20.11.24

No "Correio de Lagos" de Outubro de 2024



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18.11.24

Grande Angular - A saúde é o teste da democracia portuguesa

Por António Barreto

Os recentes incidentes com o INEM deixaram o país perplexo. É obsceno que seja possível acontecer o que se diz que aconteceu. É inaceitável que, por culpa do ministério, dos serviços, das ambulâncias, dos técnicos de emergência ou das greves, tenham morrido, numa semana, onze pessoas por falta de assistência. Será do serviço? Ou da greve? Será dos técnicos? Ou do ministério? Dos doentes não é certamente. Vai ser analisada a culpa. Espera-se que seja um pouco mais célere do que em tantos outros casos. Verdade é que, antes das conclusões, a Provedora de Justiça já veio a público, e muito bem, declarar que o Estado deve assumir as suas responsabilidades, até por via de indemnização.

 

Há anos que nos habituámos, justamente, a considerar a saúde como o termómetro da democracia e do regime. Se excluirmos o mais óbvio, como sejam o voto e as liberdades, a saúde perfila-se. Se não olharmos para a mudança “sistémica” que mais marca a evolução social, a ascensão das mulheres a posições quase paritárias, é novamente a saúde que aparece como o campeão dos êxitos. Há concorrentes, como a alfabetização, as estradas e a segurança social universal, mas todos estes são discutíveis. Olhando para a frieza dos números, a saúde exibe melhores resultados.

 

Pergunte-se aos cidadãos e tente-se apreciar a experiência das últimas décadas: o mais provável é que a resposta seja “saúde”.  Há muito que se lhe diga. As queixas são mais do que muitas. Não há português que não se queixe dos médicos (dos outros, raramente dos seus…), dos centros de saúde, dos hospitais (públicos e privados) e dos enfermeiros. Parece não haver pessoa que não tenha a certeza de que os erros e a negligência médica são constantes, sobretudo com os vizinhos, parentes e amigos. Mas, colocados perante a necessidade de escolher, o mais provável é a saúde!

 

A verdade é que há motivos para isso. Da experiência de cada um (que tenha conhecido os cuidados de saúde nos anos 60 a 80), mas também dos testemunhos, dos jornais e das estatísticas, resulta que os progressos foram colossais. Tudo contribuiu, desde a água potável e a literacia, aos modos de vida e à urbanização. Mas foram os cuidados, os equipamentos, os médicos e os enfermeiros os principais responsáveis. E foi o alargamento desses cuidados e a quase gratuitidade que desempenharam papel fundamental. Em poucas palavras, o Serviço Nacional de Saúde foi o responsável. 

 

Se olharmos para o período que vai de 1974 até hoje, os progressos são incomensuráveis! Qualquer série estatística revela os melhoramentos com clareza absoluta. É verdade que, aqui e ali, há oscilações e até um ou outro retrocesso, como nos anos de crise económica e financeira. Mas, globalmente, na média duração, a evolução é notabilíssima. A esperança de vida aumentou muito. A mortalidade infantil deixou de ser a pior da Europa para passar a ser uma das melhores. A morte por certas doenças do subdesenvolvimento diminuiu.

 

O pessoal dos serviços de saúde aumentou inacreditavelmente! O número de médicos por habitante é um dos três mais elevados da Europa! E obviamente o número de doentes e de habitantes por médico é dos mais baixos. Evolução semelhante é a do número de dentistas, de enfermeiros e de técnicos auxiliares. Foi constante, com apenas alguns recuos, o crescimento da despesa por habitante. Cresceram sempre os números de urgências e de consultas em unidades do SNS.

 

É sabido que um grande número de médicos e enfermeiros formados em Portugal se desloca rapidamente para o estrangeiro onde vai auferir salários muito superiores ao que poderiam esperar por cá. Além do défice de pessoal, este facto constitui um enorme desperdício de investimento e recursos. Mas a verdade é que médicos e enfermeiros fazem muito bem em ir fazer a sua vida onde são reconhecidos. Mesmo assim, os médicos e os enfermeiros em serviço em Portugal são em número muito considerável e superior ao que se conhece em quase toda a Europa e Américas.

 

Com esta evolução, seria de esperar um excepcional grau de eficácia e de qualidade na prestação de serviços. Não é, infelizmente, verdade. Ou antes: o grau de satisfação é muito reduzido. As queixas e as reclamações são permanentes. A despesa é proporcionalmente enorme. O pior é a realidade dos factos concretos e quotidianos. Os tempos de espera por consulta, exame ou cirurgia são absurdos. E de tal maneira recorrentes que já poucos se escandalizam. Semanas e meses, para não dizer mais de um ano, à espera de vez para uma consulta, uma intervenção simples ou uma cirurgia mais complicada, são chocantes. A existência de centenas de milhares de pessoas sem médico de família é aflitiva. Ainda por cima há actos médicos que dependem do médico de família. Ora, são muitas as pessoas que o solicitam e não são atendidas.

 

As instalações dos SNS (hospitais e Centros de Saúde) são medianas e medíocres, o que quer dizer que, em muitos casos, são más e péssimas. É verdade que há unidades de saúde organizadas com sentido de humanidade, eficientes, bem geridas e prontas na resposta aos utentes. Mas muitas, talvez a maioria, são desconfortáveis, frias, sujas, sem respostas ao telefone, sem atendimemnto cuidado de pessoas em sofrimento e sem acompanhamento dos doentes. É frequente ter de fazer dezenas ou centenas de quilómetros para uma consulta. As maternidades fecham de vez em quando. Nascer numa ambulância parece agora ser moda. 

 

E o pior de tudo é o sentimento claro de segregação e desigualdade. Quem tem poder e dinheiro, quem tem influência e conhecimentos, quem tem partido ou empresa, quem vive na boa cidade e no bom bairro, quem tem cunha ou cunhado, tem serviço de saúde, atendimento e tratamento. Quem não tem, que espere e que se cuide! Quem quiser realmente saber da saúde em Portugal tem de ver ou ouvir quem lá está, quem lá vai e quem quer lá ir. Quem é obrigado a horas extraordinárias fora de qualquer sentido. Quem tem vencimentos ridículos. Quem espera meses por uma consulta ou uma cirurgia “urgente”. Quem é pobre e trabalha e não pode fazer horas de fila e espera, ou não pode faltar ao emprego para levar os pais ou os filhos aos centros e aos hospitais.

 

Que o SNS precisa de refundação, não parece haver dúvidas. Que os modos de gestão e de organização devem ser revistos e reformados, também parece certo e seguro. Que quem quiser consolidar ou salvar a democracia deve tratar da saúde e do SNS, também parece indiscutível.

Público, 16.11.2024

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11.11.24

BARRO OU ARGILA, O ARGILITO NO JARGÃO PETROGRÁFICO


Por A. M. Galopim de Carvalho

Diz o Velho Testamento que, depois de ter feito o mundo, Deus pegou no barro e fez o homem. E o homem, depois de ter lascado a pedra, pegou no barro e fez o primeiro vaso.

Depois do sílex, a principal matéria-prima mineral foi o barro, com o qual os nossos antepassados do Neolítico começaram a fazer recipientes cerâmicos diversos, de início, rudimentares, e, progressivamente, mais aperfeiçoados.

 

Argila, termo que herdámos do grego, argilós (a partir do étimo argos, que significa branco), através do latim, argila, é o barro, material de todos conhecido, na linguagem vulgar, com origem no latim hispânico, barrum

 

Argilito é uma forma, proposta pelos sedimentólogos, tida por mais apropriada para, na petrografia sedimentar, dizer argila ou barro. É descrito como uma rocha sedimentar essencialmente composta por argilominerais associados a quartzo, feldspatos e micas naturalmente pulverizados, e, e, ainda, impregnações de óxidos e hidróxidos de ferro (hematite, goethite) e matéria orgânica, que lhe conferem colorações, respectivamente avermelhada, amarelo acastanhada e castanha-escura a negra.

 

Argilominerais são descritos quimicamente como silicatos hidratados de alumínio e/ou magnésio, associados ou não a outros elementos como, por exemplo, cálcio e sódio. São filossilicatos, (por aposição do elemento grego phylon, que significa folha), isto é, silicatos em cuja estrutura interna os átomos estão dispostos em folhas paralelas, sob a forma decristais ou agregados cristalinos, de pequeníssimas dimensões (nanométricas, no geral, inferiores a 0,004 mm), só visíveis ao microscópio electrónico. 

Entre as espécies ou grupos de espécies mais comuns de argilominerais, destacam-se: caulinite, ilite, esmectites, palygorskite e clorite, apenas cinco entre os muitos conhecidos. Face ao que se conhece sobre a sua génese nos diferentes sistemas bioclimáticos, eles permitem, como nenhum outro componente mineral dos sedimentos, inferir reconstituições paleoambientais do maior interesse em geologia.

Enquanto o termo barro se manteve na linguagem vulgar, o termo argila guindou-se ao estatuto de vocábulo do léxico científico. 

 

Toda a argila é branca, quando liberta de impurezas, como os ditos óxidos e outras substâncias que lhe confiram colorações.


Os romanos dispunham ainda do termo creta para referir a mesma substância e que passou ao português antigo sob a forma de greda, termo hoje muito menos usado.

No conceito que todos temos de rocha, como um material coeso rígido e duro, como qualquer pedra, o argilito não é uma rocha, mas é-o no contexto da sistemática petrográfica, onde ocupa lugar bem definido no conjunto das rochas sedimentares. Rocha ou não, como se queira entender, é, sem sombra de dúvida, uma fase ou etapa, dita exógena (superficial), do grande ciclo das rochas. 

O argilito corresponde ao mudstone (de mud, lama e stone, pedra) dos geólogos de língua inglesa e ao lamito dos brasileiros, um vocábulo que ainda não entrou no nosso léxico da especialidade.

Na classificação do alquimista persa Avicena (980-1037), a argila foi considerada na classe das “terras”ao lado de outras (“pedras”, “sais”, “metais”, “minerais fusíveis”). Este critério manteve-se até começos do século XIX, estando bem exemplificado na sistemática do químico e mineralogista sueco, Torbern Bergman (1749-1817). É esta a razão que explica que os ingleses designem a argila por earth (terra), os franceses por terre e que nós ainda usemos o termo terra com o mesmo significado em expressões como terra rossa terracota, terra de pisoeiro ou terra fulónica (por tradução do inglês fuller’s earth).

Acrescente-se que pisoeiro era o artífice que pisoava (lavava e desengordurava com um tipo especial de argila, dita esméctica) a lã, usando o pisão. Diga-se que terracota é uma maneira de dizer cerâmica ou argila cozida no forno, sem ser vidrada. E que terra rossa é uma expressão italiana internacionalizada, alusiva a um material de cor vermelha, composto essencialmente por argila e óxido de ferro, resultante do processo de dissolução das rochas carbonatadas pelas águas pluviais carregadas de dióxido de carbono.

A argila é componente essencial ou subordinado de algumas rochas sedimentares (arenitos de cimento argiloso, calcários argilosos e margas), de diversos xistos argilosos e da ardósia (já no domínio das rochas metamórficas) e está quase sempre presente nos solos e em muitas rochas alteradas (saibros). Quando dizemos que uma rocha ou um solo contém argila, queremos dizer que, na sua composição, estão geralmente presentes um, dois ou três dos citados argilominerais que, na grande maioria, resultam da alteração dos feldspatos das rochas, como granitos, gnaisses, sienitos, dioritos, gabros, basaltos e muitas outras.

Na maior parte dos casos, os argilitos entendidos como rochas sedimentares, resultam, via de regra, de uma sedimentação detrítica de argilominerais e outros (com destaque para quartzo, feldspato e micas) finamente pulverizados (à atrás dita dimensão nanométrica, no geral, inferiores a 0,004 mm), posteriormente transportados até ao local de sedimentação. No âmbito petrográfico são considerados argilitos terrígenos, detríticos ou herdadosque, podem sofrer transformações, em função dos ambientes geológicos a que forem submetidos. 

Fala-se de argilas de alteração meteórica, relativamente às que formam a capa de meteorização superficial, exercida sobre rochas ricas em feldspatos (gabro, basalto, sienito e outras) e também sobre rochas argilosas como xistos e ardósia. São consideradas argilas de alteração deutérica, (do grego deuterós, ulterior, secundário), as geradas no subsolo, por efeito de águas muito quentes (hidrotermais), ascendentes, residuais do magmatismo, bem como dos vapores e dos voláteis associados, e de águas meteóricas penetradas na crosta e, aí, aquecidas por efeito do grau geotérmico. O qualificativo deutérico, sinónimo de hipogénico (origem profunda, do grego hipo- inferior, no sentido de por debaixo, e genesis, origem), alude à posterioridade dos minerais resultantes desse tipo de alteração, secundários relativamente aos minerais da rocha magmática, entendidos como primários. 

Existem outras acumulações de argilominerais, cuja génese tem lugar no próprio local, por síntese, a partir de substâncias em solução nas águas. São as argilas de neoformação, com muito pouca expressão geológica, mas com grande significado nos solos actuais.

Face ao que se conhece sobre a génese dos argilominerais nos diferentes sistemas bioclimáticos, eles permitem, como nenhum outro componente mineral dos sedimentos e como se disse atrás, inferir reconstituições paleoambientais do maior interesse em geologia.

 

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9.11.24

Grande Angular- A democracia também é de direita

Por António Barreto

É um dos piores erros de alguns democratas, de muitos europeus e de quase toda a esquerda: a ideia de que a democracia é a virtude e a bondade, a correcção e a humanidade. Noutras palavras, a democracia é de esquerda. Esta ideia é acompanhada do seu reverso: a direita é antidemocrata, autoritária, racista, xenófoba, boçal e violenta. Zelar pelos outros, ser solidário e respeitar os valores humanos é de esquerda e democrático. Explorar os outros, dominar e agredir é de direita e, por conseguinte, não democrático ou antidemocrático. Esta crença é muito mais generalizada do que parece. As reacções à vitória de Trump, assim como, por exemplo, às de Bolsonaro, explicam-se em grande parte por esta convicção.

 

As frases mais ouvidas nestes tempos são inquietantes. Vêm aí catástrofes. Começaram as trevas. O fascismo outra vez. A democracia entre parêntesis. Tudo o que Trump e os Republicanos americanos se preparam para fazer é violento, desumano e fascista! Numa palavra, de direita. Noutra palavra: antidemocrático. Estes exemplos da ladainha democrática, europeia e de esquerdas são poucos comparados com os que lemos e ouvimos de manhã à noite nos jornais e nas televisões.

 

É assim que a esquerda se engana. Que a esquerda perde. Que a esquerda não vê os seus próprios erros. Como é assim que os europeus e os democratas perdem. A começar pelo facto de que esses erros não são falta de inteligência, de cultura e de conhecimentos históricos. Não! Esses erros têm origem nas suas próprias faltas. Incapazes de perceber os maus resultados dos caminhos que percorrem, europeus, democratas e esquerdas sofrem dessa miopia diante da América e de Trump. Como sempre, reagem acossados pelo medo. “Vem aí a extrema-direita, é preciso evitar os fascistas”. Com ainda esta ideia sinistra: se é da direita, é antidemocrático.

 

É infantil não perceber que a direita também pode ser democrática. Que a democracia também pode ser de direita. Que a democracia também pode ser cúmplice da exploração, do racismo, da xenofobia e do machismo. Tal como, aliás, a esquerda pode ser racista, xenófoba, machista e exploradora. Ambas podem ser imperialistas e belicistas. O que distingue as democracias (mais ou menos social, mais ou menos cristã, mais ou menos liberal…) são os valores políticos e sociais, são as políticas, não as regras de base democráticas: eleições livres e regulares, uma pessoa um voto, liberdade de expressão e de associação, independência da justiça e a regra de ouro da democracia “quem vence governa e respeita quem perde”. 

 

Na Europa e na América, é evidente a decadência da democracia, dos costumes políticos e da honradez nos serviços públicos. É constante a utilização das piores receitas para a actividade política: a propaganda, a mentira, a covardia, a ganância e a corrupção. Toda a gente parece de acordo com a ideia de que “a política se está a afastar perigosamente da população”. Daí a consequência: em vez de mudar a política, o que é preciso, dizem, é “aproximar a política dos cidadãos”, noutras palavras, mentir mais, fazer mais propaganda, esconder as verdades, pagar tudo e todos, corromper e prevaricar, comprar votos e consciências. Algumas esquerdas radicais e sobretudo as direitas perceberam isso. Tomam balanço nessas observações. E vociferam com toda a legitimidade aparente: limpeza, vontade do povo, pureza de intenções e grandeza da pátria. E acrescentam a luta contra os estrangeiros, todos os estrangeiros, os capitalistas internacionais, os grandes rivais do comércio e da indústria e os trabalhadores imigrantes. A este rosário de justas lutas, some-se a nação, a religião e a rejeição dos combates de cariz anti-fracturante que as democracias têm promovido: a escolha de género, a eutanásia, o aborto, o laicismo e a miscigenação. O que resulta destas promessas nem Deus sabe. Mas servem brilhantemente como alavancas eleitorais e políticas. Como se vê.

 

Em poucas palavras. Os erros das esquerdas, dos europeus e das democracias são fontes do êxito destas direitas. Trump e os seus amigos pertencem à democracia e usam a democracia, mesmo se pretendem capturá-la e provavelmente diminui-la. Mas são consequência e sobram da democracia e das suas faltas. Pode lamentar-se, mas Trump é também a democracia. Como Bolsonaro e Milei. Sabemos que Trump é um risco e uma ameaça para a democracia, tal como, em seu tempo e em seu sítio, a esquerda. Mas não se admite que esta espécie de severidade não sirva também quando se trata de ameaças contra a democracia vindas das esquerdas, de regimes e de governos antidemocráticos, antieuropeus e antiamericanos, como sejam os Russos, os Iranianos, os Norte-coreanos e os Venezuelanos de Chávez e Maduro, assim como do Hamas e do Hezbollah.

 

É possível usar a democracia contra a democracia. É provavelmente o que Trump fará ou tentará fazer. É o que fazem ou fizeram Bolsonaro, Berlusconi, Orban, Maduro e Netanyahu. É o que fazem os “ditadores eleitos” de África, da Ásia e da América Latina, em países com instituições fracas.

 

Identificar a democracia com a esquerda e estas com a bondade e a humanidade é o mais miserável erro de pensamento político que se pode imaginar. Impede de pensar e de compreender. Dispensa a argumentação. Quem assim se comporta ajuda as autocracias de todo o mundo. Estimula as direitas. 

 

Trump é narcisista e vaidoso. Boçal e ordinário. Autoritário a caprichoso. Ameaça a democracia. Promete comportamentos odiosos com alguns imigrantes, certos estrangeiros, parte das mulheres, uns tantos intelectuais e bom número de artistas. Tudo isso é certo e provável. Mas não deixa de ser eleito pela democracia, com a ajuda das forças democráticas, apoiado em instituições democráticas e ao abrigo de uma Constituição democrática. Trump não foi eleito por fascistas, robots, extraterrestres e fantasmas. Foi eleito por milhões de americanos de todas as cores e feitios, de todos os sexos, de todas as profissões, de todas as regiões e de todos os credos. Era bom que os europeus e as esquerdas percebessem que foi eleito pelo povo americano.

 

É provável que as esquerdas democráticas estejam a viver um dos seus mais negros períodos desde há mais de meio século. É possível que a democracia esteja a viver uma das piores ameaças desde há décadas. Verdade. Mas se os democratas e as esquerdas não percebem as suas culpas e as suas responsabilidades no processo, então é melhor prepararmo-nos para períodos ainda piores.

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Público, 9.11.2024

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7.11.24

ESTUQUE


A imagem, colhida na net, mostra um estuque no Palácio da Bolsa do Porto
Por A. M. Galopim de Carvalho

Uma das utilizações do gesso, a um tempo técnica e artística, vem de longe e materializa-se no estuque, produto usado em variados tipos de ornatos relevados, em tectos, paredes interiores e exteriores. 

 

De uso milenar nas civilizações mediterrâneas, o estuque (do italiano “stucchi”, com o significando de relevo ornamental), na sua versão antiga ou tradicional, era constituído essencialmente pela junção de uma argamassa branca ou polícroma de “gesso-de-Paris” com uma de “cal aérea”, sendo esta usada como um aditivo retardador de uma secagem demasiadamente rápida. 

Esclareça-se que a antiga expressão “gesso-de-Paris”, hoje obsoleta entre nós, refere o produto industrial, o pó branco com que no hospital se imobiliza um braço ou uma perna partida e que podemos comprar na drogaria para tapar uma irregularidade na parede. Diga-se que o eventual colorido das argamassas era obtido pela adição de pigmentos minerais (ocres, terra de Siena e outros) e recorde-se que o adjectivo aérea, colado à palavra cal, informa que o endurecimento desta tem lugar por efeito do dióxido de carbono do ar atmosférico, segundo a equação:

Ca(OH)2 + CO2 → CaCO3 + H2O.

O estuque, que integra os actuais produtos usados na construção civil, como revestimento em interiores, principalmente tectos e ornamentos executados em relevo, é uma argamassa branca ou polícroma (pela adição de pigmentos minerais) em cuja composição pode entrar gesso, cal, areia fina e pó de mármore.

 

Com notável desenvolvimento no passado, a estucagem, segundo os preceitos tradicionais, afirmou-se, em especial, no século XVIII, como um ramo artístico do sector da construção civil, associado à arquitectura. 

O gesso foi a matéria-prima da argamassa mais antiga, aplicada como ligante, nas alvenarias, por babilónios e egípcios, há mais de 4000 anos. Uma argamassa, acrescente-se, própria de ambientes secos, como acontece em regiões marcadas pela aridez, uma vez que se deteriora, se exposta à humidade atmosférica. 

A estucagem de paredes interiores e a reprodução de máscaras funerárias, no Egipto antigo, testemunham o elevado nível dos estucadores de então. Daqui e ao longo da Antiguidade, a técnica alastrou aos gregos e romanos. A título de curiosidade, diga-se que, em Roma, o célebre arquitecto Marcus Vitruvius Pollio (século I a.C.), na sua monumental obra “De Arquitectura”, explicou o processo de obtenção do estuque. 

Também os árabes foram mestres na estucagem, aperfeiçoando-a no revestimento e decoração dos interiores dos edifícios mais nobres. Entre os séculos VIII e XV, desenvolveram na Península Ibérica uma arte de decorar grandes espaços, num complexo rendilhado de elementos geométricos e abstractos de que são exemplo os interiores e outros espaços do monumental Alhambra de Granada. 

 

A estucagem esteve praticamente ausente na arquitectura religiosa e civil do Românico e do Gótico, na Idade Média europeia, tendo ressurgido timidamente no Renascimento italiano, com emolduração de pinturas a fresco, e atingindo o seu máximo esplendor em finais do Barroco, na segunda metade do século XVIII, com as minuciosas e aprimoradas ornamentações do Rococó. Já bem dentro do século XIX, o estuque acompanhou a maleabilidade do Romantismo, apelando a revivalismos mouriscos (estilo neoárabe). Com o advento do Neoclássico, esta arte ganhou grande desenvolvimento em sancas, molduras e adornos em relevo de complexos e delicados desenhos e, no final desse século, acompanhou as chamadas Arte Nova e Arte Déco, como meio de concretização da fantasia criadora do ser humano, testemunhando, uma vez mais, a aptidão decorativa desta argamassa.

No decorrer do século XX, o estuque perdeu definitivamente o papel de relevo que teve nas épocas do Barroco e do Rococó, restringindo-se a pequenas molduras e frisos decorativos, além das sempre utilizadas superfícies planas de paredes e tectos. A progressiva industrialização da construção civil marcou, por assim dizer, o fim do estuque ornamental. Porém, o estuque continua a servir na feitura de sancas e molduras, bem como no revestimento de paredes ou tectos, corrigindo imperfeições. Uma vez concluído o reboco, continua na ordem do dia, muitas vezes, a cargo dos pintores. Nos dias de hoje, a estucagem de paredes usa a técnica do chamado “estuque projectado”, à semelhança da tradicional pintura à pistola.

Entre os exemplos mais significativos da aplicação desta arte no nosso país, citam-se, no século XVI, os estuques da igreja do Espírito Santo e os da capela e refeitório da Universidade, em Évora.

Após o terramoto de 1755, o Marquês de Pombal encarregou o jovem estucador italiano, João Gross (1715-1780), de proceder ao restauro e melhoramento do tecto da Igreja dos Mártires, no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, e no palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras. Acrescente-se que Gross foi professor da “Aula de Estuque e Desenho”, então criada, em 1764, na Fábrica das Sedas.

Os estuques mouriscos dos palácios de Monserrate e da Pena, em Sintra, e os do salão nobre da Bolsa de Porto, todos do século XX, e do palácio Alverca, mais conhecido por Casa do Alentejo, em Lisboa, de começos do século XX (1919), são bons exemplos do Revivalismo em Portugal.


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2.11.24

Grande Angular - Cenas menores e causas maiores

Por António Barreto

O orçamento está aprovado. Mais ou menos. O essencial está feito. Nem o governo, nem o PS, podem voltar atrás, esquecer o dito e fazer exigências. Ambos garantiram aos eleitores que estavam de boa fé. Nenhum pode agora inventar questões. Já se sabe que vão tentar, na especialidade, mostrar ao bom povo que foram eles que deram, aumentaram, duplicaram, abateram e subsidiaram. Irão mesmo até ao ponto de tornar impossíveis certas disposições na especialidade e introduzir outras. Mas o essencial está feito, o resto é coreografia. As responsabilidades de cada um são claras. Quem voltar atrás com a palavra dada será vítima de castigo do eleitorado.

 

Não há que contrariar. O que os dois fizeram, governo e primeiro partido da oposição, merece aplauso e nota alta. Podendo perder alguma coisa, podem também ganhar. Parece certo que os eleitores, em proporções consideráveis, seguramente maioritárias, ficariam zangados se não houvesse resolução deste problema orçamental e regozijar-se-iam com uma aprovação. Mesmo se sem entusiasmo, mesmo se sem causas ou horizontes, mesmo se sem plano e estratégia, os cidadãos preferem assim. Não se trata só de uma percepção superficial. É vantajoso que assim seja. Quem fica fora desta aprovação conta pouco. Os partidos de esquerda de causa e ideologia, PCP, Bloco, Livre e PAN contam tão pouco para a maioria do eleitorado, pouco mais de 10%, que é mais ou menos indiferente que aprovem ou não. No centro direita, a IL, com menos de 5%, não pesa. São todos partidos importantes, mas não constituem massa crítica de relevo. Já com o partido Chega, as coisas são diferentes. Os seus 18% e os mais de 1 milhão e 100 mil eleitores são argumentos sérios. É destituído de ideias e programas, mas o seu vozeirão desordenado e demagógico tem eco junto de muita gente. Na verdade, o partido não ajuda nem ensina, não forma nem contribui, apenas traduz a desordem das ideias e dos pensamentos. O problema é que este partido quer entrar para perturbar e abrir crise, ou ficar fora para abrir crise e perturbar.

 

Assim sendo, convocar novas eleições seria acto nefasto para a democracia. Seria gesto de enfraquecimento adicional de um país em dificuldades numa Europa perturbada e num mundo a viver com ansiedade. Ninguém, a não ser as minorias de causas ideológicas, perceberia que, por razões menores, fictícias ou superficiais, se dissolvesse o Parlamento, se convocassem eleições e se tentasse, provavelmente sem resultados, novas soluções. Os dois partidos que resolveram a questão, mesmo se a contragosto e com mau jeito, fizeram bem e merecem aplauso.

 

Convém recuar um pouco para ter melhor perspectiva. O orçamento é uma folha de mercearia. Ou lista de compras de supermercado. Não é um plano, uma estratégia, um programa. Além do mais, este orçamento é uma folha de benesses e benefícios. Há descontos, isenções, aumentos, reduções, alívios, subvenções e privilégios para muita gente. O que essencialmente distingue os dois principais partidos é o elenco de beneficiários, mais para uns do que para outros, mais para outros do que para uns. Mesmo quando se toca na estrutura fiscal, nas taxas, nos escalões, nas isenções e nos benefícios, a diferença entre os dois partidos, que eles próprios sobrevalorizam, é de menor importância e de redúzios efeitos. Na verdade, a luta de classes, a alternativa política e a oposição programática não residem nem se resolvem com o orçamento do Estado.

 

É pena que assim seja, mas é assim. O rol de mercearia e a lista de compras destinam-se a aguentar o barco, a tratar da tesouraria, a pagar dividas e a respeitar compromissos, não servem para reformar, investir, relançar, programar, orientar e planear. Sabe-se que estas últimas são necessidades prementes, mas não é aqui, no orçamento, que se resolvem. Algo parecido com um plano a três, cinco ou dez anos seria mais adequado às urgências nacionais. Um programa dito de “grandes opções”ou de “estratégia de desenvolvimento” seria bem mais necessário, mais importante, eventualmente mais fracturante politicamente, mas muito mais urgente, até porque só produziria efeitos a dez ou vinte anos. Certamente que um plano destes exigiria muito mais trabalho de convergência partidária, no caso de não haver alianças ou maiorias. Mas esse é o trabalho que se pede aos partidos, da situação ou da oposição. É sinistra a ideia de que o eleitorado quer e exige oposição e berraria. A primeira necessidade é a da convergência e do entendimento. Só se tal se verificar impossível é que as almas, os corações e as cabeças preferem contestação

 

Verdade é que a vida económica e social de Portugal, nas últimas décadas, oferece alguns bons resultados e motivos para satisfação. Nas áreas das contas públicas, do endividamento, do emprego, da actividade turística e das exportações, há resultados à vista, fonte de contentamento. Mas temos de verificar também que no crescimento económico, nos rendimentos das famílias, na produtividade e nos níveis de rendimento, Portugal tem um comportamento medíocre. Pior ainda: é dos piores da União Europeia e não consegue recuperar atrasos. Há mais de vinte anos que Portugal marca passo e se deixou ultrapassar por quase todos os países com os quais se compara. Há mais de vinte anos que se assiste a uma gradual degradação da qualidade e da eficiência dos grandes serviços públicos de saúde, de educação, dos transportes, da formação profissional e do atendimento geral aos cidadãos. Há mais de vinte anos que Portugal tem perdido força e qualidade nalgumas das suas mais importantes empresas, públicas ou privadas, assim como tem perdido autoridade sobre empresas estratégicas e de grandes serviços. Há vinte anos que Portugal vive prisioneiro da emigração dos seus cidadãos, sobretudo os mais jovens, para a Europa e o resto do mundo, ao mesmo tempo que depende da imigração de trabalhadores desqualificados com os mais baixos rendimentos e salários de toda a Europa ocidental.

 

Ao lado disto tudo, o orçamento é milho miúdo. As cenas políticas a que assistimos nestes últimos dias são, do ponto de vista do que é essencial e urgente, patéticas. Serviram tão só para que não se pense mal dos dois partidos. Para que o governo não perca a face. E para que o PS não fique com o ónus de ter colaborado com o governo e não ter sido uma verdadeira oposição. Coisas menores de actores secundários.

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Público, 2.11.2024

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1.11.24

DOIS IRMÃOS MUITO DIFERENTES





(in “Era uma vez…com Ciência, Âncora Editora, 2012)

 

Por A. M. Galopim de Carvalho

Era uma vez um aprendiz de vidraceiro chamado Domingos. O seu trabalho de todos os dias, como voluntário, naquelas férias de verão, entre os 11º e 12º anos, era aprender a arte de cortar vidro para vidraças de janelas, quadros com gravuras e tudo o mais que precisasse daquela operação. Dos restos que iam ficando, tinha autorização para cortar pequenos rectângulos para molduras que ele próprio fazia, num jeito de brincadeira, para grande satisfação do patrão, que as vendia a bom preço. A um canto da grande mesa de trabalho, muito plana e lisa, forrada a feltro, onde se esquadravam e cortavam as grandes chapas, além da régua e da fita métrica, estava sempre o riscador, uma espécie de caneta em latão, polida do uso, terminada numa ponta de diamante com que riscava o vidro, o que permitia o corte certeiro. 

Bem seguro atrás da orelha, e numa imitação do mestre, o Domingos trazia agora, também ele, o lápis muito afiado, com que tomava nota das encomendas, fazia contas ou escrevinhava apontamentos próprios da sua aprendizagem. Só o tirava em casa, findo o trabalho, para voltar a pô-lo, na manhã seguinte, ao sair. Fazer o percurso a pé, de ida e volta, de lápis na orelha, era uma maneira de mostrar ao mundo que era alguém que já trabalhava.

Um belo dia, à hora de ir almoçar, fora do que era o seu costume, o rapaz tirou o lápis da orelha, colocou-o sobre a mesa de trabalho, mesmo ao lado do riscador, e saiu, fechando a porta atrás de si. Foi no silêncio da oficina deserta, que a ponta de diamante, dirigindo-se ao bico do lápis, começou por dizer:

            - Até que enfim que te tenho aqui ao pé. Há que tempos que te vejo lá em cima, na orelha do rapaz, sem poder falar contigo.

            - É verdade. – Concordou a ponta do lápis. – Os objectos, como nós, só podem falar quando não há ninguém por perto. É por isso que as pessoas nem sonham que nós falamos uns com os outros.

Ao retomar a conversa, a ponta do riscador, com o seu ar de importância, apresentou-se.

            - O meu nome é diamante. Nasci há muitos milhões de anos, lá bem no interior da Terra, a mais de 200 quilómetros de profundidade, onde a pressão é cerca de 60 000 vezes superior à que temos aqui à superfície, e a temperatura ultrapassa os 1600 ºC. Sou o mineral mais duro que se conhece, sou quase exclusivamente feito de carbono, o mesmo elemento do vulgaríssimo carvão. Praticamente, nada me destrói. Só o fogo, mas é preciso que a atmosfera seja bem rica em oxigénio e a temperatura atinja valores muito elevados, superiores a 800ºC. Tenho também o meu calcanhar de Aquiles, a que os estudiosos chamam clivagem perfeita.

            - E o que é que isso quer dizer? Perguntou a ponta do lápis, curiosa.

- Quer dizer que em algumas direcções da minha rede cristalina, os átomos ligam-se por forças mais fracas, o que faz com que eu me parta facilmente segundo essas direcções. Portanto, se me derem uma pancada com a orientação correcta, lá me separo eu em dois bocados. Mas, tirando esta minha fragilidade, sou indestrutível. O meu nome, que vem do grego antigo, adamans, quer dizer isso mesmo. Sou incorruptível, como dizem os mais eruditos.

            - É curioso que eu também sou um mineral mas não tão velho como tu. Sofro do mesmo mal e até mais do que tu. Se me baterem ou apertarem, desfaço-me toda. – Interrompeu a ponta do lápis. – Também sou quase exclusivamente feita de carbono, chamo-me grafite e não sou mesmo nada dura. Pelo contrário, sou quase tão macia como a manteiga, a ponto de ser usada como lubrificante. Também venho do interior da Terra, embora de menor profundidade. Dado o facto de eu ser assim tão escura, quase preta, e de a minha dureza ser muito baixa, desde há muito que me usam para escrever e desenhar sobre o papel. É por isso que me baptizaram de grafite, tendo por base a raiz grega, graph, que traduz a ideia de escrever. É essa tua fragilidade, a que chamas clivagem, que, em mim, é um dom que me torna importante. É, precisamente, por eu me separar tão facilmente por esses planos de fraqueza que me torno útil na escrita e no desenho, pois vão ficando no papel esses meus minúsculos bocadinhos, registando o traço.

            Nós, os da minha espécie, – retomou o diamante – somos, no geral, quase incolores. Mas há diamantes de quase todas as cores e, até, pretos - acrescentou. - Somos todos muito apreciados pelo excepcional brilho que temos. Tão especial que lhe foi dado o nome de adamantino. Temos também, depois de facetados e polidos, uma dispersão da luz e uma cintilação únicas entre os minerais! Ninguém nos fica indiferente! Eu, como não era assim muito branquinho nem muito transparente, não fui parar à bancada do lapidador, não tendo sido usado para fazer jóias. Mas, dada a minha grande dureza, viram-me utilidade na indústria, e aqui estou!

            Seguro da sua importância, o diamante não parava de falar das qualidades que a mãe Natureza lhe dera.

- Duros, indestrutíveis e com este brilho, muito valorizado pela lapidação, há muito que somos tratados como pedras preciosas, ao lado das esmeraldas, das safiras e dos rubis. Temos grande procura como uma das gemas de maior cotação no mercado e lapidam-nos desde o século XIV.

- De facto – anuiu a grafite, – eu pertenço a uma espécie mais humilde mas muito trabalhadora. Não ando nas coroas e tiaras de reis e rainhas nem nos colares e anéis das estrelas de cinema, mas tenho muita utilidade em importantes indústrias, como são as do aço, dos refractários, dos lubrificantes, das baterias eléctricas e a dos lápis, claro. – Respirou fundo, como que a tomar folgo, e continuou. - Ficas agora a saber que as minas dos lápis de escrever são feitas com grafite. Do bico do lápis já saíram grandes obras de arte no desenho e na escrita. Olha, os desenhos originais de, Leonardo Da Vinci ou os de Picasso são tão valiosos que, em leilão, rivalizam com os melhores diamantes! A lápis, muitos arquitectos como Vitúrbio, Le Corbousier, Oscar Nimeyer ou o português Eugénio dos Santos, esboçaram projectos de grandes obras que fizeram história. Olha, - disse por fim – ficas também a saber que ainda hoje na América, os alunos, nas escolas, e os adultos, no seu trabalho, preferem o lápis à caneta.

- Alto aí! – Interpôs a ponta do riscador. - É verdade que alimentamos a vaidade dos poderosos e ricaços, mas também é certo que evitamos a fome em países como a Namíbia e o Botswana. É verdade que temos sido causa de guerras, roubos e grandes crimes contra inocentes, mas nem te passa pela cabeça a importância dos diamantes na indústria, em especial, na de equipamentos de corte e perfuração e de abrasivos. Não há nada, desde o aço à pedra mais dura, que nós não consigamos cortar, perfurar ou desgastar. São as serras diamantadas, as cabeças das sondas que procuram as águas subterrâneas ou o petróleo, são as lixas especiais e muitas outras moderníssimas aplicações.

Entusiasmado com esta também sua utilidade entendeu acrescentar: - A nossa importância é tal neste sector da sociedade moderna, que a extracção de diamantes naturais não chega para as necessidades do consumo. Há, pois, que produzi-los industrialmente, o que já se faz desde meados do século passado. Até te digo que hoje em dia, a produção de diamantes artificiais ou sintéticos ultrapassa, de longe, a sua exploração na natureza. E já somos produzidos para outros fins, tirando partido de outras propriedades que temos. O nosso muito baixo coeficiente de expansão térmica e elevadíssima condutividade térmica faz-nos ideais como dissipadores de calor em sistemas computorizados de alta performance; se formos tratados com boro, tornamo-nos semicondutores e isso coloca-nos numa posição privilegiada para os novos chips informáticos. E mais: já nos fazem em placas transparentes com alguns milímetros de espessura que são ideais para janelas em diversas indústrias, desde a aeroespacial à investigação de ponta em física.

- Também nós! – Contrapôs a ponta do lápis. – É muito mais a grafite produzida artificialmente do que a que se extrai como minério por esse mundo fora.

- Deixa-me dizer-te mais uma coisa. – Interrompeu a ponta de diamante. – Há uns anos a esta parte já se fazem diamantes sintéticos em muitas cores e com tamanho e qualidade suficientes para serem usados em joalharia.

- Mas eu - atalhou a grafite - não te esqueças nunca disso, eu tenho tudo o que é preciso para me transformar em diamante, mas não estou nada interessada nisso. Posso, perfeitamente, ser a fonte do carbono utilizada na síntese do diamante, a altas pressões e altas temperaturas, e só de pensar nisso fico com arrepios! Mas o que é facto é que saio de lá como se fosse tua irmã gémea.

- Bem vistas as coisas, – disse o diamante, - nós pertencemos à mesma família. 

- Para já, temos a mesma composição química. Ambos somos feitos de carbono. – Anuiu a grafite que continuou, explicando. - As grandes diferenças entre nós só têm a ver com a profundidade a que fomos gerados. Eu sei isto – continuou – porque um dia, o Domingos me deixou em cima da mesa onde costuma estudar, ao lado de um livro de Geologia, aberto precisamente na página onde se falava de nós. É apenas a forma e a energia com que se ligam os átomos de carbonos que nos distingue.

            - Eu também sei – interrompeu o diamante, não querendo ficar atrás desta sua parente tão chegada. – Lá na mina, na província do Cabo, perto de Kimberley, na África do Sul, onde me apanharam, havia um engenheiro que gostava de explicar tudo isso a quem quer que estivesse por perto. Foi aí que aprendi que, antes de ser diamante, fui, talvez, um simples carvão fóssil que, em conjunto com outras rochas da crosta terrestre, fui arrastado para níveis muito profundos de uma zona do interior da Terra a que se dá o nome de manto. Foi aí que fiquei transformado naquilo que sou. Estava eu muito sossegado, anichado numa rocha chamada eclogito, quando, passados mais alguns milhões de anos, lá vim eu cá para cima numa viagem super-rápida. Percebi, então, que estava a ser arrastado pela lava de um vulcão. Nem tive tempo para me adaptar ao novo clima. Acostumado àquele forno imenso e sob grande pressão, vejo-me, agora à temperatura e à pressão normais â superfície da Terra. Depois de tanta aventura, eu bem gostava de ter sido lapidado e colocado num anel de noivado, ao lado de uma pérola, - desabafou, num doce suspiro - mas quando dei por mim ia num grande vapor, a caminho da Irlanda, de onde parti para França, o país da fábrica onde fui cravado nesta espécie de caneta de metal amarelo, tão polidinha, do uso, que mais parece feita de ouro.

            Pois olha, - retorquiu a grafite. - A minha história não é muito distinta dessa. A única diferença foi eu não ter sido arrastada lá para tão fundo, como tu foste. Não cheguei a descer abaixo da crosta, tão fundo como tu desceste e é só por isso que não sou um diamante. Mas insisto em afirmar que tenho muito orgulho naquilo que sou e faço.

            Nesta fase do diálogo ente as duas pontas de carbono, abriu-se a porta da oficina. Apanhadas de surpresa, calaram-se imediatamente como se a conversa tivesse cristalizado ali. O Domingos dirigiu-se à grande mesa e os seus olhos brilharam, satisfeitos, ao ver o lápis que julgara ter perdido. Pegou nele e, num gesto automático, colocou-o atrás da orelha.

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26.10.24

Grande Angular - Lisboa sempre, Lisboa nunca

Por António Barreto

Lisboa é uma das mais belas cidades do mundo. Olhem para ela a partir da ponte do Tejo, da outra Banda, do Panteão, do Castelo de S. Jorge, de Santa Justa ou dos mais altos edifícios da cidade: o deslumbramento é incansável. Veja-se Lisboa a partir das ruas da Madragoa, de Belém, da beira rio e até da Baixa: o encanto é inconfundível. Esta Lisboa, que já foi e quase não é mais, está a desaparecer. Sem ordem nem ideia, sem plano nem cuidado. Lentamente, os lisboetas adaptam-se e habituam-se a tudo: ao lixo nas ruas, à erva dos passeios, à calçada levantada, aos buracos nas ruas, aos abrigos rodoviários desfeitos, aos edifícios em ruína deliberada, ao estacionamento em segunda fila, às filas de carros evitáveis e às filas inevitáveis de cidadãos diante dos serviços públicos. Os lisboetas habituaram-se aos monumentos em ruínas, às casas abandonadas, às fachadas históricas deformadas e à publicidade luminosa de parolo e pechisbeque. Os lisboetas habituaram-se ao desmazelo, à fealdade e à sujidade. Tal como se habituaram ao pobre, ao sem abrigo e ao pedinte. 

 

Pior do que tudo, os lisboetas habituaram-se à desigualdade, à miséria, à imigração explorada, aos trabalhadores estrangeiros ilegais, aos alojamentos imundos, aos bairros segregados e aos novos guetos étnicos. Lisboa tem hoje a mais, sem previsão nem ordem, turistas, imigrantes, ilegais, pobres, comerciantes e outras populações errantes. Lisboa e Portugal podiam ter tudo o que têm, e muito mais, se fosse melhor, se estivesse previsto, se houvesse políticas e regras.

 

De repente, por causa de um incidente desastrado e fatal, em que um agente da polícia matou um cidadão, os lisboetas acordaram para uma Lisboa difícil, segregada, desmazelada, ilegal, drogada, explorada e pronta para a violência.

 

Não. Ainda não. Lisboa não está a arder. Mas queima. O que há muito se receava, mas que era adiado, aconteceu. Desacatos, violência, vandalismo e repressão. Em meia dúzia de localidades de outros tantos concelhos. Todos na área metropolitana de Lisboa. Estragos, incêndios, feridos e um morto. Discute-se, como era de prever, a morte de cidadão com bala de polícia. Não se sabe ainda e não se saberá talvez nunca em que circunstâncias exactas. Legítima defesa? Violência desproporcionada? Repressão com violência desnecessária? Agressão de ódio? Provocação descarada?

 

Rapidamente, começou a ver-se em funcionamento a tenaz do irracional. De um lado, a culpa dos incidentes reside na polícia, no governo, nos brancos, no racismo, na direita, no capitalismo, no regime democrático, na desigualdade social, na pobreza, no desemprego e na extrema-direita. Do outro lado, a responsabilidade é dos bandidos, dos marginais, dos negros, dos imigrantes, dos drogados, dos ladrões, dos ilegais, das minorias, dos muçulmanos, da complacência das autoridades, da permissividade do regime e da covardia dos dirigentes políticos. E não faltaram uns políticos tolos a propor que se matem alguns…

 

E não se pense que se trata de notícias falsas e de boatos sem identidade. Não. Nos jornais e nas televisões, grande parte daqueles preconceitos são apresentados com palavreado académico e mais ou menos verniz, sempre com estatísticas de apoio.

 

Nesta tenaz de preconceito, as generalizações são quase a regra. Os portugueses são racistas. Os africanos são ladrões. Os muçulmanos são violentos. Os chineses são mesquinhos. Os indianos são manhosos. Os brasileiros são aldrabões. Os romenos são ciganos. E os ciganos são mentirosos. 

 

Estas visões do mundo são geralmente obstáculos à compreensão e ao diálogo. O que quer dizer que tornam difícil, às vezes impossível, qualquer tentativa de resolver problemas e pacificar situações de conflito. Não só porque o preconceito é ele próprio uma barreira ao diálogo e à negociação, mas também porque vem acompanhado de juízos de contexto que tornam incompreensível a realidade. E que desviam para abstracções políticas os esforços para tratar de casos reais. Mas sobretudo eliminam o sentido de responsabilidade pessoal e individual, um dos fundamentos da civilização. 

 

A irrupção de violência nos bairros periféricos de Lisboa tem, para uns, causas evidentes: são os imigrantes, os africanos e os muçulmanos, que vivem da segurança social e da droga, que se aproveitam da escola e da saúde pública, que recebem toda a espécie de subsídios e que se acham com todos os direitos. Para outros, as causas, também evidentes, são as políticas dos governos, o comportamento dos portugueses, o racismo dos brancos, as empresas capitalistas, os bairros sórdidos, o ambiente de opressão nas fábricas e as casas esquálidas.

 

Uns e outros dizem o mesmo: a culpa é do contexto. Do quadro geral. Da política. Da sociedade. Como é evidente, todas as circunstâncias, toda a herança cultural e todo o ambiente comunitário têm importância decisiva, ajudam os fenómenos sociais, influenciam os comportamentos. Mas não justificam as acções individuais, não explicam o crime, não desculpam o delito, não absolvem a infracção.

 

É verdade que o meio social, o ambiente, o quadro geral, a classe social, a comunidade, o bairro e a vizinhança ajudam a compreender fenómenos e acções. Nada pode ou deve ser feito pela política ou pela reforma social sem ter isso em conta. Mas nunca, de todo, nunca esse contexto pode desculpar o crime e justificar o ódio. Estes são acções do individuo e como tal devem ser avaliadas, julgadas, recompensadas ou castigadas. Nada substitui a responsabilidade individual. Quem mata. Quem pega fogo. Quem dispara. Quem rouba. Quem viola. Quem tortura. Quem mente. Sem responsabilidade individual, não há cidadania nem direitos humanos.

 

Se a responsabilidade individual é o imediato, o mais vasto, a prazo, é o tratamento das questões gerais que ficam para resolver. As políticas de imigração, por exemplo. Sem essa discussão e sem as regras a definir democraticamente, nada se resolverá nunca. Mas tenhamos consciência de que o debate está, actualmente, inquinado. Está mergulhado no irracional. Os seus protagonistas são quase sempre os fanáticos. Sejam os racistas residentes e os nacionalistas integristas. Sejam os racistas imigrantes ou os defensores das portas abertas e da destruição da comunidade. Entre defensores da integridade da nação pura e adeptos da dissolução da comunidade nacional, não há meio termo. A discussão e as soluções só serão possíveis fora do dilema dos fanáticos.

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Público, 26.10.2024

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24.10.24

Entretanto, em Lagos...


 Os assassinos de árvores, em Lagos, não têm descanso...

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O AMENDOAL



Por A. M. Galopim de Carvalho

Como no tempo da lenda, todas as primaveras, o amendoal alentejano cobre-se de fores branca como se de neve se tratasse.

Uma outra importante cultura que o Alqueva trouxe ao Alentejo foi o amendoal de regadio. Pequena árvore caducifólia (não ultrapassa os 8 a10 metros de altura) a amendoeira (Prunus dulcis) é, entre nós, uma das mais antigas árvores de fruto a ser plantada. Do seu fruto liberta-se o caroço, dentro do qual se encontra a semente, ou seja, a amêndoa.

Introduzida em Portugal, a partir do Médio-Oriente, durante a invasão árabe, a amendoeira, em regime de sequeiro, começou por se fixar no Algarve, passando daí, no mesmo regime, para as terras secas de Trás-os-Montes e Alto Douro. Depois de anos de relativo abandono neste sector, Portugal é hoje um país de vanguarda na produção de amêndoa a nível mundial.

O aumento da procura da amêndoa, a nível internacional, deu aso ao aparecimento, no Alentejo, de vastas áreas de amendoais de regadio, em regime intensivo. A seguir à região de Trás-os-Montes e Alto Douro, o Alentejo tornou-se a segunda maior região produtora de amêndoa, do país, afirmando-se como uma alternativa apreciável às explorações agrícolas tradicionais, nomeadamente, os cereais, nesta região.

Nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março, de há “meia dúzia de anos”, a paisagem alentejana mostra uma imagem nunca antes vista, com vastas áreas cobertas por uma infinidade de amendoeiras em flor. Admirável espetáculo da Natureza é, ainda, o chão coberto por uma “neve” levemente rosada, trazendo à ideia a conhecida lenda algarvia do rei mouro e da princesa de um país do Norte.

A Lenda das Amendoeiras é uma muito antiga história de amor que reporta ao tempo da ocupação árabe da Península. Um poderoso rei mouro, algures no Algarve, tinha, cativa, no seu palácio, uma jovem princesa de um país do norte da Europa, por quem estava apaixonado. As saudades de casa que ela sentia eram tantas, que lhe tiravam toda a alegria. Percebendo o drama da jovem, o rei mandou então plantar, nos campos em redor, um imenso amendoal. 

Assim, todas as primaveras os campos se cobriam de flores brancas, como se de neve se tratasse.

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21.10.24

A NOVA PAISAGEM ALENTEJANA



Por A. M. Galopim de Carvalho

Relativamente ao clima, excepção feita à grande irregularidade verificada nos últimos anos, o Alentejo (e também o Algarve) caracteriza-se por um clima de características marcadamente mediterrâneas, onde a seara de trigo, o olival, a vinha e o porco alentejano, a “tetralogia mediterrânea”, no dizer de Alfredo Saramago, foram base de uma economia rudimentar, limitada ao todo nacional. Nas últimas décadas, desta tetralogia” apenas o azeite e o vinho têm alcançado desenvolvimentos, com importância considerável na economia nacional e expressão no mercado externo. O porco alentejano, de que falaremos mais tarde, tem uma importância bem mais modesta e a seara de trigo está em via de extinção.

É do domínio comum que a produção cerealífera no Alentejo, tem vindo decrescer substancialmente. Vivemos hoje de trigo importado, na ordem de mais de um milhão de toneladas/ano.

Em contrapartida, o olival, a vinha e, também, o amendoal (uma inovação no panorama agrícola local) ganharam lugares cimeiros na economia desta vasta região do país.

“Uma açorda comida por estes dias dificilmente será confecionada com pão de trigo alentejano. Em contrapartida, a possibilidade de ser temperada com azeite da região aumentou, e muito, nos últimos anos”.

Esta expressiva e feliz frase do jornalista Aníbal Fernandes, do Diário do Alentejo, tem o aroma dos poejos e diz, com palavras a condizer, uma realidade que estamos a viver.

Em aproveitamento da água da barragem do Alqueva, o maior lago artificial da Europa Ocidental, assegurando, em 2022, cerca de 120 mil hectares de regadio”, em crescimento, temos assistido, nos últimos anos, à substituição da “seara de pão”, não só pelo olival (ocupando mais de 70 mil hectares e em crescimento), como também por outras culturas de regadio, como o amendoal (com cerca de 20 mil hectares), o girassol, o milho, as pastagens e as forragens (azevém, luzerna e sorgo). 

Falemos agora do olival

O olival de que falam Orlando Ribeiro e Alfredo Saramago é o que hoje chamamos de olival antigo. Antigo, porque há um novo, dito moderno. Em uma trintena de anos, passou-se de um trabalho tradicional, duro, da colheita manual no chão, feita no inverno, para uma colheita mecanizada, onde a azeitona é colhida em verde, sem ser batida, nem cair ao chão, permitindo a produção de azeites de alta qualidade.

Introduzido, na Península, por gregos e fenícios e alargado pelos invasores romano e árabe, o olival a que se referiram os citados autores, resiste, meio disperso na paisagem, com oliveiras, muitas vezes, centenárias e, algumas, milenárias. Foi durante séculos base de uma exploração de sequeiro, tradicional, e de uma indústria meio artesanal, incapazes de prover às necessidades de consumo nacional. Durante as três últimas décadas, o olival português transformou-se num olival de regadio, de exploração intensiva, elevando o Alentejo à região do país com maior produção de azeitona, na ordem das 10 a 12 toneladas por hectare. De país importador, Portugal passou a país exportador de azeite de qualidade superior que ganha prémios no estrangeiro.

Fala-se hoje deste olival moderno, como uma autêntica revolução no panorama agrícola nacional, graças ao “milagre” da água da Barragem do Alqueva. Vastas áreas do Alentejo são hoje um tapete verde, devido ao plantio superintensivo (no dizer dos ambientalistas) do olival de regadio. Os opositores a esta “revolução” falam de destruição de biodiversidade, de esgotamento de recursos hídricos e de poluição atmosférica. Do outro lado de interesses, os agricultores contrapõem que o olival moderno é responsável por mais de 85% do total da produção de azeite nacional, um valor em crescimento, uma vez que a área de plantio tem vindo a aumentar. Contrapõem, ainda, que é uma cultura com baixas exigências hídricas, que degrada menos o solo e que, pelo contrário, lhe aumenta a quantidade de matéria orgânica, que sequestra mais CO2 da atmosfera (presentemente estimada em cerca de 540 mil toneladas/ano), sendo, portanto, mais sustentável, havendo quem o defenda como o expoente máximo da tecnologia ao serviço da qualidade do azeite e da sustentabilidade ambiental.

Inclino-me para o lado dos ambientalista e duvido sempre das boas intenções destes  superemprendimentos.

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