30.6.13

Uma questão (talvez) "politicamente incorrecta"

6ª-feira, 28 Jun 13 - 19h50m
Será aceitável que um grupo de ciclistas, em [velocidade de] passeio, dê origem ao que aqui se vê numa artéria de Lisboa?

Da Geografia de Eratóstenes, no século III a. C., à Geomática, passando pela Geomorfologia quantitativa de Arthur Strahler, no século XX


1ª parte
Por A. M. Galopim de Carvalho
LEMBRADO como o fundador da geografia, Eratóstenes (285-194 a. C.) nascido em Cirene, na Grécia, bibliotecário-chefe da grande Biblioteca de Alexandria e homem de vasta cultura, foi matemático, astrónomo, gramático e poeta. Autor de Geográfica, em três volumes, considerada a primeira obra escrita no domínio desta temática, inovou os termos geografia e geógrafo. Utilizou descrições de viagens e expedições feitas por compatriotas, para conceber um mapa do mundo então conhecido, em que aparecem, pela primeira vez, longitudes e latitudes. (...)
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29.6.13

Para que serve o Constitucional?

Por Antunes Ferreira 
O TRIBUNAL Constitucional rejeitou na sexta-feira o recurso apresentado pelo ainda presidente da Câmara Municipal de Gaia e suposto candidato à Câmara do Porto. Mas, como sempre (ou quase) acontece em Portugal, e de acordo com o seu advogado, o caso não fica por aqui. Isto quer dizer em linguagem compreensiva pelos cidadãos que de recurso em recurso para as instâncias superiores, o prazo para as eleições autárquicas não será suficiente para que uma última sentença do órgão competente para a dar saia a público. Daí que de acordo com o causídico, o Dr. Menezes será candidato contra tudo e contra todos… 
Segundo o Jornal de Negócios que foi o primeiro órgão da comunicação social a publicar na sua edição on-line, “a rejeição deste recurso implica que o autarca de Gaia volta a estar impedido de se candidatar à câmara do Porto, já que volta a vigorar a decisão da primeira instância, que deu razão à queixa do Movimento Revolução Branca”.
Contudo, o advogado Alberto Amorim Pereira, que representa Luís Filipe Menezes, entende que a decisão do Tribunal Constitucional não pode ser considerada um «revés» no “plano jurídico”. “A situação de suspensão da providência cautelar mantém-se e o Dr. Menezes ainda tem possibilidade de reclamar para a conferência”, sublinhou o advogado, que explicou que “mesmo que fosse mantida esta decisão, o processo baixaria à primeira instância e ficaria a aguardar a decisão da ação principal e do recurso para o Tribunal da Relação”. 
Amorim Pereira sustentou ainda que Luís Filipe Menezes pode continuar a ser candidato à câmara do Porto até porque não houve “nenhuma decisão de fundo”, tendo a decisão do Tribunal Constitucional versado apenas questões “processuais e laterais a todo o processo da limitação de mandatos”. 
Entretanto, Menezes ainda poderá recorrer para um colectivo de juízes dentro do mesmo Tribunal Constitucional. Daí que a batalha jurídica não vai ficar por aqui, uma vez que associada à providência cautelar (um procedimento urgente), está a correr uma acção principal com o mesmo objectivo, nos Juízes Cíveis do Porto. E essa decisão ainda não é conhecida e pode ser alvo de recurso. 
As trocas e baldrocas entre advogado e as diversas entidades judiciais levam-me a perguntar (ingenuamente?) para que serve afinal o Tribunal Constitucional? Para ditar sentença ou para ser torpedeado? Eu, pelo menos, mas penso que muitos outros mais também assim congeminam, vejo neste desatino jurídico a prova mais do que evidente de que a Justiça em Portugal está pelas horas da morte… 
Tal como o País, ela já bateu no fundo e não há mergulhador que a salve da morte fatal por afogamento. Talvez esta conclusão peque pelo exagero, mas pior do que isto não pode haver. O (des)Governo que diz que está a salvar a Pátria faz-me lembrar o escuteiro que ajudou uma velhinha a atravessar uma rua sem que ela o quisesse fazer… De salvadores dessa pobre Pátria, desde o rei D. Sebastião, passando pelo Presidente Sidónio Pais, até ao Dr. Salazar estamos fartos, saturados tal como a água não consegue dissolver o açúcar ao fim de tantas experiências frustradas. Ou como o cavalo do Inglês que morreu à fome justamente quando o seu proprietário entendia que a iniciativa de não lhe dar comer estava quase no fim. E, curiosamente, estava. 
A três meses das eleições autárquicas (29 de Setembro), Menezes continua sem a certeza de que se poderá candidatar à Câmara do Porto, uma situação de alguma maneira similar à de Fernando Seara em Lisboa. Isto é que vai uma crise…

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28.6.13

Apontamentos de Lisboa

O "Big Brother" não é tão "big" assim

Por Ferreira Fernandes
SEM QUERER desmentir Hollywood e muito menos Edward Snowden, suspeito que ainda há salvação para todos nós, gravados por jovens nerds borbulhentos e sem namorada. Snowden, o espião que denunciou o "Biguíssimo Brother" americano que nos filma e ouve 24 horas sobre 24 horas, quando estava em Hong Kong, diz-se, exigia a quem o visitasse que lhe entregasse os telemóveis. Pegava neles e metia-os no frigorífico, para lhes constipar o sinal. Suspeito que os cuidados desta espécie inversa de espião que veio do frio são exagerados. Não que não acredite que se no voice mail eu disser "ligou para o primo de al-Zawahiri, da Al-Qaeda, deixe mensagem", o meu BlackBerry tenha uma atenção especial durante uns tempos, até eu ser remetido para a mais grossa pasta que há na sede da CIA, em Langley, com uma palavrinha escrita com marcador preto: "Parvos." A minha esperança - de alguma privacidade quando me acontece meter o dedo no nariz - advém de um episódio ocorrido com o próprio Edward Snowden, ainda em Hong Kong. Segundo o procurador-geral chinês Yuen Rimsky, os americanos enviaram um pedido de detenção para o cidadão "Edward James Snowden". Ora, o nosso homem chama-se Edward Joseph Snowden. Certamente que se as autoridades chinesas tivessem muita vontade, teriam chegado ao Joseph, mas esse não é o meu ponto. O facto é que há sempre uma pequena falha humana que impede qualquer perfeição, mesmo quando esta está ao serviço do mal.
«DN» de 28 Jun 13

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27.6.13

Apontamentos de Lisboa

As fotos de cima são fresquinhas, mas não mostram nada de novo - são da Baixa de Lisboa, num dia normal... de caos. A curiosidade está, pois, apenas na de baixo, com o convite para os estrangeiros votarem; como o farão?

Mandela, que me libertou

Ferreira Fernandes
EU SOU um homem branco e sei-o desde criança. Num quintal luandense, um carregador negro, ferido por uma palavra que eu, miúdo de calções, lhe dissera, tirou um canivete, cortou-se levemente no braço e mostrou-mo: "Olha, é igual ao teu." Aprendi. Eu sou aquele que precisou que lhe mostrassem uma evidência. O bocado da minha vida de que mais gosto é que depois de mostrada nunca mais esqueci aquela evidência. Fiz amigos, daqueles que me sorriem na memória, fiz escolhas, daquelas que me marcaram o destino, em que pesou eu saber que aquela evidência - a igualdade dos homens - é. É mais do que justa. Simplesmente é, existe. Como aconteceu a muitos pied-noirs, tive de responder à opção que Camus definiu ser entre a justiça e a mãe. Escolhi o campo nacionalista angolano, quando isso não era comum entre os brancos, lutei por ele, quando era perigoso fazê-lo, tive de me exilar, quando não se sabia por quanto tempo. Mas, desmentindo o dilema de Camus, nunca me senti contra a minha mãe (e o meu pai) - nem quando a história lhes tirou a terra que era deles. Na verdade, sobre a questão política fundamental que se me pôs na vida, a independência de Angola, eu não podia ser outra coisa senão aquilo que o pequeno fio de sangue de um carregador negro me mostrou. Apetece-me dizer isto hoje porque a minha vida só faz sentido porque houve um líder como Nelson Mandela. Sem ele eu sentir-me-ia abusado, dano colateral, mexilhão. E não, não sou. 
«DN» de 27 Jun 13

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O Governo e a peregrinação pia a Alcobaça

Por C. Barroco Esperança
O EFÉMERO e funesto Governo de Santana Lopes foi o primeiro que teve o nomadismo como projeto e a anarquia como modelo de funcionamento. A sementeira de secretarias de Estado, distribuídas  pelo País, era a exótica novidade do governo PSD/CDS que entendia assim a descentralização administrativa. O sucessor do fugitivo Durão Barroso criou seis secretarias de Estado, de Braga a Faro, passando por Aveiro e Coimbra e acabando na improvável Golegã, por falta de instalações na cidade de Santarém para onde o delírio governamental a destinara. (...)
 
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26.6.13

Apontamentos de Lisboa

Arte urbana

Os espiões já não são o que eram

Por Ferreira Fernandes
NOS BONS velhos tempos, a preto e branco, leste-oeste, se a URSS tinha um espião americano, ele era um piloto abatido a filmar bases russas (1960, Gary Powers, piloto de um U-2). Seguiam-se jogos de xadrez entre líderes mundiais. Nikita Khrushchov: "Abatemos um avião espião." General Eisenhower (pensando que o piloto tinha morrido): "Qual espião? Era um avião de meteorologia, perdido." Khrushchov (fazendo xeque-mate) : "Ai era? Não é o que diz o piloto...", e mostra-o em tribunal. Tudo acabava meses depois numa ponte de Potsdam, entre duas Alemanhas e trocas de espiões... 
Preto e branco, leste-oeste, duas margens. Hoje, o espião americano se o era, foi em part-time, está arrependido, entra na Rússia num voo em classe turística e avisa que já marcou voo seguinte para Havana. Os jornalistas marcam lugares nas cadeiras ao lado, fotografam a vazia e escrevem no Twitter, desiludidos: "Afinal, Snowden não apareceu." Vivemos dias em que é surpresa os espiões não cumprirem o que anunciam. Entretanto, o espião continua no aeroporto de Sheremetyevo, em Moscovo, mas a CIA não sabe se no lounge para passageiros frequentes com cartão Gold, se escondido numa casa de banho ao lado do Duty Free. O segredo de Edward Snowden é que os americanos sabem tudo. O álibi dos americanos é que não sabem de Snowden. Diz Putin: "É como tosquiar um porco, muitos gritos mas pouca lã." Resta essa constância histórica: os líderes russos continuam manhosos.
«DN» de 26 Jun 13

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Apontamentos de Lisboa

Av. Pascoal de Melo
Av. Almirante Reis
Sente-se um cheirinho a eutanásia quando vemos uma árvore (eventualmente velha e doente) a ser abatida. Mas quando isso sucede em massa (como é o caso na Av. Pascoal de Melo), já parece mais uma solução final - especialmente se, ali próximo, nem as mais novas escapam às moto-serras dos zelosos mata-árvores!

A almoçarada

Por Baptista-Bastos
O VISTOSO Grupo Excursionista Passos Coelho & Compinchas foi a uma almoçarada em Alcobaça. Deslocou-se, o grupo, em potentes automóveis, levando consigo, convenientemente, os guarda-costas habituais. Um número incontável de viajantes. Poderiam, talvez, viajar de autocarro, mas não. A decisão foi tomada em Conselho de Ministros anterior, com a veemência que deliberações desta natureza exigem e justificam. No presumível autocarro, a excursão seria mais divertida: um bulício de conversas e de risos, uma troca de histórias matreiras, acaso inconfidências risonhas e intercâmbio de pequenos segredos.
O selecto conjunto ia discretear sobre as maleitas da pátria e, porventura, encontrar soluções para o que nos aflige. Poderia, a reunião, ter sido em Algés, na Trafaria ou na Tia Matilde. Qual quê? O recato do mosteiro e o meditativo silêncio eram convites indeclináveis à grave reflexão a que se propunha aquela gente considerável.
Acontece um porém: na capela ia celebrar-se um casamento, e um repórter curioso aproximou-se, lampeiro, de gravador em punho. Esclareceu a jovem, vestida a rigor com véu e flor de laranjeira, a coincidência de o Governo estar ali, e ela também para o enlace desejadamente jubiloso. Espavorida, fugiu para o interior do monumento, sem a complexidade indecisa dos que olham para o poder com reverente obséquio. Entendeu, provavelmente, a noiva que o encontro não era sinal auspicioso e que a presença simultânea de tantos ministros dava azar.
Tomando as coisas pelo seu nome, acerca de que conversaram, aqueles que tais; que valores absolutos como a verdade, o bem, o sagrado, a beleza alinharam no que disseram? Adquiriram consciência de que a unidade dos valores morais está a desintegrar-se rapidamente, por culpa própria? O recolhimento piedoso do local era propício a actos de meditação e, por decorrência, à contrição e ao remorso.
Mais prosaicamente, que comeram os excursionistas? Embrulharam lanche? Levaram marmita? Passear, decididamente, não. O coro de protestos, de vaias e de insultos que os recebeu teria afugentado qualquer ideia de turismo. No final, o ministro Poiares Maduro, em resposta à ânsia noticiosa dos jornalistas, disse umas frases inócuas. Percebeu-se, no enredo, que o encontro de Alcobaça redundara em nada, rigorosamente em nada; que nada se decidira, que tudo fora absurdo, confuso e disperso.
Poiares Maduro é, certamente, bom rapaz, e só por isso tem uma aparência formal de tranquilidade infalível. A voz ainda está em formação, e não me parece que possua sabedoria administrativa e astúcia suficientes para enfrentar as armadilhas que o aguardam. O partido que suporta o Governo é um saco de lacraus. Dividido em grupos de interesses, até já perdeu o sentido da cortesia. E a almoçarada, em Alcobaça foi uma sessão de despropósito, consequente com o estado do Governo.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
«DN» de 26 Jun 13

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25.6.13

A malta do "é igual ao litro"

«DE-online» de hoje
Vendo bem, o "nos" que se vê na 1ª e 2ª imagens deve ser uma abreviatura manhosa de "números". Se assim for, fica apenas por explicar o que será "A montante arrecadado"...

Sim ou não ao resgate do soldado Durão?

Por Ferreira Fernandes
HÁ NOVE anos, ele partiu como um corpo expedicionário para a Flandres. Movia-o a Pátria, que não interesses egoístas. Agora, lá está Durão Barroso, entrincheirado em Bruxelas, sujeito às balas francesas. Primeiro, foi o editorial-morteiro do jornal Le Monde, chamando-lhe cata-vento e oferecido aos americanos para mais um posto na ONU ou OTAN... No domingo, foi o ministro francês Arnaud Montebourg a metralhar: "Barroso é o carburante da FN [o partido de extrema-direita de Marine Le Pen]." Ele deveria ter respondido "carburante, octanas!", mas com as balas que lhe atiram Durão Barroso constrói o seu pedestal. O português que mais alto subiu nas instâncias internacionais (pelo menos desde o mordomo luso de Jackie Kennedy) continuou de peito feito aos tiros. Alain Juppé, ex-ministro de Sarkozy, ontem: "Barroso é totalmente anacrónico." E Marine Le Pen, aquela que o outro dizia que Durão Barroso protegia, também molhou a sopa: "José Manuel Barroso é uma catástrofe para o nosso país e para o nosso continente." 
E dizer que há cem anos o corpo expedicionário português foi defender a França dos boches! A ingratidão deve ser a tal "especificidade cultural francesa"... Não deveríamos nós resgatar Durão? É melhor, não. Isso é uma especificidade cultural americana, salvar o soldado Ryan é para o Spielberg e o Tom Hanks. Talvez façam do nosso homem mesmo secretário-geral da ONU. E nós, afinal, que tínhamos cá para lhe oferecer? 
«DN» de 25 Jun 13

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Possivelmente, quem redigiu este sub-título hesitou entre o «Foi melhor, mas defende mal» e o «Defende mal, mas foi melhor» - e saiu assim, mas...

«Dito & Feito»

Por José António Lima
PAULO Portas não pára de nos surpreender. Agora, resolveu inovar e abrir o Congresso do CDS duas semanas e meia antes da data marcada.
Aparecendo ao país numa declaração de 64 minutos centrada na sua moção de estratégia e transmitida em directo por várias televisões. Esta intervenção de fundo serviu para aumentar de dois para três os seus tempos de antena mediáticos proporcionados pelo Congresso de 6 e 7 de Julho. Além disso, permitiu a Portas transmitir três ideias que merecem registo.
A primeira é a reafirmação clara de que o país precisa de um Governo estável e de que o CDS se oporá a uma crise política antecipada. Não haverá, pois, mais TSU, pensões, impostos, orçamentos ou autárquicas a ameaçar rupturas na coligação. Ficamos todos mais descansados.
A segunda é a transformação do CDS no maior apoiante político do Presidente da República (com mais entusiasmo até do que o próprio PSD...) quando este enfrenta uma fase difícil de popularidade. São várias as referências elogiosas de Portas às chamadas de atenção e discursos de Cavaco Silva. Ficamos todos com um sorriso perante tal evolução.
A terceira é a pulsão a que Portas não consegue resistir de tirar o tapete ao seu parceiro de coligação e de Governo. O líder do CDS descarta responsabilidades, demarcando-se do memorando da troika que, por acaso, até assinou... mas «não ajudou a definir» (como fez o PSD). Atira o ónus das más decisões e medidas mais impopulares para cima de Passos e Gaspar, como «a TSU à custa dos rendimentos do trabalho» ou «a TSU dos pensionistas» que o CDS rejeitou. Chama a si, com o maior descaramento, os louros do Governo e, «sem procurar ser exaustivo», enumera 25-medidas-25 que têm «a impressão digital do CDS»: dos genéricos ao IVA de caixa, passando pela suspensão do TGV. E termina propondo «o desagravamento do IRS», entre outras benesses e reformas – que, a cumprirem-se, será por mérito seu e, a não se cumprirem, será por incapacidade ou bloqueio de Passos, de Gaspar e do PSD em geral.
Paulo Portas tem um apurado sentido de gestão do espaço político. Perde-se é nos excessos de encenação e de presunção.
«SOL» de 21 Jun 13

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24.6.13

Convite

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A emergência da sociologia do ‘basfonds’

Por Maria Filomena Mónica 
NA ÚLTIMA 3ª Feira, estive na festa de comemoração dos 50 anos da revista Análise Social. Há muito que optei por não ir a celebrações de qualquer tipo. E, no entanto, fui. Atrasada, mas fui. Contrariada, mas fui. Porque o GIS, como persisto em designar a instituição, me ajudou a crescer num país pouco dado a voos intelectuais. E ainda porque, ao fim de 35 anos, vou deixar o meu gabinete, na Rua Miguel Lúpi, onde tudo começou e onde, para mim, tudo acabou.
Adérito Sedas Nunes, o fundador da revista, pertencia a um grupo, saído da Acção Católica, empenhado em modernizar o país. Basta pegar no nº 7/8, da Análise Social, com dois artigos que se viriam a tornar clássicos, um do próprio, intitulado «Portugal, Sociedade Dualista em Evolução», e o outro, de Silva Lopes, «A integração económica europeia: implicações sociais em Portugal», para nos apercebermos da importância da revista.
Pouco a pouco, fui-me afastando da Sociologia e aproximando da História. Há tempos, pegando nalgumas revistas de Ciências Sociais, constatei o abismo entre o tipo de Sociologia que Sedas Nunes apreciava e aquela que, nos dias de hoje, se pratica. Isto não acontece por acaso, mas porque a moda passou a ser estudar temas marginais, no duplo sentido da palavra: marginais, porque insignificantes, e marginais, porque abordam mundos alternativos. Inspirada pelo Prof. Boaventura Sousa Santos, que agora deu em rapper, a Sociologia perdeu o norte. 
Em meia hora, coleccionei cem títulos de artigos caricatos publicados em revistas peer reviewed. Ainda pensei fazer uma lista, mas acabei por me concentrar num caso, o projecto intitulado Keep it Simple, Make it Fast, subsidiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Eis o delírio, mais um, financiado por um Estado pobre, clientelar e ignorante.
A investigação está a cargo de Paula Guerra, que trabalhará com o sociólogo e ex-Ministro da Defesa, Augusto Santos Silva. Vale a pena ouvir a forma como a primeira apresenta o estudo: «O punk radica da (sic) música, mas tem a ver com a luta por determinados ideais, como uma vida mais igualitária». O duo sociológico analisará as letras e as músicas de 600 bandas punk nacionais – entre as quais os produzidos por Deskarga Etílica, da Figueira da Foz, os Fita-Cola, de Coimbra e os Tara Perdida, de Lisboa - entre 1977 e a actualidade. Onde estava eu que não dei por eles?
No final, a professora da Faculdade de Letras do Porto informa-nos que o trabalho aborda também a questão do envelhecimento dos rapazes de crista na cabeça: «Vamos avaliar como é que uma pessoa permanece punk sem estar condicionado pela idade, roupa e as trajectórias de vida que permitem ao mesmo indivíduo ser punk de várias maneiras e manter referências e gostos desde a juventude». O projecto inclui finalmente a criação de «um arquivo físico e virtual de fanzines, e-zines, jornais, discos». A fúria não me deixou chegar ao fim. Para me acalmar, fui reler o Down and Out in Paris and London de George Orwell.
«Expresso» de 22 Jun 13

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Apontamentos de Lisboa

Alameda D. Afonso Henriques
Veja-se como os estrangeiros depressa aprendem connosco!

A FIFA é a "troika" deles

Por Ferreira Fernandes
NA PRISÃO paulista Tiradentes, em 1970, a revolucionária Vanda sonhou com manifestações de um milhão cercando o Palácio do Planalto, em Brasília - lembrava, ontem, o cronista brasileiro Elio Gaspari. Já sem o seu nome da clandestinidade, Dilma Rousseff acabou, na semana passada, por viver um dia assim. Mas do lado errado: dentro do palácio, de onde só saiu protegida pela tropa. 
Outro cronista, Ancelmo Gois, revela que Wilson Simoninha é um dos produtores do jingle Vem Pra Rua, lançado para ser anúncio da Fiat na Taça das Confederações. Com os seus versos ("a rua é a maior arquibancada do Brasil"), a musiquinha estava a pedi-las e tornou-se o hino das atuais manifestações. Ora Simoninha é filho de Wilson Simonal. E Simonal é um dos grandes da música brasileira (oiçam Nem Vem Que Não Tem), negão que cantava com Sarah Vaughan e enchia salas... mas não criticava a ditadura militar. Quando esta caiu, suspeitou-se que Simonal tinha amigos da polícia política e ele acabou como artista... 
Ironias destas - o Palácio do Planalto e Vanda/Dilma e o filho do reacionário Simonal incendiando hoje as massas - são ótimas para filme mas não nos explicam este Brasil. Outro cronista, Luis Fernando Verissimo, deixa pista mais sólida: os brasileiros engalinham com a FIFA. Com a mania de dar ordens em casa alheia, ela acabou por desautorizar os comparsas, as autoridades locais. Traduzo: por cá, com troca nas fífias, FIFA diz-se troika
«DN» de 24 Jun 13

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23.6.13


Com a mesma lógica que levou à criação do substantivo "presidenta", é possível que venhamos a ter "agentas da polícia" (a prender "delinquentas"), "texugas", "melras", e outras curiosidades linguísticas.
Se assim for, proponho que, em compensação, se aplique a regra inversa aos substantivos "femininos" - passando a haver, p. ex., "polícios", "guios turísticos", para já não falar de "girafos", "minhocos", "carraços", "pulgos" e outras palavras que facilmente enriqueceriam o Novo Acordo Ortográfico
(visto que a novidade vem do Brasil - e do mais alto nível!).

Luz - Barcelona, loja Apple

Fotografias de António BarretoAPPh
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Dias depois do lançamento de um novo iPad. Numa das praças mais famosas e mais caras da cidade, esta loja estava aberta quase 24 horas por dia. Eram três andares de aparelhos. Ambiente depurado, decoração mínima e formas simples. Materiais nobres, madeira e vidro. A força de atracção destes aparelhos e a energia mítica desta marca são suficientes para chamar pessoas, criar clientes obsessivos, manter fiéis e despertar as maiores invejas consumistas que se possam imaginar. Andei por ali uma ou duas horas, a ver e a fotografar. Reparei que quase ninguém comprava aparelhos. Informavam-se. Discutiam. Pediam esclarecimentos. Falavam com os técnicos prestáveis e vendedores solícitos. Tiravam notas e apontamentos. Os elevados preços destas máquinas aconselham reflexão, com certeza. Mas algo é diferente. A Apple e suas criações, iPod, iPad, iPhone e o que mais se verá, não são como os outros. Não são como toda a gente. Têm algo de especial. Não há nada mais difícil de conseguir… (2012).

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O autarca que engolia papéis

Por Ferreira Fernandes
AUTARCA cujo papel é engolir em seco nunca se tinha visto. Aconteceu em Portimão, com o vice-presidente Luís Carito (PS). Estava um inspetor da PJ a fazer-lhe uma busca a casa, Carito arrancou-lhe uma folha da mão e engoliu-a. A PJ diz que o papel servia de prova; o autarca tomou-a à letra e provou. Seria vício do vice? Eu se fosse de uma terra com a notável tradição doceira de Portimão, de dom-rodrigos e morgados, nunca mais daria o meu voto a um tipo que chama um figo a um vulgar mil-folhas, ainda por cima reduzido a uma só. 
A cena é caricata (plagiada, aliás, dos Gato Fedorento: "o papel?", "qual papel?", "o papel...") e deixa-nos em dúvida sobre o que estava lá escrito. Em termos judiciários, Carito tem interesse em dizer que o seu papel na câmara era meramente de embrulho e a folha engolida não tinha nada escrito. Mas, em fim de mandato, deixa um autarca mal colocado apresentar-se com o balanço de um papel em branco. Dá vontade ao eleitor de não voltar a passar-lhe cartão na urna mas, sim, reciclá-lo no ecoponto. O que não impede que, com o seu gesto, o autarca Carito tenha feito o papelão da semana. 
Tanta fama até é capaz de lhe dar a ideia de voltar a candidatar-se. Estou a ver os cartazes: "No anterior mandato foi uma folha A4, mas para o próximo prometo engolir uma enorme folha A1." Graficamente ficava bem uma foto de Carito a roer um dos cantos do cartaz. Cada um tem os pergaminhos que merece. 
«DN» de 23 Jun 13

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Dos terramotos entendidos como expressão da ira divina à sua utilização no conhecimento da constituição, estrutura e dinâmica da Terra

2ª parte
Por A. M. Galopim de Carvalho
ENTRETANTO, na Alemanha, o geofísico Emil Johann Wiechert (1861-1928), professor de geofísica e director do Laboratório de Geofísica da Universidade Georg-August, em Göttingen, tendo por base o estudo da propagação das ondas sísmicas no interior da Terra, propôs, em 1896, o primeiro modelo da estrutura interna do planeta, representado como uma série de camadas esféricas concêntricas. Tendo em atenção a diferença entre a densidade média das rochas conhecidas à superfície da crosta e a densidade média do corpo planetário, no seu todo, concluiu pela existência de um núcleo. (...)
Texto integral [aqui]

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22.6.13

Ah, criticam? Então, tomem: conversa!

Por Ferreira Fernandes
QUINTA-feira, anteontem, o ministro Poiares Maduro foi ao Grémio Literário e discursou sobre esta calamidade: "Um dos grandes problemas de Portugal é que tudo é contestado." E lamentou-se, como quem encolhe os ombros: "Contra factos há sempre argumentos..." O ministro que ainda não perdeu o ar inteligente (acreditem, é obra, hoje) criticou o domínio do parlapié, do eu-achismo, da leve ideia na portuguesa maneira de ser. Mas sexta-feira, ontem, este mesmo ministro Poiares Maduro chamou os jornalistas para lhes dizer o seguinte: agora vai passar a haver um encontro, todos os dias, do gabinete dele com os jornalistas. Todos os dias. O que era até agora um só encontro, com o porta-voz do Conselho de Ministros, à quinta, vai passar a todos os dias da semana. Permitam-me um comentário: "?!!!!!!" Estupefação acalmada, vou tentar resumir. Num dia, o ministro diz que há conversa a mais na sociedade portuguesa. Diz que uns fazem (o Governo) e os outros argumentam. Não é frase tão boa como a do grande Millôr ("não venha cá com os seus factos, que eu tenho as minhas ideias..."), mas nem todos podem ser humoristas, mesmo um ministro com ar inteligente. Num dia, pois, Poiares disse: facto é mais do que conversa . E, no dia seguinte, que propôs ele? Conversa quotidiana. A menos, claro, que Poiares queira mesmo só factos: receba de fato-macaco os jornalistas e os ponha a fazer a revisão dos motores da frota do ministério.
«DN» de 22 Jun 13

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Apontamentos analfabéticos


21.6.13

O professor da minha vida: Tony Soprano

Por Ferreira Fernandes
NEM SEI bem se isto me aconteceu. Eu estava num restaurante caro, algures em Nova Jérsia. O empregado era velho, arrastava as pernas, o sonho americano é mais duro do que se crê. Numa mesa estava um tipo que eu conhecia. Conhecia-lhe a mulher, feia e atraente, a irmã, passada, a mãe, inquietante. E talvez gostasse de ser apresentado a um amigo dele, Paulie, psicótico, que acamava as cãs com um pente como só fazem os suburbanos. Mas pensando melhor, pelo que correu (falando-se baixinho), talvez não - a máfia é muito bonita, mas longe. Eu reconhecia, pois, o tipo da mesa ao lado. 
Um casal jovem e barulhento entrou no restaurante, o rapaz trazia um boné de pala ao contrário. O olhar bovino de Tony - era o nome do tal meu homem - acompanhou o casal até ele se sentar, com o boné do rapaz enroscado à nuca. A companhia de Tony falava e ele mastigava, com a queixada imensa. Levantou-se uma voz na mesa do casal intrometido, segui o olhar de Tony e percebi que ele não gostou do tom e das maneiras do rapazola com o velho empregado. Vi Tony a ter um diálogo consigo próprio, como as panelas de pressão. A sua companhia continuava a falar mas ele não estava lá. Foi tudo vagaroso, Tony levantou-se, pousou o guardanapo e foi até à mesa do casal. Parou e disse, baixo: "Tira o boné da cabeça." O rapaz ensaiou um desdém, mas reparou no olhar do outro. Tirou o boné. Exausto, castigar abusos também cansa, Tony voltou à sua mesa. Ontem morreu.
«DN» de 21 Jun 13

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20.6.13

Apontamentos de Lisboa

No Brasil tudo acaba em samba canção

Por Ferreira Fernandes
MAS FICARAM surpreendidos com a revolta brasileira porquê? Não têm CD, acesso ao YouTube, memória? Oiçam A Banda a tocar. Diz Chico Buarque que bastava ela passar para arrastar a gente sofrida, o homem sério que contava dinheiro, o faroleiro, a moça triste, todos, levando a meninada a assanhar. Se a música é certa, leva tudo à frente... A glória de Lula foi ter puxado os pobres para cima, tarefa imensa para um país com demasiados pobres. Muito dinheiro e convencimento de que se está com a linha justa é um coquetel terrível para corromper as consciências. A pretexto da grandiosidade da tarefa, o PT aliou-se com os piores e deixou que os seus próprios piores enriquecessem indecentemente. O primeiro balanço foi embriagador: o Brasil era um caso de sucesso. Obama apresentava Lula assim: "Eis o homem mais popular do mundo." E era. Tudo continuaria e prolongar-se-ia pela Dilma fora se o género humano não tivesse como vantagem, um defeito: torna-se exigente. Se a coisa estagna, bastam-lhe 20 cêntimos de aumento em bilhete de transportes, para ele olhar à volta e embirrar. E olhando à volta, ele vê metropolitanos que não se fizeram e estádios que se fizeram, ações e falta delas onde justamente os corruptos mais se deleitaram. Foi o que fez a banda sair, tocando coisas de indignar. O PT tem um jeito manso que é só seu e já voltou atrás com o aumento. Mas, pelo menos na canção, a banda se espalhou na avenida e insistiu... A ver vamos.
«DN» de 20 Jun 13

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Passos Coelho, Nero, Homero e Ulisses

Por C. Barroco Esperança
“Um homem, à força de lhe dizerem que é tolo, acredita e, à força de repeti-lo a si mesmo, faz com que o seja”. Creio que foi Pascal quem escreveu a frase que, por obra do acaso, não esqueci e, por felicidade, me ajuda a compreender o primeiro-ministro.
Não funciona substituindo «tolo» por «sobredotado» mas, quando PPC foi candidato a líder do PSD, eram muitos a louvar-lhe as banalidades. Depois, o prestígio do cargo de PM teve o condão de fazer as tolices parecerem desígnios de um génio. Não demorou a queda do figurante, desolando o séquito dos habituais sebastianistas que julgavam ter encontrado num inepto um predestinado. (...)
Texto integral [aqui]

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19.6.13

Apontamentos de Lisboa

Pequenos pormenores, como estes, fazem-nos pensar... Trata-se de canteiros que fazem parte de uma enfiada deles e, embora 'minimalistas', muitos recebem a atenção dos moradores dos prédios em frente: uns, albergam o lixo cuidadosamente varrido para lá. Outros, são mantidos limpos (e até os excrementos de cão são retirados!)
Como a situação se mantém assim, confirma-se que "lixo atrai lixo" e "limpeza atrai limpeza".

O verdadeiro tempo das cerejas

Por Ferreira Fernandes
QUANDO eu era novo, havia um belo hino com letra empolgante, "em Londres, em Paris/ Budapeste e Berlim/ tomem o poder...", composto nos anos de brasa, a década europeia de 20. A música é muito boa, de um compositor clássico, o austríaco Hanns Eisler, que ilustrou com a própria vida um dos paradoxos (para não dizer engano) do século: de autor desse hino libertário que apela à vontade dos trabalhadores - embora o nome, O Apelo do Komintern, revelasse quem puxava os fios -, Eisler acabou fã da Alemanha do Leste (para a qual, fez o hino nacional), estado de chumbo e não de brasa. Trajetórias assim tornaram-me imune às grandes ilusões. Levantamentos para dar uma volta a isto tudo deixam-me mais do que indiferente, inquieto, sobretudo quando noto o dedo de outros Kominterns (e por isso nunca me iludi com as Primaveras Árabes). 
De outra loiça me parece ser o que acontece nas Londres, Paris, Budapeste e Berlim modernas, as revoltas em Istambul e nas cidades brasileiras, que me encantam com o seu small is beautiful. Bela parece-me a pequenez das revoltas que não têm projeto de mudar o país ou a sociedade. Querem só algumas árvores, como em Istambul (e na verdade, o que os jovens turcos querem mesmo é ainda mais pequeno e belo: é beijarem-se e beber cerveja), ou, no caso brasileiro, autocarros a preço decente. Essas reivindicações é que são revolucionárias: porque podem ser conquistadas e, se o forem, não nos tomam como reféns.
«DN» de 19 Jun 13

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18.6.13

1ª pág. do «DN» de 17 Jun 13
Este é mais um caso de uma frase em que a omissão de uma palavra ("estava", p. ex., a seguir a "ASAE") permite duas interpretações, uma delas bem bizarra.

Os Custos da Electricidade

Por Maria Filomena Mónica 
DURANTE uns anos, usufrui de um luxo: deixei de analisar as contas domésticas. A minha reforma sofreu agora um tal corte que voltei a ser obrigada a fazê-lo. Comecei pela EDP. No final de Dezembro de 2011, a Three Gorges, uma empresa estatal chinesa, comprou 21,35% das acções até então nas mãos do Estado português. Pensei que nada aconteceria, de bom ou de mau. Foi com este espírito plácido que me lancei na investigação.
Depois do consumo e da potência contratada, aparece na factura uma «Taxa de exploração DGEG», um «Imposto Especial Consumo Electricidade» e várias quantias, destinadas ao investimento em energias renováveis, à harmonização tarifária dos Açores e Madeira, à passagem de cabos, à compensação de operadores, ao funcionamento da Autoridade da Concorrência e à RDP e RTP. Sempre me enfureceu a ideia de, à socapa, ser forçada a pagar as contas de uma televisão pública ignóbil. Imaginem como fiquei quando descobri que a «contribuição audiovisual», no valor de 2,25 euros, era aplicada à escada do meu prédio, onde, como é óbvio, não há rádios nem TVs. Se a EDP não é monopolista, comporta-se como tal. Vícios antigos nunca se perdem. 
Estava ao rubro, quando notei que a subida do IVA, de 6% para 23%, fizera com que as contas da electricidade de tal forma disparassem que o chefe da missão do FMI, o sr. Selassie, afirmou não entender a razão por que os preços se mantinham altos, uma declaração tanto mais estranha quanto Portugal se limitou a aplicar, julgo, as medidas do memorando da troika. No passado dia 29, celebrou-se o ridículo «Dia Nacional da Energia». Não posso bater palmas. Entre a segunda metade de 2011 e o igual período de 2012, Portugal registou a quarta maior subida da União Europeia. À falta de melhor, queixei-me a uma prima, que me convidou a ir com ela à sede pois lhe tinham dito que ali existia um formulário, onde o cliente podia informar a empresa que não desejava pagar a taxa para o audiovisual. Quando chegámos ao Marquês de Pombal, disseram-nos que, em tempos, existira o tal papelucho, mas que se sumira. Se já estava mal disposta, imaginem como fiquei, quando, à noite, estando a trabalhar no computador, a luz desapareceu. Telefonei para a empresa, a fim de comunicar o acidente. Do outro lado, uma voz exigiu-me o número de contribuinte. Expliquei que, estando às escuras, não lho podia dar. Sem ele, não viria cá ninguém. 
É assim que a EDP nos serve. «Nos» é uma maneira de dizer, porque, segundo o Público, António Mexia recebeu, no ano passado, 1,2 milhões de euros, a que teremos de somar o prémio plurianual (relativo ao mandato de três anos) de 3,1 milhões de euros. Durante a crise, defendo que os salários das empresas privadas devem ser comedidos, não porque os ricos me irritem – alguns dos meus amigos são milionários – mas por razões éticas. A agravar tudo, eis o que aparece no site da EDP: «We combine ethical conduct and professional integrity with initiative and focus on teamwork.» No, you don´t. 
«Expresso» de 8 Jun 13

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Fechar os olhos a uma guerra civil

Por Ferreira Fernandes
UM PROLETÁRIO do Catujal compra um revólver e diz a um amigo que "ia haver mortes", referindo-se à sua mulher, que fora embora. Sete dias depois ele mata a mulher. Um jornal, que recolhe o testemunho do tal amigo, tem tempo e espaço para falar da depressão do assassino, mas esquece-se de perguntar à testemunha: "E que fez sobre a ameaça? Alertou a polícia?" Claro que o jornalista não perguntou, arriscava-se a ouvir: entre marido e mulher... 
Um médico que tinha sequestrado a mulher levou-me a tribunal, com esse argumento, por eu ter escrito uma reportagem sobre o seu abuso. Tive sorte, era juíza, e se calhar por ser juíza mandou-me embora, agradecendo. 
Isso aconteceu dez anos depois de Adélio ter matado Maria, quando ela voltou para casa depois de ter andado com outro. Julgado nas vésperas do 25 de Abril, o juiz-corregedor de Viseu sentenciou Adélio: "(...) Justifica-se a reação do réu contra a mulher adúltera que abandonou o lar." E deu-lhe só dois anos. 
Estava aquele jornal português sem pôr a pergunta devida ao amigo do assassino, um jornal inglês publicou fotografias de uma celebridade televisiva, Nigella, a ser agarrada pelo pescoço pelo multimilionário do marido, Charles. Foi num restaurante, em Mayfair, cheio de paparazzi. Daí as fotos. Mas um restaurante vazio de gente. Daí ninguém ter acudido. Ele há género humano e ela há género humano. Esta última, rica ou pobre, é como se fosse de segunda. Mas não é. Não é.
«DN» de 18 Jun 13

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17.6.13

Pergunta de algibeira

Não foi por erro tipográfico (nem por falta de tinta...) que estas 4 pranchas, da história Em Busca do Ouro (da autoria do famoso Carl Barks), foram publicadas assim - sem serem coloridas. Alguém sabe indicar qual a verdadeira razão?
(A resposta será dada, em 'actualização', acompanhada de outra imagem)
Actualização:
Uma das muitas pranchas rejeitadas por não se enquadrarem no espírito da empresa
esta longa história estava pronta para ser publicada, quando a Disney decidiu, pura e simplesmente, que várias páginas (sim, páginas inteiras!) não satisfaziam os seus critérios do que hoje chamamos politicamente correcto - tendo, por isso, sido omitidas.
Anos mais tarde, no entanto, foi possível recuperar essas pranchas rejeitadas (que foram publicadas nesta antologia de trabalhos de Carl Barks), com excepção de 4 cujos originais se perderam para sempre.
Barks, então, redesenhou-as - são as que em cima se vêem, embora apenas em blueprint.

Uma cândida candidatura

ESTA candidatura parece ser uma pura perda de tempo e de recursos políticos, pois António Costa está antecipadamente reeleito - embora não pelos melhores motivos:

1 - Antes de mais, porque políticos, jornalistas e comentadores já decidiram que as eleições autárquicas não são para escolher autarcas (!!!), mas sim para votar a favor ou contra os governos (como sucedeu com Guterres e, noutro contexto, com Durão Barroso nas europeias). Se assim for (e tudo indica que sim), tire-se daí o sentido.

2 - A alternativa (o PSD, sozinho ou acompanhado pelo CDS) está mais do que desacreditada. Veja-se o que Santana Lopes tem feito como vereador da Oposição: NADA e, ultimamente, até ia desistir (e, se já o fez, ninguém deu por isso), alegando - pasme-se! -  falta de tempo.

3 - Ao avançar com Fernando Seara (nas condições legalmente adversas que se conhecem), o PSD deu um sinal de imaturidade. Além de que, até hoje, não se ouviu ao candidato (nem sequer ao seu partido) uma ideia concreta sobre os problemas concretos que infernizam a vida dos cidadãos de Lisboa - alguns dos quais adiante se referem.

 .
4 - Apesar do caos em que a cidade está, os lisboetas-típicos mostram-se satisfeitos (ou, no mínimo, conformados) com o status-quo:
Ando nas ruas, percorro a cidade a pé de uma ponta à outra, e não os vejo seriamente preocupados com o lixo, os arrumadores de carros, as sarjetas entupidas, o estacionamento caótico, os buracos nas ruas, as calçadas desfeitas ou desfiguradas, as marquises clandestinas, os sem-abrigo, os pedintes profissionais, os contentores desaparecidos ou não despejados, os grafitos (mesmo em monumentos nacionais!), o espaço público ocupado com publicidade, os prédios a cair, os jardins públicos vandalizados, os sacos de plástico e os jornais 'voadores', as cargas e descargas anárquicas, os excrementos de cão, os tocos de árvores, as ervas daninhas, as faixas BUS e as paragens da Carris ocupadas com carros particulares (e até por uma escola de condução!), as caleiras sem tampas, etc., etc...

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Concluo, pois, que os lisboetas de hoje têm exactamente o que escolheram, e tudo indica que assim continuará a ser. Podem, pois, limpar as mãos à parede - isso, claro, se encontrarem alguma que esteja limpa.

Uma praga que merece mais atenção

Por Ferreira Fernandes
PEDRO e Mónica separaram-se. Há dias, Pedro foi ao infantário onde a ex-mulher ia buscar a filha de ambos, encontrou Mónica e uma amiga, Inês, e matou ambas a queima-roupa. Depois, suicidou-se. A arma, um revólver, tinha sido comprada na semana anterior. A um amigo, o Pedro disse que "ia haver mortes". Um jornal escreveu, ontem: "Pedro estava deprimido e não conseguia aceitar a separação de Mónica, ocorrida há cerca de um mês." 
Não sei, ando de táxi, paro nos cafés e leio jornais mas confesso que ainda não tenho o curso completo de Psicologia. Embora suspeite que uma separação pode deprimir um fulano, não sei se ela, a depressão, pode levar ao assassínio. E como sei o suficiente de português, sei que a frase "Pedro estava deprimido e não conseguia aceitar a separação de Mónica, ocorrida há cerca de um mês" no contexto de um artigo sobre assassínios, a modos que faz uma relação causa e efeito entre a depressão e a ação de Pedro. O que me impediria de escrever tal frase, que mais não fosse por respeito pelos deprimidos que não são assassinos. Acresce que sei que demasiados portugueses matam as mulheres e depois se suicidam (ou na versão mais comum, tentam suicidar-se). Daí que, mais útil do que fazer Psicologia, os jornais deveriam fazer um guia prático para os deprimidos que compram uma arma para matar a mulher e depois suicidar-se. O guia teria um conselho simples: invertam a ordem, comecem por se suicidar.
«DN» de 17 Jun 13

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16.6.13

Mudam-se os tempos...?

No seu livro O Nosso Jogo (Our Game), publicado em 1995, John le Carré refere o nosso país a propósito de lavagem de dinheiro... mas, curiosamente, com a ressalva que se lê na última linha!
Não acham que pode ser um bom argumento para a defesa dos arguidos referidos na notícia do «Expresso» de ontem?

Luz - Madrid, Violinista de rua

Fotografias de António BarretoAPPh
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Numa rua da cidade, um violinista dá o seu espectáculo à procura de umas moedas. (2012)

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Dos terramotos entendidos como expressão da ira divina à sua utilização no conhecimento da constituição, estrutura e dinâmica da Terra

1ª parte
Por A. M. Galopim de Carvalho
TERRAMOTO, expressão vinda do latim (terrae motus, movimento da terra), refere um tipo particular de tremor perceptível à superfície do terreno, não raras vezes catastrófico. Durante séculos explicados pela Igreja como castigos de Deus, os terramotos acabaram por ser correctamente entendidos como um dos efeitos da dinâmica interna da Terra. Sinónimo de terramoto, o termo sismo (do grego seismós, abalo) foi criado e introduzido no léxico científico pelo francês Alexis Perrey (1807-1882), professor da Universidade de Dijon e pioneiro no estudo destas manifestações telúricas.(...)
Texto integral [aqui]

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'Ayatollah' Gaspar: ponha os olhos nisto!

Por Ferreira Fernandes
DO IRÃO, uma surpresa: o único moderado (isto é, crítico) dos candidatos presidenciais, Hassan Rouhani, foi eleito. É bom para desenvolvermos esse maravilhoso tema que é a política. Quem se interessar por 2+2 igual a 4, não é aqui, é no departamento ao lado. O Irão é, numa região dedicada a Deus, o mais teocrático - tudo deveria ser, pois, determinado, predefinido e assim. Mas como Lawrence da Arábia tentou explicar a um pastor de camelos: nada está escrito! O inicial guia supremo Khomeini fez um Estado com um guia supremo (ele), onde a república deveria estar sujeita aos clérigos e, estes, ao guia supremo. O ayatollah que lhe sucedeu, Ali Khamenei, já entortou um pouco a coisa porque chegou ao cimo quando na hierarquia religiosa era um borra-botas. Primeira lição de que, nas coisas dos homens, valores mais altos que o Além se levantam. 
Esse Khamenei é que pôs na presidência, em 2005, Mahmud Ahmadinejad, um tipo com ar de arrumador de automóveis, o primeiro laico Presidente da República islâmica, e, no entanto, um iluminado mais crente que muitos mullahs. Nas eleições de agora, já Khamenei escolheu um grupo de candidatos - no Irão, o guia supremo faz uma pré-seleção dos que vão ao voto do povo - em que todos eram conservadores e laicos, com a exceção de Hassan Rouhani, que era clérigo e moderado. E ganhou este. O Rouhani, claro, não me dá nenhuma esperança, mas estas contradições (tão humanas), encantam-me.
«DN» de 16 Jun 13

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15.6.13

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O recurso aos tribunais

Por Antunes Ferreira
PARECIA ser impossível; mas, desgraçadamente não é. Homessa, o quê? Haver quotidianamente motivos diversos para esfolar os órgãos de soberania do Nosso País. Não dia em que não faltem disparates, tolices e alarvidades por ditas personalidades que vão desde o Palhaço que vive no Palácio de Belém até ao ministro (?) Gaspar. Por mais que se esforçasse esta quadrilha, não conseguiria alcançar o que já… alcançou. É triste, mas é verdade.
Não acreditam? Pois bem, um exemplo basta: o senhor Silva (recordam-se do Alberto João Jardim…) terá sido insultado – e passo a transcrever sumariamente o que foi conhecido através da comunicação social - aquando da sua visita a Elvas para presidir às comemorações do 10 de Junho por um cidadão chamado Carlos Costal que lhe teria endereçado impropérios, aquando da chegada da comitiva encabeçada pelo apelidado PR. Corrigindo, foram dois agentes da PSP à paisana que disseram que tinha ouvido Costal chamar chulo e malandro ao Senhor em causa. 
Costal, pelo seu lado explicou que “Não queria ofender ninguém, agi por impulso”. O homem de 25 anos, residente em Rio Maior, foi então levado para a esquadra em frente da mulher e dos filhos. Os impropérios motivados pela indignação com o estado a que chegou o país saíram-lhe ligeiros: “Vai trabalhar mas é! Sinto-me roubado todos os dias!”, recorda Costal ter disparado em direcção ao Presidente. Mas os dois agentes à paisana que o ouviram a vituperar Cavaco Silva garantiram em tribunal que o habitante de Rio Maior se esticou mais do que isso nos insultos, coisa que o próprio nega: “Dizem que lhe chamei chulo e malandro. Não são sequer palavras que me assistam, que eu use no dia-a-dia”. 
Na passada quarta-feira o homem foi condenado a 200 dias de multa, a uma razão de seis euros e meio por dia, o que perfaz 1300 euros – quantia superior ao ordenado que aufere mensalmente. “Vivemos num país democrático e exerci o direito que assiste a qualquer cidadão, de liberdade de expressão”, vincou, inconformado com a condenação por difamação, de que tenciona recorrer. “É uma situação que não lembra ao diabo, numa altura em que há protestos de norte a sul do país. Devem querer fazer de mim exemplo, para mais ninguém protestar…” 
Ainda segundo Carlos Costal, foi só depois de contactarem a Presidência da República que os agentes da esquadra de Elvas o informaram de que seria levado a julgamento. Caso contrário, tudo ficaria pela sua mera identificação pela polícia, assegura. “Fui detido em frente dos meus filhos, vejam bem a vergonha por que passei. Se podia ter usado outras palavras? Claro que podia. Mas agi espontaneamente, não foi com maldade”. 
Fonte da Presidência da República garantiu, entretanto, que este órgão de soberania não apresentou qualquer queixa relativamente ao incidente. O texto do artigo 328.º do Código Penal diz que “quem injuriar ou difamar o Presidente da República, ou quem constitucionalmente o substituir é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa”.
Entrementes, na sexta-feira, o Ministério Público requereu a “nulidade insanável” do julgamento em processo sumário que decorreu no Tribunal de Elvas e que conduziu à condenação de um homem pelo crime de “Ofensa à Honra do Presidente da República”. Em comunicado divulgado, a Procuradoria-Geral da República (PGR) explicou que o Ministério Público requereu a declaração de “nulidade insanável” alegando “não ser admissível, no caso deste crime, o uso daquela forma, nos termos do artigo 381.º, n.º 2, do Código Processo Penal”.
Temos assim mais um folhetim ou uma telenovela que por certo não vai ficar por aqui, pois estamos em tempo de recurso aos tribunais por diversas “entidades da vida política nacional”… Se tudo continuar assim, bem se poderá dizer que estamos a voltar à censura salazarenta e a tudo que daí decorre. É o recurso aos julgamentos por dá cá aquela palha. E em Democracia e Liberdade isso é muito, mas mesmo muito criticável. E abominável.

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Apontamentos de Lisboa

Há dias, foram presos uns indivíduos que se dedicavam ao roubo de cabos de telecomunicações. Até aí, nada de novo - eu já fui vítima de gente que se dedica a essa actividade. A curiosidade, neste caso, é que eles tinham acesso a informação que lhes permitia saber quais as linhas desactivadas - e era essas que roubavam, sabendo que não haveria reclamações...
Assim sendo, e como se pode constatar por esta imagem, eles deviam era ser louvados (e nunca presos), pois não faziam mais do que aquilo que a estas operadoras competiria fazer!

Crato, os professores e a não política

Por Ferreira Fernandes
FORAM para a política quando deviam ter ido para patrões no Bangladesh. Ali não precisariam de saber fazer política - isto é, prevenir, ceder aqui e influenciar ali, ser maquiavéis e discutir... -, só precisavam de distribuir umas lamparinas em caso de reticências. Mas não, foram para a política, a arte do compromisso. O azar é que lhes calhou a taluda e chegaram ao Governo. Era como se o alheado do Vítor Gaspar chegasse a ministro das Finanças. Ah, chegou?! Então já sabem. O problema é que ele não é caso único de tipo que chumba cada dia. 
Por falar em chumbar, peguem no Crato dos exames. Foi para patrão dos professores, um sector coriáceo (tão duro e tão cego que foi dos que mais ajudaram a instalar esta trupe no Governo). Ministro, Nuno Crato tinha um plano para tirar poder aos professores. Atenção, não vou aqui discutir se é justo ou não, digo que há plano. Logo, se era para os combater, um político nunca teria pensado em fazê-lo quando os professores são mais capazes de mostrar a sua força de grupo. Ora que altura escolheu o ministro para o confronto? A época de exames, que é como invadir a Rússia no inverno. Dando-se conta da asneira, Crato recorreu aos tribunais para impedir a greve dos professores. Pois ontem soube-se que ele não vai poder obrigar aos serviços mínimos porque faltava papelada no que mandou para o tribunal! Crato exige exames e ele próprio chumba a todos. Resta-lhe ir para o Bangladesh mandar em mudos.
«DN» de 15 Jun 13

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Os pinta-paredes (62)

Lisboa - Praça de Londres
É de saudar a atitude dos responsáveis desta agência bancária no que toca aos grafitos com que, de vez em quando, as suas paredes são brindadas: limpam-nos de imediato, pois sabem que a natureza desses gatafunhos (informar os outros 'artistas' de que "Eu estive aqui!") leva-os a reproduzirem-se como cogumelos.

14.6.13

Um país sem remédios

Por Maria Filomena Mónica
DE ACORDO com a definição oficial, sou uma idosa polimedicada. Desde que, vai para dez anos, uma médica descobriu ser a minha tensão arterial 18/20 que sou forçada a ingerir vários comprimidos por dia. A mistura variou, até que um médico optou por um cocktail que incluía o «Fludex». Há seis anos, ao chegar a Inglaterra, julguei tê-lo deixado em Lisboa, pelo que fui ao centro de saúde de Jericho. Antes de me passar a receita, o médico indagou quanto tempo iria ali ficar. Quando lhe disse que seria um mês e meio, escreveu no papelucho carecer eu de 45 pílulas. Ao pegar no frasquinho castanho, contendo os comprimidos vendidos à unidade na farmácia, notei que pagara menos de um décimo do que o teria feito em Lisboa. Como era possível que um medicamento com o mesmo princípio activo - Indapamida – tivesse, em dois países, um preço tão diverso? Mistério.
Entretanto, o eng. Sócrates anunciava que iria introduzir em Portugal a unidose, uma política que pouparia ao Serviço Nacional de Saúde milhões de contos. Por o governo ser mais fraco do que os lobbies farmacêuticos, nada se passou. Outras mudanças, e estas mais graves, estavam a afectar o sector. A certa altura, o Valium 5, que a neurologista do Hospital de Sta Maria me indicara, sumiu-se. Corri dezenas de farmácias. A resposta foi sempre a mesma: esgotara-se. Como uma das minhas irmãs vive em Madrid, pedi-lhe que me enviasse três caixas. Lá, como cá, ninguém liga a receitas médicas, pelo que ainda não passara uma semana e já cá o tinha. 
Há uns dias, deixei acabar a caixa de Tryptizol, o anti-depressivo que entretanto me foi receitado. Sim, além hiper-tensa, sou hiper-ansiosa. Corri as farmácias do bairro e nenhuma delas o tinha. No dia a seguir, li, em O Correio da Manhã, que um homem de 33 anos morrera no Hospital de Faro, devido à falta de um medicamento. Após o que o Ministério da Saúde anunciou tencionar proibir a exportação de medicamentos em falta. 
Esta trapalhada deve ter sido causada pela súbita descida de preços. De facto, uma caixa com 30 doses de Indapamida custa hoje 3,12, uma com 60 doses de Tryptizol 2,15 e uma com 25 doses de Valium 1,54 Euros. Acabo de comprar uma embalagem de Pantoprazol (com tanta droga a cair-lhe em cima, o meu estômago carece de protecção), tendo verificado que o preço descera de 15,12 para 8,72 euros. Este milagre, que levou a que, nos dois primeiros meses deste ano, os portugueses tivessem pago, em medicamentos, menos 21 milhões de euros do que em idêntico período do ano passado, foi conseguido pela troika, mais assustadora, pelos vistos, do que os governantes nacionais. 
Acontece que as boas acções podem ter consequências nefastas. Dizem-me que as margens de lucro das farmácias e dos armazenistas são tão baixas que as falências se tornaram inevitáveis. Pela minha parte, optei por outra teoria: a fim de diminuir o défice, o governo deseja que os idosos polimedicados morram o mais depressa possível. Previno-o: comigo, não conte. Tendo sobrevivido a outras tempestades, não é desta que conseguirá abater-me. 
«Expresso» de 25 Mai 13

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