29.9.19

Grande Angular - Os inimigos da democracia

Por António Barreto
Os clássicos inimigos da democracia são conhecidos: comunistas, fascistas e populistas de esquerda ou de direita, estes últimos com pretextos comuns, o nacionalismo e a virtude. Podem vir do capitalismo, do sindicato, do regimento e do púlpito, com ajudas várias, da cátedra à imprensa, das polícias às redes sociais. Há muito que se sabe isto.
Os inimigos da democracia percorrem as vias abertas pelos democratas. Aproveitam em seu benefício os erros dos democratas, as suas desatenções, as suas querelas inúteis, a sua volúpia e a sua cobiça. Procuram as falhas dos democratas, o seu egoísmo, o seu narcisismo e a sua ambição desmedida. Estão à espera da incompetência e da covardia dos democratas.
Os inimigos da democracia espreitam atentamente para os corredores da justiça, local onde a democracia se perde tantas vezes. Olham para as contas bancárias dos políticos e dos seus amigos, à procura de movimentos e de sinais. Observam a corrupção, a que faz circular dinheiro, a que branqueia receitas, a que organiza concursos, a que favorece promoções, a que emprega os amigos e a que cobra luvas e comissões pelos negócios de Estado.
Os inimigos da democracia sabem que a corrupção e o nepotismo abrem as portas para as suas aventuras. Estão cientes de que os seus caminhos estão numa justiça que falha, numa polícia que não cumpre e numa administração incompetente. Por isso, espreitam e esperam. Se for possível aproveitar os interstícios da democracia, aproveitam. Mas as suas reais intenções são as de varrer as instituições e tomar conta.
Uma longa observação dos tempos de antena da maior parte dos “pequenos” partidos, os que não têm representação parlamentar, os partidos da fragmentação e do populismo, é utilíssima! Na verdade, uma boa parte desses pequenos partidos são evidentemente inimigos da democracia, usam todos os tiques e clichés, “estamos fartos”, “é preciso acabar com isto”, “é necessária uma vassourada”, “saiam daí para nos deixar governar”, “são todos uma cambada de corruptos”, “são todos iguais”… É com estes desabafos analfabetos que esses senhores julgam comover o eleitorado. Dentro de uma semana, vão desaparecer. Talvez voltem, com o mesmo nome ou outro, não se sabe. Mas deles nada virá. É donde menos se espera que não vem mesmo nada. Os outros, os verdadeiros inimigos da democracia, estão mais calados, por enquanto. Nas arcadas do poder e nos corredores das instituições, esperam e espreitam.
Segundo Ignazio Silone, o americano senhor W ou Duplo-Vê veio à Europa, há umas décadas, com o seu conselheiro político e para os assuntos ideológicos, o Professor Pickup. O senhor W queria tomar o poder nos Estados Unidos, mas não sabia muito bem como. Fez uma tournée na Europa, instalou-se confortavelmente num hotel de Zurique, onde recebia o senhor Thomas, especialista europeu em política e mais conhecido pela alcunha de “O Cínico”. As suas conversas duraram longas horas e muitos dias. São verdadeiras lições que convém recordar. A mensagem essencial que Thomas dá ao Senhor W é simples: ao contrário do que se pensa frequentemente, as democracias não são derrubadas. Ninguém as conquista do exterior. Não morrem por causas alheias. Não são tomadas de assalto. Caem por si próprias. São derrotadas pelos seus próprios responsáveis. “A morte de uma democracia é, o mais das vezes, um suicídio camuflado!”
Não é possível observar ou pensar no episódio de Tancos sem ter em mente este aviso. O assunto merece especial atenção. O caso incomoda a democracia há dois anos. Quase ninguém se portou convenientemente. Um episódio de mera delinquência transformou-se numa das mais graves e sérias provações da democracia portuguesa, pondo em xeque as instituições e a honra de muita gente. Sem poupar as Forças Armadas e os Tribunais. Pior era impossível! São episódios como este que revelam a fragilidade do regime e a fraqueza dos seus dirigentes. Todos passam culpas para os senhores do lado, para os adversários e para quem está abaixo.
Será que as instituições políticas e judiciárias não têm capacidade para resolver a questão de Tancos? Para elucidar a população? Sanear e castigar os responsáveis? Punir a mentira e a irresponsabilidade? Já se percebeu que Tancos conspurcou tudo e todos. Por culpas ou responsabilidades. Por intervenção ou omissão. Por ocultação ou mentira. Dos trafulhas aos bandidos, até ao Governo e à Presidência da República, passando pela Administração Pública, os Magistrados e as Forças Armadas, desconfia-se de toda a gente, parece que ninguém fica de fora. Seria bom que, de facto, todos percebessem que têm alguma responsabilidade, por actos, cumplicidade, encobrimento, omissão, ignorância, ocultação ou indiferença. Como é evidente, o grau de responsabilidade varia muito, conforme o gesto ou a falta dele.
Não quero dizer que Tancos seja o cenotáfio da democracia. Seria exagerado. Mas, se houver um dia uma tragédia, poder-se-á dizer que alguma coisa começou ali, naquela charneca. Tancos acrescenta-se ao BNP, ao BES e ao BCP. À PT, à EDP e aos cimentos. À Face Oculta e à Operação Marquês. Aos incêndios e à Protecção Civil. Aos políticos arguidos e nunca julgados. Aos despachos de arquivamento inexplicáveis.
Diminuem os tempos dos comícios, os berros nas arruadas e os insultos na praça pública. Ainda há berraria inútil e histriónica no Parlamento e nas instituições representativas, por causa da televisão. Mas, nestes domínios, as nossas eleições estão a melhorar, a ficar mais bem-educadas. E os nossos políticos a comportarem-se como pessoas civilizadas ou quase. É bom que assim seja. Só que não chega. No comportamento político e financeiro e nas regras de conduta, há muito que não satisfaz, talvez até cada vez mais.
Em tempos de politica de massas, de redes sociais e de lugares comuns, os regimes autoritários, fascistas, comunistas ou populistas são, como no passado recente, golpes em democracias falhadas, em países onde as revoluções não vingaram e onde a democracia foi capturada.
Não serão brigadas fascistas, regimentos europeus ou destacamentos comunistas que ameaçarão a democracia portuguesa. Nem sequer o capitalismo chinês ou as multinacionais americanas. Quem o fizer, será graças aos políticos portugueses e aos tribunais portugueses. E será por causa da corrupção, do nepotismo e da porta giratória. E da falta de justiça.
Público, 29.9.2019

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27.9.19

A PROPÓSITO DO AQUECIMENTO GLOBAL

Por A. M. Galopim de Carvalho
No momento presente, em que anda muita gente a “dizer coisas”, sobre o aquecimento do planeta o degelo dos glaciares e a subida do nível do mar, em que uns agridem, outros defendem a jovem sueca Greta Thunberg, a verdade, goste-se ou não, ela é o rosto de um movimento, estou em crer imparável, que já mobilizou os adolescentes (e não só) à escala mundial.
A começar, devo dizer que apoio e acredito em toda esta dinâmica de juventude à escala mundial, desejando que ela envolva igualmente a luta bem mais necessária e urgente contra a destruição das florestas, a poluição do ar, das águas marinhas e fluviais, dos solos e a destruição galopante dos recursos naturais. Se quisermos reflectir, séria e profundamente, nesta mais do que real ameaça global, a sociedade dita de desenvolvimento vai ter, a partir de agora, de se mentalizar para, a curto prazo, mudar a forma viver e de consumir, deixando de agredir e de conspurcar a Natureza. 
Relativamente a este processo, que se me afigura demasiadamente politizado, é minha convicção que a actividade antrópica, com influência no clima, não se sobrepõe, em especial, às do Sol e do vulcanismo. Penso pois que, mesmo sem a poluição atmosférica, da nossa responsabilidade, nomeadamente a relativa às emissões de dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa (que existe e é um facto comprovado), o Planeta irá aquecer nos próximos milhares de anos e registar fenómenos atmosféricos como os que nos tem vindo a mostrar (chuvadas e cheias catastróficas, furacões, tornados e outros), associados a inevitável subida do nível do mar.
Vale, pois, a pena reflectir sobre o que tem sido o sobe e desce da temperatura do planeta, à escala global, e o consequente sobe e desce do nível geral da superfície do mar nos derradeiros milhares de anos. Nos últimos dois milhões de anos da história da Terra foram registadas seis grandes glaciações intercaladas por períodos de aquecimento global, ditos interglaciários, no pico dos quais os níveis do mar subiram muito acima do nível actual. A mais recente destas seis glaciações, ocorrida entre há 80 000 e 10 000 anos, conhecida por Wurm, na Europa, e por Wisconsin, na América do Norte, não será certamente a última, e nós estamos a viver um período de aquecimento interglaciário, entre esta e a previsível próxima glaciação, daqui a uns bons milhares de anos. Assim sendo, com ou sem gases com efeito de estufa de origem antrópica, libertados para a atmosfera, a temperatura global vai elevar-se e, em consequência do inevitável degelo, o nível do mar vai subir e muito
Há cerca de 18 000 mil anos, no Paleolítico, já as mais antigas gravuras rupestres se disseminavam pelas paredes rochosas do Vale do Côa, atingia-se o máximo de rigor e de extensão da última glaciação do Quaternário, a atrás referida Würm. Restringindo-nos ao hemisfério Norte, a calote glaciária em torno do Pólo, espessa de dois a três milhares de metros, alastrava até latitudes que, na Europa, atingiam o norte da Alemanha, deixando toda a Escandinávia submersa numa imensa capa de gelo, capa que cobria igualmente grande parte da Sibéria, todo o Canadá e a Gronelândia. No Pólo Sul a respectiva calote extravasou, e muito, os limites do continente antárctico, alastrando sobre o oceano em redor e cobrindo a parte meridional da América do Sul.
No Atlântico Norte, a frente polar, ou seja, o encontro entre as águas polares, com icebergsà deriva, e as águas temperadas, situava-se à latitude da nossa costa norte, entre Aveiro e o Porto. O nível do mar estaria, ao tempo, uns 140 metros abaixo do actual, pondo a descoberto uma vasta superfície, hoje submersa, levemente inclinada para o largo e que corresponde à actual plataforma continental. Da linha de costa de então descia-se rapidamente para os grandes fundos oceânicos, com 4 a 5 mil metros de profundidade. A temperatura média das nossas águas rondaria, então, os 4ºC.
As Serras da Estrela e de Gerês, à semelhança de outras montanhas no país vizinho, tinham os cimos permanentemente cobertos de gelo, desenvolvendo processos de erosão próprios dessa situação climática, cujos efeitos ainda se podem observar em importantes testemunhos, com destaque para o vale glaciário do Zêzere. 
relevos menos proeminentes, mais a sul e menos afastados do litoral como, por exemplo, as serras calcárias do Sicó, Aires, Candeeiros e Montejunto, encontram-se ainda, da mesma época, vestígios bem conservados e evidentes de acções periglaciárias. Desses vestígios sobressaem certas coberturas de cascalheiras soltas, brechóides, sem matriz argilosa, essencialmente formadas por fragmentos de calcário muito achatados e angulosos, em virtude da sua fracturação pelo frio, que deslizaram ao longo das vertentes geladas, destituídas de vegetação e de solo, e se acumularam na base desses declives. A conhecida pinchade Minde teve a sua origem nesta altura e através deste processo.
A partir de então verificou-se uma importante melhoria climática e consequente degelo. A temperatura sofreu uma elevação gradual e as grandes calotes geladas começaram a fundir e a retrair-se, debitando nos oceanos toda a imensa água até então aprisionada. Em consequência, o nível geral das águas iniciou a última grande subida e mais uma invasão das terras pelo mar, conhecida por transgressão flandriana. Praticamente, todos os rios portugueses, do Minho ao Guadiana, terminam em estuários, que não são mais do que vales fluviais escavados durante esta última glaciação e posteriormente invadidos pelo mar, no decurso desta transgressão.
Pelos estudos realizados na nossa plataforma continental sabemos que, há uns 12 000 anos atrás e na continuação do degelo global, o nível do mar coincidia com uma linha aí bem marcada, à profundidade de 40 metros. Uns mil anos mais tarde, a tendência geral de aquecimento generalizado foi perturbada por uma crise de arrefecimento à escala mundial.
Uma explicação para esta interrupção, relativamente brusca, no processo de aquecimento global que se vinha a verificar há alguns milhares de anos, pode encontrar-se na presunção de que, durante a glaciação, se formaram lagos enormíssimos no continente norte-americano, mantidos por grandes barreiras de gelo, que teriam recebido águas de cerca de oito mil anos de degelo nessa área da calote gelada. Admite-se que, tendo descongelado as barreiras que sustinham esses lagos, toda a água doce aprisionada desaguou no Atlântico Norte, desencadeando a brusca congelação da superfície do mar e a consequente mudança climática com reflexos à escala global. Saiba-se que água doce congela a uma temperatura mais elevada do que a água salgada do mar.
Na sequência, os glaciares não só interromperam o degelo, como reinvadiram as áreas entretanto postas a descoberto. Em resultado desta nova retenção das águas, o nível do mar desceu de um valor estimado em 20 metros e assim permaneceu durante cerca de mil anos. A frente polar, que recuara até latitudes mais setentrionais, avançou de novo e atingiu o paralelo da Galiza, pelo que as temperaturas das nossas águas voltaram a descer, rondando os 10ºC. No final deste episódio de inversão climática, a que se dá o nome de Dryas recente, há 10 000 anos, a transgressão retomou o seu curso. O clima tornou-se mais quente e mais chuvoso, entrando-se no que designamos por pós-glaciário. Há 6 a 7 mil anos, a temperatura média, na nossa latitude, atingia cerca de 5 ºC acima dos valores normais no presente. Foi o recomeço da subida generalizada do nível do mar, que se vinha a verificar desde o início do degelo, à razão de cerca de 2 cm por ano, em valor médio, embora a ritmo não constante e com algumas oscilações. Este episódio, conhecido por Óptimo Climático, coincidiu, em parte, com o Mesolítico português, estando bem exemplificado nos magníficos concheiros de Muge, no Ribatejo.
O nível marinho actual começou a ser atingido há cerca de 5000 anos, em pleno Megalítico ibérico, iniciando-se, então, o que é corrente referir como Período Climático Subatlântico, marcado por relativa humidade. A partir de então verificaram-se pequenas oscilações na temperatura, marcadas por moderadas e curtas crises de frio, com correspondentes recuos do mar, designados por Baixo Nível Romano, há 2000 anos, Baixo Nível Medievo, em plena Idade Média (séculos XIII e XIV) e Pequena Idade do Gelo, nos séculos XVI a XVIII, bem assinalada na Europa do Norte pelo congelamento de rios e lagos, situações relacionadas com a ocorrência de grandes cheias primaveris, resultantes do degelo nas montanhas, bem testemunhadas em pinturas da época. Posteriormente a esta crise de frio a temperatura do planeta subiu e vai, muito provavelmente continuar a subir, para os níveis actuais, mesmo sem a ajuda das emissões antropogénicas do agora tão falado dióxido de carbono e dos outros gases com efeito de estufa.

A tarefa não é fácil e, repetindo o que disse no início, se quisermos reflectir, séria e profundamente, nesta mais do que real ameaça global, a sociedade dita de desenvolvimento vai ter, a partir de agora, de se mentalizar para, a curto prazo, mudar a forma viver e de consumir, deixando de agredir e de conspurcar a Natureza. 

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Velórios e a Arte do Adeus

Por Joaquim Letria
Os organizadores de eventos sociais, como agora se diz, deviam dedicar mais atenção aos velórios. Cada vez parecem mais rápidos, menos sentidos e servirem de pretexto para marcar reuniões, almoços e jantares, mas apresentam-se muito descuidados.
Antigamente é que havia velórios a sério. Ia-se para a igreja de farnel, ou esperava-se pelo pequeno almoço e um velório de alguém que se prezasse levava os familiares do ente querido a irem a casa tomar banho ou dormir um bocadinho. As viúvas e viúvos eram esposos a sério naquela circunstância…
Juro que nunca fiz isso, mas tinha uns amigos malandrecos que saíam das sessões de cinema da meia noite, ou dum bar ou cabaret e iam comer a um velório qualquer, já que muitos tinham mesa posta e estes marotos mostravam um ar compungido, cumprimentavam os familiares e abancavam no corredor da igreja onde estavam expostas as vitualhas. Ninguém perguntava quem era quem, e só os amigos malandrecos do lado do defunto percebiam a martingala.
Estes velórios a sério acabaram quando ladrões de verdade começaram a limpar estas reuniões, sacando relógios, anéis, carteiras e dinheiro vivo. As igrejas e as famílias marcaram então horário até à meia noite e hoje um velório é um corpo estendido num caixão e uns amigos que passam por lá e já está. Também em vez do silêncio respeitoso ou do ar compungido que todos deviam mostrar, assim que os gatos pingados soldam o caixão e o despacham porta fora começam a bater palmas que em vez de parecerem significar aplauso e gratidão por uma vida preenchida mais parecem estar a pôr o extinto a andar.
Dizer adeus é uma arte. Não é fácil lidar com a perda dos outros, saber como nos devemos comportar nestas despedidas, principalmente quando anda tudo, ou vai andar, nas redes sociais. Ainda antes de se chegar ao cemitério, para aqueles que participam num funeral, acompanhando o féretro, já vem tudo no Facebook ou no Instagram, dizendo que a ex foi mal recebida pelos filhos da actual, que fulano se mostrava inconsolável ou que sicrana teve o descaramento de se apresentar no velório. Claro que no meio disto tudo há aqueles que dizem ter sido muito amigos do defunto na esperança de aparecerem na TV ou serem vistos nas redes sociais.
Hoje só conta quem ganha e tem uma vida de êxitos. Morrer é perder. O busílis é que a gente pode passar uma longa vida a ganhar tudo que acabamos todos por perder tudo. Assim nós possamos perdurar ao nosso próprio velório.
Publicado no Minho Digital

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26.9.19

Quando o PR se deixa trair por Marcelo

Por C. Barroco Esperança

Enquanto se aguardam mais alguns escândalos e o eventual anúncio da constituição de arguidos úteis, na reta final da champanha eleitoral, iniciada antes de empossado o atual Governo, é oportuno relembrar a viagem que o PR fez à boleia do camionista Fernando Frazão e o silêncio que caiu sobre a greve dos camionistas de matérias perigosas.
Marcelo, no entusiasmo narcisista, embarcou no camião de um motorista culto e pouco subtil. O Sr. Frazão, desvanecido com tão prestigiante companhia, enviou-lhe uma carta que o prevenia da operação subversiva contra o regime democrático, através da greve preparatória da insurreição popular para a eventual tomada do poder.
A carta, cujo conteúdo não foi desmentido, descrevia o cronograma das operações que o sindicato, cujo presidente era um ex-patrão e o vice-presidente um recém advogado sem carta de pesados, procurava desencadear com a penúria de combustíveis. O camionista relatou bem as consequências para a agricultura e indústria, a falta de bens de primeira necessidade nos supermercados e que “as centrais termoelétricas reduzirão a potência energética e dar-se-á uma crise energética instalando-se o caos”.
Aliás, a gentileza do bem informado motorista levou-o a alertar o PR para o que poderia acontecer em Portugal, lembrando o exemplo do Chile ou do Brasil, face ao cronograma referido: “26 dias foi quanto durou a greve no Chile, o Governo caiu. Mas, olhando para nós, uma greve dessas dimensões nesta altura seria o desastre nacional”.
O PR, procedendo como devia, remeteu a carta para o PM, que a enviou ao SIS e PGR, enquanto tomou medidas necessárias à defesa do regime e da normalidade democrática. A um leigo pareceu a preparação de um golpe de Estado fracassado, a Marcelo e à PGR, que logo o secundou, uma mera opinião epistolar sem consequências penais.
De mau gosto, mas isso é matéria de civilidade, é a acusação do S. Frazão ao PR, de o ter traído, ou de trocar a postura de analista político por uma frase de baixo nível: “Perdi a confiança. Nunca pensei que ele [PR] reencaminhasse a carta para o Costa, muito menos que viesse a ser investigado pela secreta”, enquanto o PR, abespinhado com as declarações do camionista, se insurgiu contra o facto de o SOL não ter destacado na primeira página que “informou na ocasião o motorista, através da sua assessora de imprensa, Maria João Ruela, que enviara a mensagem ao primeiro-ministro, para seu conhecimento”, acrescentando Marcelo «E, nessa altura, ele não se opôs».
E se se opusesse, o que faria o PR?
A conversa entre Marcelo e o obscuro camionista denigre o PR e o diálogo epistolar, telefónico e através da assessora Maria João Ruela não foi edificante. Aliás, o facto não desmentido pelo PR, de que Marcelo ‘chegou a afirmar ao interlocutor que lhe podiam ter perguntado como deviam conduzir a luta, mas que, como não o fizeram, ele resolveu não interferir’, é alheio à conduta esperada de um PR com enorme experiência política.
O PR deve precaver-se contra as tentações populistas de Marcelo.
Ponte Europa / Sorumático

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25.9.19

Os ursos

Este exemplo do urso do Ártico pode ser real ou ser particularmente idiota — depende do que estivermos a falar:
Se estiver em causa o habitat dele (que se poderá reduzir ou desaparecer), é uma coisa.

Mas se se estiver a falar (como aqui sucede) da subida do nível do oceano (Ártico, neste caso), então a solução será mandar para a escola quem juntou a imagem ao texto — lá, talvez aprenda que «o gelo flutuante, quando derrete, não afecta o nível da água onde está».
Ao contrário do que sucederia na Antártida, onde o gelo está "ancorado" em solo firme.

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23.9.19

Um aspecto que pouca gente refere

Há um aspecto que pouca gente refere: 
Olhando para a Terra na perspectiva do seu eixo, vê-se que as nações árticas têm toda a vantagem em que algum do gelo derreta (e quanto mais, melhor para elas...), pois isso implica a abertura de rotas de navegação que lhes trazem um benefício gigantesco. 
Para esses países, que vivem grande parte do ano com temperaturas muito negativas, uma subida de 1 ou 2 graus é o que menos os preocupa, muito menos os aflige o que se poderá passar, daqui a décadas, no resto do mundo...

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22.9.19

Grande Angular - Dúvidas e dilemas

Por António Barreto
Dentro de dias, ou poucas semanas, começará uma vida nova. Não será perceptível de imediato. Mas podemos ter a certeza de que algo de novo vai começar, se é que já não começou agora. Há eleições que, por dramáticas e indecisas, são elas próprias os motores das mudanças. Os afrontamentos políticos são por vezes enormes e deles podem resultar verdadeiras convulsões. Os contrastes entre modelos e propostas políticas podem ser tais que umas meras eleições são suficientes para desencadear a mudança. As eleições de Outubro não fazem parte destas categorias. Apesar de os partidos dizerem todos, como devem, que são decisivas, a verdade é que os resultados essenciais estão feitos. Mais ou menos. Podemos não gostar, mas a previsibilidade é às vezes uma virtude democrática.
Acontece que, além dos resultados e da constituição dos órgãos de poder, ficam os problemas de um país e de um povo. Não serão as próximas eleições que resolverão os nossos principais problemas e as nossas grandes questões. Se é que ainda há uns e outras. A verdade é que as eleições se limitam muitas vezes a confirmar. Mas também é certo que, às vezes, anunciam. Depois de duas experiências seguidas, uma de direita e outra de esquerda, ambas com êxito e dominadas pela economia e pela questão da natureza do poder, podemo-nos preparar para um novo período de esclarecimento. Com a Europa e o Ocidente em crise muito séria, sob ameaças militares, comerciais e terroristas, convém que tratemos da casa para enfrentar o mundo.
A grande curiosidade é que as próximas eleições vão deixar o país com dúvidas muito sérias sobre a nossa capacidade de meter mãos à obra e de resolver dilemas.
Estas eleições não permitem escolhas importantes entre políticas, entre obras e entre modelos de vida colectiva. Quem tem escolhas diferentes e propostas originais não tem votos. Quem tem os votos, prefere não ter propostas muito diferentes. Na verdade, estas eleições vão tão só definir quem se vai ocupar do poder a seguir. Com a certeza de que quem vier terá uma grande margem de escolha. De qualquer modo, o que está em causa é importante.
primeira grande dúvida: a esquerda quer ou não a liberdade? Parece pouco, banal ou até mentira, mas não é. Depois de a esquerda democrática, a do PS, se ter libertado das ameaças autoritárias e da tenaz comunista, assistimos a uma permanente oscilação: os socialistas não sabem se preferem o Plano e a direcção superior à liberdade dos indivíduos. Se preferem a certeza da autoridade do Estado à incerteza da liberdade. Quanto à esquerda não democrática, a do PCP e do Bloco, nunca até hoje preferiu a liberdade, sempre mostrou a sua inclinação irredutível pelo colectivo, pelo Partido e pelo Estado. Saberemos, dentro de poucas semanas, se os socialistas escolhem o colectivo ou se preferem a liberdade. Se PCP e Bloco são eles próprios conquistados ou seduzidos pela liberdade, ou se ficam para sempre atávicos e zelosos, à espera de crises que os possam salvar.
A segunda dúvida: saber se a direita está disposta e disponível para lutar contra a desigualdade social. Esta é uma das chagas da sociedade portuguesa. A direita gosta sempre do crescimento económico e do mercado. Antes, gostava mais do aconchego do Estado. Hoje, é até capaz de louvar o pensamento liberal, o que não é de todo a sua tradição. A direita democrática vai ao ponto de aceitar as liberdades individuais, mas não revela uma firme disponibilidade para olhar para a desigualdade social, cujas origens políticas, sociais, jurídicas, históricas e culturais parecem inamovíveis. Verdade é que a desigualdade acaba por ser a mais fértil fonte de ameaças à democracia. Com menos desigualdade, viveríamos, sem dúvida, com mais liberdade.
A terceira: será que a direita e a esquerda estão disponíveis para combater pela justiça? Pela igualdade perante a justiça? Pela prontidão da justiça? Pela eficácia da justiça? Pela independência da justiça não só perante o governo, mas também perante o dinheiro, a fama, a comunicação, os partidos e as religiões? Por uma magistratura imune às igrejas e às maçonarias? Será que a esquerda e a direita estão disponíveis para limpar a justiça dos delírios burocráticos e processuais que têm como destino, não os direitos dos cidadãos, mas bem mais as prerrogativas dos magistrados?
A quarta: será possível que o narcisismo chique e a superioridade moral do Bloco se venham a instalar neste pobre país? Ou haverá alguma hipótese de ver essa espécie de snobismo marxista converter-se finalmente à democracia? Continuará o eleitorado a dar o benefício da dúvida a esta moda tão elegante e radical da virtude e da revolução?
A quinta: este modelo de aliança “soft” tem futuro, é a condenação do PCP (como foi noutros países, a começar pela França) ou é a descarga de vitaminas necessárias a mais uma vida? Será que continuamos a ter o privilégio e o exclusivo do mais obsoleto e jurássico partido comunista do mundo? O PS deixar-se-á seduzir por esta versão serôdia do programa comum das esquerdas? Esta aliança trouxe algum benefício para as liberdades?
A sexta: é talvez chegado o tempo de saber se a esquerda e a direita democráticas, isto é, se o PS e o PSD persistem em querer desculpar, fechar os olhos, conviver, aproveitar e promover a corrupção. Permitirão a sobrevivência deste miserável banditismo político e económico que se instalou na democracia portuguesa, nos grandes serviços públicos e nos negócios de Estado? Será que o PS e o PSD, recheados de ligações familiares e de interesses duvidosos, consideram que a corrupção é um modo de viver português e que, como tal, persistirá? Ou que vale a pena lutar e contrariar aquela que pode ser a pior ameaça das liberdades e da democracia? Serão o PS e o PSD capazes de limpar as suas próprias estrebarias?
A sétima: são os Portugueses capazes de romper com o seu pior, o nosso pior, a corrupção, o despotismo e a desigualdade, sem ter de mais uma vez liquidar o passado com violência e intolerância, como fizeram com os mouros, os judeus, os absolutistas, os religiosos, os liberais, os monárquicos, os republicanos, os socialistas, os democratas e os salazaristas? … Uma coisa é certa: romper com todos, sucessiva e repetidamente, proibi-los e expulsá-los, foi a melhor maneira de ficar com todos os seus defeitos, mas também de ficarmos mais pobres. E sem paz.
Público, 22.9.2019

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20.9.19

Não há Remédio… Adoramos ver as Desgraças dos Desgraçados

Por Joaquim Letria
Já terão reparado que grande parte dos programas de televisão que as principais estações nos oferecem é patrocinada por medicamentos alternativos. Em vez de sustentarmos a ERC, reguladora da comunicação social, devíamos antes ver os nossos impostos ainda mais utilizados no INFARMED, organismo que regulamenta os medicamentos.
Não há programa que não seja pago pelo Calcitrin ou pelo Mangostão com suplemento de Aloa Vera, ou outros produtos que geralmente nos são vendidos pelos apresentadores cheios de respeito e veneração por um senhor com ar de primeiro-ministro que, numa rubrica de cerca de dez minutos, enaltece as propriedades daqueles medicamentos alternativos, restando aos titulares do programa elogiar a generosidade das marcas que se nós comprarmos duas garrafas recebemos três e não pagamos os portes. E, claro, recomendar que telefonemos já de seguida para um certo número de telefone.
É evidente que o público alvo - ou target como dizem os marketeiros - destes produtos é a terceira idade, pobre e desamparada, que passa a tarde divertidíssima com as misérias dos outros que enchem os programas com tristes gabarolices tipo o meu cancro é mais bonito do que a tua leucemia, ou histórias de sucesso do género quando o meu pai morreu apareceu o glaucoma no meu filho, mas é uma história de sucesso pois vencemos essa batalha. Um grande nicho de mercado, não tenham dúvidas…
Mas além deste massacre diário (liguem o televisor e comprovem) as estações dão-se ao respeito dando voz aos médicos da medicina convencional em supostos programas de debates onde assassinam os praticantes de medicinas alternativas. Mas para além daquelas impúdicas disputas de clientelas, o que fica por fazer é regular os alternativos.
A gente sabe que há médicos incompetentes nos centros de saúde e nos hospitais. Mas a verdade é que os médicos trabalharam muito para o ser e podem ser avaliados por pares e mestres, por mais corporativos que todos possam ser. Então e os alternativos? Quais os critérios, o valor das escolas, a realidade dos diplomas, o saber dos mestres e a sua prática?! Aí reside o busílis do problema. Os médicos também nos dizem para não nos automedicarmos. Mas todos nós fazemos isso. Não será isto também recorrer à medicina alternativa!?
Enfim, estes programas não têm fim. E a culpa só é em parte das televisões. Porque nós, o respeitável público, que constituímos as audiências que sustentam a fugitiva publicidade, temos a nossa quota – parte de culpa, porque adoramos ver as vítimas a queixarem-se como foram vítimas e os desgraçados a lamentarem-se como se desgraçaram.
Publicado no "Minho Digital"

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19.9.19

BASTA, André!

Por C. Barroco Esperança

Não, não me refiro ao André Ventura, um ex-candidato de Passos Coelho à Câmara de Loures, líder da coligação BASTA ao P.E., de extrema-direita, abertamente racista e xenófobo. É perigoso e inteligente, mas suficientemente claro para não iludir inocentes.
Há mais Andrés na política. André Silva, engenheiro, é a face visível do PAN, partido das «Pessoas-Animais-Natureza», mais de animais do que das pessoas ou da natureza.
Aconteceu-lhe ser protagonista de uma novidade que resultou, e temo que passe a líder do grupo parlamentar de um partido sem conteúdo, que entrou no comboio da ecologia sem conhecer as pessoas, os movimentos ecologistas e os seus objetivos.
Confrange a ignorância política, as contradições e a impreparação que o separam de políticos competentes, por mais afastados que ideologicamente se encontrem entre si.
Foi deprimente assistir a debates de André Silva com António Costa, Catarina Martins, Rui Rio e Assunção Cristas, só não debateu com Jerónimo de Sousa, e ver o desastre na argumentação, nos conhecimentos e nos objetivos. Não foi um líder político, foi o pastor evangélico da seita radical a que faltam apoiantes e sobram crentes. O PAN não é partido político, é uma patologia mediática com ambições parlamentares conseguidas.
A benevolência da comunicação social, a proteção de que gozam as figuras exóticas e a facilidade com que a ignorância é promovida a pós-ciência, apagam a mediocridade das prestações televisivas e a indizível entrevista ao Expresso, com gente letrada a imaginar que daquela cabeça possa sair um programa, um projeto ou uma ideia para o País.
A benevolência com que é tratado o medíocre pregador de banalidades compromete os políticos, que não lhe desmascaram a ignorância, por calculismo ou receosos de serem vistos como arrogantes.
André Silva não é uma desilusão, é uma perigosa ilusão que pode sair cara.
Apostila – Era cómodo ignorar este epifenómeno do folclore eleitoral, mas era cobardia de quem não teme insultos da horda de acólitos que o seguem, silenciar a opinião sobre uma epidemia que lembra os movimentos anti vacinas e os das medicinas alternativas. Não são ideologias, são crenças.

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15.9.19

Grande Angular - Incríveis e Inesquecíveis

Por António Barreto
Deveríamos ter ficheiros de pérolas, sejam boas ideias, sejam dislates. Pensamentos elevados ou deslizes inacreditáveis. Feitos inesquecíveis ou obras incríveis! Neste fim de legislatura, a poucas semanas de eleições, há momentos inolvidáveis. Aqui ficam, para registo e anedotário.
A propósito de umas dezenas ou talvez centena e meia de pinturas, fotografias e esculturas do património do Estado, a Ministra da Cultura Graça Fonseca foi peremptória: “As obras de arte não estão desaparecidas. Não sabemos é identificar o sítio onde estão”! Ainda hoje não sabemos. Mas podemos dormir descansados: não estão desaparecidas! Disse ela.
Como se sabe, os serviços públicos em geral, os de atendimento ao cidadão em particular, entraram em colapso. Na maior parte dos casos, das consultas médicas aos passaportes, da Segurança Social às Escolas, os prazos esticam e não são cumpridos, as filas de espera arrastam-se. Sensível ao problema, depois de ter estudado e de se ter informado junto dos seus serviços, a Secretária de Estado da Justiça Anabela Pedroso disse a verdade e explicou o essencial do problema: “As bichas para obter cartões de cidadão existem por culpa dos Portugueses que vão à mesma hora, aos mesmos locais e ainda por cima antes da hora de abertura das lojas”! Podemos ter a certeza de que a autora de tão brilhante e certeira explicação pensa também que é necessária uma reforma de mentalidades!
A situação na saúde pública é, como se sabe, difícil. Escasseiam os meios, faltam médicos e enfermeiros, muitos profissionais são atraídos por ofertas de emprego no privado ou no estrangeiro, a desorganização do sector é crónica e a redução das horas de serviço foi fatal. Houve fricções e conflitos. E greves, especialmente de enfermeiros. No Verão, as maternidades e outros serviços viram-se na obrigação de recusar ou transferir doentes. Depois de séria averiguação, a Ministra da Saúde Marta Temido tranquilizou os cidadãos: “Nenhuma maternidade dos hospitais de Lisboa vai fechar durante o Verão. O que vai acontecer é que uma em cada quatro vai ficar rotativamente desactivada durante um período”. Um primor de trompe-l’oeil.
AJustiça é fonte inesgotável de surpresas. Sócrates e o Grupo Espírito Santo também. Mas, por vezes, tem-se a sensação de que as surpresas ultrapassam os limites do aceitável. A ponto de não se perceber por que razões ninguém, na organização judiciária, no Ministério Público, no legislador, no executivo ou até na Presidência da República, é capaz de contrariar, por obras ou por palavras, certas decisões e alguns procedimentos. O último em data diz respeito ao Juiz Rui Rangel. Sob suspeita de vários crimes, incluindo de corrupção, sob averiguação e à espera de pronúncia há mais de um ano, o Juiz da Relação foi suspenso durante longo período. Como nada se resolveu entretanto, o Juiz regressou às suas funções e já recebeu vários processos, ou antes, já lhe couberam em sorteio processos delicados, entre os quais dois que envolvem corrupção, o da “Máfia do Sangue”, com a Octapharma, empresa que deu emprego a José Sócrates; e o da “Operação Marquês”, em curso há vários anos e que visa quase duas dezenas de pessoas, entre as quais os dirigentes do Grupo Espírito Santo e José Sócrates. Este caso é mais um golpe na Justiça com incalculáveis consequências.
nova comissão Europeia, que ainda não foi aprovada pelo Parlamento, começou muito bem. Paritária, como mandam a moda e as regras do dia. E com inovações na designação dos pelouros que nos deixam a sonhar. Não fosse sinal de complacência, teríamos vontade de rir. Pensando em todos os que não tiveram oportunidade de ver estas pérolas, relembro os títulos de uma dezena deles: Comissária da Protecção do Modo de Vida Europeu, Comissário da Economia ao Serviço das Pessoas (ou que Funcione para Todos), Comissária da Demografia e da Democracia, Comissário para as Relações Interinstitucionais e Prospectivas, Comissário para as Parcerias Internacionais, Comissário da Gestão de Crises, Comissário da Política de Vizinhança e Alargamento, Comissária da Igualdade, Comissária para a Coesão e Reformas e Comissária dos Valores e da Transparência. Alguém citou, a este propósito, o Ministério dos “Silly Walks” dos Monthy Pithon: tem absolutamente razão!
Como é evidente, todos os comissários europeus são importantes. E todos os países europeus têm razões para se orgulhar dos seus comissários. Não excessivamente, pois cada país tem um, mas o suficiente para se sentir fazer parte do clube. Durante ou no fim do mandato, logo se verá se desempenham bem as suas funções. As esperanças em Elisa Ferreira são justificadas, dado que é pessoa com valioso currículo. Mas os Portugueses em geral, incluindo notáveis políticos, não se coíbem de dizer que a “nossa” Comissária tem um pelouro formidável, que a “nossa “ vai poder ser favorável a Portugal e que a “nossa” nos vai ajudar! É tão saloio afirmar essas coisas! A “nossa” será uma excelente comissária, cumprirá o seu dever e distinguir-se-á na Europa justamente se for capaz de exercer as suas funções com isenção e sem preferência pelo seu país de origem, tal como a lei exige, os costumes impõem e a honra aconselha!
Rui Rio não quer ser deputado! Quer é ser Primeiro-ministro! Percebe-se a segunda parte, não se entende a primeira. Não quer ser deputado? Por que concorre ou se candidata? Como em Portugal não é necessário ser deputado para ser Primeiro-ministro, podia perfeitamente ficar de fora. Mas não, resignado, acabou por aceitar. Foi o coroar de uma campanha estranha. Desvalorizou as eleições, garantindo que tudo o que se diz em campanha não é para ser levado a sério! Deveria querer referir-se aos adversários, mas, evidentemente, ficou incluído. Na tentativa de se mostrar honesto e racional, virtudes louváveis, desmontou a argumentação eleitoral, minimizou os programas e desdenhou quem anda em campanha! Dia após dia, contra ventos já desfavoráveis e em circunstâncias difíceis, Rui Rio deu o golpe de misericórdia no seu partido.
Também incrível e inesquecível, não sabemos ainda se pelas boas ou pelas más razões, Jerónimo de Sousa, secretário-geral do Partido Comunista Português, fez, na televisão, um inédito elogio ao Parlamento, à Assembleia da República e aos deputados. Citando expressamente as funções dos deputados como representante do povo, louvou e sublinhou a responsabilidade do deputado no exercício das suas funções. Sinceras ou não, é o que veremos com o tempo. Mas estas declarações quase fazem esquecer aqueloutras de Catarina Martins, igualmente inesquecíveis, segundo as quais o Bloco de Esquerda era social-democrata.
Público, 15.9.2019

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14.9.19

No "Correio de Lagos" de Ago 19

«Considerando apenas os “grandes fogos” (mais de 100 ha), a área ardida, em Portugal e nos últimos 30 dias, foi superior à de Espanha, França e Grécia juntas»
(Lab. Fogos Univ. Trás-os-Montes e Alto-Douro)
QUANDO chega a “época dos fogos”, a conversa é sempre a mesma e inclui, invariavelmente: as alterações climáticas, o desordenamento florestal, os pirómanos, os “negócios do fogo”, a Protecção Civil, o SIRESP, os concursos para os meios aéreos, a actuação dos bombeiros, os eucaliptos... além das mais diversas descoordenações, incompetências e corrupções — sem contar com as intermináveis reportagens das TV, pontuadas por intervenções de políticos que, entre uma e outra lágrima de crocodilo, nos garantem que “a culpa é do governo anterior”. 
Mas, e salvo melhor opinião, a floresta arde, porque não pode deixar de arder: as árvores estão lá, mas não os seus donos; o mato está lá, mas não quem o roce; já não há cabras, essas incansáveis sapadoras; o alarme, quando é dado, é muitas vezes tardio, por falta de quem o dê a tempo; os que acorrem em pessoa já são poucos e idosos — e por aí fora, porque o país, como sucede no mundo todo, deixou de ser “rural”: os poucos que ainda por lá andam estão sem forças, já que os outros há muito debandaram dessas paragens. E quanto a reverter o irreversível... responda quem souber.
A propósito disso, vale a pena ler o que Tolstoi escreveu em “Guerra e Paz”, faz agora 150 anos, acerca do famoso incêndio de Moscovo, quando, em finais de 1812, Napoleão ocupou a cidade:

«As [suas] causas não podem imputar-se concretamente a ninguém. Moscovo ardeu porque se encontrava colocada em tais condições que qualquer outra cidade construída em madeira devia arder de forma análoga, independentemente de poder ou não recorrer às suas 130 bombas. Moscovo devia arder porque os habitantes partiam. Era tão inevitável como a inflamação dum monte de aparas sobre o qual, durante vários dias, caíam faúlhas. Uma cidade construída de madeira, na qual, mesmo quando ali se encontravam os proprietários e a polícia, se produziam todos os dias incêndios, não podia de maneira alguma deixar de arder quando já não havia habitantes (...). O patriotismo feroz de Rostoptchine e a selvajaria dos franceses não entram aqui para nada. Moscovo ardeu por causa dos cachimbos, das cozinhas, das fogueiras, da falta de cuidado dos soldados habitantes, mas não proprietários das casas. Mesmo se houve incendiários (...) não é possível pô-los em causa, porque, sem eles, teria sido a mesma coisa. Por lisonjeiro que seja para os franceses acusar a ferocidade de Rostoptchine e para os russos a barbaridade de Bonaparte, ou, mais tarde, pondo um facho heróico nas mãos do seu povo, não se pode deixar de ver que tal causa imediata de incêndio não podia existir, porque Moscovo devia arder, como deve arder toda a cidade, fábrica ou casa cujos amos partiram (...). Moscovo foi queimada pelos habitantes, é certo, mas por aqueles que partiram e não por aqueles que ali ficaram».
CONCLUSÃO: Diz-se que “O Homem só aprende por catástrofes”, mas não faltam casos em que nem com elas aprende — e a prova de que o flagelo dos fogos é um deles é que esta crónica é, quase sem tirar nem pôr, a que publiquei em 14 de Agosto de 2010 no blogue ‘Sorumbático’ (sorumbatico.blogspot.com).

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13.9.19

Uma Minhota à frente do Teatro Nacional de São Carlos

Por Joaquim Letria
Uma minhota das Caldas das Taipas, concelho de Guimarães, vai dirigir o Teatro Nacional de São Carlos a partir de Outubro! ! Aleluia!
Elizabete Matos, hoje uma soprano portuguesa altamente apreciada e reconhecida no panorama operático internacional, vai reduzir as suas participações no rico reportório que interpreta por todo o mundo para se dedicar à direcção do Teatro Nacional de São Carlos. E não deixa de se mostrar ambiciosa e, com essa sua ambição, de despertar sonhos de muitos milhares de amantes da música e de espectadores do Teatro Nacional de São Carlos, entre os quais me incluo.
Elizabete Matos quer o São Carlos de regresso à ribalta internacional. Todos nós, os que adoramos aquele teatro e o respeitamos, assim desejamos. Foi lá que ouvi a Maria Callas, o  Di Stefano , o Alfredo Krauss, a Renata Scotto, a Kiri Tikinawa, a Joan Sutherland e o Plácido Domingo, entre outros, cantarem pela primeira vez na minha vida.
Foi em São Carlos que aprendi o respeito devido às grandes óperas e pelos grandes teatros de ópera que viria a conhecer – O Metropolitan Ópera House de Nova York, o Deuthsche Oper de Berlim, o La Scala de Milão, o Fénix de Veneza, um conjunto de belas e únicas salas a que o Teatro Nacional de São Carlos pertencera por direito próprio e que muito o fazia ser respeitado em todo o mundo.
Elizate Matos quer ser uma directora presente, portanto ali se instalará para harmonizar e gerir as complexidades da Opart (organismo de produção artística), a Orquestra Sinfónica Portuguesa (residente), apaziguar os artistas portugueses que não tiveram acesso aos principais papeis, apoiar a Companhia Nacional de Bailado, tudo isto num período conturbado da vida deste teatro com graves problemas por resolver entre o seu pessoal, todo ele muito mal tratado durante toda a última década e com um maestro e programador estrangeiro que, ironicamente, derrotara Elizabete no último concurso de há quatro anos, para agora atirar a toalha ao chão e confessar que já não queria continuar depois de não ter cumprido aquilo a que se propusera, por culpa não inteiramente sua.
Vamos portanto ver aquilo  que Elizabete Matos é capaz de fazer à frente do Teatro Nacional de São Carlos. E vamos desejar que  esta figura doce mas poderosa, amante das grandes personagens de Wagner, que contracenou com Jose Carreras, Placido Domingo, Leo Nucci e muitos outros, que estudou piano e violino em Braga antes de partir para o estrangeiro com uma bolsa de estudo da Fundação Gulbenkian e se tornou na cantora lírica portuguesa mais apreciada na actualidade  vai fazer com o maior desafio da sua vida artística.
Desejemos-lhe as maiores felicidades!
Publicado no Minho Digital

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12.9.19

O Papo-Seco (Crónica)

Por C. Barroco Esperança
Há, na vida dos países e na pacatez das pequenas povoações, figuras que são referências afetivas de uma época. O tempo encarrega-se de as esquecer como se não fosse rica a sua existência e estimulante o seu exemplo.
Em meados do século passado havia em Almeida um sapateiro estimado por todos, um homem sempre disponível para fazer um favor, e capaz de usar os sapatos de um cliente antes de lhe deitar as meias solas, para os devolver quando calhasse, ou de descalçar os seus para alguém que deles precisasse.
Os garotos guardavam-lhe a sapataria à espera do arco que restaria dos pneus gastos, de onde retirava os pedaços de borracha que ainda havia para o calçado que remendava. Às vezes queria o martelo para espetar os protetores e brochas, que aumentavam a duração das solas, e tinha de o pedir ao garoto que brincava com ele. Cada arco que sobrava fazia feliz um garoto, que percorria a vila a correr atrás da gancheta que o fazia rodar. Muito gostavam os garotos do Papo-Seco que um dia se admirou por eu lhe chamar Sr. Papo-Seco, tão pouco habituado à senhoria do tratamento.
As cartas chegavam-lhe com a simples referência, Papo Seco – Almeida, com o pedido de uma certidão de idade, certificado do registo criminal ou qualquer outro documento de que o remetente carecesse, vindo no interior com uma nota de 20 escudos cujo troco era o pagamento do que faria de graça.
Nas festas largava a sapataria para ser fogueteiro. Todos o conheciam e estimavam, na vila e no concelho. Era uma companhia apreciada pela boa disposição e simpatia.
O Abel Nabais, comerciante de Nave de Haver, perguntou-lhe um dia se gostava de ir a Lisboa, olha se gostava, e convidou-o para o acompanhar numa viagem que, em breve, faria para tratar de negócios. Na noite anterior mal dormiu, com medo de que o amigo se esquecesse ou o fizesse esperar quando chegasse de automóvel.
Manhã cedo, no dia aprazado, partiram os dois para a viagem cuja distância e demora só ao Papo-Seco não cansavam. Percorreram mais de oitenta léguas, cruzaram numerosas localidades, e o sapateiro viu o que nunca julgou existir, havia mundo fora de Almeida e do seu termo, maravilhado e feliz.
Da conversa do caminho não reza a história. À entrada em Lisboa, com silêncios que o condutor esperava, os olhos do Papo-Seco luziam e surpreendia-se com a quantidade de veículos que circulavam na capital, no pós-guerra. A certa altura, com cada vez mais automóveis e camionetes a circularem, exclamou, ó Abel tivemos sorte, …, viemos em dia de mercado.
No regresso a casa e à sapataria, não se cansava de falar das maravilhas que vira em Lisboa e da felicidade de uma viagem inesquecível, grato ao seu amigo Abel. Voltou ao trabalho, aos favores a amigos e desconhecidos e ao convívio dos conterrâneos.
No início da década de sessenta, quando o país iniciou a fuga à miséria, rumo a França, recebia vários os pedidos para dar dormida a desconhecidos na sua modesta casa, na Rua do Poço. Por lá passaram muitos emigrantes, sem lhes perguntar para onde iam ou de onde vinham, até que a Pide o foi buscar.
Sentiu-se uma ave engaiolada antes de começar a ser torturado para confessar quem era o chefe da alegada rede de emigração clandestina, como se ele conhecesse os interesses que moviam os passadores ou quem eram. Foi a segunda e última vez que se encontrou em Lisboa, então para ser agredido e intimidado, com o corpo dorido, noites sem dormir e violência que não compreendia, por ter dado guarida sem saber a quem.
Os esbirros que o levaram não pararam em Vilar Formoso, de cuja delegação provinham gritos que se ouviam nas imediações, receosos de que a sua popularidade levasse os fascistas locais a acudir ao homem bom, alheio à política, que ajudaria quem quer que fosse.
Muitos dias e noites depois, com nódoas no corpo e a sangrar por dentro, amargurado e sem compreender a vileza de que era vítima, mudo perante as ameaças, devolveram-no à procedência, sendo a generosidade o único crime que o comprometeu.
O Papo-Seco voltou a Almeida, mais sofrido e intrigado, sem perder aquele jeito de ser prestável, a reabrir a sapataria e a viver memórias amargas nos dias que ainda teve.
Quando chegou o 25 de Abril, na sequência da deliberação de uma assembleia popular, uma Comissão Administrativa sucedeu ao autarca fascista e, durante cerca de 15 meses, dirigiu o município, sem qualquer remuneração, empenhada nos destinos do concelho.
Foi numa das reuniões dessa comissão administrativa que o elemento mais idoso propôs o nome do Papo-Seco para a rua onde morou e acolheu emigrantes clandestinos, proposta aceite por unanimidade. Lá foi descerrada a placa toponímica que a edilidade do CDS, saída das primeiras eleições autárquicas, logo removeu, irritada com a razão da homenagem explícita na placa, na antiga Rua do Poço a cujo nome regressou.
Afinal, o Papo-Seco tinha nome e apelido, António dos Santos, o nome de um homem bom que se vai apagando da memória à medida que são cada vez menos os vivos que o estimaram.
Os nomes dos membros da Comissão Administrativa, a ata da sua eleição e as atas das deliberações seguiram o destino da placa toponímica do Papo-Seco, de cujo paradeiro ninguém sabe:
Rua António dos Santos
(Papo-Seco)
Vítima da Pide
Só resta a memória, cada vez mais débil, de um tempo exaltante em que a democracia andou à solta.
Ponte EuropaSorumbático

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11.9.19

AS ROCHAS, NUMA CAMINHADA DE MAIS DE 2000 ANOS

Por A. M. Galopim de Carvalho
Desde, pelo menos, a Antiguidade grega e durante séculos, o termo pedra tanto indicava uma rocha como um mineral. Hoje não confundimos e sabemos que, para termos uma ideia, ainda que básica, sobre as rochas, temos de saber o que são os minerais e, para sabermos algo sobre os minerais, não podemos prescindir de alguns conhecimentos sobre as rochas.
Todos falamos hoje de minas e minerais, com base num saber empírico e vulgar ligado à experiência quotidiana. Mina é uma palavra do vocabulário popular ligada a uma actividade tradicional. Quem vive no campo, sem a comodidade do abastecimento de água canalizada, sabe que uma mina de água é uma escavação na horizontal, feita numa encosta do terreno, a fim de captar a água que aí circula no seu interior. Palavra que se julga radicada na cultura céltica, trazida por um povo portador da metalurgia do ferro, mina significa escavação na terra. Minerar é, pois, escavar e mineral é o que da terra se retira por escavação. Minar é escavar e é, também, fossar e fossa é uma escavação. E é por isso que, no passado, até ao século XVIII, “fóssil” era todo o material (com excepção do orgânico) que se desenterrava ou extraía de dentro da terra (do latim "fossile", desenterrado), o que abrangia, não só os minerais e as rochas, como também os “petrificados” (nome que se dava aos fósseis, no sentido que hoje damos ao termo) e os achados arqueológicos.
No Livro das Pedras, de Aristóteles (384-322 a. C.), que se julga não ser da autoria deste filósofo e fundador do Liceu de Atenas, mas sim uma compilação das suas ideias feita por um anónimo, provavelmente um árabe posterior ao século IX, além de pedras comuns, distinguem-se gemas, metais e sais, e disserta-se sobre a influência dos astros, em geral, e do Sol, em particular, no nascimento destes objectos naturais. A sua visão acerca das “influências celestiais” era a de que, sob o efeito dos raios solares, certas exalações se escapavam para a atmosfera. Destas, as chamadas “exalações secas”, associadas às trovoadas, condensavam e caíam na Terra, sob as formas de chuva de pedra (granizo) e de pedras vindas do espaço (meteoritos). Segundo a mesma visão, havia outras exalações susceptíveis de gerar pedras, incluindo nesta designação rochas, minerais e fósseis surgidos e desenvolvidos à superfície e no subsolo, por efeito de “virtudes petrificantes” originárias do céu e dos diversos corpos celestes, nomeadamente os planetas e as estrelas, entre as quais o Sol tinha papel de destaque.
O seu discípulo mais notável, Teofrasto (372-287 a. C), continuador do dito Liceu, debruçou-se mais objectivamente sobre estes produtos naturais e, entre as várias obras que deixou, sobressaem vestígios de um tratado sobre as pedras. Tido como a primeira obra escrita neste domínio, envolve, ainda, minerais, minas e metalurgia. Deve-se a Teofrasto um esboço de classificação dos ditos produtos, com base nas respectivas utilidades. Entre eles, figuram o calcário, o xisto argiloso, o basalto, o pórfiro, o ofito (dolerito) e o mármore, indicando ainda as suas utilizações práticas na indústria e na arte.
Pouco mais de três séculos depois, Plínio, o Velho, (23-79 d.C.), o grande enciclopedista romano, baseia-se na obra de Teofrasto em muitas das suas alusões às rochas, ainda não designadas como tal, mas sim como pedras. Estes conhecimentos mantiveram-se até finais do século XV, em finais da Idade Média.
Na idade Média, o persa, Abu Ali al-Hussein ibn Abd-Allah ibn Sina (980-1037), mais conhecido por Avicena, médico, filósofo e alquimista de cultura enciclopédica, deixava-nos um outro tratado sobre as pedras, “De Lapidibus” (na tradução latina), do qual consta a primeira classificação dos objectos do chamado “Reino Mineral”, numa época em que, como se disse atrás, ainda se não fazia a distinção entre rochas, minerais e fósseis. Desta classificação constam quatro classes: “pedras e terras”, “minerais fusíveis e sulfurosos”, “metais” e “sais”.
No século XIII, também o dominicano Albert von Bollstadt (1206 -1280) se interessou pelas pedras no seu todo. Doutor da Igreja, foi figura grande no universo da ciência do seu tempo, o que lhe valeu ter ficado na história como Alberto de Colónia, Alberto Magno ou Alberto, o Grande. O seu livro “De Mineralibus et Rebus Metallicis”, escrito por volta de 1260 e publicado, pela primeira vez, em Pádua, em 1476 é, em grande parte e ao contrário do que era hábito, expressão das suas próprias investigações. Diz aí que as gemas diferem dos restantes minerais e pedras pelo seu maior conteúdo no “elemento água” (um dos 4 elementos atribuídos a Aristóteles - terra, água, ar e fogo) sendo, por isso, mais claras e transparentes, propondo a respectiva classificação pela cor. Ele tratou como minerais todo o tipo de pedras e os metais. Estudou as propriedades do enxofre e de muitos sais metálicos.
Na viragem da Idade Média para a Moderna, Agricola, médico alemão, de nome Georgius Bauer (1495-1555), reviu as classificações das pedras, elaboradas por Teofrasto, Plínio, o Velho, Avicena e Alberto Magno, enaltecendo os seus autores, distinguindo e designando por “mármores”, o mármore propriamente dito, o basalto antigo e o alabastro, e por “Pedras de construção”, o calcário e o arenito, nomeadamente o Bundsandstein, nome então atribuído ao arenito fino do Triásico germânico. Assinale-se que o basalto antigo (não o resultante das erupções vulcânicas que se podiam presenciar na região mediterrânea), já conhecido na Europa do Norte, não era associado ao vulcanismo. Referido então por “mármore negro”, como lhe chamou Plínio, este basalto era visto, erroneamente, como uma “rocha precipitada no fundo do mar”.
Entretanto, surgia em Itália, em 1596, o termo “granito”, radicado no latim granum, que significa grão, introduzido por Andrea Caesalpino (1519-1603).
Já no século XVIII, num período da história da Europa, em que os textos eruditos e, entre eles, os de cariz científica, eram maioritariamente escritos em latim, o teólogo e mineralogista alemão, John Lukas Woltersdorf (1721-1772), deixou cair o termo “pedra” e, pela primeira vez e, sob a designação latina de lapidis, considerou as rochas como uma classe à parte. Na sua classificação dos produtos do “Reino Mineral”, conhecida por Sistema Woltersdorf, divulgada em 1748, distinguiu sete classes: Terrae (terras), Lapidis (rochas), Salia (sais), Bitumina (betumes ou asfaltos), Semimetala (semimetais), Metala (metais) e Petrifada (“petrificados” ou fósseis, no sentido que hoje damos à palavra).
Da mesma época, a proposta de classificação do alemão Albert Frederic Cronstedt (1722-1765), conhecida por Sistema de Cronstedt (1771), introduziu o termo latino saxus, igualmente com o significado de rocha (saxa, no plural), definido como “o conjunto dos materiais que formam as grandes massas montanhosas”, exemplificados, entre outros, pelo “ofito” (dolerito), o “pórfido” (pórfiro) e o trapp (basalto). Valorizada pelas referências aos chamados “princípios constituintes” (os elementos químicos então possíveis de reconhecer), esta classificação estava ainda longe de abordar a verdadeira natureza das rochas e, assim, compreender os respectivos significados geológicos.
Uma década depois, o sueco Torbern Olof Bergman (1735 -1784), na classificação dos produtos do “Reino Mineral”, conhecida por Sistema de Bergman (1782), considerou nove classes: “ares”, “águas”, “enxofre”, “ácidos”, “alcalis”, “terras”, “substâncias metálicas”, “sais neutros” e “fósseis”.
Na última classe, a dos “fósseis” (no sentido que ainda se dava à palavra, isto é, como se disse atrás, todo o material que se desenterrava ou extraía de dentro da terra, do latim fossile, desenterrado) o autor incluiu as “pedras simples” (os minerais), as “pedras compostas” (as rochas) e os fósseis (no sentido que hoje lhe damos). Entre as “pedras compostas” distinguia as “pedras compostas cristalizadas”, onde se arrumavam granitos e gnaisses, as “pedras compostas empastadas cristalizadas”, representadas pelos “pórfidos” (pórfiros), as “pedras vulcânicas”, a que pertenciam as “lavas compactas e porosas”, os basaltos, o “rapilo” (lapili), a pozolana, a pedra-pomes, o vidro vulcânico (obsidiana ou Pechstein), as brechas vulcânicas, e, ainda, as “pedras compostas não cristalizadas”, como conglomerados e brechas de natureza sedimentar. Dado o carácter homogéneo, tanto o vidro vulcânico como o mármore, o quartzito, o calcário e alguns xistos não figuravam entre as rochas, mas sim entre os minerais. O livro onde Bergman divulgou esta sua classificação foi traduzido para português, em 1799, por Andrade Machado, com o título “Manual do Mineralógico ou Esboço do Reino Mineral”.

Até meados do século XIX o estudo das rochas limitava-se: à identificação, dos respectivos minerais, à vista desarmada ou com o auxílio de uma simples lente de aumentar 10 vezes ou pouco mais; à descrição da textura, ou seja, o arranjo espacial dos respectivos minerais, tendo em conta as suas dimensões, forma e orientação; e à quantificação rudimentar dos seus constituintes químicos, na medida dos conhecimentos de então.
Em 1858, o geólogo inglês Henry Clifton Sorby (1826 -1908) abriu as portas ao estudo das rochas em termos modernos, pela adaptação, ao microscópio óptico, de um dispositivo (nicol) que permite operar com luz polarizada. O microscópio assim equipado passou a ser apelidado de polarizante ou petrográfico. Nasce aí a petrografia, a disciplina científica que visa a identificação dos minerais constituintes das rochas e a caracterização das respectivas texturas com vista às suas descrição e classificação no contexto da imensa variedade de tipos rochosos. Foi a petrografia que permitiu o estudo das rochas com dimensão de ciência, a que foi dado o nome de petrologia, um tema a desenvolver mais adiante.

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10.9.19

O NEGÓCIO DA LÍNGUA

Por Ana Cristina Pereira Leonardo
Escrevo poucas horas antes de ter início no Brasil uma discussão sobre a eventual revogação do Acordo Ortográfico de 1990. 
O debate terá lugar na Comissão de Educação da Câmara de Deputados e resulta de um requerimento do deputado de centro-direita Jaziel Pereira (Partido da República), subscrito por Paula Belmonte do Partido Cidadania, antigo Partido Popular Socialista e, antes disso, Partido Comunista Brasileiro. A justificação foi que “o acordo para unificação ortográfica da língua portuguesa nos países lusófonos não alcançou a eficácia esperada”. 
Antes que alguém se lembre de colar a oposição ao AO às forças de Darth Vader e ao mais serôdio obscurantismo – afinal, Bolsonaro também disse qualquer coisa contra – recordem-se as palavras do insuspeito Paulo Franchetti em 2012, dirigia então o crítico e professor de literatura a Editora da Unicamp, órgão da Universidade Estadual de Campinas. 
Dizia ele: “O acordo ortográfico é um aleijão. Linguisticamente malfeito, politicamente mal pensado, socialmente mal justificado e finalmente mal implementado.” 
Mais à frente: “O resultado foi uma norma cheia de buracos e defeitos, de eficácia duvidosa. (…) Nem mesmo agora, a ortografia em cada um dos países será unificada, pois a possibilidade de grafias duplas permite inclusive a construção de híbridos. E se os livros brasileiros não entram em Portugal (e vice-versa) não é por conta da ortografia, mas de barreiras burocráticas e problemas de câmbio que tornam os livros ainda mais caros do que já são no país de origem”. 
Pegando o boi pelos cornos, acrescentou: “Mas o acordo interessa, é claro, a gente poderosa. (…) No Brasil, creio que sobretudo interessa às grandes editoras que publicam dicionários e livros de referência, bem como didáticos. Se cada casa brasileira que tem um exemplar do Houaiss, por exemplo, adquirir um novo (…), não há dúvida que haverá benefícios comerciais para a editora e para a Fundação Houaiss – Antônio Houassis, como se sabe, foi um dos idealizadores e o maior negociador do acordo. O mesmo vale para os autores de gramáticas e livros didáticos”. 
Por cá, silêncio sobre a negociata. Os ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Cultura e da Educação nem se dignaram responder ao grupo de trabalho da Assembleia da República que avaliou (sem conclusões oficiais) o impacto da aplicação do AO. 
Parafraseando Camus: quando todos formos analfabetos, será a democracia.
"Expresso" de 7 Set 19

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