31.8.17

Religiões, política e terrorismo

Por C. Barroco Esperança

Dos danos das religiões causados aos Estados há fartos exemplos e repetidas denúncias, mas fala-se pouco da nocividade da política sobre as religiões e do aproveitamento que os Estados fazem delas, num caso e noutro com sacrifício da laicidade que a democracia exige.

Quando a URSS invadiu o Afeganistão, mandou a geopolítica que os EUA treinassem e armassem os talibãs para fragilizar o império soviético. Então, os talibãs serravam vivos os soldados russos, perante o silêncio da comunicação social. Eram comunistas!

Os EUA substituíram a URSS, e os talibãs, que tinham treinado e armado, esqueceram os aliados anteriores e serraram, também vivos, soldados americanos. A comunicação social ignorou-os de igual modo. Eram imperialistas americanos!

Os kamikazes japoneses, movidos pela fé, eram talibãs indiferentes ao Paraíso. Eram os soldados de um deus vivo, daquele enigmático Imperador cuja descendência permanece no poder com a tradição a impor-se à racionalidade, à decência e à modernidade.

Os kamikazes extinguiram-se, não por falta de fé, mas por falta de financiamentos e de apoio social. É esse motivo que dá esperança ao fim do recente terrorismo vaabita, à semelhança do que já aconteceu com o IRA ou os ingleses do Ulster, com o Grupo Baader-Meinhof alemão ou os neofascistas italianos, uma tradição recente de terrorismo europeu e caucasiano, com apoios e financiamentos políticos.


Esta fase horrenda do terrorismo islâmico, de que as principais vítimas são os islamitas, deve-se tanto à influência política dos Estados párias, como a Arábia Saudita ou o Catar, como à cumplicidade de países ocidentais com obscuras ditaduras teocráticas do Médio Oriente ou com a deriva totalitária turca de Erdogan.

O entusiasmo com que os novos Cruzados pretenderam levar a democracia ao Iraque e à Líbia, por exemplo, é o mesmo com que amparam as mais obscuras e sinistras ditaduras islâmicas onde a sharia comanda a vida.

Um módico de decência e de coerência nas relações internacionais e o simples respeito pela soberania de outros países é o mínimo exigível às grandes potências a favor da paz.

E quando se abdica da laicidade surge a promiscuidade entre a política e a religião.

Ponte Europa/Sorumbático

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27.8.17

Sem emenda - Preto e branco

Por António Barreto
Com campanha eleitoral, é inevitável que se fale de racismo. O passado colonial é terreno fértil para o tema. Em certas áreas é costume dizer-se que Portugal não é um país racista e há gente que até gosta imenso de pretos. Noutras, é hábito dizer-se que Portugal é racista e por isso temos de pedir desculpa aos Africanos.

É difícil tratar deste assunto sem incorrer em ódios vigorosos. Em Portugal, há racistas. Há práticas legais ou comuns de carácter racista. Há comportamentos racistas da responsabilidade de brancos europeus, cristãos ou ateus. As vítimas são ciganos, negros, judeus, muçulmanos, chineses e outros. Também há comportamentos racistas da responsabilidade de africanos, ciganos, chineses e muçulmanos, sendo as vítimas brancos, europeus, cristãos e ateus. Portugal não é um país racista. Talvez já tenha sido. Mas hoje não é. Há racistas, mas não é racista. Não se conhecem normas públicas ou legais que estipulem a inferioridade de etnias ou a redução dos seus direitos.

Estatisticamente, a corrupção, a trafulhice, a promiscuidade, o nepotismo e o peculato são fenómenos praticados maioritariamente por brancos e europeus. Ninguém se lembra de dizer que aqueles crimes são europeus e brancos. Nem há quem garanta, muito menos, que os brancos e europeus sejam todos vigaristas.

Os maiores crimes, em volume de negócios, cometidos em Portugal nas últimas décadas, foram da responsabilidade de banqueiros e da autoria de empresários portugueses, brancos e cristãos, com a ajuda de alguns africanos e chineses, mas a ninguém ocorre afirmar que todos os corruptos, ladrões, culpados de branqueamento e enriquecimento ilícito são católicos portugueses e brancos. E também não se diz que todos os empresários brancos e portugueses sejam corruptos.

Tão mau quanto o crime é o preconceito. Um vigarista aflige tanto quanto um racista. O crime de um branco incomoda tanto quanto o de um negro. A vigarice de um rico empresário é tão condenável quanto a do sindicalista. Um criminoso branco é tão responsável quanto um criminoso negro, não há atenuantes que resultem da família, da origem social ou da cor da pele.

É preconceito pedir desculpa aos povos africanos. É preconceito demagógico pedir perdão pela escravatura ou pela exploração de há cem ou quinhentos anos. É preconceito ignorante esquecer que esclavagistas foram também africanos, árabes, indianos e chineses!

Tão má quanto o preconceito e o crime é a generalização. A generalização abusiva, a popular e a elitista, a dos brancos e a dos negros, é vício de pensamento e calúnia certa. Os homens são todos iguais… A direita é fascista, a esquerda é comunista… Os políticos são vigaristas… Os ciganos são bandidos… Os brancos são racistas… Os negros são ladrões… Os imigrantes fazem tráfico de droga… Os muçulmanos são terroristas… Os chineses não pagam impostos… Os portugueses gastam o dinheiro em mulheres e vinho… Os empresários são aldrabões… Os sindicalistas são preguiçosos… 

Há ciganos a viver de abonos e subsídios indevidos. Há africanos a viver de extorsão, jogo ilegal e tráfico de droga. Há ucranianos a viver da prostituição e do lenocínio. Há asiáticos que fogem ao fisco e não respeitam as leis do trabalho. Mas, pela lei da estatística simples, há muitos mais brancos, europeus e cristãos a cometer aqueles crimes. Se muita gente se lembra de dizer que os ciganos e os africanos são isto e aquilo, já não pensam em dizer o mesmo dos Portugueses, brancos e cristãos. O preconceito racista começa aí. Mas também é preconceito racista desculpar ou perdoar os crimes dos africanos, dos asiáticos e dos ciganos por serem o que são. É preconceito e crime desculpar o terrorismo porque é cometido por islamitas. É preconceito e crime desculpar o tráfico de droga porque é da autoria de africanos. É preconceito e crime desculpar qualquer comportamento ilegal por causa da etnia, da religião, dos motivos políticos e das crenças religiosas. Um racista branco não é pior do que um racista negro. E um terrorista cristão não é melhor do que um terrorista muçulmano.

DN, 27 de Agosto de 2017

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Sem Emenda - As Minhas Fotografias

Fila de turistas para entrar na Torre de Belém – Era um dia razoável, sem multidões. Mas a espera já era grande. Pior do que esta, ali ao lado, a fila dos Jerónimos. Em dias de 35 graus centígrados, é preciso amor à arte e muita curiosidade para este exercício. Também é verdade que a Torre de Belém merece. Pena é que não haja sistemas mais bem pensados, reservas, tickets, entradas com hora marcada e outras formas de organização. Incluindo visitas à noite, neste caso perfeitamente justificadas. Nos últimos anos, os milhões de turistas vieram sem prevenir. Portugal não estava preparado. Agora, vai demorar tempo. Mas sejam bem-vindos! Apesar da desorganização e da nossa falta de previsão, os turistas fazem-nos bem. À cabeça, ao emprego e às carteiras. Apesar de já haver por aí quem proteste, quem queira impor limites e quem goste de viver fechado. Era o que faltava! Venham turistas!
DN, 27 de Agosto de 2017

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24.8.17

A carreira literária de um adolescente

Por C. Barroco Esperança

Comecei a vida literária aos 13 anos, com uma carta de amor. Penso que, na década de 50 do século passado era o habitual, quando despertavam as hormonas aos rapazes, sem saberem o que isso fosse, e duvidosa era a antecipação feminina, na cidade da Guarda.

Já me apaixonara de forma intensa e várias vezes, sonhando o que queria, sem coragem para o dizer, em diversas paixões que surgiam violentas e se desvaneciam logo, antes de verbalizar ou escrever o que sentia, sem dar qualquer sinal a quem desejava.

As primeiras cartas de amor, autenticadas, foram escritas depois da adolescência com a timidez que hoje me faria corar, pela ingenuidade e floreados românticos, quando era já forte o desejo e só a vergonha o excedia.
Foi aos 13 anos que escrevi a primeira carta de amor e disse o que sentia... o Quinzinho, colega da mesma idade, que me induziu com uma moeda de cinco escudos, adiantada, e a que acrescentei a exigência de outra, dependente do sucesso.

Era mais fácil escrever a carta de outrem do que a própria e, ao escrever, dada a escassa beleza da destinatária, intuí a forte probabilidade de duplicar os honorários, o que cedo aconteceu. O Quinzinho era de boas contas e acertou-as, mas exonerou-me da função. Não tive acesso à resposta que duplicou a avença, e o namorico lá começou com olhares eloquentes entre os dois, à distância que o medo e o pudor recomendavam numa cidade de província, pia e de bons costumes.


Um ano depois escrevi nova carta. Era dirigida a Arlindo Vicente, candidato a PR, cuja leitura do panfleto de apresentação aos portugueses me tinha empolgado. Ofereci-lhe o meu apoio, antes da sua desistência a favor de Humberto Delgado. Essa carta subversiva não consta do meu processo da Pide, no espólio da Torre do Tombo, e nem o advogado, que um dia me seria apresentado pelo juiz da comarca da Lourinhã, nem a Pide se interessarm pela inútil oferta.

Nesse mesmo ano ainda escrevi uma carta a pedir namoro à Marina, em nome do 4.º C, e seguiam-se numerosas assinaturas da turma que lhe declarava, com dezenas de nomes, a homenagem devida à beleza da colega transferida de outro liceu e que nos fascinava com os olhos grandes e enormes pestanas. Era uma declaração coletiva de amor.
Ficou impune a imprudência do escriba porque a Marina não publicitou a carta, nem lhe respondeu, evitando ao reitor a intervenção disciplinar por motivos que certamente a sua vocação repressiva descobriria.

Comecei então a escrever um romance, “O crime do padre Inácio”, onde era evidente a inspiração no título do romance de Eça, que ainda não lera. Tenho a ideia de ter escrito mais de uma centena de páginas com um anticlericalismo ingénuo e a ‘obra’ acabou nas mãos do Fernandes, que nunca mo devolveu. Não perdeu grande coisa a literatura nem o autor, e o manuscrito, confiado ao colega de turma, estava condenado a perder-se.

No 5.º ano do liceu a vida literária do adolescente seria suspensa da pior maneira. O Dr. Ferreirinha era professor da turma pela primeira vez e mandou fazer uma redação com tema livre. Não sei o que escrevi nem sobre quê. Apenas recordo a entrega das redações, enquanto anunciou sucessivamente suficientes, medíocres, maus, um ou outro bom, até me entregar a minha sem classificação e com um comentário escrito, “o aluno não tem maturidade para escrever desta maneira”, enquanto me acusava, de viva voz, de a levar escrita, de casa.

Vermelho de raiva e da humilhação, rasguei em pedacinhos a manuscrito, enquanto ouvi a ordem de expulsão da sala e, sem me deter, o anúncio de uma falta de castigo.


Terminou assim, de forma pouco gloriosa, uma carreira que mal começara.


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22.8.17

Sem Emenda - As Minhas Fotografias

Crianças à beira de passagem de peões, Barcelona – Numa avenida que nos conduz à Praça da Catalunha, onde começam as Ramblas, duas crianças esperam a sua vez para atravessar numa zebra. Apesar de plástica, a metralhadora, de aparência perigosa, deve sair directamente de um filme de ficção científica ou de um Rambo interestelar. Não fora a cor amarela e estávamos diante de verdadeira ameaça. Vivemos tempos em que as armas não só fazem parte do quotidiano, como também se transformaram em brinquedos. “Brinquedos”… não rimam muito bem com “armas”… Nem “armas” com “crianças”… Mas são estes os costumes. Esta semana, um dos assassinos das Ramblas tinha 17 anos.

DN, 20 de Agosto de 2017

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20.8.17

Sem emenda - O Estado frágil

Por António Barreto
O Estado português é gordo, mas é fraco. É pesado, mas não é firme. É um Estado fraco que torna vulnerável o seu povo. Entre incêndios, assaltos e acidentes, o Estado falhou. Nas previsões e na prevenção. Na prontidão do socorro e na rapidez da ajuda. Na humildade com que se devem tratar as vítimas, na coragem com que se reconhecem culpas, na seriedade com que se estudam as causas, no rigor com que se apuram as responsabilidades, na eficiência com que se distribuem auxílios e na honestidade com que se deveriam repartir ajudas solidárias.

São tempos de falhanço do Estado. Do Estado central e local. Do Estado político e administrativo. Do Estado civil e militar. Pelas vítimas, os acidentes de Pedrógão foram os mais dolorosos, mas não pela extensão e pela intensidade. Os fogos insistem. A prevenção continua a falhar. As comunicações permanecem erráticas e em regime de avaria. A coordenação é deficiente, foi-o desde o primeiro dia, melhorou aqui e ali por força das circunstâncias, está longe, muito longe, de ser satisfatória. Ou sequer de dar um pouco de segurança.

Há uma espécie de incúria generalizada em que se repetem os acidentes e os prejuízos. A ajuda atrasa-se. Os socorros ditos de solidariedade chegam tarde, quando chegam. Na maior parte dos casos, as ajudas imediatas para reconstrução e reinício de actividade, que deveriam demorar dias, não chegaram ao fim de semanas. Toda a gente do Estado tem algo a dizer, a garantir o que não têm e a prometer o que não podem. A culpar os outros, sempre os outros, os de baixo, os do lado, os de cima e os da oposição.

Os autarcas procuram a reeleição e queixam-se do governo, se forem de diferente cor politica, ou dos serviços, se forem do mesmo partido. O governo faz promessas e bate na oposição, esperando subir nas sondagens. A oposição garante que não quer aproveitar e não faz outra coisa. Só os bombeiros parecem estar à altura.

Preparam-se já leis magníficas, como se o problema fosse esse. Não vão faltar os planos miríficos a longo prazo, o planeamento integrado, o ordenamento estratégico e o equilíbrio sustentável. Vão demorar anos a regulamentar, décadas a elaborar e eternidades a concretizar, enquanto persiste a palha à volta das casas, o mato nos baldios e nas florestas, o matagal nos caminhos, o restolho seco, os combustíveis vegetais prontos a disparar, a insuficiência de sapadores, as falhas de comunicações… Culpas de muitos a começar pelos aldeões que não tratam das suas casas e das suas fazendas, pelos lavradores que não querem gastar, mas tão só encaixar, dos autarcas que preferem rotundas feitas pelos amigos artistas e pavilhões desportivos pagos pela União Europeia…

Em Tancos, falhou a disciplina, a responsabilidade e a noção de dever público. Falharam os militares directamente encarregados, por preguiça, por inconsciência e não se sabe se por coisa pior. Falharam os responsáveis por não ter acudido. Falharam os dirigentes militares e políticos pelo espectáculo lamentável, quase indecoroso, de esquiva culpas e de redução da importância do ocorrido.

Até uma procissão no Funchal trouxe mais de uma dezena de vítimas mortais, esmagadas por uma árvore, em acidente impensável, a que não falta desleixo e imprevidência, com uma polémica típica entre responsáveis, do proprietário à câmara, passando pela freguesia. Vai discutir-se seriamente a localização da responsabilidade entre o solo, a raiz, o tronco e os ramos ou pernadas assassinas…

Perdidos no imprevisto, os dirigentes políticos iniciam as suas intervenções com frases desajeitadas: “Trago uma palavra de esperança”… “Quero deixar uma mensagem de solidariedade”... Percebe-se logo o artificial. Sente-se a compaixão forçada do dever e do lugar comum. A esperança e a solidariedade não se anunciam.
DN, 20 de Agosto de 2017

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17.8.17

Trump e a Coreia do Norte

Por C. Barroco Esperança
A sobriedade, esse esforço intelectual que se exige na razão direta das responsabilidades que se exercem e dos efeitos que as palavras e ações irrefletidas podem provocar, não é apanágio do atual Presidente dos EUA.
Que o biltre coreano, narcisista e megalómano, sujeite o seu povo a uma tragédia e seja indiferente aos riscos que as suas ameaças, para consumo interno, possam provocar, é um hábito na obscura ditadura que o domínio nuclear tornou perigosa.

Que o PR da nação mais poderosa do Planeta sofra dos mesmos defeitos, transforma o medo em terror, a incerteza em horror e a imponderabilidade em ameaça global.
A Coreia do Norte é um perigo, não só por si, mas pelo apoio que a China e a Rússia lhe podem dar por interesse geoestratégico. Trump menosprezou o silêncio diplomático que as duas grandes potências militares guardaram e, quando ouviu a China a pronunciar-se sobre uma eventual ação dos EUA contra a Coreia do Norte, fez a retirada de sendeiro e… elevou as ameaças (apenas) se o invadir os EUA ou os seus aliados. E foram países pouco recomendáveis, mas com governantes adultos, a Rússia e a China, a advertirem Kim e Trump para não se meterem em aventuras.
Quando devia ter esperado o resultado da difícil mediação da ONU, que obteve o apoio da Rússia e da China para as sanções propostas pelos EUA, fez ameaças inoportunas ao esquizofrénico ditador coreano, colocou-o ao seu nível, e deu-lhe palco para exibição da sua megalomania. Só tornou mais difícil a solução do problema, porque a imponderação excluiu Trump da solução e transformou-o em problema. Esticada a corda, começa a não haver espaço para recuo e é improvável que haja guerras nucleares regionais.
Não há impérios eternos e a última coisa de que o Planeta precisava era da incoerência e da insensatez do imperador néscio que, em cada dia torna o mundo mais vulnerável, e o seu país mais suspeito de trocar por negócios a ética e o direito.
Ponte EuropaSorumbático

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13.8.17

Sem Emenda - As Minhas Fotografias

Casamento em São Petersburgo – É, nesta maravilhosa cidade, uma intensa actividade de qualquer dia, mas sobretudo de fim-de-semana: casar e fotografar. Nos jardins, nos palácios, diante das catedrais, à beira do rio Neva, junto à fortaleza Pedro e Paulo ou perto do Hermitage: qualquer sítio de prestígio e beleza é bom para fotografar os noivos. O gesto é tão importante que a sessão de pose pode demorar umas largas horas e exigir mudança de roupa e de maquilhagem. Até porque depois se fará um álbum vistoso a distribuir ou vender aos convidados. Por isso, quando se observa uma destas sessões de fotografia, não se vê mais ninguém, nem sequer parentes próximos. O mistério é simples: as fotografias fazem-se uns dias antes. No dia da boda, não dava mesmo jeito nenhum fazer esperar os convidados umas horas!

DN, 13 de Agosto de 2017

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Sem emenda - Cem anos. Tantos anos!

Por António Barreto
Com a chegada dos dias santos de Setembro a Novembro, começam as comemorações. Na Praça Vermelha, em Moscovo, com pouco lustro e ainda menos entusiasmo. Na Praça Kim il Sung, em Pyonyang, com aprumo e disciplina. Na Praça da Revolução, em Habana, com rum e saudades de Fidel. Na Quinta da Atalaia, na Festa do “Avante”, com música e bifanas. E pouco mais. A Grande Revolução Russa está à beira de desaparecer das agendas do presente. O Comunismo, seu principal herdeiro, deixou rastos de dor, nunca se saberá se mais ou menos do que o nazismo.

O século XX ficará talvez na história como o mais sangrento. Duas guerras mundiais, uma dúzia de guerras coloniais, dezenas de guerras regionais, ainda mais guerras civis e algumas centenas de milhões de mortos por violência política. A técnica de extermínio foi elevada a cumes nunca vistos, no Goulag soviético, nos campos nazis e na revolução cultural chinesa, sem falar nas execuções sistemáticas do Ruanda e do Camboja, entre muitas outras. Foi neste século que se generalizou a tortura e se inaugurou a guerra biológica e química, assim como a explosão de bombas atómicas. Foi este o século em que os alvos deixaram de ser essencialmente militares e passaram a ser civis. De Londres a Estalinegrado e Dresden e de Pnom Pen a Alepo a Mossul, a geografia do horror de massas deixa poucas esperanças e nenhumas dúvidas.

Também é verdade que foi neste século que uma centena e meia de países adquiriram a sua independência, que o capitalismo dominante se comprometeu com a democracia, que os direitos do homem fizeram caminho, que o racismo como sistema recuou e que o desenvolvimento científico, económico e social mais progrediu. Sim. Neste balanço do século, o melhor vai para a ciência, a democracia e talvez a cultura. Mas o horror foi muito e nunca visto antes.

O pior, pela dimensão, pela violência, pelo número de vítimas e pela duração, vai para o comunismo. Ou é partilhado com o nazismo. É seguramente um dos mistérios do século, ou antes, um dos problemas difíceis de resolver: por que razão ainda há comemorações? Por que motivos ainda há quem se intitule orgulhosamente comunista? O que faz com que o antifascista seja um herói e o anticomunista um selvagem? Como é possível que, ainda hoje, universidades, escritores, políticos, intelectuais, sindicalistas e trabalhadores aceitem que o comunismo tenha sido um avanço na história da humanidade?

A guerra civil, a execução de aristocratas e “russos brancos”, o assassinato de rivais, a eliminação de democratas, os massacres de milhões de camponeses, de judeus, de cossacos e de tártaros, o Goulag contra toda a gente, a perseguição de “cosmopolitas”, intelectuais e liberais, a censura, os trabalhos forçados, a fome programada e a destruição espiritual e física de todos os que não se submeteram são os pergaminhos de um dos mais tenebrosos sistemas políticos que a história conheceu. Mas os idiotas úteis continuam a dizer que o comunismo tinha desculpa, porque era em nome do povo! Que não foi assim tão mau, porque era contra o capitalismo. Que cumpriu a sua função, porque desenvolveu a Rússia!

As sociedades democráticas conseguiram compor com o capitalismo, que, com o tempo, se foi separando da ditadura. O que nunca aconteceu com o comunismo. Este e a ditadura associaram-se sempre, sem excepção. O convívio do comunismo com a democracia nunca aconteceu. Nem sequer na China, onde o comunismo conseguiu compor com o capitalismo, mas não com a democracia.

O fim do comunismo impressiona pela sua fragilidade (François Furet), pela rapidez com que desapareceu, pela maneira como ninguém veio ao seu socorro. O comunismo dependeu do regime soviético. Acabado este, acabou aquele. O que sobra hoje é um pequeno conjunto de caricaturas: a Coreia do Norte, Cuba e o PCP…

O que os exércitos não conquistaram, a Rússia, foi obtido pelo capitalismo. O que o nazismo não conseguiu, derrotar o comunismo e a União Soviética, foi alcançado pela liberdade e a democracia. É esse o aniversário a comemorar. Por muitos anos!

DN, 13 de Agosto de 2017

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