29.10.17

Sem emenda - A Revolução de Outubro em Lisboa

Por António Barreto
Não se pode dizer que tenha sido deliberado, mas a greve geral da Função Pública desta semana, convocada pela CGTP, com o distraído apoio do Bloco, é uma maneira de comemorar o centenário da Revolução de Outubro que agora se celebra, entre o Outubro gregoriano e o Novembro ortodoxo. É um dos mais importantes acontecimentos da história contemporânea, um dos mais sanguinários episódios do século XX e uma das mais negras páginas da história da Liberdade!
Os centenários costumam ser gloriosos! Este não é o caso. Na Rússia, na China, em Cuba ou na Coreia, a passar-se alguma coisa, serão demonstrações melancólicas e pífias. Em Portugal, há uns filmes de Eisenstein na televisão, uns livros reeditados de Alvaro Cunhal e uns breves escritos de políticos portugueses ligados ao Bloco. É pouco, mas é o que há. Mais importantes são as traduções de autores de renome, Pipes, Service, Conquest, Carrère D’Encausse, Furet, Sebag Montefiore, Figes e Fitzpatrick, entre outros.
A maneira portuguesa de comemorar a Grande Revolução consiste bem mais na existência de um Governo socialista apoiado pelo PCP e pelo Bloco. É um dos raros exemplos, talvez mesmo o único, em que colaboram três das mais antigas variedades de comunistas, Trotskistas, Estalinistas e Maoistas. Não directamente, pois não se sentam à mesma mesa, mas através do mediador PS. As relações entre os três foram sempre venenosas e violentas. Da Catalunha a Pequim, de Coyoacán a Havana, de Hanoi à Manchúria, as relações entre estas três tendências do marxismo-leninismo foram pautadas pela extrema violência e pelo assassinato puro e simples. O facto de se encontrarem associadas ao governo socialista, ele próprio com uma tradição de hostilidade por parte daquelas espécies comunistas, é digno de atenção. O que torna este caso ainda mais curioso é a sua insignificância na política internacional. Na verdade, já quase não há Estalinistas. Maoistas ainda existem em quantidade, mas na China, pois claro. E Trotskistas encontram-se em extinção rápida. Na verdade, as três liturgias são quase inexistentes.
Portugal é caso único na Europa e raro no mundo. Os resultados eleitorais são fascinantes. Um pouco mais de 8% para os estalinistas do PCP; mais de 10% para os trotskistas e maoístas do Bloco; e uma coligação de ambos, separadamente, com os socialistas, constitui uma singularidade tão especial quanto um último exemplar do Dodo. Como naqueles filmes do parque jurássico em que animais extintos são trazidos à vida contemporânea.
A centenária revolução legou à humanidade uma formidável obra política, cultural, social e ideológica: o comunismo real. Este teve uma enorme influência nas vidas dos povos e dos Estados. Ao fim de cem anos, essa incontornável realidade do século XX jaz no “caixote do lixo da história”. Desapareceram o “homem novo” e o “futuro radioso” com custos e perdas que se elevam a dezenas de milhões de mortos pela força bruta, pela fome deliberada e pela doença! E dezenas de milhões de prisões, de deportados, de execuções e de assassínios.
Portugal é um dos raros sítios do mundo onde há comunistas (estalinistas, maoístas e trotskistas) activos, reconhecidos e a exercer funções em regime democrático. Minoritários, mas, ao que dizem, com esperanças de aumentar a sua influência no governo socialista. Há dois anos que se iniciou um ensaio de participação no poder. Se esta experiência trouxesse uma verdadeira conversão dos comunistas à democracia, à Europa, aos direitos individuais, à liberdade e à iniciativa privada, Portugal assistiria a um fenómeno interessante para o nosso futuro. Se acontecesse o contrário, isto é, a conversão dos socialistas às crenças dos seus aliados e à complacência com as liberdades reduzidas, a democracia vigiada e o primado do Estado, então sim, estaríamos em presença de um acontecimento único na história dos povos e da Europa.

DN, 29 de Outubro de 2017

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Sem Emenda - As Minhas Fotografias

Visita guiada ao Museu da STASI, em Berlim – A STASI (Ministério da Segurança do Estado) era, até ao derrube do Muro de Berlim, a polícia política, de informações e de espionagem da República Democrática Alemã, ou antes, da Alemanha comunista. Eram cerca de 92.000 agentes e 170.000 informadores. O seu chefe durante 35 anos foi o famigerado torcionário Erich Mielke. Hoje, a antiga sede alberga um museu onde se podem ver milhares de objectos, fotografias, fichas, equipamentos, gravações e registos da que foi uma das piores polícias do mundo moderno. Os seus requintes de malvadez incluíam uns milhões de frascos com algodão em rama que tinha sido embebido com suor dos presos (que transpiravam de medo durante os interrogatórios…). Os frascos estavam identificados e selados. Quando a polícia procurava alguém, abria o frasco, dava a cheirar aos cães especializados e lá iam buscar os pobres diabos… Nesta imagem, no átrio da entrada, à volta de uma maqueta dos edifícios, um grupo de jovens estudantes ouve as explicações dadas pela professora.

DN, 29 de Outubro de 2017

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27.10.17

IMERSOS PENSAMENTOS

Por Joaquim Letria
Eu diria que as ideias e sentimentos mais profundos me assaltam durante um banho de imersão. Durante boa parte da minha vida não me apartava da imersão nocturna nem prescindia do duche matinal.
Quando entrei na adolescência a minha santa avó passava a vida a dizer-me “lava o corpo mas não te entretenhas com nenhuma parte dele”, ao que o meu avô acrescentava, como se fosse um ámen, “de outro modo podes ficar ceguinho”. E ria-se, sem eu perceber porquê.
Certamente que para eu me entreter sem ser com as minhas partes, os meus avós substituíram na banheira os patinhos de baquelite da minha infância por dois garbosos navios de madeira mais apropriados a um adolescente, um navio almirante e um couraçado, com os quais travei temerosas batalhas contra inimigos que me atacavam por entre “icebergs” de espuma Badedas.
Hoje, sem idade nem partes sensíveis, brinco com a esponja, fugindo nela de perigosos e letais submarinos que me perseguem como loucos. Não os vejo, mas sei que estão lá… por isso me desvio dos seus torpedos. Dantes, não desanimava até a água ficar fria de mais para uma última demão engelhada com o sabonete Lux, aquele que era usado por nove em cada dez estrelas de cinema.
Depois dum banho destes não há melhor do que um velho malte da Escócia a acompanhar um chá bem quente, bebidos com um a entrecortar o outro, como os alemães fazem, alternando a cerveja com um “schnaps”.
Com a idade fui perdendo o prazer do banho de imersão e, pior ainda, ganhei-lhe medo. Antes de mais, porque posso escorregar na banheira e partir-me todo com o trambolhão, se por acaso não bater com a nuca no rebordo, indo desta para melhor. Depois, porque algum ente querido pode erradicar-me, ou seja eliminar-me de vez, jogando o secador ligado para a água de murcha espuma, onde entre pétalas bem cheirosas flutuam estes desencantados pensamentos.
Publicado no Minho Digital

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26.10.17

Assunção Cristas e a moção de censura


Por C. Barroco Esperança

Assunção Cristas, alcançou um feito notável para a autarca que nunca o será. Obteve um resultado eleitoral para a Câmara de Lisboa, onde atingiu 3 mandatos, pela conjugação de circunstâncias irrepetíveis para quem pode voltar a ser ministra, e não se fará eleger para uma simples Junta de Freguesia. Teve o que Paulo Portas não alcançou.

A concelhia de Lisboa do PSD queria ver-se livre de um ativo tóxico, Passos Coelho, e, ao dar o voto à líder do CDS não votou nela, mas contra o próprio líder. A comunicação social afeta ao PSD, à falta de candidato próprio, começou cedo a dar guarida à líder do CDS e a apostar no inevitável ocaso de Passos Coelho.

Assunção Cristas fez a festa e lançou os foguetes de uma vitória de Pirro. Chamou a si a vitória de Lisboa, por ter alargado o número de vereadores numa câmara cujo presidente Cruz Abecasis era do CDS, e exultou por ter passado de 5 para 6 presidentes de Câmara em concelhos de pequeníssima ou média dimensão, quando o CDS já teve presidências em Viseu, Aveiro e Lisboa, por exemplo.

Nas eleições autárquicas, de 2013 para 2017, incluindo Lisboa, perdeu mandatos, votos e percentagem de eleitores. Foi esta vitória que camuflou com o triunfalismo alfacinha e que o PSD, com forte implantação popular, facilmente reverterá.


A vitória nas últimas eleições autárquicas e a exaltação de Assunção Cristas é a história da rã que queria ser boi. Ela não ganhou, inchou… até às próximas eleições. Na euforia, intitulou-se líder da Oposição ao governo e, na frenética corrida contra o PSD, anunciou uma moção de censura ao Governo no primeiro dia do luto nacional da repetição da catástrofe de Pedrógão.

O Governo não pode ser ilibado de responsabilidades que lhe cabem, mas a displicência com que os sucessivos governos incentivaram a plantação de eucaliptos e abandonaram à sua sorte a agonia do mundo rural, é da responsabilidade do PS, PSD e CDS, ao longo do tempo que o País leva de democracia. Uma das maiores responsáveis é exatamente a ex-ministra Cristas, como se prova pelas acusações fundamentadas de um antecessor.

Ao apresentar a moção de censura, Assunção Cristas sabia que os partidos à esquerda do PS estavam obrigados a votar contra moções de censura oriundas da direita, por um compromisso público. O que a levou à precipitação, que sabia condenada ao malogro, não foi a presunção de derrubar o Governo, foi o entusiasmo de arrastar o PSD, quando o partido está sem cabeça (líder) e o CDS é a cabeça vazia e reluzente, sem corpo.



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22.10.17

Por favor, limpem as cabeças e as almas

Por Guilherme Valente
Por favor, limpem as cabeças e as almas, ponham de lado por uma vez a esquizofrenia de pensamento que continua a ser o mal que corrói a política, a sociedade, o mal que impede a democracia verdadeira que já podíamos ter. Porra, morreram já nem sei quantas pessoas, são demais as evidências do desleixo, da irresponsabilidade da inconsciência, incompetência de quem devia governar e não governa, são demais e apesar disso continua-se, continuam a encher-me o facebook com merdas de fanatismo insuportável! Não governam em nenhum registo, afinal, porque de facto nenhum deles, destes primeiros-ministros todos e dos amigos que escolhem, mesmo que algum o gostasse de fazer, não governam. Não governam porque não podem, nem sabem, nem têm a mínima experiência para o poderem fazer. Já nem refiro a intenção porque muitos deles até pensam que a política e governar são isto. Até conheço muitos deles e com o que digo não quero ferir pessoalmente ninguém. Os responsáveis somos de facto todos nós, eles também, claro, porque estão no "nós", todos nós os que falamos, escrevemos, votamos, de algum modo nos servimos e julgamos poder servir-nos desta vergonha que se eterniza. Nós que nos alimentamos e que alimentamos este horror de vida política social e, afinal, humana. Depois há os outros, os que são só vítimas e são cenário, que usamos. 
E o fanatismo vai agora ao ponto de se sujar a atitude certa de um PR, eleito, aliás, pela maioria dos Portugueses. Quero lá saber da hipertrofia para as câmaras ou não, quero lá saber das intenções escondidas dele, tal como não quereria saber das intenções de um primeiro-ministro ou ministro ou comandante não sei de quê que tivesse feito, fizesse, neste e em todos os campos da governação, o que o país precisa que se faca! 
E todos os outros fizeram o que fizeram ou não fizeram com que intenções escondidas? Quanto a mim sentir-me-ia um nojo humano se partisse do princípio, se desse abrigo à ideia repugnante de pensar que perante o desespero de uma Mãe que perdeu o único Filho, a abraçar-me e a pedir-me o que não lhe podia dar, alguém pudesse pensar na política, nas câmaras, nessa merda toda. Ah, mas o PR foi lá para isso... não me lixem! Queriam que ficasse em casa? Queriam que tivesse governado antes, em vez do Governo? E os outros foram ou não foram lá porquê e para quê, esses que hoje são do PS e ontem seriam os do PSD ou, infelizmente, de outros partidos quaisquer? Eu acho que foram para tentarem fazer alguma coisa, como pode um ser humano no lugar deles ter ido lá por outra razão? Fazer o que, infelizmente não sabem fazer, nem sabem o que fazer, nem teriam força, capacidade pessoal, alma para fazerem (eu infelizmente conheço e até vi trabalhar alguns deles). 

Por favor não ponham mais lixo que vá ter à minha página do facebook, lixo que me apareça em casa, já chega o que levo na sola dos sapatos. Ponham liberdade de pensamento e consciência, análise crítica, vontade de não se enganarem a vós próprios. Estou farto de sectarismo e de estupidez e agora de clara cega desumanidade. Sejam, como queriam Confúcio, Sócrates e os grandes clássicos Gregos (para referir os mais antigos) iguais a vós próprios em cada momento, isto é, APENAS FIÉIS À VOSSA CONSCIÊNCIA, "iluminada por uma permanente abertura a todas as ideias novas ou velhas e a mais rigorosa análise crítica de todas elas", como escreveu inspiradamente Carl Sagan. 
Estou indignado. E não é para as câmaras.

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Sem emenda - 'E lucevan le stelle'…

Por António Barreto
No céu, brilhavam as estrelas! Os Portugueses distinguiam-se em várias modalidades desportivas. Os cruzeiros internacionais chegavam cada vez mais ao porto de Lisboa. Aumentava o número de estrangeiros que desejavam viver em Portugal. Abriam hotéis todos os dias. A temporada turística era maior do que a estação de Verão.
Estava tudo a correr tão bem! As agências internacionais tinham-se finalmente rendido à justeza da política do governo. A economia crescia. O desemprego baixava. A exportação aumentava. Os investimentos estrangeiros batiam à porta. O Novo Banco estava vendido. O Orçamento negociado: o Bloco gabava-se de tudo o que era bom, mesmo do que não era obra sua. O PCP exigia tudo o que já obtivera. O governo tinha folga para dar ao Bloco e ao PCP o que queriam.
Apesar de a CGTP resmungar e a FENPROF vociferar, reinava a paz social. Magistrados e enfermeiros juntavam-se aos sectores laborais em luta, mas sem ameaça. O Bloco e o PCP defendiam a solução de governo. O PSD entrava em crise de liderança e, com eleições dentro de alguns meses, deixava o governo em paz. O julgamento de Sócrates anunciava-se para mais tarde e cada vez desaparecia mais a ligação daquele malfadado governo ao Partido Socialista e aos actuais governantes. As ligações perigosas reveladas pelo processo Sócrates podiam esperar. Os fantasmas de Lula, Chavez e Maduro deixavam de ameaçar. O julgamento de Ricardo Salgado parecia estar cada vez mais longe, dissolvendo-se no tempo as interacções daquele grupo com os governos, especialmente os socialistas. Pensava-se que era fácil arranjar uma explicação para o insólito desaparecimento de Tancos e a extravagante aparição da Chamusca. Manhãs gloriosas e noites tranquilas! Não é possível pedir mais! Brilhavam as estrelas! E muitos nunca se tinham sentido tão felizes!
Eis senão quando… Parece uma tempestade perfeita! Tudo ruiu, a confiança e a esperança. A epifania terminou bruscamente. Ao revelarem a incompetência das instituições, a impreparação dos serviços e talvez o clientelismo da Protecção Civil, os fogos de Verão destruíram a confiança reinante. Os relatórios de Pedrógão deixaram a Administração de rastos. A segunda vaga de incêndios gerou perplexidade e insegurança. Mais de uma centena de mortes mostraram a vulnerabilidade de um país, a fragilidade de um povo e a incompetência de um Estado.
Os co-responsáveis por este governo, Bloco e PCP, depressa declararam que nada tinham a ver com a Protecção civil e que os verdadeiros culpados eram os governos de direita. Depois de perderem as eleições autárquicas, os comunistas decidiram atacar. O Bloco também e entendeu chegado o momento de rever a sua posição e pensar no futuro.
Hábil e habilidoso, como é reputado, o Primeiro-ministro preparou-se para gerir a crise, como hoje se diz: arrumar as crises parciais, dissolver as mais graves, puxar pelas coisas boas, dilatar no tempo as más, adiar problemas, prometer subsídios e anunciar medidas e dinheiro. Mas essa é a gestão de crise dos burocratas e dos políticos de laboratório. Está tudo certo, menos o imprevisto, o vital, o sofrimento, a confiança… E faltam sinceridade e prontidão. E, algures, uma réstia de humanidade.
A verdade é que quase não há quem pense a floresta, raros consideram as árvores, poucos estudam os incêndios. O governo preocupa-se com o orçamento, os seus aliados e as notícias nos jornais. António Costa pensa em Lisboa e Bruxelas. Os socialistas são urbanos e interessam-se pelo governo. Os comunistas são urbanos e alentejanos. O Bloco é urbano e litoral. O PSD está desgarrado. O CDS não tem força. A direita sonha com negócios, os socialistas com startups e os comunistas com nacionalizações. O governo tem mais que fazer. Os autarcas desesperam e garantem que não têm poder nem meios, mas raros se fizeram ouvir durante o ano. Parece que só o Presidente Marcelo fez o que tinha a fazer e fez tudo o que podia. O Presidente e os bombeiros.
DN, 22 de Outubro de 2017

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Sem Emenda - As Minhas Fotografias


Família chinesa diante da Cidade proibida, com soldados, turistas e Mao – Tudo o que ali está parece harmonioso! A pacificada Tiananmen, uma das maiores praças do mundo, repleta de turistas nacionais e estrangeiros, três gerações de uma família feliz com a sua sorte, soldados rígidos e hieráticos e o retrato kitsch de um dos maiores ditadores da história contemporânea. Nesta semana de Outubro, o congresso do Partido Comunista Chinês, o maior do mundo, confirmou o seu chefe, Xi, elegeu a sua direcção, estabeleceu que as políticas de Xi passassem a ser “o pensamento do Presidente Xi”, autoproclamou-se a maior economia do mundo, garantiu que a China seria democrática, poderosa, culta, desenvolvida e bela em 2050. Mais revelou estar a construir a maior frota marítima do mundo, as maiores centrais nucleares do mundo e o maior exército do mundo. Apesar de ser também o país mais poluidor do mundo, decidiu manter-se no Acordo de Paris e criticou o governo americano por ter saído.

DN, 22 de Outubro de 2017

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METER A FOICE EM SEARA ALHEIA

Por A. M. Galopim de Carvalho
Porque tive um bom professor de Filosofia, em Évora, no 6º e 7º anos do Liceu (actuais 10º e 11º), António Hortêncio da Piedade Morais, mantive ao longo da vida um certo respeito por uma matéria que nunca aprofundei. Lembro-me de uma frase sua: “a filosofia é, sobretudo, a via que conduz o nosso cérebro ou a nossa mente a pensar sobre o pensamento” e é esta a noção que conservo desta disciplina. Percebe-se, assim por que razão os filósofos são, muitas vezes, referidos como pensadores. 
Há dias tive curiosidade em passar os olhos sobre o Programa oficial desta disciplina, no nosso ensino secundário, e uma das frases que li e que transcrevo: “Iniciar à discursividade filosófica, prestando particular atenção, nos discursos/textos, à análise das articulações lógico-sintácticas e à análise dos procedimentos retórico-argumentativos”, acentuou-me a convicção de que um discurso tão desnecessariamente rebuscado (que me mostra o elevado nível filosófico de quem o escreveu, mas me deixa dúvidas e perplexo no que respeita a sua qualidade pedagógica) faz fugir “a sete léguas” um qualquer adolescente. A mim, cuja idade pesa mais do que cinco adolescentes, foi o que me aconteceu, fugi.
Com boa vontade, podemos admitir que todos somos filósofos sempre que procuramos saber ou investigar algo, seja sobre minerais ou rochas, borboletas, literatura, castelos, gastronomia, pintura, planetas e satélites, jardinagem ou até, mesmo, futebol, moda ou tauromaquia. Tudo é sabedoria e tudo é, de facto, para os respectivos cultores, motivo de amor ou interesse. Mas o conceito académico de filosofia é algo mais profundo, a tratar por quem ganhou estatuto para tal. É, por assim dizer, uma sabedoria com uma longa história, vasta e complexa, que abarca a universalidade do conhecimento, que o questiona, explora e, tantas vezes, vai à frente dele.
Como disciplina dos programas escolares do secundário, Filosofia é um ramo do conhecimento como qualquer outro. Afasta muitos alunos porque, como se viu, usa um vocabulário para eles erudito e hermético, fora do seu dia-a-dia. Na realidade, tem um “falar caro” que, se for “trocado por miúdos”, deixa de “meter medo”, passa a ter significado e, até, acredite-se, pelo menos para mim, tem beleza. Como filósofo que sou, no estrito sentido de gostar de saber coisas, das mais simples e vulgares, como levantar uma parede de tijolos, ao porquê das ondas de gravidade prevista por Einstein há 100 anos e agora, finalmente, descobertas, não resisto a “meter o nariz e espreitar” este maravilhoso domínio do génio humano.
Fique claro que não pretendo “meter a foice em seara alheia”. Não adquiri preparação académica em filosofia. Limito-me, pois, a procurar tornar acessíveis as leituras que a condição de “arrumado na prateleira”, na situação de aposentado, desde 2001 (há 16 anos, é muito tempo), me vão ensinando. 
Dada esta explicação que me desculpem os leitores mais letrados, professores e outros que, certamente, dispensarão, estas minhas incursões. Mas é que eu sei que são muitos os que esperam de mim estas conversas. E é a pensar neles que vou pondo aqui, todos os dias e “enquanto é tempo” (o horizonte de vida não permite dilatar o tempo), o que aprendi e continuo a aprender, bem como o que meditei ao longo da vida.

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20.10.17

Um pesadelo horrendo

Por Antunes Ferreira
Foi dum pesadelo, a depressão bipolar, que consegui sair e quase não acredito que bastou um clique para aparecer a recaída e outro clique para recomeçar a viver… Sejamos claros: durante quase um ano em Lisboa e Goa e de novo em Lisboa fui uma pedra de basalto sem ligar ao que se passava à minha volta, à minha família, às minhas Amigas e aos meus Amigos que sempre, mas sempre! me empurraram para um caminho ressuscitado. Nunca lhes poderei agradecer.
Mas mesmo assim faço-o do fundo do coração, sabendo que nada valho, intercalado com um muito obrigado. A vida é madrasta e não há rosas sem espinhos, nem semente semeada que dará em tempo oportuno o fruto da felicidade. Porém quase um ano não a consegui desatar de um silêncio desumano, marmóreo e tumular.
Donde quero uma vez mais sublinhar os resultados que consegui alcançar e chegar aos objectivos mais consentâneos e resumidos no que o povo diz – esta vida são dois. Contudo o ano horribilis durou pelas minhas contas 303 dias. Um tsunami bipolar é mais do que descer aos infernos sem saber que os podia deitar fora pela janela aberta da felicidade e da euforia que queria voltar a desfrutar.
Perdoem-se leitores este desabafo que é mais confissão; embora não tenham sido parte duma dor que senti na pele e na carne que não me era possível sair desse nevoeiro sem cavalo branco nem sebastião, sempre estiveram comigo nas horas mais más. Repito: a vida é madrasta e o contar dos dias desanimados e trucidados por mor de uma maleita indiscritível é uma vereda negra que nos amarga os meses ´perdidos dum calendário também perdido e lancinante.
Hoje fico-me por aqui na companhia duma Grande Mulher de nome Raquel que me acompanhou como sempre me acompanha nos dias mais ácidos duma doença que nos tira o amor à Vida. Depois no sábado virão os filhos e as filhas/noras e os netos e a neta que são para mim os melhores do Mundo. Do Mundo? Do universo sem buracos negros nem cassiopeias mas estrelas brilhantes que nos dão o alento para alcançar o objectivo mais ansiado - viver.

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LÍNGUA FRANCA

Por Joaquim Letria
Deixámos de andar e de correr para passarmos a fazer “footing” ou “jogging”. Abandonámos a vela e a prancha para praticarmos “sailing”,”surfing” e “windsurfing”. Deixámos de andar ao sabor da maré em cima duma prancha para passarmos a fazer “planting”. Reunimo-nos em “meetings”, discutimos os nossos problemas em “brainstormings”, avaliamos o nosso conhecimento em “tests” escritos e orais, depois de termos abandonado os pontos ou as chamadas. 
Nas empresas, onde já não há trabalhadores mas sim colaboradores, deixámos de despedir gente e cortar nos custos para passarmos a fazer o “downsizing”. Parámos de recorrer a serviços externos ou a parcerias para nos dedicarmos ao “outsourcing”, trocámos as diferenças de nível pelo "super – in” “benchmarking”.
Aquilo que eu tanto gostava de fazer em Los Roques, Venezuela, ou no Cayo Largo, Cuba, e que era respirar por um tubo e ver por uns óculos de mergulho, passando horas seguidas a dar às barbatanas, a ver ou a filmar peixes às cores, às riscas ou às bolinhas, passou a ser uma actividade que dá pelo nome de “snorkling”.
“Snorkling” não é para qualquer um! Encontrei numa estreia uma dessas divas das nossas revistas cor de rosa com um bronze invejável. Julguei que viesse do Brasil, ou de África, mas disse-me que não senhor. Tinha estado com o seu PT (o nosso antigo treinador ou instrutor agora promovido a “Personal Trainer”) no Mar Vermelho, o qual, segundo me confidenciou, para fazer “snorkllng” não era alucinante, era “mega-super-alucinante!!” Com uma flauta de espumante na mão  atirou-me um beijo e  foi  conviver, quero dizer foi “wordlng” e “worlding” para o meio da refinada e elegante multidão.
Nessa mesma ocasião encontrei a filha dum amigo meu, muito mais pálida do que a mulher-rã, que não gostava de “snorkling” mas “era marada por diving”.
Nessa época eu andava muito ocupado com as minhas absorventes actividades de “counselling”“teaching”“travelling” e “writing”. Talvez por isso descuidara estas garoupas tão interessantes que iam às profundezas com os PTs para conhecerem o linguado do Mar Vermelho ou admirarem de perto o lingueirão do Mediterrâneo.
Por estes escassos e singelos exemplos, conclui-se que falar línguas é bacanaacojonanteswellfantastiquebarildo canecobué da fixe. No fundo, a tal língua portuguesa serve só para ser assassinada em acordos miseráveis que todos assinam mas ninguém pratica, a não ser para dar pontapés na gramática.
Publicado no Minho Digital

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19.10.17

A esquerda e a mulher

Por C. Barroco Esperança
Surpreende como a Humanidade progrediu tanto, renunciando a metade de si própria, ao longo de milénios. Há quanto tempo poderia ter chegado onde se encontra, e como seria se a igualdade de género fosse, desde o início, um axioma?
Que raio de preconceito, que as várias religiões assimilaram, terá convencido uns brutos da pré-história de que a sua força física lhes permitia a prepotência sobre o sexo que os complementava e lhes assegurou a perpetuação da espécie?
Como é possível, ainda hoje, haver quem, nascido de pai e mãe, e tendo procriado filhos e filhas, reclame superioridade e admita discriminar progenitores ou descendentes, em função do sexo?
Sendo as coisas o que são e a evolução o que é, a mulher tem de ser muito melhor para poder competir com o homem. Foi talvez o estigma ancestral que a fez triunfar, pelo sacrifício e obstinação, em campos que o macho julgava privilégio seu. Foi assim que, da filosofia à ciência, da literatura à matemática, da política às artes, surgiu uma plêiade de mulheres que participam no avanço da Humanidade.
Longe de estar atingida ou consolidada a igualdade de género, parece irreversível, mas é útil a vigilância porque nada é eterno, e é mais fácil o retrocesso do que a progressão.
E por que raio havia de referir a mulher e a sua condição quando a intenção era falar da esquerda?
Bem, a esquerda é, na política, a mulher. Precisa de ser muito melhor do que a direita se pretender impor-se. Deve-se à esquerda o Renascimento, o Liberalismo, o Iluminismo, a República, a Laicidade e a Democracia, e é a direita que regressa sempre ao poder.
A direita é o macho tosco, que alicia trânsfugas, compra corruptos, avassala os meios de produção, submete os órgãos de comunicação e exerce a força. Tal como os camaleões, adapta-se ao ambiente e regressa ao poder depois de cada Revolução que a derruba.
Foram os progressistas que lutaram pelos Direitos Humanos, aboliram o esclavagismo e impuseram o ensino público para homens e mulheres, moldando a civilização europeia, mas são os herdeiros do fascismo, reciclados ou não, que ressurgem na Europa.
Em Portugal, são os herdeiros dos colonialistas, os ressentidos de Abril e os nostálgicos do salazarismo que, a cada tropeção da esquerda, real ou imaginário, reclamam o poder que julgam seu por um qualquer direito divino.
A esquerda tem de ser, na eficácia, generosidade e abnegação, a mulher que se impõe. pela superioridade ética e eficiência política, na vitória da inteligência contra a força. São delas a sabedoria, a força e a beleza de que o progresso e a justiça social carecem.

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18.10.17

Apontamentos de Lagos - É mau demais! (Betão na Ponta da Piedade)

Fotos de Luís Andrês
O "Correio de Lagos", que é único jornal da cidade (e onde colaboro), dedicou este mês uma página inteira ao escândalo da Ponta da Piedade, incluindo o parecer do Professor Galopim de Carvalho.
Entretanto, completamente cega e surda (e agora respaldada no reforço da maioria absoluta), a C. M. de Lagos continua como se nada fosse — depois de alargar caminhos com escavadoras, passou agora à fase da betonização!
Os lacobrigenses, com a sua proverbial apatia (que já permitiu, há 2 anos, a desfiguração total da Praia da D. Ana pelos mesmo actores), apenas têm o que merecem; mas, para o país, isto é mau demais!

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INCÊNDIOS FLORESTAIS, O CLIMA NÃO EXPLICA TUDO

Por A. M. Galopim de Carvalho
Eu, António Marcos Galopim de Carvalho, com 86 anos de idade, professor catedrático jubilado da Universidade de Lisboa, nas Faculdades de Ciências e de Letras, ex director do Museu Nacional de História Natural (durante 20 anos), doutorado pelas Universidades de Paris e de Lisboa, autor de cerca de 300 títulos, entre artigos científicos, de divulgação e de opinião, de centenas de “posts” em Blogues e no Facebook, de 20 livros dirigidos aos ensinos secundário e superior e à divulgação científica e de 6 de ficção. Colaborador, sempre a título gracioso (e borla, como diz o povo), com dezenas de escolas, autarquias (de todas as cores políticas) e universidades, de todo o país, jornais e televisões.
Isto tudo, ao estilo de quem está a “puxar pelos galões” (que todos os que me conhecem e me leem, sabem que não puxo) para conferir algum peso ao desabafo de uma convicção muito minha, muito séria, como cidadão declaradamente independente dos aparelhos partidários.
O verão quente e extremamente seco que vivemos (as alterações climáticas estão a alertar-nos para tempos difíceis) justifica a dimensão e a intensidade dos incêndios florestais que tanta dor infligiram a tantas famílias e tantos prejuízos causaram à economia do país. Mas não explica o elevado número de focos de incêndio, nem locais diversos, detectados durante a noite, sem trovoadas secas nem fundos de garrafas de vidro ao sol. O calor e a secura propagam e alastram os fogos mas não os iniciam.
Os imensos e trágicos incêndios do passado fim-de-semana (falou-se em mais de 500), alguns iniciados de noite, afiguram-se-me como que um “aproveitar” os últimos dias deste verão que nos entrou Outono adentro (pois sabia-se que a chuva vinha aí) para dar continuidade a uma guerra surda contra o Governo legítimo cujos sucessos são, por demais, conhecidos cá dentro e lá fora.
Basta ler e ouvir os comentadores dos jornais e das televisões ao serviço dos poderosos, para perceber como esta tragédia nacional continua a ser utilizada por eles nesta guerra. E a verdade é que tem tirado algum proveito (não todo) desta estratégia. É notório que o governo está fragilizado. Também por culpa sua, diga-se, que, em minha opinião, não soube ou não quis “partir a loiça” na altura certa. Neste momento e com tamanha e bem orquestrada campanha contra a “Geringonça”, a sorte do Governo é que a mais do que fragilizada oposição não tem nada a propor aos portugueses. 

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