31.7.06

«O Ovo de Colombo» (*)

HÁ ALGUM tempo, apresentaram-me a um senhor que se propunha abrir um café-restaurante numa zona onde já havia muitos outros. Logicamente, perguntei-lhe como é que tencionava competir com quem já tinha a sua clientela estabelecida mas ele, talvez por não me conhecer de lado nenhum, limitou-se a sorrir e mudou de assunto.

Tempos depois, num longo passeio sem rumo certo, calhou passar à sua porta. Entrei, almocei, e já me vinha embora (agradado com a refeição, o preço e o ambiente) quando ele, reconhecendo-me, me veio cumprimentar.
Acompanhou-me até à saída e, quando o felicitei pelo evidente sucesso (que se podia aquilatar pela casa cheia), explicou-me, então, o seu segredo:

- Não é mais do que o velho ovo-de-Colombo. Limitei-me a observar a concorrência e evitar o que ela tem de mau. Ao contrário do que possa parecer, tem sido a coisa mais fácil do mundo.

E foi assim que, em relação aos cafés, pastelarias, snack-bars, leitarias e restaurantes da vizinhança fiquei a saber: que uns raramente disponibilizavam, simultaneamente, toalhetes, sabão e papel-higiénico; outros recorriam a empregados maldispostos; outros, ainda, tinham cozinheiros muito lentos e pouca variedade de comidas... e por aí fora, numa enumeração exaustiva onde não faltavam, é claro, os que eram careiros, os que punham a televisão aos berros, os que só de longe em longe varriam o chão, os que poupavam no mata-moscas... e, evidentemente, os que acumulavam várias dessas "qualidades".

Em face disso, perguntei-lhe como é que explicava que, sendo esses erros tão evidentes e fáceis de evitar, os que os praticavam persistissem neles. E foi então que ele, sorrindo, me atirou - à laia de despedida:

- Meu caro amigo, embora todos os dias eu lhes roube clientes, eles continuam a proceder exactamente como quando eu para cá vim. Sabe? É que a última coisa a morrer não é a esperança, mas sim a mentalidade...
_
Publicado no «PÚBLICO/Local-Lisboa» em 3 Ago 06 e também no «Correio da Manhã de 9, mas com muitos cortes.

Histórias do Universo (*)

HÁ HOMENS que gostam de escrever histórias. Uns narram a vida; outros, o mundo imaginário. José Fernando Monteiro escrevia histórias sobre o mundo em que vivemos, o nosso Universo.

Essas histórias saíam em revistas e no «Jornal de Notícias», onde durante duas décadas manteve uma crónica sobre ciência. José Fernando Monteiro gostava também de falar para o público, e era figura frequente nos encontros científicos. Já não está entre nós. Desapareceu inesperadamente em 23 de Fevereiro de 2005, com 43 anos de idade.

Nascido no Porto, onde tinha primeiramente estudado, tornou-se um dos nossos maiores peritos em geologia planetária. Investigava a história dos meteoritos e do impacto que esses corpos provindos do espaço provocam sobre a Terra ou sobre outro planeta.

Na altura em que faleceu, dava os retoques finais numa colecção de crónicas para publicar em livro. Os seus amigos, que são muitos, ficarão contentes por saber que esse livro foi agora dado à luz pela Editora da Universidade do Porto. Chama-se «Histórias do Universo», tem 237 páginas e é uma pérola.

«Há tão pouco ozono na atmosfera», diz no começo de uma das suas crónicas, «que se ele fosse concentrado à superfície terrestre formaria uma capa com apenas três milímetros de espessura.» Dá vontade de ler mais. E Fernando Monteiro explica-nos em seguida algumas das peripécias na descoberta do célebre buraco de ozono.
Noutra crónica fala-nos da Atlântida, para explicar como os estudos geológicos modernos apontam para ilhas hoje submersas por cataclismos que podem ter inspirado o mítico relato de Platão. Noutras fala-nos de Asimov e da ficção científica. São crónicas de um cronista do Universo. É um livro de um contador de histórias.
(Adaptado do EXPRESSO)

30.7.06

Rio ri...

MUITO se tem discutido a atitude de Rui Rio de só conceder subsídios a quem se comprometer a não atacar a C. M. do Porto: uns dizem que isso é fazer uma gestão abusiva de dinheiros que não são seus, outros contra-argumentam com a sabedoria popular do «Não mordas a mão que te dá de comer».

Ora, nesta coisa de discussões, o melhor é procurar um exemplo que seja, além de válido, tão extremo que torne possível a aplicação do «método de redução ao absurdo»; e em matéria de atacar quem o ajuda - e recorrendo, até, ao insulto mais grosseiro -, temos um exemplo sempre à mão: Alberto João Jardim.

Bem... e se a um exemplo dessa magnitude se juntar a tal sabedoria popular... então nem queiram saber!

Comeste a carne assada,
bebeste a aguardente,
sujaste a casa toda
'inda dizes mal da gente!

Terrorismo de papel (*)

RECAPITULEMOS. A coisa começou directa e simples: por ter trabalhado na RDP durante poucos meses de 1975, o deputado Manuel Alegre iria agora receber uma pensão de reforma de mais de três mil euros. A fonte era a lista dos aposentados e reformados da Caixa Geral de Aposentações, pelo que não se viu necessidade de ouvir um técnico, nem um jurista, nem a própria Caixa, nem o visado. Por legal que isto fosse, o contexto de banda gástrica em que vivemos garantia à partida a ira da multidão.
Logo se produziram inúmeros comentários pressupondo que o direito a uma pensão naquele montante decorreria desses escassos meses de trabalho. E o cidadão, sabedor por experiência própria de que nenhum dos vários empregos que teve lhe assegura por si só uma reforma por inteiro, foi naturalmente levado a pensar que se trataria de uma prerrogativa de Manuel Alegre ou, mais plausivelmente, dos deputados em geral.
Dois dias depois, gente séria de origem vária destruíra já a ideia. Mas não se ouviu um pedido de desculpas: nem a Alegre ou aos deputados, nem aos leitores ou telespectadores. Aquilo que tão zelosos acusadores fizeram foi substituir uma perfídia por outra: a da insinuada imoralidade de ele pedir a reforma, deixando presumir que o fez na ganância de acumular com o vencimento dos deputados.
Foi então esclarecido que ele nem pedira nada, tudo resultando do automatismo legal resultante da idade. E também que, já com este Governo, se tornou obrigatório renunciar a dois terços de uma das verbas em acumulação. Por isso, admitiu-se que chegara a hora do tal pedido de desculpas. Mas não. Os aflitos Torquemadas passaram a dissertar sobre a imoralidade da acumulação da reforma com a subvenção vitalícia dos deputados. É a mera fuga em frente, à procura de um terreno onde possam salvar a face. Porque foi em nome dessa talvez imoralidade (mas que teve óbvia justificação histórica), e não por iniciativa ou pressão dos acusadores de hoje, que foi já extinta para o futuro a subvenção vitalícia.
O certo é que, neste carrossel de falsidades, onde tiver havido boa-fé, houve negligência grosseira, e onde tiver havido competência, houve má-fé. Mas é claro que nada acontece, nem aos ineptos nem aos Catões de algibeira. Parece que nada lhes trava o terrorismo de papel. A menos que a impunidade de que gozam cá por baixo lhes ensombre os autos no Dia do Juízo.
_

(*) Crónica de Nuno Brederode Santos no «DN» de hoje, aqui transcrita com sua autorização

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Quem dá mais?

RECENTEMENTE, uma pessoa amiga não conseguiu receber um simples ficheiro que lhe enviei porque ele tinha um pouco mais de 2 Mega, que é a capacidade do seu hotmail na versão-base.

Claro que lhe sugeri uma conta Gigamail (com 2,7 Giga), para o que lhe enviei um "convite".

Mas parece que há quem dê mais: http://www.30gigs.com/

(Sugestão de JMF)

29.7.06

Fotos do mundo todo

VALE a pena visitar esta página - Oh, se vale!
(Sugestão de JMFigueiredo)

Coincidências de paginação...

NA PÁGINA 7 do EXPRESSO de hoje, podem ver-se estes dois textos:

O da esquerda é de Mário de Carvalho, sobre António Costa; o da direita é de Fernando Madrinha, sobre Teixeira dos Santos.

NOTA: O risco e a setinha a vermelho fui eu que pus...

A altura do rei (*)

A FRUSTRADA tentativa de analisar o túmulo de D. Afonso Henriques (c. 1109–1185) continua a causar celeuma. Entre outras coisas, a antropóloga Eugénia Cunha e os seus colegas pretendiam medir a altura do fundador da nacionalidade. Um simples número não será decisivo para rescrever a história, mas é um dado em falta que pode esclarecer outros e levantar novas interrogações. Está-se a falar das ossadas de um rei que nasceu há quase nove séculos e cujos restos mortais tudo leva a crer estarem perfeitamente localizados.
Mais surpreendente, porém, será conseguir medir a altura de um outro homem, que nasceu 18 séculos antes do nosso rei e cuja sepultura se desconhece. Mas isso é possível, pois esse homem era um geómetra. É considerado o fundador da filosofia e da ciência. Falamos de Tales de Mileto (624–547 a.C.), é claro. Quem mais poderia ser? Pois esse homem, um dia, em viagem pelo Egipto, surpreendeu-se com a altura da Grande Pirâmide de Queóps. Pensou numa maneira de a medir sem sair do chão. Aplicando um teorema que depois levou o seu nome, notou que a razão entre a altura da pirâmide e a sua sombra era a mesma que a razão entre a sua própria altura e a da sua sombra. Mediu as sombras. Fez as contas e chegou à conclusão que a pirâmide media 85 vezes a sua altura.
Foi um feito que surpreendeu os seus contemporâneos e que ainda hoje é recordado. Para o que nos interessa, contudo, é preciso caminhar em sentido contrário. Sabemos hoje que a pirâmide de Queóps mede 147 metros. De onde concluímos que Tales media 1,73 metros. Nada mais simples!
Fosse D. Afonso Henriques um geómetra e talvez pudéssemos conhecer a sua altura sem lhe abrir o túmulo.
(*) Adaptado do EXPRESSO

28.7.06

«Quantos são? Quantos são?» ou:«São mesmo "precisos"?»

ATÉ HÁ POUCO tempo, quando se queria saber quantos funcionários públicos havia, era necessário aceitar a expressão MAIS OU MENOS; mas, como não há fome que não dê em fartura, agora já conhecemos a resposta com um rigor milimétrico: 580291.
Na mesma altura, a Direcção Geral do Orçamento informava-nos que, no primeiro semestre deste ano, o seu número tinha aumentado em 10166; mas, pouco depois, o Senhor Ministro das Finanças corrigia: ele tinha era diminuído de 4345 unidades.
Vemos, pois, que a escrupulosa exactidão do IGUAL convive com a do MAIS e a do MENOS na luta contra o tão português MAIS-OU-MENOS - uma realidade um pouco confusa que faz lembrar uma velha cantilena do Solnado, que tinha um estranho refrão:

«Vale mais o mais-ou-menos do que mais - que menos não pode ser!».

«Pulando a cerca»

UM BELO DIA, com a chegada da Primavera, uma comunidade de simpáticos animais acorda, e constata que uma gigantesca urbanização de vivendas ultra-modernas foi construída ali mesmo ao pé, separada do espaço onde vive por uma alta e compacta sebe.
Depois de vencido o medo, e atravessando-a (ora num sentido ora no outro), a bicharada vai tomando contacto com tudo o que a sociedade-de-consumo produz, e acaba a desejar (e a roubar) as coisas mais estapafúrdias (desde cadeiras insufláveis até comida fast-food)...
O curioso (e pouco normal em filmes infantis) é que o herói da história (o guaxinim, que se vê na imagem com uma cana de pesca) é, ao mesmo tempo, o vilão.
Curiosidade adicional: a certa altura, a gestora do condomínio de luxo chama um exterminador, que lhe mostra as terríveis armas de que dispõe para combater os inimigos. Há algumas que são proibidas pela Convenção de Genebra, mas que se comercializam no Texas - e são exactamente essas as escolhidas...

Ora droga!

AQUANDO do tsunami de 26 de Dezembro de 2004, muita gente ficou furiosa porque a sua ajuda não seguia prontamente para as zonas afectadas.
Na altura, foi referido por algumas pessoas que, por estranho que pareça (e por muito que custe aos dadores), nem sempre toda a ajuda é bem-vinda.
Esta notícia mostra como ela pode até ser contraproducente!

É pena...

HABITUEI-ME, todas as manhãs (de 2ª a 6ª feira, claro), a aceder à página www.metropoint.com para folhear o jornal «metro» - começando pela edição de Lisboa e espreitando, em seguida, algumas outras por esse mundo fora.
Bastava, para isso, clicar no ícone do país escolhido e depois seleccionar a opção «download» (havia também uma opção «view» que, vá lá peceber-se porquê!, nunca funcionou - o que, no entanto, não era grave).

De há algum tempo a esta parte, ao clicar-se na bandeirinha do país passou a aparecer uma nova página, que nos permite escolher o dia pretendido e, em seguida, aceder ao respectivo conteúdo clicando em «Get your metro»:

E isso funciona para os diversos países que experimentei, com uma excepção: nas páginas portuguesas (Lisboa e Porto) somos remetidos para a página inicial e, apanhados numa pescadinha-de-rabo-na-boca, nunca mais saímos dali!
Logo que detectei a anomalia, escrevi para lá a dar conta dela. Mas nem resposta... nem correcção.
É pena, porque são essas pequenas coisas (por vezes fáceis de resolver) que afastam as pessoas. Por mim, ao fim de vários dias a obter o mesmo "resultado", apaguei o endereço dos meus "Favoritos".

"Post"-aberto




AQUI fica o habitual post-aberto das sextas-feiras para quem o quiser utilizar.

Ah! E bom fim-de-semana!

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Conselhos de Gestão (cont.)





27.7.06

Mais piratas?

ERA ESTE o aspecto da página-pirata do ABRUPTO há poucos instantes:
Começo a dar razão a JPP (parece tratar-se de um ataque deliberado e não algo fruto do acaso), e a não compreender qual é a graça que certas pessoas estão a achar a isso.
É que as anedotas (tal como as gracinhas dos putos) podem ter graça (se tiverem...) mas só da primeira vez.

Parte 2 - «O Cofre do Homem Morto»

NÃO vi o primeiro filme da série «Piratas das Caríbas», mas este - «O Cofre do Homem Morto» - tem tudo e mais alguma coisa no que toca ao imaginário dos filmes de piratas:
Naufrágios com fartura, abordagens, um cofre enterrado e desenterrado, ilhas misteriosas (com e sem antropófagos...), um navio tripulado por mortos-vivos, uma mulher que se disfarça de marujo, barris de pólvora que explodem, piratas capturados a apodrecer nas prisões...
Ah! E efeitos especiais de abrir a boca de espanto, paisagens de sonho e uma série de gags divertidos temperados com os tiques e ademanes de um pirata - que nunca se percebe muito bem se é gay ou bissexual...

E já que falámos de boa gestão, aqui ficam alguns conselhos (continua)





(Enviado por C.)

Coincidência - Azar o meu...

JÁ É A SEGUNDA vez que os records de lucros da EDP são anunciados no mesmo dia em que recebo facturas também de valor record da mesma extremosa colectividade!
(Enviado por C.)

O mês de Albertus

GARANTE o «DN», na sua edição de hoje, que 40% dos juízes já se encontram de férias - uma realidade que choca com pretensão governamental de os obrigar a gozá-las exclusivamente em Agosto.

Ora, já há muito tempo que se dizia que essa directiva não ia ser cumprida, pelo simples facto de esse mês não ter dias-úteis em número suficiente; mas, mesmo assim, o Governo bem podia ter contornado a questão, nem que, para tal, tivesse de recorrer à maioria absoluta - que, como se sabe, dá para quase tudo:

Sucede que, entre Janeiro e Dezembro, os meses são, alternadamente, grandes e pequenos, com uma notável excepção: a Julho segue-se Agosto, e ambos têm 31 dias.
Ora esse facto bizarro, segundo se diz, foi uma imposição do imperador Augusto que mandou alargar o mês de Agosto à custa de Fevereiro, porque não queria que "o seu mês" fosse menor do que aquele a que Júlio César dera o nome.

Mesmo que tal não seja verdade, a ideia é «cinco estrelas», pelo que não se percebe porque é que Alberto Costa, sempre tão voluntarioso, ainda não fez o mesmo, decretando, para Portugal, um «Agosto ao seu gosto», com o número de dias necessários para que a sua vontade seja feita.
_
(Publicado no «DN» e no «metro» de 28 Jul 06)

26.7.06

«Código par(a)lamentar» ou «No smoking»

EM TEMPOS que já lá vão, conheci de perto um professor do IST (*) que atribuía tal importância ao vestuário, que os alunos se vestiam tanto melhor quanto menor era o seu conhecimento da matéria.
E essa sua obsessão era tal que, um belo dia, houve um brincalhão que resolveu ir directamente de uma festa de casamento para o exame - onde apareceu, todo pimpão, com o fraque que envergara na cerimónia nupcial.
Em face disso, o mestre começou por proceder como se não fosse nada mas, no fim, além de brindar o janota com uma generosa classificação, desculpou-se humildemente pelo facto de não estar à altura do examinado no que tocava à indumentária.

Essa história, de que já me não recordava há anos, veio-me agora à memória a propósito do código de vestuário que o PSD-Madeira impôs aos jornalistas que fazem a cobertura das actividades do Parlamento local.
E que tal, pois, se estes fizessem o mesmo que o referido pândego, apresentando-se ao trabalho de fraque ou smoking, levando os distintos sociais-aristocratas a fazerem, por contraste, figura de pés-descalços?
(*) Tratava-se do famoso Professor Ilharco, de Química, com quem, por sinal, aprendi muitas coisas úteis...
(Publicado no «DN-Madeira», com o último parágrafo cortado...)

Os grilos são termómetros (*)

NA SEMANA passada, ao passear por uma livraria, reparei num livro curioso: «Los Grillos Son Termómetros». É um título excelente. Chamou-me a atenção e fui ver do que se tratava.

O tema do título apenas aparece referido de passagem. Mas descobri depois que é muito explorado nas escolas norte-americanas para envolver os jovens na observação e no cálculo. O princípio é simples: os intervalos entre as estridulações dos grilos são função da temperatura exterior. Quanto mais quente estiver, mais frequentes são. Mede-se pois a frequência dos grilados e estima-se a temperatura.

O tema começou a ser estudado nos princípios do século XX. Num artigo publicado em 1924, o biometrista norte-americano Crozier revelou múltiplas medidas que tinham sido feitas por diversos investigadores e que mostravam que a temperatura influencia o metabolismo dos animais, acelerando-o. Entre essas medidas estava o grilar dos grilos.

Observações posteriores refinaram bastante estes estudos. Houve cientistas que notaram diferenças entre espécies distintas de grilos e intervalos diversos de temperatura. Os grilos não são termómetros rigorosos, como é natural. O surpreendente é que possam funcionar como tal.

A explicação parece estar num fenómeno descrito pela chamada equação de Arrhenius: a velocidade das reacções químicas é função exponencial do inverso da temperatura absoluta. Para os intervalos das temperaturas ambiente, esta relação pode ser aproximada por uma função linear, de onde resulta uma fórmula simples:
O número de grilados em 15 segundos adicionado de 5 dá a temperatura em graus Celsius.
Fica pois a saber, leitor. Nos dias quentes de verão basta-lhe um grilo e um relógio para medir a temperatura.
_
(Adaptado do «EXPRESSO»)

As competências

NOTA: Neste texto (publicado no «metro» de 27 Jul 06 e no «DESTAK» do dia seguinte), os editores tiraram a parte final, pelo que o texto integral está em «Comentário-1».
NOTA: Neste texto, publicado hoje no jornal «metro», aborda-se o mesmo tema referido no post anterior.
Foi vítima de um corte no fim, pelo que a versão integral está em «Comentário-1».
NOTA: Este texto já foi publicado há alguns dias no jornal «metro», mas com cortes. Foi hoje foi publicado, no «DESTAK», integralmente (embora um pouco atrasado...).

Ainda «O CÓDIGO DA VINCI»...

IMAGINO que já toda a gente deve deitar pelos olhos as discussões sobre «O CÓDIGO DA VINCI» pois, embora um ou outro crítico aborde o aspecto literário do romance, a maioria só se debruça sobre os aspectos religiosos - com apaixonadas discussões sobre o que, nele, é ficção e o que é realidade.
Felizmente, este livro - «A Espiral Dourada» - envereda por outro caminho:
Aborda (e analisa seriamente mas em linguagem muito acessível) os aspectos científicos da famosa obra:
A série de Fibonacci, as cifras, os pentáculos, os movimentos de Vénus, as observações astronómicas, o tempo universal, o número de ouro, etc.
Ficamos a saber que, nesses aspectos, há muitas incorrecções no livro de Dan Brown, mas também muitas coisas certas. «A Espiral Dourada» (obra profusamente ilustrada e que se lê num instante) ajuda a separar o trigo do joio.
-
NOTA: Os autores deste livro avançam até com duas curiosas soluções (uma delas, caseira e até mesmo evidente!) para abrir o famoso CRIPTEX (supostamente inventado por Leonardo) sem destruir o pergaminho que ele contém. E até aposto que Dan Brown estaria disposto a pagar muito dinheiro para que esse segredo não fosse revelado!

25.7.06

O mistério do ABRUPTO-pirata

COMO se sabe (pois não se fala de outra coisa!), a página do ABRUPTO aparece, de vez em quando, substituída por uma outra, pirata (cuja imagem não estou a conseguir afixar aqui).
O que é curioso é que essa página-pirata aceita "Comentários", pelo que há uns leitores que vão lá escrever umas larachas, convencidos que estão a comentar o blogue verdadeiro...

Ainda o Diário da República Electrónico

RECENTEMENTE, divulgou-se aqui um "motor de busca" para o Diário da República Electrónico, da autoria de Paulo Querido.

Hoje, ele mesmo sugere um outro, que diz ser ainda melhor: http://www.destakes.com/dre/

Trabalhador por conta própria...

O EDITORIAL do «PÚBLICO» de hoje refere o facto, aparentemente com foros de coincidência, de muitas guerras eclodirem no Verão.

Ora, pelo menos dantes, isso justificava-se perfeitamente pela duração dos dias e pelo bom tempo - no hemisfério Norte -, sendo até um facto que, frequentemente, os exércitos regulares "hibernavam" nos chamados "acampamentos de Inverno".

Além disso, as colheitas e as vindimas também interferiam com as épocas e durações das campanhas militares, na medida em que, nos tempos mais recuados, eram fundamentais as tropas auxiliares e eventuais, recrutadas ad-hoc pela inexistência ou fragilidade de exércitos regulares.

Mas, já que falamos de datas e de coincidências, note-se que, este ano, o feriado de 15 de Agosto calha numa terça-feira, o que também sucedeu em 1385, época em que o chamado «dia da Senhora de Agosto» já era comemorado.

Talvez seja, pois, de saudar o facto de Nun' Álvares Pereira não ter feito «ponte» na véspera, tendo-se dedicado de corpo e à alma à Batalha de Aljubarrota em que, como se sabe, se fartou de trabalhar - e com grande proveito para a Nação e para si.

Será que o facto de ele ser «trabalhador por conta própria» explicará tudo?
__
Imagem: Óleo de Carlos Alberto Santos
www.tabacaria.org/Mensagem/Brazao/nunalvares.JPG

24.7.06

Passatempo «DESTAK» de hoje

Recapitulando o problema:
Há uma obra, em três volumes, e que é arrumada "normalmente" numa estante.
Os livros têm todos 100 páginas, numeradas da seguinte forma:
Volume 1... da página 1 à 100
Volume 2... da página 101 à 200
Volume 3... da página 201 à 300
Há então um verme que nasce na página 1, e fura até à página 300, onde morre.
Pergunta-se: quantas folhas furou?
Solução:

Este problema, aparentemente simples mas em que pouca gente acerta, não pretende jogar com a confusão (frequente) entre "páginas" e "folhas", mas sim com a inesperada disposição das páginas que pode surgir quando se arrumam livros numa estante.

Neste desenho simplificado, representam-se os três volumes um pouco afastados entre si para se perceber melhor o que se passa. Como se vê, a página 1 fica próximo da 200 e a 101 da 300.

Assim, quando o verme vai da página 1 (onde nasce) até à 300 (onde morre), apenas fura 50 FOLHAS (correspondentes às páginas 101 a 200 do Volume 2) - além de duas capas e duas contracapas, evidentemente.

NOTA: Este mesmo problema é, por vezes, apresentado numa versão simplificada, com dois volumes apenas (páginas 1 a 100 e 101 a 200), sendo que, nesse caso, se diz que o verme vai da página 1 à 200 furando... ZERO folhas!

A outra selecção

FOI NOTÍCIA em quase todos os órgãos de informação nacionais que, no passado fim-de-semana, na praia do Magoito, uma pedra de 40 kg caiu, esmagando a perna de um senhor que estava no sítio errado na hora errada.

O caso não seria mais do que um lamentável acidente (não totalmente inesperado para quem, como eu, conhece o sítio), se não se desse o caso de, pouco depois dessa ocorrência, uma equipa de reportagem de TV ter ido ao mesmo local, onde entrevistou pessoas que, segundo declararam com o ar mais natural do mundo, sabiam perfeitamente o perigo que corriam (pois a zona perigosa estava bem assinalada) mas não tencionavam sair dali.

A minha primeira reacção resumiu-se a lamentar a possibilidade de, através dos meus impostos, ter de vir a pagar o transporte e o tratamento de pessoas que agem assim. No entanto, se analisar o assunto em termos de longo prazo, a conclusão já poderá ser optimista:

Sucede que a chamada «selecção natural» (como Darwin tão bem explicou) funciona sempre no sentido da «melhoria das espécies»: as mais fracas (de corpo ou de mente) acabam, a longo prazo, por desaparecer - ou porque são comidas por predadores, ou porque são vítimas de desastres aos quais a sua diminuta inteligência não permite que se furtem.
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Este texto veio também a ser publicado em «O ABRUPTO feito pelos seus leitores» (no mesmo dia) e no «PÚBLICO-Local» (no dia 25)

155551!

O LEITOR155551 foi João Neves, residente em Alfragide, e que vai ser contactado para receber o prémio respectivo.

Parabéns!

Pernalonga (*)

A CRER nos resultados de um inquérito recentemente realizado, os filhos dos franceses medem hoje dois centímetros mais, em média, que os seus pais mediam quando tinham a mesma idade. Este aumento reforça os resultados de muitos outros inquéritos conduzidos por todo o mundo. Franceses, finlandeses, chineses, brasileiros... todos os povos estão a crescer, alguns espectacularmente. Os japoneses aumentaram dez centímetros em dez anos. Cerca de 20% dos dinamarqueses, suecos e noruegueses mede já mais de 1,90 m. Algumas coisas têm de mudar, mas talvez menos do que à primeira vista se pensa.

O promotor do recente inquérito foi o Instituto Francês dos Têxteis e do Vestuário (IFTH) e o seu interesse é óbvio: adaptar as roupas aos tamanhos das pessoas. Assim, este inquérito fez muito mais do que medir a altura total dos cidadãos. Foi medir as diversas partes do corpo e confirmou outro dado interessante já obtido noutros estudos: o que se alonga são os membros; o torso mantêm-se quase constante. Por isso, há uma série de equipamentos que pouco têm de mudar. A altura interior dos automóveis, por exemplo, pode manter-se, pois as pessoas sentadas não ficarão muito mais altas do que já são.

Será interessante comparar as actuais proporções humanas com o ideal que o arquitecto romano Vitrúvio descreveu cerca de 27 a.C. na sua obra «Dez Livros de Arquitectura», agora traduzida e editada em português pela IST Press. Tal como será interessante compará-las com o ideal de Leonardo desenhado no seu «Homem de Vitrúvio», que não corresponde exactamente ao descrito pelo seu epónimo. Ou fazer a comparação com a proporção dourada, que muitos dizem ser a proporção natural do ser humano. Frente a estes arquétipos, começamos a ter pernas demasiado longas.

(Adaptado do «EXPRESSO»)

Passatempo - Só até às 13h de hoje!

(Se necessário, clicar na imagem para a ampliar)

«O que prescreve, Senhor Doutor?»

NOTA: Este texto foi publicado com algum atraso, pois foi escrito quando se soube que as Finanças tinham detectado dívidas no valor de 231,5 milhões de euros e cujos processos de cobrança haviam prescrito - pura e simplesmente.
O texto-base, já aqui publicado em tempos, está em «Comentário-1»

E se um telejornal fosse apresentado por jornalista negro?

SEGUNDO o relato, tem havido cenas desagradáveis numa redacção de telejornal português: a minoria de raça negra dos jornalistas dessa redacção acha-se discriminada nos temas de reportagem que lhe são entregues. Em seu entender, os editores afastam-nos de certas reportagens (sobretudo assuntos relacionados com a imigração ou com política africana) e entregam-nos, exclusivamente, a jornalistas brancos. Segundo o mesmo relato, o assunto tem sido silenciado pelos outros media, incluindo jornais considerados de referência. Ou seja, em Portugal não se sabe que há uma televisão onde os jornalistas negros (ou de pele menos branca) estarão a ser racialmente discriminados, no exercício da sua profissão.

Esta história, que terá sido publicada por uma jornalista estrangeira que veio a Portugal passar férias em Junho, adiantava pormenores: nessa redacção de televisão trabalham apenas nove profissionais de raça não branca, todos portugueses nascidos em Portugal e licenciados em Jornalismo por escolas portuguesas. Apenas nove, um dos quais é um jovem de raça negra que apresenta regularmente telejornais e é, por isso, uma figura conhecida no país inteiro. A contestação terá ganho algum calor quando, há dias, um desses jornalistas foi retirado, à última hora, da cobertura do encontro de chefes de estado e de governo da CPLP em Bissau. Um editor tinha-o escolhido para o trabalho mas, na véspera da partida, terá sido substituído sem explicações. Acontece que o jornalista em causa é descendente de cabo-verdianos e acompanha, há anos, a vida política da lusofonia.

É evidente que não acreditei em nada disto. Nenhum português que vê televisão acreditaria. Em Portugal nenhuma televisão tem nove jornalistas não-brancos a trabalhar nas suas redacções e nunca ninguém viu um jovem jornalista negro a apresentar telejornais. Ponto.

Mas o absurdo desse relato fez-me reflectir sobre o facto de ele ser absurdo. Porque é que, num país aberto e democrático, onde os portugueses não-brancos têm todos os direitos de cidadania, não há caras de cor na informação televisiva – salvo escassas excepções? Um negro ou uma negra a apresentar telejornais seria uma hecatombe para as audiências? Por onde andam os jovens portugueses de raça negra, licenciados em jornalismo, em quantas redacções de jornais, de rádios ou de agência noticiosa? Não sei, mas dizem-me que a tal jornalista estrangeira andou por aí a farejar e, no seu artigo, terá escrito que são uma minoria escandalosa. Assim mesmo: escandalosa. E o título seria qualquer coisa como “Portugal - Racismo na TV”. Não li o artigo, não sei sequer se ele existiu, mas também é verdade que não teria dados para o contrapor porque, felizmente, em Portugal não se empregam profissionais de jornalismo em função de quotas rácicas e portanto essa estatística não existe – felizmente, repito. Ou seja, por uma boa razão eu não teria números para desmentir o escândalo daquela senhora.

… Mas fiquei cá a ruminar: e quantos serão, de facto, os portugueses negros jornalistas hoje admitidos nas nossas rádios, televisões e jornais? Em que proporção está a nação portuguesa fielmente reflectida nas redacções que trabalham para ela? Quantos são os homens e mulheres não-brancos, profissionalmente preparados, que estão em posição de influenciar decisões editoriais nos nossos media? Quantos jornalistas não-brancos conseguem hoje transportar para os poderes mediáticos a sensibilidade e a informação sobre a vida e a actualidade das suas comunidades de origem?

O relato que me fizeram sobre a tal suposta reportagem da tal suposta jornalista estrangeira (norte-americana, parece…) não passa de uma pedrada grosseira. Mas… que tal espreitar por debaixo do pedregulho?

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23.7.06

A publicidade inversa

DA MESMA forma que certa publicidade (como a da TMN, que acabei de referir) provoca um sentimento de rejeição, também pode suceder o inverso.
Por exemplo: foi o violento «Manifesto Anti-Dantas», da autoria de Almada Negreiros, que me levou a ler (e a reler!) obras como «Pátria Portuguesa», «A Ceia dos Cardeais» ou esta «Marcha Triunfal» (*), da autoria do visado...
Do famoso texto de Almada (que vale a pena ler e pode ser encontrado, p. ex., em http://www.prof2000.pt/users/tomas/manifesto_anti.htm) respiga-se:
(...) UMA GERAÇÃO COM UM DANTAS A CAVALO É UM BURRO IMPOTENTE!
UMA GERAÇÃO COM UM DANTAS À PROA É UMA CANÔA UNI SECO!
O DANTAS É UM CIGANO!
O DANTAS É MEIO CIGANO!
O DANTAS SABERÁ GRAMMÁTICA, SABERÁ SYNTAXE, SABERÁ MEDICINA, SABERÁ FAZER CEIAS P'RA CARDEAIS SABERÁ TUDO MENOS ESCREVER QUE É A ÚNICA COISA QUE ELLLE FAZ!
O DANTAS PESCA TANTO DE POESIA QUE ATÉ FAZ SONETOS COM LIGAS DE DUQUEZAS!
O DANTAS É UM HABILIDOSO!
O DANTAS VESTE-SE MAL!
O DANTAS USA CEROULAS DE MALHA!
O DANTAS ESPECÚLA E INÓCULA OS CONCUBINOS!
O DANTAS É DANTAS!
O DANTAS É JÚLIO!
(...)

Mas não há nada como ler um e outro para se ficar a saber (ou, pelo menos, a desconfiar...) qual dos dois seria o (mais) tonto.
__
(*) Nove relatos (romanceados, mas com o rigor histórico possível na época em que foram escritos) de outros tantos episódios famosos da História de Portugal, desde o século XII até ao século XX:
Batalhas de Ourique, do Salado, de Navas de Tolosa, de Aljubarrota, de Alcácer Quibir, do Cabo Matapão, das Linhas de Elvas...
O tom dos textos é o do patriotismo-da-época ("nós, os bons e eles, os maus"), mas o palavreado que, tantos anos depois, se ouve a propósito da Selecção de Futebol não é melhor...

NÃO CHATEIEM, POR FAVOR!!

SUCEDE a toda a hora aos clientes (ou vítimas?) da TMN:
De um momento para o outro e - quantas vezes! - nas alturas menos próprias, a empresa decide enviar, aos seus clientes, SMS sobre os mais diversos assuntos.
No meu caso, acontece que tenho dois familiares doentes (um deles com bastante gravidade), pelo que estou sempre atento a possíveis mensagens que apareçam. E foi o caso de hoje... mas, mais uma vez, da TMN - desta feita a divulgar uma m**** qualquer que lhes passou pela cabeça e que apaguei sem ter lido até ao fim.
NOTA: Este desabafo não se refere, é claro, a avisos do género «o seu saldo está abaixo de 5 euros». Esses até se compreendem - pois têm a ver com o contrato que o cliente tem com a empresa e podem ter alguma urgência.

«(...) O climatologista da NASA James E. Hansen – que no Inverno passado denunciou estar a ser ameaçado para escamotear os perigos das emissões de gases com efeito de estufa (...)».

(M/F)

ESTES anúncios do «Correio da Manhã» ainda não chegaram ao requinte de um outro, que em tempos apareceu no «DN»:
PRECISA-SE DE RAPAZ COM MOTA (m/f)

22.7.06

Muito verde...

ALGUMAS empresas lá vão, a pouco e pouco (parece que têm medo!) oferecendo-nos a possibilidade de receber alguma da sua correspondência por e-mail - caso de facturas, recibos, extractos, etc. como alternativa possível à versão papel (que, evidentemente, se mantém para quem preferir).
Talvez o processo mais expedito fosse juntar, nas facturas clássicas, um daqueles envelopes-resposta (RSF), com franquia paga.

A Via-Verde fez agora uma coisa parecida com isso:
Juntou o papel que aqui se vê,
e sugere que se envie um e-mail para lá:

Certo.
Mas com que texto?
Com que dados?
E escrevendo o quê em "assunto"?
E porque não se pode responder na página www.viaverde.pt (como faz o Totta & Açores, p. ex.)?
Para já, enviei o e-mail anteontem... e fiquei à espera de resposta.

Parábolas e Parabólicas

Q.E.D.

NOS MANUAIS escolares portugueses houve um tempo em que era hábito acabar as demonstrações com a sigla «c.q.d.». A moda passou um pouco de moda; e por uma razão simples: as demonstrações rareiam no ensino básico e secundário. Como não se pode terminar o que não se começa, a marca de fim de demonstração tornou-se menos popular. Mas ainda há quem escreva «c.q.d.»«como queríamos demonstrar», pois claro! À entrada da universidade, há alunos que reconhecem essa sigla, embora não todos.

É pena que se demonstrem poucos resultados e seria bom que, pouco a pouco, na própria escolaridade básica, os alunos se habituassem a seguir o raciocínio estruturado de uma demonstração. O ensino da matemática não pode ser só o enunciado de teoremas e sua prova. Mas é importante que, desde cedo, os jovens comecem a perceber que os teoremas não são bizarrias de matemáticos, mas sim uma forma de organizar os resultados. E que comecem também a perceber que há uma forma típica de estruturar o raciocínio dedutivo, partindo de uma hipótese e chegando a uma tese através de uma sequência lógica de passos. Finalmente, será útil que vejam que há vantagens em anunciar o fim de uma demonstração.
Tudo isto é mais do que uma simples formalidade. É bom que os estudantes se habituem a perceber e registar os pressupostos de um raciocínio, a enunciar claramente as conclusões e a mostrar onde pára uma argumentação. Quando lermos os discursos de muitos políticos, agentes educativos e intervenientes na vida pública, reparamos que há falhas de lógica que radicam no afastamento destes bons hábitos. Expressões tão usuais como «isto prende-se com» ou «até por que» são mais do que tiques de linguagem: são vícios de raciocínio. O «prende-se» é tão vago que nada diz e o «até por que» é usado como argumento principal, quando pressupõe que não o é. O ensino da matemática pode ajudar a pensar. Mas é preciso que se proceda com rigor e que se vá até ao zénite do raciocínio abstracto, que é a demonstração.

Tudo isto é trabalho árduo, que demora anos e envolve gerações de professores e alunos. Uma coisa mais simples, contudo, é escolher uma boa notação. E «c.q.d.» é péssima! Porquê aportuguesar o célebre «q.e.d.»?

Há quem já não se lembre, mas houve tempos em que na escola se usava «q.e.d.» para marcar o fim de uma demonstração. José Sebastião e Silva usava-a e continuou a usá-la nos textos da reforma do ensino liceal que dirigiu no fim dos anos 60.

Os estudantes que se habituaram a ver essa sigla, estão mais habilitados para entender muitas coisas. E não só de matemática.

Saiu há pouco tempo um livro de Pacheco Pereira intitulado «Quod Erat Demonstrandum: Diário das Presidenciais». O autor julgaria que todos os leitores perceberiam o seu título, mas enganou-se redondamente. Hoje pouca gente sabe o que essa sigla significa. E é lamentável que os próprios estudantes de matemática não a conheçam.

Houve tempos em que se pensou que usar palavras portuguesas tornaria a ideia mais clara e mais fácil de memorizar para os estudantes. É pouco provável. Pode ser bem divertido explicar numa aula que «q.e.d.» significa «quod erat demonstrandum», o que é o mesmo que dizer «que é aquilo que queríamos demonstrar» ou «como queríamos demonstrar».

Pacheco Pereira não foi o primeiro a inspirar-se nesta expressão latina para compor o título de um livro. O físico norte-americano Richard Feynman fê-lo antes, tal como o dramaturgo Peter Parnell. Uma busca na Amazon revela 449 livros com «q.e.d.» no título, subtítulo ou outro campo. No célebre Candide, Voltaire coloca a sigla na boca do optimista Pangloss. No romance The Tommyknockers, o popular escritor norte-americano Stephen King usa-a várias vezes. Desconhecê-la é pois uma limitação. E é essa limitação que o aportuguesamento de uma expressão universal cria. Quem terá tido esta ideia?

Há outras escolhas na notação matemática que podem ser igualmente decisivas. Uma das mais infelizes, na opinião do autor desta crónica, é a escolha de «injectiva» em detrimento de «biunívoca», para classificar uma aplicação ou função que tem sempre imagens diferentes com argumentos diferentes. É certo que esta designação fazia sentido como parte de um conjunto de termos inventados pelo grupo Bourbaki. Nesse quadro, havia as classificações «injectiva», que já se explicou, «sobrejectiva», que designa uma aplicação em que o conjunto imagem ou contradomínio coincide com o conjunto de chegada, e «bijectiva», que designa uma função simultaneamente injectiva e sobrejectiva. Perceber a diferença entre todas estas definições é essencial para o domínio do conceito de função e é pena que no Ensino Secundário nem sempre se clarifiquem todas estas ideias.

É certo que as designações são muito arbitrárias. Neste como noutros aspectos, os anglo-saxónicos têm a vida simplificada. Como possuem uma língua muito rica em proposições, falam em «onto» para sobrejectiva.
Como são despretensiosos e gostam de simplificar a linguagem, usam a expressão «one to one» para injectiva.

Tudo isto seria secundário se não tivesse efeitos na vida cultural dos estudantes. Nos alunos acabados de chegar à universidade há muitos que desconhecem o termo «biunívoco» e têm uma ideia mais ou menos precisa do que «injectivo» quer dizer. É triste, pois o primeiro termo deveria ser parte do vocabulário geral, enquanto o segundo poderia constituir apenas uma alternativa ao primeiro, conhecida somente pelos que estudassem matemática. Isso mesmo o reconhecem os dicionários da língua portuguesa, que habitualmente incluem uma entrada para «biunívoco», mas não para «injectivo».

Será interessante ver o que preconizava Sebastião e Silva. No seu compêndio para a reforma do ensino pré-universitário dos anos 1960, define aplicação biunívoca e apresenta o termo «injectiva» incluído em «outras maneiras de dizer» (págs. 188–189 da edição GEB de 1975, 1º volume, 1º tomo). O bom senso pedagógico do grande matemático português não vingou. Acabaram por se incluir os termos mais específicos e esquecerem-se os mais comuns. Passadas algumas décadas, a situação é ainda mais grave. Restam apenas resquícios do antigo rigor. Esquecem-se os termos mais comuns e esquecem-se os termos menos comuns...

Basil Bernstein (1924–2000), conceituado sociólogo que se dedicou ao estudo da educação, preocupava-se com os códigos de linguagem dos estudantes. Sublinhava que os limites de linguagem de alunos oriundos de grupos minoritários e marginais constituíam obstáculos ao seu acesso à cultura letrada. Mas a sua perspectiva não consistia em manter limitados esses códigos, como muitos defendem. O que Bernstein defendia era que se trabalhasse para a elevação de todos os jovens à compreensão dos termos e conceitos abstractos que fazem parte da linguagem culta. Como afirmava, «elaborated codes give access to universalistic orders of meaning».

Desconhecer a sigla «q.e.d.» ou o termo «biunívoco» é também um obstáculo ao acesso à cultura letrada. Não deveríamos nós, professores de matemática, preocupar-nos?
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Adaptado de «Gazeta de Matemática»

21.7.06

Fresquíssimo!

(Enviado por JAM)

"Post"-aberto das sextas-feiras




AQUI fica ele, como habitualmente, para quem o quiser utilizar

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O fogo e o teatro


(Se necessário, clicar na imagem, para a ampliar)