeiro delírio vem no texto que a acompanha (*), onde é referida a hipótese de esse planeta ser (ou já ter sido), todo ele, um único e gigantesco ser vivo!
(*) É demasiado extenso para ser afixado neste post mas pode ser lido [aqui].

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PASSEIO ALEATÓRIO

O filósofo e o agente secreto
Por Nuno Crato
NUM PLANETA a cerca de 63 anos luz da Terra, um grupo de cientistas acaba de descobrir água. Quem ficaria espantado se pudesse ler a notícia seria o filósofo positivista Auguste Comte, que em 1842 afirmara «jamais se conhecerá a composição química dos astros». Mas conhece-se, e conhece-se ainda mais. Neste caso sabe-se, por exemplo, que o planeta demora cerca de dois dias a dar uma volta à estrela. Sabe-se que tem uma massa um pouco superior à de Júpiter. E sabe-se que a temperatura da sua atmosfera é cerca de 700 graus Celsius.
O mais curioso será perceber como tudo isto se descobriu. Em 2005, os cientistas detectaram o planeta verificando uma mudança periódica na luminosidade da estrela. Essa mudança de luminosidade, concluíram, é devida à passagem de um planeta à sua frente. Pela redução da luminosidade estimaram o tamanho do planeta, pela periodicidade dessa redução estimaram a sua órbita e a partir daí a sua massa. Agora, utilizando o telescópio espacial Spitzer, mediram a redução de luminosidade da estrela em comprimentos de onda muito precisos. A passagem do planeta reduz todos os comprimentos de onda, mas a atmosfera do planeta absorverá mais uns do que outros. Notando que a absorção em determinado comprimento de onda de infravermelhos (3.6 micrómetros) é menor do que noutros, concluíram que existem moléculas de água na atmosfera. Nenhumas outras se comportam dessa forma.
O filósofo francês oitocentista tinha-se precipitado sobre a incapacidade dos astrónomos para conhecer astros distantes. Mais prudente era o agente James Bond: «Never say never... again»
«Expresso» de 21 de Julho de 2007

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23.7.07

OS NOVOS GAIBÉUS

Por Baptista-Bastos

"DO ALTO RIBATEJO e da Beira Baixa, eles descem às lezírias pelas mondas e ceifas. Gaibéus lhes chamam."
No romance que estabeleceu novos meridianos na literatura portuguesa, e inaugurou o movimento neo-realista, Alves Redol escrevia o mural do desespero e da fome. Gaibéus é de 1939. Adjectivava uma infâmia e um infortúnio. Camponeses das Beiras, a que chamavam, também, "ratinhos", furavam greves, trabalhavam nos campos gerais ribatejanos e nas searas alentejanas submetendo-se a salários muito inferiores aos dos trabalhadores locais. Também do Algarve saíam, para os latifúndios, os que não encontravam, nas suas terras, a subsistência mais rudimentar.
O emprego sazonal era o anverso da medalha do desemprego. A fome acossava esses pobres portugueses, que vendiam a alma, perdiam a dignidade e estilhaçavam o carácter a troco de um pouco de pão. O Ribatejo e o Alentejo, insubmissos, insultavam e, amiúde, espancavam os que iam roubar-lhes o trabalho. As designações "gaibéu" ou "ratinho", estigmas desonrosos, assinalavam a rejeição do outro, afinal sofredor como aqueles que o abominavam. Redol não se cansou de narrar a epopeia dos imigrados do interior, esses retirantes temporários nos quais depositava uma comovente porção de ternura, em páginas admiráveis, que culminaram com uma obra-prima, Barranco de Cegos.
Lembrei-me do grande escritor quando, há dias, a Televisão da Galiza noticiou que os trabalhadores da região se manifestavam, com veemência e alvoroço, contra os milhares de portugueses que se ofereciam para trabalhar por metade e, até, por um terço dos salários ali auferidos. A desconstrução da miséria antiga não foi suficiente para a fazer desaparecer: mascarou-a. E a globalização, como espaço de equidade, de solidariedade, e paradigma da liberdade, desprotege, cada vez mais, os desfavorecidos, além de atingir, com singular violência, a "classe média". Os novos gaibéus são, também, licenciados, cientistas, intelectuais, investigadores; e jovens e jovens e jovens.
Os nossos dirigentes políticos não possuem talento nem grandeza para criar condições de vida aceitáveis. A sua mediocridade exultante é típica do populismo autoritário, que deixa de lado as mais vivas expressões da realidade social. Portugal é, de novo, um país gaibéu. Como acentuou Antonio Negri, num entusiasmante livro de entrevistas com Raff Valvora Scelsi, Goodbye Mister Socialism, esta "Esquerda" estimula o êxodo, em vez de promover o afrontamento. Prefere o deserto humano a ter de partilhar experiências com as singularidades dos movimentos que se ajuramentam, um pouco por todo o lado. Esta "Esquerda" é a Direita exacerbada.
«DN» de 18 de Julho de 2007

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«Humor Antigo» - Ano de 1923

O CATITINHA

Por Alice Vieira
É SOBRETUDO QUANDO CHEGA O VERÃO e dou comigo a trincar uma azeda, com o sumo a escorrer-me pela cara abaixo (e a voz séria da minha neta, “ó avó, estás a pastar?!”) que me lembro mais dele.
Batia à minha porta sem hora marcada, a criada ia abrir, e dizia depois para a minha tia, numa voz reverente:
“Chegou o Senhor Catitinha.”
E ele entrava, imponente no seu fato preto, e com uma cabeleira branca que lhe dava o ar de um profeta. Estendia-me a mão — e lá íamos.
Descíamos a rua até ao Marquês de Pombal, e entrávamos no Parque Eduardo VII.
Há sessenta anos, o Parque Eduardo VII era, pelo menos aos meus olhos de criança, uma espécie de floresta encantada donde, a qualquer momento, poderiam sair as personagens que estavam nas histórias que ele me contava.
Então o Catitinha levava-me a conhecer as plantas, as árvores, dizia-me os seus nomes como se estivesse a apresentar-me velhos amigos, onde tinham nascido e como tinham vindo ali parar.
E, no final do passeio, vinha a chave de ouro: arrancava da terra meia dúzia de plantas com uma flor muito amarela, distribuía-as entre nós dois, e ali ficávamos, sentados, a apanhar sol e a trincar aqueles caules muito fininhos, donde saía o melhor sumo do mundo. Então ele ensinava-me que aquelas plantas se chamavam azedas, embora houvesse gente que lhes desse o nome de vinagreiras, e que fazia muito bem comê-las porque estavam cheias de vitamina C. Durante muitos anos, a vitamina C foi, para mim, aquele sumo que escorria do caule das flores amarelas que eu comia ao lado do Catitinha.
Depois voltámos para casa, ele entregava-me à minha tia, e saía em busca de outra criança do bairro. E eu ficava ansiosamente à espera que ele voltasse.
A seu respeito contavam-se estranhas histórias.
Que era meio louco.
Que tinha enlouquecido quando a filha única morrera atropelada e que era por isso que trazia sempre um apito no bolso e que apitava freneticamente de cada vez que atravessava a rua com as crianças ao lado, para que todos os carros parassem e não houvesse perigo.
Diziam também que era do norte, que se passeava pelos areais da Póvoa e de Vila do Conde, mas depois eu ia a praia de Cascais e ele também lá estava, e para mim ele passou a ser, na minha infância complicada e de poucos afectos, uma espécie de anjo protector, que vivia em toda a parte e chegava quando eu precisava dele.
Como qualquer anjo da guarda digno desse nome.
Não sei o que eu teria sido se, durante esses primeiros anos da minha infância, ele não tivesse existido. Mas teria sido, seguramente, uma criança muito mais infeliz.
Mas ainda hoje não entendo como é que a minha tia, que dominava todos com mão de ferro e não me autorizava sequer a brincar com outras crianças da rua — me largava assim nas mãos daquele velho sem querer saber onde íamos, nem quando voltávamos.
É das poucas coisas que lhe agradecerei sempre.
E, evidentemente, o facto de ignorar palavras complicadas que, anos depois, haviam de estar na boca e nos receios de toda a gente.
Como, por exemplo, pedofilia.
«Jornal de Notícias» de 22 de Julho de 2007

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22.7.07

«Humor Antigo» - Ano de 1923

GLÓRIA AOS VENCIDOS

Por Nuno Brederode Santos
MUITO ELES GOSTAM de regras! E quanto mais severas, espartanas e cegas, mais eles gostam. Porque a regra severa, espartana e cega é o melhor chapéu emplumado para quem vai nu.
Ainda não assentou no chão a poeira da regra de Marques Mendes sobre as incompatibilidades dos arguidos. Ainda os seus estragos no PSD volteiam pelo ar, folhas de um Outono prematuro. E já uma nova regra - severa, espartana e cega - se instalou. Segundo ela, talvez em democracia haja ganhar e perder, mas quem perde demite-se. Sem mas, nem porém. É assim. Chamam-lhe "responsabilidade política" e explicam que é uma responsabilidade objectiva. Como a obrigação que eu tenho de indemnizar, quando o meu carro, estacionado, se destrava e vai bater noutro. Sem culpa nem pecado.
Claro que este simplismo é, como todos, falso e redutor. E, como todos, destina-se a não produzir efeitos úteis. A regra é absurda para que ninguém exija o cumprimento. Na derrota, deve o agente político sujeitar-se à libérrima apreciação daqueles a quem ela prejudicou - por via de regra, os companheiros de partido ou de aventura política. E, para que seja libérrima, deve ele ainda abster-se de intervenção nessa ponderação colectiva. Se esta concluir pela causalidade entre o desempenho do agente e a derrota de todos, o convite à demissão está feito. Se ela concluir que a derrota foi um incidente de percurso, então "em democracia, há ganhar e há perder", o agente mantém-se em funções e a vida continua. A chave é a sujeição do general ao livre juízo das tropas. Privando-o de ser juiz em causa própria.
Ora o modo como os grandes derrotados das eleições de Lisboa estão a assumir as suas responsabilidades é a própria negação da responsabilidade política.
No CDS, ofereceu-se à populaça a cabeça do candidato. No discurso oficial, ele começa por ter sido óptimo, mas depois considera-se natural que se demita de todas as (outras) responsabilidades partidárias. Já o líder, que o escolheu com espalhafato mediático, que se apresentou como a verdadeira oposição de todo o "centro-direita" e que decidiu fazer destas eleições uma questão nacional e um duelo pessoal com o primeiro-ministro, esse entrou em "reflexão sobre as condições do exercício da intervenção política em Portugal" (reflexão que convinha estar feita quando, aos 16 anos, se adere a uma Jota ou, pelo menos, antes de disputar uma liderança partidária). Uma reflexão que é pessoalíssima e deixa todos os demais interessados em suspenso e abstinência até à realização de um Conselho Nacional. No qual, aos supostos avaliadores da responsabilidade política, cabe ouvir, cabendo ao avaliado falar.
No PSD - em que o próprio candidato imputou, sem desmentido, as culpas da derrota ao partido -, Marques Mendes, após ter imposto à campanha uma lógica nacional suicidária, requer directas para esvaziar o subsequente (e inevitável) Congresso. Os cronistas da vida partidária registarão o afastamento de outros responsáveis, mas o líder prossegue, impante, porque foi contratado para um ajuste de contas em 2009, e não em 2007. Só não se entende a razão por que fez de umas eleições em 2007 um duelo directo com o Governo, para o qual, pelos vistos, não fora contratado. Quis ter direito às ilações da vitória, mas recusa sujeitar-se às da derrota.
Enfim, Manuel Monteiro: o líder de um partido tão íntimo e portátil que tal estatuto nem o impede de ser comentador político na televisão. Comoveu muita gente ao proclamar que "o país está cansado dos Marcelos Rebelos de Sousas (!), dos Paulos Portas, dos Mendes e dos Monteiros", mas fê-lo para se igualar na derrota aos que não sabem o nome completo de todos os que neles votaram. "Caí como Heitor", parece ele dizer; mas omite que o seu Aquiles foi o "nacionalista" Pinto Coelho. E sugere agora demitir-se do que não existe, a troco de mais uma patética tentativa de protagonizar uns "Estados Gerais da Direita", a que PSD e CDS teriam de se sujeitar.
Antes de ser político ou moral, o problema desta direita é estético.
«DN» de 22 de Julho de 2007

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