30.6.12

Da tentativa de «queima» dos Lusíadas nos programas escolares à destruição dos Budas no Afeganistão

Por Guilherme Valente
1. QUE ESPÍTITO crítico pode emergir na ignorância ou ser alimentado por ela?
A cultura é condição da consciência crítica. A memória é inerente ao acto de pensar. Como é possível o espírito crítico sem se saber e reter na memória nada de relevante?
2. Quanto ao logro do «ensinar apenas para os exames» disseram tudo dois prestigiados professores : António Mouzinho, no blogue De Rerum Natura , e Paulo Guinote, no Expresso (23/6/12).
3. Se me pedirem para destacar o traço matricial da ideologia imposta à escola durante todos estes anos, direi sem hesitar: o ódio à cultura e ao conhecimento, referidos como «burgueses» e instrumentos de discriminação e reprodução social.
Consideremos um exemplo, o mais longínquo para um ocidental: A Apologia de Sócrates (o grego...). «Cultura burguesa»? Ou património humano inestimável, de absoluta actualidade, que importa transmitir e discutir na escola? (Educação cívica na escola? Não se encontrará melhor para o efeito).
4. Na verdade, a crítica (que só não digo tão estúpida porque é capciosa) à memorização (de referências e instrumentos intelectuais essenciais, é isso que está em causa, embora o disfarcem), o empenho em a eliminar na escola, realizam o objectivo ideológico de desvalorizar, de apagar, a cultura e o conhecimento que contam. O que não querem é que se ensine e aprenda o que deve ser ensinado e aprendido. E a atrofia da memória pessoal é simultaneamente o apagamento da memória histórica, condição da civilização, do progresso da humanidade. (A medicina recomenda o exercício da memória, para manter o pensar activo, retardar o envelhecimento, evitar ou adiar a alzheimer.)
5. A tentativa de erradicação dos clássicos - até onde teriam ido se não tivessem sido travados? -- e a desvalorização dos textos literários na disciplina de Português (que, pelo contrário devem ser criteriosamente seleccionados e reunidos em antologias para cada ano) nos programas escolares e a sua substituição por textos indigentes (a que chamaram «pragmáticos») supostamente para serem acessíveis a todos, que, por exemplo, foram perpetrando, promovem o medíocre, nivelam por baixo, impedem o acesso de todos ao melhor do património imaterial, decapitam o País de inteligência e de saber.
Embora o contexto seja diferente, ideologia imposta à escola, pela sua natureza, evoca outros exemplos mais extremos de movimentos anti-cultura de que a História está cheia, designadamente a Revolução Cultural na China e manifestações do fundamentalismo taliban. Mesmo que muitos dos cúmplices nessa desvalorização da inteligência e da sensibilidade na escola possam disso não ter consciência.
6. George Steiner refere uma vantagem do poema relativamente à prosa: podemos transportá-lo dentro de nós, por ser memorizável. E Epitecto, há quase dois mil anos, disse que só os homens cultos são livres.
Por o seu tema ser, afinal, o que está em causa, cito de cor dois fragmentos de um poema de Éluard que animou os meus quinze anos e me inspirou para sempre: «Sur toutes les pages lues / Sur toutes les pages blanches / Pierre sang papier ou cendre / J´ écris ton non (...) Et par le pouvoir d´un mot / Je recommence ma vie / Je suis né pour te connaître / Pour te nommer / Liberté».
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«Expresso» de 30 Jun 12 (publicado como «Carta da Semana», com o título «Espírito crítico sem nada na cabeça?»)

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A propósito da crónica anterior

Av. Almirante Reis, 28 Jun 12 - 12h30m
Outra forma de "alegria do povo", em Lisboa
(Note-se o cartão no chão, ao lado do respectivo ecoponto, vazio)

O nascer de uma Alegria do Povo

Por Ferreira Fernandes
DE TODOS os cognomes de futebolistas, o melhor foi dado a um doido maravilhoso: "Alegria do Povo". Do brasileiro Garrincha, o poeta Carlos Drummond de Andrade dizia que estava incumbido por um Deus irónico e farsante para "zombar de tudo e de todos". Adversários e companheiros, vulgarizados pelo individualismo do génio, talvez não lhe perdoassem, mas o povo ficava-lhe grato pelo júbilo e exaltação. 
Há mais de meio século, os entendidos escolhem o Bola de Ouro, "o melhor futebolista mundial" - e todos os anos houve um. Mas provavelmente "Alegria do Povo" só terá havido três, Garrincha, o irlandês George Best e o argentino Maradona. Por vezes as suas equipas ganhavam com a exibição do jogador, mas o que era certo é que ganhava o povo, que mais não fosse, pela expectativa. Não sem razão, Garrincha, Best e Maradona tinham vícios públicos que mais douravam a aura que os crentes lhes emprestavam - ser angélico nunca beneficiou os grandes artistas. 
Ou muito me engano ou 2012 marca a descoberta mundial do quarto "Alegria do Povo", Balotelli. Tem doidice para lançar fogo de artifício na casa de banho ou para um colega se ver obrigado a tapar-lhe a boca em pleno campo, tem estilo para celebrar como uma estátua e tem a noção de golo como uma obra de arte - é único. Acresce que tem uma vida para ser contada num beijo trágico à mãe. Amanhã não sei se vou ver a final, mas para o Balotelli estou lá batido.
«DN» de 30 Jun 12

29.6.12

À atenção da 'troika' : Como é gasto o nosso dinheiro

OBSERVE-SE esta cena e pense-se no seguinte: uma autarquia gasta um dinheirão a adquirir inúmeros pilaretes em ferro e a pagar a sua instalação a uma empresa (ou várias). Porém, quando chega o momento de os colocar, e por motivos que se deixa à imaginação dos leitores, alguns pilaretes - pura e simplesmente - não são postos.
Depois, e à boa maneira portuguesa, nada acontece. Os funcionários (e as respectivas empresas) continuam em roda-livre (e a receber o seu dinheiro), os fiscais (quer do empreiteiro, quer do cliente) não fiscalizam (ou aprovam o 'serviço'), e o nosso dinheiro não serve para o que devia servir.
Dito isso, adiante-se que esta foto é apenas uma de entre dezenas que documentam a mesma situação (em Lisboa, mas não só), e apenas foi seleccionada devido ao requinte dos pilaretes entortados - um para a direita, outro para a esquerda, salomonicamente -, permitindo assim que as manobras pretendidas sejam feitas com mais segurança...

O descalabro da UE

Por Manuel António Pina 
ANGELA Merkel também é das que nunca se enganam e raramente têm dúvidas: "Enquanto eu for viva", não haverá 'eurobonds', assegurou ela em vésperas da cimeira de Bruxelas.
A insolente afirmação não surpreende. A UE deixou há muito de funcionar democraticamente e "construção europeia" tornou-se sinónimo de alargamento e aprofundamento de uma espécie de "Lebensraum" dos interesses económicos e financeiros da Alemanha (e, subalternamente, dos da França) em que os restantes estados membros não contam. O famoso "poder de iniciativa" da Comissão está reduzido a declarações e tomadas de posição avulsas e sem consequências, e ao impotente Conselho Europeu não cabe senão ratificar o que já vem decidido das reuniões bilaterais entre Berlim e Paris que invariavelmente precedem as reuniões.
Bem podem o escorregadio Barroso, presidente da Comissão, Mário Draghi do BCE, Van Rompuy do Conselho e Juncker do Eurogrupo, anunciar planos sobre mutualização das dívidas soberanas ou sobre a integração bancária. O papel de todos eles no Conselho Europeu de ontem e hoje é o de Durão Barroso na cimeira dos Açores que decidiu a invasão do Iraque: ficar na fotografia. No que toca a decisões, Merkel já decidiu; e mais ou menos do que ela decidiu só por cima do seu cadáver.
Talvez já seja tempo de concluir que só sem a Alemanha UE e euro sobreviverão.
«JN» de 29 Jun 12

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Pão alentejano

Por A. M. Galopim de Carvalho
SEJA de que cereal for, o verdadeiro pão que se come em Lisboa é o que vem da província, chega aqui em dias certos da semana e tem clientela assegurada. Seja o de centeio, a broa de milho, o pão de trigo, podemo-nos gabar de ter neles produtos de muita qualidade, ao contrário do que se fabrica nas panificações da capital, onde impera a tradicional, sensaborona e quase sempre mal cozida carcaça..
Texto integral [aqui]

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A tartaruga e o eurodeputado

Por Ferreira Fernandes
O EURODEPUTADO húngaro Csanad Szegedi teve o seu momento de fama em 2009, quando apareceu no Parlamento de Estrasburgo com o uniforme de uma milícia de extrema-direita. Desde aí, lá tirou as botas e a camisa paramilitares, mas continuou vestido com as suas ideias antissemitas. 
Nada demasiado invulgar numa Hungria recentemente abalada pelo escândalo de um laboratório oficial que passa testes de "pureza racial", certificando que "não se encontram vestígios de antepassados judeus" aos cidadãos preocupados com estas coisas. Eis justamente do que não se pode livrar o nosso eurodeputado Szegedi: acabou de saber, disse-o numa entrevista esta semana, que a sua avó Magoldna Klein era judia e sobrevivente do Holocausto... Generoso, o presidente do Jobbik, o partido que elegeu o infausto eurodeputado, já declarou que ele guardará o seu lugar. 
Mas o percalço ancestral de Szegedi faz lembrar o Nobel americano James Watson, um dos pais do ADN. Em 2007, numa entrevista no britânico Sunday Times, disse que os negros eram menos inteligentes. Meses depois, recorrendo ao ADN descoberto por Watson, o jornal publicou um teste que revelava que o cientista tinha 16 por cento de genes de antepassados negros... 
Como diria o outro, isto (e isto, aqui, são os homens) anda tudo ligado. Felizmente para eles, para não acabarem como George, o Solitário, tartaruga dos Galápagos, que por não saber nem poder ligar-se acabou com a sua espécie esta semana.
«DN» de 29 Jun 12

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28.6.12

Apontamentos de Lisboa

Uma clínica com um nome curioso...

"Zona de conforto"

Por Manuel António Pina
A CRER na OCDE, os portugueses, sobretudo os mais jovens e qualificados, estão-se nas tintas para o apelo feito por Cavaco Silva em Sydney: "Fiquem em Portugal". E é a debandada geral: todos os anos 70 000 de nós, a maior parte com menos de 29 anos, abandonam o país que os abandonou.
Muitos são engenheiros, arquitectos, professores, cientistas, que levam na bagagem conhecimento técnico, doutoramentos, mestrados, licenciaturas, e a frustração por terem nascido num país que os enjeita, castigando-os por terem perdido anos a estudar e qualificar-se em vez de, como outros, se arrebanharem numa "jota" a colar cartazes e a aprender as florentinas artes da intriga, do servilismo e da ausência de pensamento próprio. E, por cima de tudo isto, são ainda alguns destes últimos, "emigrados" hoje nos cadeirões da AR ou do Governo e amanhã nos de alguma empresa pública, quem lhes aponta a porta de saída: "Deixem a vossa 'zona de conforto' e ponham-se a andar".
O "conforto" de que falam governantes e deputados da maioria é a humilhação diária do desemprego ou de empregos precários (mais ou menos como o de Eduardo Catroga) como aquele que recentemente oferecia o IEFP do ministro Álvaro a arquitectos com, no mínimo, mestrado, domínio do inglês e francês e conhecimentos de design de interiores, desenho 3d e autoCad: um horário de trabalho das 9.30 às 19.30 e salário mensal de 500 euros.
«JN» de 28 Jun 12

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Apontamentos analfabéticos

Farão "assentos"?

Filosoficamente até ganhámos

Por Ferreira Fernandes
QUANDO se soube que os penáltis eram no lado Sul, este explodiu em alegria. Futebol é emoção e quem é melhor servido tem a maior emoção. 
E já que estou com a mão na massa da palavra, lembro que emoção é, pela sua raiz, movimento, ato de deslocar... 
Ontem Portugal começou por ganhar uma tese: deu cabo, em 90 minutos, do tique-taque, languidez de poeta romântico. Obrigámos o adversário a mudar de filosofia de jogo e Iniesta, para falar do melhor deles, deixou de ser tuberculoso afetado e passou a jogar rasgando como é próprio de quem se ilumina por holofotes e não por Lua cheia.
Claro que isto de ser professor de filosofia e jogador de futebol ao mesmo tempo também cansa, chegámos exaustos ao prolongamento. Aí, os nossos ex-alunos dos 90 minutos precedentes já foram e, pela primeira vez, superiores. Antes dos penáltis, ao contrário do que diziam os locutores, não era 0-0, mas 1-1, nós com uma lição dada e eles com uma lição aprendida. Com os penáltis eu já me estava nas tintas para a docência e só queria era ganhar de que forma fosse. Pelo azar de Piqué em chutar relva, por encandeamento de Casillas, por uma síncope (ligeira) de Ramos, o que quiserem. Não aconteceu. Fiquei tão irritado, tão triste... 
Mas o que é bom com as emoções do futebol é que elas passam e se repetem. Amanhã, eu atravessarei a rua para dizer ao Moutinho e ao Bruno Alves que gosto muito deles. Interesseiro, preciso deles para as minhas emoções. 
«DN» de 28 Jun 12

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Apontamentos de Lisboa

NÃO sei se, "clicando na imagem para a ampliar", se consegue ler bem o que está escrito no cartaz. De qualquer forma, aqui fica o essencial, com uma pergunta no fim:
Trata-se de uma iniciativa da Junta de Freguesia de Sto. Estêvão, a Alfama, apelando aos munícipes para que não deixem o lixo nas ruas. Para ilustrar o horror da situação que pretende evitar, o cartaz inclui 7 fotos de zonas próximas, devidamente identificadas.
Pois bem;  a esta foto juntarei uma outra (tirada no passado sábado) que mostra um aspecto muito curioso, relacionado com tão louvável iniciativa.Alguém quer adiantar do que se trata (ou o que se verá nessa foto adicional)?
.
Actualização: a curiosidade é que o cartaz mostra, como exemplo dos horrores, uma foto da própria porta onde veio a ser afixado. A foto seguinte, tirada no sábado passado, mostra isso mesmo: a porta, o cartaz de cima e o lixo nele referido!

D. João V, Alberto João Jardim e outros biltres

Por C. Barroco Esperança
ANTÓNIO José da Silva, o Judeu, foi um escritor e dramaturgo que sofreu as torturas da Inquisição mas, contrariamente a outros membros da sua família, teve a sorte de ser garrotado antes de ser queimado, em auto-de-fé.
Este iluminista era provavelmente judeu, uma abominação que o Concílio de Trento, antecipando-se a Hitler, desejou erradicar, numa época em que a Igreja católica não admitia a incineração dos mortos, talvez porque a destinava aos vivos suspeitos de heresia, bruxaria, judaísmo e outras abominações. (...)
Texto integral [aqui]

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27.6.12

Sem gastar milhões

Por Manuel António Pina

NUM PAÍS em que tanto se fala em "inovação" e se gastam milhões em programas de estímulo à "inovação", continuando, em geral, a repetir-se apenas velhas receitas, a ideia do "mercado social de arrendamento" ontem formalizada em protocolo entre o Governo e sete bancos dir-se-ia um ovo de Colombo.
Além dos portugueses mais pobres, têm sido as classes médias as principais vítimas das políticas de austeridade (aí está uma velhíssima receita repetida, a da austeridade, que tem dado os resultados que se conhecem, da Alemanha de Weimar à Grécia actual). Ora os bancos estão a braços com um património imobiliário de centenas ou milhares de fogos devolutos, resultante da impossibilidade de muitas famílias continuarem a pagar os empréstimos à habitação. E igualmente o Estado tem prédios devolutos. Porque não colocar todos esses prédios num mercado de arrendamento a preços inferiores aos do mercado livre? Para mais, se experiência semelhante resultou antes em Gaia com o Programa Arco Íris?
Assim, estarão a partir de hoje disponíveis, a rendas inferiores em pelo menos 30% às do mercado, 800 fogos (1000 daqui a mês e meio, 2000 até ao fim do ano), destinados a famílias sem condições de acesso a habitação social. A solução não resolve tudo, mas resolverá decerto alguma coisa. Sem gastar milhões e sem se limitar a repetir, com maquilhagem nova, uma receita velha.
«JN» de 27 Jun 12

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Respeito pelo adversário

Por Ferreira Fernandes
O PÉ ANTE PÉ, o tique-taque que se diz barcelonês, afinal bebe nas palavras do poeta andaluz António Machado: "Caminante, no hay camino, se hace camino al andar." Uma tolice no futebol: há caminho, sim, centrando para a grande área (como o Nani já fez 19 vezes, contra as 20 de toda a equipa espanhola). E, depois, como disse um dia Cristiano Ronaldo ao Queiroz: "Assim, Carlos, 'al andar', não vamos lá." 
Não é que eu não goste do tique-taque, até gosto, uma renda de bilros fica sempre bem numa almofada. Sobre relva, ainda por cima pisada por um Pepe, é que destoa. 
Também acho o Iniesta um artista mas, lá está, ele era muito melhor quando cantava nos Três Tenores, com o Plácido e o outro que já morreu. Aqui a música é outra, e Iniesta, que até é o espanhol mais rematador à baliza, 15 vezes, fica-se por quase metade dos remates de Cristiano, 29. E, atenção, quando o português atira à baliza às vezes é literal, ouve-se a madeira (para o Carreras de calções entender: tipo abertura da ópera Siegfried, de Wagner, quando o nibelungo está a afiar a espada). 
Espanha diz-se campeã da posse de bola, 61 por cento (Portugal, só 46). Mas, como qualquer garoto de rua sabe, "posse de bola" não quer dizer nada, a bola costuma pertencer ao jogador mais mariquinhas e sem jeito. 
Enfim, este campeonato parece tão martelado como a banca espanhola: para treinar para a final, a Alemanha joga com uma equipa a sério, e a nós saíram-nos estes. 
«DN» de 27 Jun 12

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Apontamentos de Lisboa

Av. da Liberdade, em Lisboa - ontem, cerca das 12h

O PS afasta-se da nossa vida

Por Baptista-Bastos
O PS de Seguro assegura quê?, ao abster-se em tudo o que exige posição clara e consentânea com o que o nome "socialista" comporta e define. Mas o PS de Seguro continua a ambiguidade moral (já nem sequer se lhe impõe mais) a que habituou os portugueses. Não há "neutralidade" em nenhuma actividade humana - e muito menos em política. Durante a II Guerra Mundial, Salazar colocou em trânsito a aberração da "neutralidade activa", mas a sua ideologia pendia para o lado nazi. Um comportamento que não é carne, nem peixe, nem arenque vermelho e dissimula as mais sórdidas patifarias.
A invocação da frase: "Somos um partido responsável", de que Seguro é useiro e vezeiro, converteu-se numa farsa. E surpreende a indiferença resignada manifestada pelos militantes do PS. Desde a sua ascensão ao poder, Seguro, devido a uma astúcia tão infantil como amolgada, nada mais tem feito do que exercícios de "neutralidade." O que diz, as pequenas batalhas verbais em que se envolve são irrelevantes e representam, afinal, compromissos presumidamente temporários, porém, na prática, sustentáculos efectivos do Governo.
Não há "neutralidade" em nenhuma actividade humana, escrevi. Este absurdo teve uma tradução imoral na "distanciação" jornalística. Os malefícios desta falácia afastaram leitores e levaram ao nojo e à rejeição veemente os que sabem das regras da arte. O jornalista, segundo esta tese, não devia "tomar partido": sem indignação, sem protesto, massa inerte com olhos desprovidos de emoção. Um ser "neutral", infenso ao que ocorria em seu redor; um gravador com o maniqueísmo da tábua rasa. Os "ideólogos" desta proposta ignoravam a história do nosso jornalismo, e tinham lido mal alguns teóricos anglo-saxónicos. Haja Deus e haja Freud!
O PS "distanciou-se" tanto da realidade portuguesa, através da "neutralidade" inscrita numa estratégia ditada pelas circunstâncias, que abriu a porta a todas as indignidades. A menor relação, o mais vago discurso alimentam as maiores suspeições. Ser "neutral" em assuntos tão importantes como (por exemplo) o Código do Trabalho, ou o apoio ao "acordo" de concertação social, é uma aquiescência vil. Mas a lista de ignomínias é imensa, e contribui para o descrédito não apenas daquele partido como da própria ideia de socialismo.
O projecto de Seguro é de tal forma pífio e inconsistente que foi preciso Pedro Silva Pereira, braço direito de José Sócrates, defender, na Assembleia da República, a honra do convento. O seu discurso estabeleceu o facto político do dia, como assinalou, na SIC Notícias, o jornalista Filipe Santos Costa, cuja perspicácia nada tem a ver com a baça rotina dos habituais comentadores do óbvio. Ele é um dos dois ou três que não agridem a inteligência de quem os ouve e restituem-nos o gosto da palavra dita.
«DN» de 27 Jun 12

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26.6.12

"O ovo da serpente"

Por Manuel António Pina
UM DOS momentos mais tocantes da entrevista a Edward Witten (que formulou a chamada "M-teoria" das supercordas, até agora a mais perfeita conjectura matemática de uma "teoria do tudo" e é considerado pela generalidade dos seus pares o maior físico teórico vivo) na série "Da beleza e consolação" é quando o entrevistador lhe pergunta o que pensa ele da "Shoah" e dos campos de extermínio nazis onde perdeu grande parte da sua família.
Witten ficou de olhos baixos e em silêncio durante intermináveis segundos. No fim, só conseguiu dizer: "Não sou capaz de compreender".
Ocorreu-me este episódio ao conhecer notícias recentes sobre a amnésia generalizada em que se gera o regresso da irracionalidade racista. Na Hungria, ao mesmo tempo que escritores nazis são hoje de leitura obrigatória nos curricula escolares, erguem-se estátuas ao "herói nacional" Miklós Horthy, regente do país entre as duas guerras e autor das primeiras leis anti-semitas da Europa Ocidental, responsável pelo envio de 450 mil judeus para campos de extermínio. Mais chocante ainda é o que se passa por estes dias em... Israel: imigrantes negros vítimas de ataques - casas queimadas, espancamentos e outras agressões - e classificados pelo próprio primeiro-ministro de "praga" e de "cancro". O governo de Direita israelita parece ter esquecido os insultos semelhantes dirigidos aos judeus que precederam o Holocausto.
«JN» de 26 Jun 12

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No reino do Absurdo

Lisboa, à porta do Hotel Roma
6 Jun 12 - 10h45m
NÃO me perguntem como é que os peões passam aqui, nem o que é que acham disto os turistas hospedados no hotel ali ao lado.
Podem, no entanto, perguntar-me a quem é que devemos esta bizarria (e todas as quartas-feiras!), pois a resposta é muito simples e pode ser vista [aqui].

Um conglomerado com pouco mais de um século


Por A. M. Galopim de Carvalho
NO PASSADO dia 8 de Junho participei no “1.º Fórum Ibérico do Tejo”, organizado pelo Instituto Politécnico de Santarém, em parceria com a Universidade de Castilla – La Mancha, com o apoio do Centro Nacional de Exposições de Santarém, no âmbito da Feira Internacional de Agricultura. Neste encontro com os colegas espanhóis tive oportunidade de ouvir uma comunicação da arqueóloga Vanda Bela Luciano (mestranda da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa) intitulada “Um ensaio sobre a navegabilidade do Tejo. O achamento das âncoras e fateixas de Abrantes”. (...)
Texto integral [aqui]

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Cristiano Ronaldo (2)

Por Ferreira Fernandes
SOBRE a minha crónica, ontem, um leitor gozou-me: "Cristiano, a beato, já!" Ora, o que eu queria fazer, mesmo, era uma hagiografia: "Cristiano Ronaldo, santo subito!" Sei que ele é simples mortal e não escapa à lei da gravidade, mas o facto é que quando ele se ergue nos céus - depois do adversário que subira ao mesmo tempo já ter começado a descer - CR7 paira por um momento incompreensível pelas leis dos homens. 
Eu sei que o problema é meu, é impossível ser milagre dele, mas a verdade é que eu vejo. Tal como sei que é humanamente impossível alguém arrancar com as costas arqueadas como uma pantera (enfim, na minha juventude julguei ter visto outro a fazê-lo, mas branco é o primeiro). 
O problema é meu mas tenho desculpas. Vítor Gaspar não ajuda nas questões mais terrenas e tenho de me refugiar, como outrora os povos das cavernas nos senhores dos trovões, em mitos, crenças e fintas de Cristiano Ronaldo. Eu sei que é impossível alguém receber a bola no peito, fazê-la passar sobre o ombro e plantar o defesa com esse passe de magia. Mas a verdade é que nos últimos dez dias vi por duas vezes esse prodígio. Ou melhor, julguei ter visto. Como naqueles programas televisivos em que se aconselha as crianças a não tentar fazer o mesmo lá em casa, sinto-me obrigado a dizer aos leitores para não acreditarem lá em casa como eu. Porque o problema é meu e, amanhã, dos espanhóis. Mas esses não me leem e não me sinto obrigado a preveni-los. 
«DN» de 26 Jun 12

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Os Ricos São Diferentes

Por Maria Filomena Mónica
            TENHO andado a pensar nos ricos e conclui que, mais do que inveja, me provocam perplexidade. Na famosa discussão entre F. Scott Fizgerald e E. Hemingway, era o primeiro – que dizia que os ricos eram diferentes - que tinha razão. Os ricos são diferentes, não apenas por possuírem mais dinheiro, mas por terem uma atitude especial perante a vida.
            Conheço melhor os velhos do que os novos ricos, mas o que vou dizer aplica-se a todos, embora com mais exactidão aos primeiros. Criada entre algumas das mais poderosas famílias do país, pude observar o seu comportamento e sei que formavam uma casta à parte. Lembro-me de quão austera era a educação que davam aos filhos e, em geral, quão comedido era o consumo doméstico. A ostentação era tida como uma possidoneira de quem recentemente havia adquirido dinheiro. Não recordo um único adolescente – e estou a referir-me àqueles que possuíam os apelidos que o dr. Cunhal gostava de citar como inimigos de classe – a quem tenha sido oferecido um carro aos 18 anos. As festas que davam eram tão comedidas quanto a indumentária. Eu não pertencia bem a este «grupo» – muitos tinham antepassados que provinham da aristocracia de Corte - mas nunca me trataram com desprezo. Só tarde, e por me ter doutorado em Sociologia, percebi que o meu estatuto era o de uma híbrida social: pertencia e não pertencia ao «grupo». Isto, que me podia ter feito sofrer, teve uma vantagem: a de poder olhar os ricos por dentro e por fora. Sem ressentimentos, nem ódios. Com alguns forjei até uma amizade que ficou para a vida: foi num deles que depositei um dos mais bem guardados segredos da minha vida.
Claro que o conceito de riqueza é relativo. Para uma pessoa frugal como eu, quem dispõe de um salário anual de 300.000 euros, é, por definição, muito rico. São estes indivíduos que me suscitam curiosidade. A interrogação que surge no meu espírito de cada vez que noto os salários auferidos por Eduardo Catroga, António Mexia, Zeinal Bava e António Borges prende-se com a forma como gastam o dinheiro. Comprada uma boa casa, uns quadros modernaços e um automóvel topo da gama, que mais podem desejar? Barcos a motor, férias no Nilo, amantes de luxo? Notem que não os estou a criticar, mas a tentar perceber o seu comportamento.
Eu gosto de ser rica – suponho que por ganhar quase dez vezes o salário mínimo é assim que tenho de me considerar - porque o dinheiro me dá liberdade. Sei-o, porque já fui rica, já fui pobre, já fui remediada e agora sou, de novo, rica (apesar de o actual governo ter cortado 40% do salário que recebo). É a experiência que me leva a afirmar que é melhor ser rica do que pobre, não só pela razão, evidente, de não ter de passar fome, mas porque a condição me dá a possibilidade de fazer o que me apetece, de criticar os governos e de afirmar o que me vem à cabeça. Aos ricos, tudo lhes é dado, incluindo a possibilidade de ser independente. É pena que a não aproveitem mais vezes.
«Expresso» de 23 Jun 12         

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25.6.12

Queremos a vossa soberania

Por Manuel António Pina  
HÁ 25 anos, pouco depois de Portugal ter aderido à então CEE, eu teria aplaudido as palavras do ministro alemão das Finanças em entrevista a "Der Spiegel" no sentido da necessidade de "mais Europa". Lera alguns dos chamados "pais fundadores" e acreditava que a já mais ou menos evidente corrupção dos valores que haviam presidido, em plena Guerra Fria, à utopia dos "Estados Unidos da Europa" fossem apenas conjunturais. Já então os membros da Comissão raramente honravam as funções que lhes atribuíam os Tratados e quase sempre agiam, menos ainda do que como representantes de interesses nacionais, como meros agentes dos partidos que, nos governos de cada país, os designavam. Com a transformação da CEE em União Europeia (e com o desmoronamento, a Leste, do "inimigo comum"), a situação piorou e, hoje, a Comissão perdeu toda e qualquer autonomia em relação ao Conselho, com as próprias cimeiras reduzidas a encontros bilaterais entre a Alemanha e a França onde tudo é decidido.
Em tal contexto, "mais Europa" e mais transferências de "competências para Bruxelas em domínios políticos importantes, sem que cada Estado nacional possa bloquear decisões" defendidas, depois Merkel, também por Schäuble, significaria a transferência do que ainda resta das soberanias nacionais para Berlim (e, subalternamente, para Paris) através do mero entreposto que Bruxelas actualmente é.
«JN» de 25 Jun 12

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É bom observador?

À parte a vedação que se vê na imagem de cima, ambas as fotos documentam uma situação muito semelhante, relacionada com as "zonas verdes" de Lisboa. 
Há, no entanto, uma curiosa diferença entre os dois casos. Alguém sabe qual é?

Todos, todos, todos por onze

Por Alberto Gonçalves
(...) EM QUALQUER dos casos, alguém devia explicar ao sr. Paulo Bento que os compatriotas dele são livres de apoiar a selecção portuguesa, a selecção checa ou a selecção das ilhas Faroé. Para espanto do sr. Paulo Bento, os portugueses são até livres de criticar a selecção portuguesa, de não apoiar selecção nenhuma, de querer que o campeonato da Europa em futebol se lixe e, pasme-se, de nem saber que decorre um campeonato da Europa em futebol. É verdade que o clima de histeria geral torna a última hipótese quase impossível, mas transformar as restantes hipóteses numa blasfémia ou num acto de traição é um nadinha excessivo. Sem grandes esperanças de que o consigam, convinha que os senhores da bola aprendessem o seguinte: na exacta medida em que não estão obrigados a apaixonar-se por repartições das Finanças, juntas de freguesia ou a embaixada em Camberra, os cidadãos não estão obrigados à vassalagem da selecção.
Em contrapartida, e a menos que a Federação do ramo abdique do absurdo estatuto de utilidade pública (?) de que dispõe, a selecção está obrigada a respeitar os cidadãos, quer estes entrem em combustão instantânea depois de um golo de Cristiano Ronaldo, quer dediquem a Cristiano Ronaldo a maior das indiferenças. Curiosamente, ou nem por isso, a selecção que se julga de todos os portugueses obriga os portugueses todos a aturar os estados de alma dos seus protagonistas, os quais, a fim de acentuar a birra, decretaram um blackout ("apagão" em inglês; voto de silêncio em futebolês). E se Deus Nosso Senhor é testemunha de que agradeço a mudez da rapaziada, o bom senso agradeceria ainda mais que uma entidade responsável, se milagrosamente existisse, mandasse levantar semelhante circo. (...)
«DN» de 24 Jun 12
Texto integral [aqui]

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Cristiano Ronaldo (1)

Por Ferreira Fernandes
O HOMEM muda de penteado no intervalo dos jogos, e Gay Talese, o jornalista cujos retratos de desportistas são os melhores que li, só usa fatos, coletes e gravatas feitos de propósito para si. 
O homem irrita-se quando falha um golo, e estou a ver Gauguin a dar um pontapé na caixa das tintas por causa de uma pincelada falhada. 
O homem acha-se o maior, e V. S. Naipaul também... 
Cristiano Ronaldo tem sido acusado de defeitos tão alheios ao que nos interessa dele como comprarmos um automóvel porque a cor vai com as riscas do nosso pijama. Mais, um dos seus defeitos irrelevantes revela uma qualidade invejável: ele zanga-se mesmo, com autenticidade, quando não cumpre um remate. 
Há dias, a bíblia do capitalismo, o Wall Street Journal, contou as horas e declarou ser Cristiano Ronaldo o desportista que mais trabalhava. Mas esse profissionalismo podíamos já todos ter dado por ele, bastando vê-lo furibundo por não ter sido perfeito - a cara zangada vem-lhe da mesma vontade com que nadava piscinas e mais piscinas para conseguir o físico que não tinha, precisava e conseguiu. 
Há muitos grandes futebolistas a quem só nos resta admirar porque eles foram dotados com talentos que não temos. Cristiano Ronaldo, além disso, merece servir de lição. Muito dele não é destino, é feito pela sua vontade e seu profissionalismo. 
É extraordinário que de Cristiano Ronaldo falemos de lantejoulas sem interesse quando há tanto fato-macaco. 
«DN» d e 25 Jun 12

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24.6.12

Apontamentos de Lisboa

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As Festas Populares não explicam tudo...
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Actualização: As fotos foram tiradas em 2 dias seguidos. 
As 3 primeiras foram-no à porta do McDonald's da Praça de Alvalade, onde boa parte dos jovens atira o lixo para o chão (assunto que é recorrente e já aqui foi abordado). 
A 4ª é da Freguesia de Sto. Estêvão (voltaremos a ela), onde a autarquia se esforça, mas não consegue convencer alguns moradores a portarem-se civilizadamente. 
A 5ª foi tirada porque um dos sacos foi ali colocado no momento exacto em que o agente da PMunicipal e a passar (não fotografei o indivíduo, pois ele estava acompanhado por gente que, decerto, me iria causar problemas...) 
 As 2 de baixo foram tiradas na Av. de Paris e na Praça de Londres, e mostram que não é só nos bairros "problemáticos" que há porcos à solta.

O que eles fizeram pelas Ciências da Terra (23)

 Averróis  (1126-1198)
Por A. M. Galopim de Carvalho
COM OBRA escrita fundamental e precursora do pensamento científico na Europa, Abu al-Walid Muhammad Ibn Ahmad Ibn Munhammad Ibn Ruchd, muçulmano andaluz, nascido em Córdova, ficou mais conhecido por Averróis, distorção latina do seu cognome árabe. Intelectual de grande ecletismo, foi médico, filósofo, astrónomo e estudioso de música, tema sobre o qual escreveu uma monografia.
As suas ideias, condenadas pela igreja católica, alastraram entre a comunidade de estudiosos cristãos latinos da Universidade de Paris, provocando acesos debates, levando muitos deles a aderirem à concepção de um pensamento filosófico (científico) puro e independente das crenças religiosas, o que conduziu ao nascimento de um grupo dos chamados averroístas latinos, que se opunham à tese agostiniana de que a verdade é única. A sua obra exerceu uma influência decisiva na evolução do pensamento científico na Europa. (...)
Texto integral [aqui]

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Luz - Passeio em Berlim, Unter den Linden, 2010

Fotografias de António Barreto- APPh


Clicar na imagem, para a ampliar
Esta avenida, cujo nome é literalmente “Debaixo das Tílias”, foi uma das glórias de Berlim no século XIX. Numa das extremidades, encontra-se a Porta de Brandenburgo. Não muito longe, o Reichstag. Embaixadas (Americana, Russa, Britânica, etc.) ficam ali, assim ciomo museus, Ópera e Universidade. A avenida cruza várias outras famosas, incluindo Friedrichstrasse e Wilhelmstrasse. Era talvez o centro da cidade em grande parte do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Depois da guerra e da divisão, a avenida ficou no “lado de lá”, a Leste. Manteve-se um sítio interessante e mesmo “chique”, na versão comunista, mas obviamente declinou. Depois da reunificação, o restauro, a reciclagem, o aproveitamento e a reorganização têm sido formidáveis. Sem que tivesse havido uma decisão política, sem que se tenham aprovado decretos disparatados e voluntariosos, o grande centro de Berlim, de negócios, de turismo, de cultura, de ciência e de arte voltou a deslocar-se e regressou a estas paragens. A famosa Ilha dos Museus está por ali perto. A Câmara da cidade tem mantido uma disciplina severíssima, depois de ter criado normas e regras que impedem, por exemplo, a demolição sem justificação e a construção de arranha-céus. Unter den Linden voltou a ser o eixo central da cidade.

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Dallas no Eliseu

Por Ferreira Fernandes
A FRASE  francesa "cherchez la femme", procurem a mulher, é para resolução de mistérios policiais ou enredo de teatro de boulevard. As questões de saias, na tradição francesa, raramente entram no noticiário político. A filha de relação extraconjugal de Miterrand tratou-se com discrição e Strauss-Kahn só foi escândalo porque importado de quarto nova-iorquino. Mas receio que esteja em vias de extinção esse bom costume dos jornais franceses em ignorar os lençóis dos seus políticos. 
Em 1992, a ministra francesa Ségolène Royal, mulher do ainda apagado homem do aparelho do PS François Hollande, mediatizou o nascimento do seu quarto filho, chamou as televisões à maternidade e, com o bebé, fez capa da revista Paris-Match. Quem assinou este último artigo foi a jornalista Valérie Trierweiler. 
Vinte anos depois, Ségolène nem deputada é, perdeu o lugar, há dias, nas legislativas; e Valérie é a primeira dama, mulher do Presidente Hollande. Esta troca de posições seria tratada com a naturalidade dos divórcios nas sociedades modernas, não fosse o gosto recente das protagonistas em atiçarem a atenção do público. Na tal eleição em que Ségolène perdeu o lugar de deputada, Valérie fez um apelo pelo Twitter para se votar no adversário da ex-mulher do seu companheiro. Depois disso, Ségolène acusa Valérie de lhe ter dado cabo da família e da carreira. 
Os jornais não são de ferro e vão acabar por se excitar com a telenovela. 
«DN» de 24 Jun 12

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23.6.12

Como, em Lisboa, os transportes públicos são acarinhados

 
NO seguimento da foto aqui afixada ontem (que mostrava escadas rolantes 'fora de serviço' na estação de metro da Bela Vista, na Linha Vermelha), aqui ficam mais duas imagens, de equipamentos no mesmo estado:
Na estação da Alameda (1ª foto, também de ontem) e na da Baixa-Chiado (em baixo, foto de hoje).
Mas não há dúvida que a situação está a melhorar pois, como se pode ver/ler, a rapaziada que trata daquilo já pede "desculpa pelo incómodo". Valha-nos isso!

«Dito & Feito»

Por José António Lima
FRANCISCO Louçã, que esteve em Atenas no comício de encerramento da campanha eleitoral do Syriza, coligação da esquerda radical grega e partido-irmão do Bloco de Esquerda, mostrara-se disponível para colaborar na elaboração do programa económico do Governo que Alexis Tsipras e o Syriza pensavam ir formar e liderar.
Mas as contas saíram furadas, o Syriza perdeu as eleições e Louçã viu-se impedido de dar a sua mãozinha ao novo Governo que prometia abalar a Grécia e o resto da Europa.
Ainda assim, o líder do BE viu nos resultados das eleições gregas «um fortíssimo sinal» para a esquerda, para Portugal e, em particular, para o PS. Louçã adverte mesmo, em tom ameaçador: «António José Seguro devia olhar para Evangelos Venizelos, líder do PASOK, e perceber que continuar a apoiar a política da troika é destruir o país», além de aniquilar o partido, pois o PASOK «era um partido de maioria absoluta e agora pouco ultrapassa os 12%». Enquanto o radical Syriza, sublinha o líder do BE, «tinha pouco mais de 4% de votos há dois anos e é agora a segunda força mais votada».
Louçã poderia ter feito a leitura inversa. A de que estas eleições extremadas na Grécia, após o impasse do acto eleitoral de 8 de Maio, foram um epifenómeno radical – à esquerda e à direita – dificilmente repetível noutro país da Europa. E até na própria Grécia. E de que se podem tirar ilações contrárias das eleições portuguesas de há um ano. Já com a troika em Portugal e um memorando apoiado por PS, PSD e CDS, estes três partidos obtiveram nas eleições uma clara e esmagadora maioria de 78,4% dos votos. Enquanto o Bloco de Esquerda, já com troika, caía de 9,8% para 5,2% e de 16 para 8 deputados.
Louçã esqueceu-se, por outro lado, de ameaçar Jerónimo de Sousa com uma advertência idêntica à que lançou a Seguro. E os comunistas gregos do KKE até perderam para o Syriza mais votos e deputados (menos 14, de Maio para Junho) do que os socialistas do PASOK (menos 8). O esquecimento terá sido efeito da moção de censura do PCP, que assim se antecipou ao radicalismo do BE e de Louçã?
«SOL»

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Apontamentos de Lisboa

A ZONA da Av. da Igreja, em Lisboa, tem alguns aspectos bastante agradáveis, nomeadamente no que toca ao espaço pedonal e ao pequeno comércio (quer em qualidade, quer em variedade), e uma das provas de que ali existe algum cuidado são os inúmeros vasos com plantas colocados à porta dos estabelecimentos - como mostram as duas primeiras fotos, apenas a título de exemplo.
Mas, como não há regra sem excepção, veja-se, na 3ª e 4ª fotos, o uso que é dado a um dos vasos;  e, nas duas últimas, o aspecto que exibe o espaço em frente à estação dos CTT...

Esperem pelo outro resgatado e vão ver

Por Ferreira Fernandes
ONTEM, de cada vez que havia golo alemão, as câmaras apontavam para uma modesta dona de casa, daquelas que em Salónica ou na Beira Interior ainda vestem o mesmo casaquito de antes da crise (e já lá vão três anos). Golo, e ela saltava da cadeira e erguia os dois braços acima da cabeça como quem agarra o varão superior da Carris ou da Ethel, autocarros de Atenas. Como o salto e o pendurar-se no varão se repetiu por quatro golos, pudemos reconhecer a mulher: era Angela Merkel. Clara operação de propaganda, para demonstrar aos gastadores povos resgatados que uma chanceler alemã anda de transportes públicos e mal vestida... Mas, como todas as propagandas, podendo ter efeitos contrários quando desmontada. Desde logo, para quem pretende ser poupado, o desperdiçar de golos: Portugal, acusado de gastar mais do que produz, produziu a mesma ida para a meia-final conseguida ontem pela Alemanha, gastando um só golo. Depois, no estádio, Merkel estava lá só para o forrobodó tão filmado. E o que fazia, no mesmo lugar, o seu homólogo grego? Leiam a ficha do jogo: o primeiro golo grego foi marcado por... Samaras. Quer dizer, o primeiro-ministro grego não só precisa de ter um segundo emprego como, neste, produz. Já para não falar no contraste que fazem as fartas carnes da tal senhora do varão com a notícia também ontem conhecida de o ministro das Finanças grego, Vasilis Rapanos, ter desmaiado, talvez de larica. Disto não quer saber o Bundesbank. 
«DN» de 23 Jun 12

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22.6.12

Apontamentos de Lisboa

ESTAVA eu a fotografar a habitual cena da camioneta que abastece o talho da Av. Óscar Monteiro Torres quando se me deparou uma outra, que também dá que pensar. Aqui fica ela, sob a forma de uma sequência.
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Actualização: Com estas fotos, eu pretendia levantar aqui (eventualmente como contraponto da pobreza e da miséria) a realidade da "mendicidade profissional" - aquela que é exercida como um verdadeiro emprego (em local e horário certos), muitas vezes por pessoas perfeitamente válidas.

"E não se pode exterminá-los?"

Por Manuel António Pina
A MONTANHA de audições dedicada pela ERC a averiguar o caso das "alegadas pressões ilícitas" do ministro Miguel Relvas sobre o "Público" pariu, como não poderia deixar de ter parido, um tíbio rato: o anúncio de que a ERC formou a convicção de que não formou convicção alguma acerca das tais "pressões ilícitas" e não as deu como "provadas".
Formou, contudo, a convicção de que a actuação do ministro "poderá ser objecto de um juízo negativo no plano ético e institucional". Mas, antecipando-se a interpretações maldosas, rapidamente se pôs de fora, como também não poderia deixar de se pôr: "não [cabe] à ERC pronunciar-se sobre tal juízo".
O actual Conselho Regulador da ERC é constituído por membros indicados pelo PSD (três) e pelo PS (dois). E, mais significativo do que as convicções que formou ou não formou ou do teor da deliberação que aprovou é o facto de essa deliberação ter tido votos a favor dos membros indicados pelo PSD e contra dos indicados pelo PS. O previsível, num caso envolvendo um ministro do PSD. E que tutela... a ERC.
A partidarização de organismos como a ERC ou o Tribunal Constitucional retira-lhes qualquer credibilidade e fere de morte a independência com que deveriam exercer as suas funções, tornando-os inúteis. Perguntarão justificadamente os contribuintes: "E não se pode exterminá-los? Não. Porque quem poderia exterminá-los seriam o PSD e o PS.
«JN» de 22 Jun 12

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Houve dois motivos que me levaram a tirar esta foto. 
Alguém adivinha quais foram?
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Actualização: a resposta pode ser vista [aqui].

Espanha a aportuguesar-se

Por Ferreira Fernandes
A CRISE financeira europeia levou os espanhóis a aderir à pega de cernelha. Resgate? Claro que não, dizem eles, é só um empréstimo aos bancos. 
A Espanha é uma família em que lá em casa os pais são pagadores fiáveis, os filhos é que precisam de umas ajudazitas externas. A falência espanhola mora naquela categoria de limbo em que vivem as quase grávidas. Ora isso, que em português seria natural (não cultivamos nós o assim-assim e os ângulos curvos?), em Espanha rompe com a tradição. No país do "hay gobierno? Soy contra", à esquerda, e "viva la muerte!", à direita, onde se anuncia nas desoladas estradas com os cornos pontiagudos dos touros de Osborne, onde, nas guerras civis, uns atiravam padres do alto dos campanários e outros fuzilavam em massa nas praças de Badajoz, a imprensa doura a pílula: "resgate suave" e "descafeinado", diz ela... 
Para onde foi a "fúria espanhola"? Filipe II (deles, I, nosso) quando veio a Lisboa pedir a coroa, não esteve com meias medidas: "Este reino é meu, porque herdei-o, comprei-o e conquistei-o", disse brutalmente. Agora, Mariano Rajoy anda a pedir coroas por Bruxelas com todos os cuidados semânticos. 
Os leitores que se irritam por eu escrever demasiado sobre futebol deviam dar-lhe a importância que de facto tem: ele molda o carácter. O país onde antigamente os guarda-redes se chamavam Zubizarreta passou a jogar em dolentes tique-taques e agora nem assumem um resgate com salero. 
«DN» de 22 Jun 12

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21.6.12

Pergunta de algibeira

A foto, tirada esta tarde na estação de metro da Bela Vista (na mesma linha que em breve vai servir o aeroporto da Portela) pode suscitar uma pergunta: 
«Porque será que as pessoas que vemos à esquerda (a que eu me juntei...) vão a subir pelas escadas 'pedestres' quando têm outras, 'rolantes', ali ao lado?».

Ovos & estatísticas

Por Manuel António Pina 
EM PAÍSES como Portugal, onde o fosso entre ricos e pobres é cada vez maior, as estatísticas trazem sempre boas notícias. Assim, os portugueses ficaram ontem a saber pelo INE que vivem num país onde o rendimento médio líquido (líquido!) das famílias é de 1984 euros por mês. 
Muitos hão-de estar a matutar sobre quem lhes ficou com o que falta aos 1984 euros líquidos mensais que a sua família terá recebido entre Março de 2010 e Março de 2011, e esse é o lado bom das estatísticas: dão que pensar. É conhecido o dito segundo o qual, se alguém comeu dois ovos e outrem não comeu nenhum, para as estatísticas comeram ambos um. Infelizmente, a maioria dos portugueses apenas tem hoje para comer os ovos estatísticos de que se alimentam os discursos políticos, que passam quase sempre ao largo do facto de, por cada família a auferir, por exemplo, 19 840 euros mensais (já nem falo das que auferem 198 400), ter que haver dez outras a sobreviver com 198,4.
Os números do INE dão também uma ideia do que é a evasão fiscal entre nós: em 2009, enquanto os trabalhadores por conta de outrem ganharam em média 11 378 euros anuais, os profissionais liberais ganharam... 1593 (isto é, 132 miseráveis euros por mês). O meu coração sangra de comiseração: como é que os médicos, advogados, economistas, engenheiros, etc., que trabalham por conta própria conseguem pagar as rendas dos consultórios? 
«JN» de 21 Jun 12

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Informações turísticas (continuação)

 
Lisboa - Av. da Igreja
Lagos- Centro
Lisboa - Av. Liberdade

Prognóstico antes dos jogos

Por Ferreira Fernandes
SEGUNDO algumas sábias e televisivas vozes que sabem mais do que eu sobre 4-2-3-1 e outras táticas, a França, a Alemanha, a Inglaterra, a Espanha e a Itália arriscam-se "naturalmente" a chegar à final. Vozes que sobre a equipa portuguesa, népias! Felizmente isto passou-se por estes dias, quer dizer, apanhou-me já com a experiência de dois, três anos, a ouvir sábios que também sabiam mais do que eu sobre credit default swaps. Ora sobre estes últimos especialistas eu dei-me conta de que sabendo eles muito e afirmando mais, e sempre perentórios, tinham as mesmas soluções que eu: nenhuma. Aprendi, pois, a não me deixar humilhar pelos experts: o assunto (finanças e, sobretudo, finanças em crise) é de tal maneira complexo que a ignorância é geral. 
Essa experiência libertou-me no outro assunto, o futebol (cuja ciência maior é a simplicidade), e não me deixo iludir pelos respetivos especialistas, também muito perentórios. Daí que não me impressionem a facilidade com que eles chegam à "natural" ida dos outros à final e o silêncio com que calam a hipótese portuguesa. 
Eu vejo um Pepe patrão e o colega ao lado de confiar, Coentrão a cavalgar, um trio eficaz de médios, Nani a amansar a bola e o brilho de Cristiano e dá-me ganas de Garcia de Orta (esse, sábio a sério): "Não me contradigam textos de autor aquilo que eu vi com os meus olhos." Com os meus olhos, Portugal está na final. Se não estiver, espanto-me, e não o contrário. 
«DN» de 21 Jun 12

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Das rochas sedimentares (61)

Por A. M. Galopim de Carvalho 
PRATICAMENTE, todas as análises químicas de rochas sedimentares revelam a presença de fosfato de cálcio, mas com teores mínimos, na ordem das décimas ou centésimas percentuais. São poucos os casos em que estes valores atingem níveis mais elevados, e raros aqueles cujas rochas são susceptíveis de interesse mineiro. (...)
Texto integral [aqui]

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Cavaco promulga Código do Trabalho e pede “estabilidade” para criação de emprego

Por C. Barroco Esperança
O PR tinha uma grande dificuldade pela frente – estar à altura dos antecessores –, mas nada indicava que tivéssemos de recuar à ditadura para encontrar em Américo Tomás o presidente com quem o comparar, quando o facto de ter sido eleito democraticamente o distanciava da grotesca marionete de Salazar. A deficiente cultura e o aparente desapego à Constituição da República deixá-lo-ão na História pelas piores razões.(...)
Texto integral [aqui]

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20.6.12

Alguém viu e quer comentar?

Agasalhados do mar ao ar

Por Ferreira Fernandes
A 10 DE JUNHO, publiquei no DN duas páginas inventadas, claro, com uma entrevista a um navegante de Quinhentos. O entrevistado era falso mas os dados referidos pelo marinheiro eram verdadeiros, retirados de livros de História, citados no fim do artigo. Uma das respostas do meu navegante lembrava que a Casa da Índia, que geria o comércio trazido pelas naus da rota do Oriente, tinha de entregar, nos finais de 1500, cerca de 40 por cento da carga ao capitão, pilotos e mestres de cada barco (na sua fundação, em 1503, aquele direito era só de oito por cento). Quer dizer, aquele punhado de tripulantes, além do soldo, ficava com quase metade das especiarias, seda e goma lacada, fruto de um negócio que era um desígnio nacional e antigo - nascido com a plantação de pinhais, a construção de estaleiros, a presciência de reis, o saber de cosmógrafos e a coragem de soldados. E esse desígnio nacional acabou em quase metade da pimenta e canela abarbatada por alguns - justamente conhecidos por "agasalhados" - cuja força lhes vinha de ocuparem a cabina e poderem chantagear: ou temos metade do espaço da nau para o nosso tráfico ou não há Império nem Índia para ninguém... 
Em fins de Quinhentos a Casa da Índia estava falida. 
Esta semana, os pilotos da TAP anunciaram que farão greve em julho e agosto (quando mais mal faz aos portugueses). Esses pilotos consideram-se com direito a 20 por cento na privatização da TAP. Porque não 40? 
«DN» de 20 Jun 12

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