29.2.12

O Paraíso e o Inferno

Por Joaquim Letria

UMA AMIGA minha que tem muita graça e que é naturalmente muito divertida na sua forma saudável de gozar a vida fez questão de me explicar, com clareza, e segundo a sua própria experiência pessoal, a diferença entre céu e inferno. Não há engano possível e não ofende nenhum conceito que possa ter sido aprendido em diferentes catequeses. E põe-nos a sorrir e deixa-nos a abanar a cabeça em concordância com aquilo que ela sugere. Ora queiram fazer o obséquio de ler:

“O Paraíso é aquele lugar onde o humor é britânico, os cozinheiros são franceses, os mecânicos são alemães, os amantes são portugueses e tudo é organizado pelos suíços; o Inferno é aquele lugar onde o humor é alemão, os cozinheiros são britânicos, os mecânicos são franceses, os amantes são suíços e tudo é organizado pelos Portugueses.” (...)

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Subsídio

Por João Paulo Guerra

O GOVERNO vai pagar às agências privadas de emprego que arranjem trabalho a desempregados não subsidiados. Não sei se estão a ver o autêntico número de prestidigitação. O Governo tem andado a ver se esmifra, cêntimo a cêntimo, todos os subsídios e prestações sociais. O subsídio de desemprego, por exemplo, foi espremido por todas as exigências patronais, secundadas pelo Governo e respetivos partidos e até mesmo por alguns sindicatos. Pois quando chegaram à conclusão que não há mais nada para a espremedura, os governantes tiveram a ideia verdadeiramente luminosa: desviar os derradeiros fundos do subsídio para agências privadas de emprego que arranjem trabalho a desempregados não subsidiados.

A luminosa ideia acaba de vez com o subsídio de desemprego, alimenta por algum tempo agências privadas de emprego, substitui e vai minando o papel do Estado na responsabilidade de formação e colocação de desempregados. A cereja no cimo deste bolo é a instituição pagante, o Instituto de Emprego e Formação Profissional, que avançará por antecipação com verbas para as agências privadas de emprego proporcionais ao número de trabalhadores que venham a colocar.

Há uma questão de meridiana transparência no meio de todo este imbróglio. Não haveria nada de mais justo, mais linear, mais eficaz que o Estado pagar o subsídio de desemprego e os Centros de Emprego tratarem mesmo de colocar os desempregados, enquanto o Instituto do Emprego e Formação profissional formava e colocava desempregados. Sem intermediários a receberem por fora e sem agências privadas a faturarem à condição.

Dizem que o programa foi um êxito no Reino Unido e na Suécia. Por cá também haverá muita gente que já anda a esfregar as mãos. Mas não são desempregados.
«DE» de 27 Fev 12

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Apontamentos de Lisboa

Praça dos Restauradores
Se já existe o "P" com acento circunflexo (imagem de cima), porque é que não há-de suceder o mesmo com o "G" (imagem de baixo)?

Óscares, batatas fritas e primárias

Por Ferreira Fernandes

HOUVE tempos, ainda recentes, em que os franceses eram mais mal vistos na América do que índio em filme com John Wayne.
Há dez anos, os restaurantes do Capitólio, em Washington, mudaram as ementas. Deixaram de chamar francesas (French fries) às suas batatas fritas, trocando-lhes o nome para batatas fritas da liberdade (freedom fries). Não era uma decisão menor: dizer que as batatas eram à moda francesa vinha do tempo de Thomas Jefferson, um dos pais fundadores dos Estados Unidos.
A revolta das ementas era uma resposta a Paris, que criticara a intervenção americana no Iraque.
Essa guerra franco-americana fez pelo menos uma vítima: uma das razões para o candidato democrata John Kerry ter sido derrotado nas presidenciais de 2004 foi ter sido acusado de falar francês com fluência. Hoje, o republicano moderado Mitt Romney tem sido acusado do mesmo pelos falcões do seu partido. Parece que rola os erres com a classe de Jacqueline Kennedy, que era Bouvier, nome de origem francesa.
Escrevo antes de saber se Romney perdeu ou não a primária no seu estado natal, Michigan. O desaire implicaria talvez a sua desistência e a escolha republicana recairia em Rick Santorum, um candidato que mesmo que falasse latim só diria barbaridades. A esperança de Romney para esta madrugada repousa na madrugada de segunda-feira: falar francês já não é crime nos Estados Unidos e até já dão Óscares quando esse falar é mudo.
«dn» DE 29 fEV 12

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E não teve um Oscar

Por Manuel António Pina

O GOVERNO decidiu impor às empresas públicas que tenham mulheres nos seus Conselhos de Administração e de fiscalização. A secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade explicou à Lusa que a resolução não impõe quotas "ainda", mas que "para muita gente na UE", se até 2015 não houver 30% de mulheres nos conselhos de administração das grandes empresas, será criado um "instrumento vinculativo", o que tanto pode significar que se fará uma lei como que se recorrerá a uma força de intervenção.

A coisa suscita, no entanto, algumas dúvidas: se é o Governo quem, directa ou indirectamente, nomeia os membros dos Conselhos de Administração das empresas do Estado porque é que precisa de uma decisão sua, Governo, para se obrigar a nomear mulheres? Será para poder justificar-se a um improvável "lobby" do macho ibérico que, por sua iniciativa, não nomearia mulher nenhuma, mas que infelizmente foi obrigado a isso? E se o "lobby" lhe perguntar: "Obrigado por quem?", responderá o Governo: "Por mim mesmo"? E uma última dúvida ainda, que a Lusa não esclarece: o filme é com os Irmãos Marx ou com os Monty Python?

O plano (porque, aparentemente, há um "plano") passa também por o Estado apresentar uma proposta, não custa imaginar que "irrecusável", às empresas privadas onde é accionista e às cotadas em bolsa para que façam exactamente o mesmo. (Aqui chegados, já me parece mais tratar-se de "O Padrinho" IV).
«JN» de 29 Fev 12

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Um livro para Passos Coelho ler

Por Baptista-Bastos

ESTAMOS enfraquecidos e aterrorizados. O pior ainda não chegou, avisa-nos o Governo, que já desempregou não só milhares de portugueses, como a própria generosidade. A banalidade das advertências quase deixou de nos comover. Aceitamos as coisas com a resignação de quem entende que valores mais poderosos se levantam. Como há tempos me disse o meu amigo João Lopes, deixámos de alimentar a compaixão, sem a qual nem sequer sobrevivemos: vegetamos. Mas vale a pena insistir na notícia desta desgraça? Creio que sim; de contrário estaríamos a ressuscitar a fantasia de que, se tudo não está bem, vai melhorar. Não vai. Pedro Passos Coelho pressagiou o nosso empobrecimento; agora, pede-nos energia. Anda, notoriamente, desorientado. E não sabe a quem se dirige, por desconhecimento de quem somos. Mas não somos matéria vaga.

Leio em Montesquieu: "Não há desgosto que uma hora de leitura não desvaneça." Faço-o, há muitos anos. Claro que o desgosto não se desvanece. Mas a leitura reconforta-nos. E permite-nos estabelecer comparações. É o que devia fazer o Governo: ler. Há, nele, uma encantadora ausência de livros, sobretudo de História. Os discursos chãos, vazios de sentido, escassos de virtude quanto cheios de ignorância, fornecem-nos a dimensão cultural e moral destes senhores. Não se pode governar estranhando a natureza de quem é governado.

Um volume recente, o terceiro da História de Portugal, de António Borges Coelho, ergue-nos o ânimo e alivia-nos dos pesares. Recomendo a Passos, que parece tão desviado de nós, a leitura de Largada das Naus, que nos sacode a sonolência de espírito e nos convoca a inteligência e a coragem. É um texto extraordinário pela beleza da prosa, pelo rigor da pesquisa, pela grandeza da proposta. Como nos dois tomos anteriores, Donde Viemos e Portugal Medievo, o grande historiador não oculta a paixão pelo povo, a contribuição inapagável e sem preço de uma gente fervorosa, amante e entusiasta, violenta e terna, que troca "gestos, cerimónias, roupas, vocábulos" e que experimenta "as armas e os corpos". Nós.

Como poucos, António Borges Coelho fornece-nos a dimensão de um tempo e a espessura de uma população que construiu o país com a rudeza de uma vontade quase inexplicável. Como é possível desconhecer esta gente?, que criou um leito de nações, enquanto consolidava a sua própria, com o génio e o montante, a poesia e o sangue.

Não se deve falar connosco na linguagem da displicência. É imoral. Afinal pertencemos a uma estirpe que, para citar o etnólogo brasileiro Luís da Câmara Cascudo, outro maior, "levou nas naus o coração batente e a pedra de Pêro Pinheiro, mas, também, a língua e a força da aprendizagem". Essa força transformadora que, na repressão, no opróbrio e na desdita não foi nunca dominada.
«DN» de 29 Fev 12

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Hoje, 29 de Fevereiro...

RECENTEMENTE, o nosso ministro da Economia quis impor, aos trabalhadores portugueses, meia-hora suplementar de trabalho - não remunerado, evidentemente.
A ideia não pegou, apesar de não ser inteiramente nova: no fim de contas, este 29 de Fevereiro tem um efeito semelhante: trata-se de um dia de trabalho adicional não remunerado, e foi criado há mais de 2000 anos sem que haja notícia de ter sido objecto de contestação laboral...

28.2.12

«Nascer em Portugal» - Passatempo com prémio

Por António Barreto

A PROPÓSITO do tema "Nascer em Portugal" que, no passado dia 17, se debateu no Palácio da Cidadela de Cascais, sugere-se aos leitores que também contribuam para esse debate.

O autor do melhor comentário que venha a ser afixado até às 24h do próximo dia 8 de Março será premiado com um exemplar de um livro da FFMS.

As participações deverão ser afixadas, em 'comentário', no blogue Jacarandá - v. [aqui]

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O que eles fizeram pelas Ciências da Terra (17)

John Tuzo Wilson
(1908 – 1993)

Por A. M. Galopim de Carvalho

GEÓLOGO e geofísico canadiano, professor de Geofísica na Universidade de Toronto, profundamente envolvido no desenvolvimento da teoria da tectónica de placas, tendo concebido o conceito de falha transformante, em 1965, uma das três fronteiras de placas fundamentais à explicação da tectónica global. (...)
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As ideias comandam os factos

Por Ferreira Fernandes

O LÍDER da oposição portuguesa publicou ontem no New York Times um texto de opinião. E, também ontem, ele foi distinguido em Lisboa com um doutoramento honoris causa. Falo, claro, de Paul Krugman, Nobel da Economia e porta-voz contra a austeridade. Em Lisboa, ele lembrou que há curas que matam. A austeridade pode ser necessária como uma sangria, mas insistindo nela depois de o doente piorar, sangrando mais um bocadinho, o doente piora ainda mais...
Nos últimos meses, há sábios que garantem que Portugal tem de sair do euro (ping) e não menos sábios que juram que não precisará de sair (pong), o que me basta para confirmar que a economia é um jogo que causa torcicolos.
No artigo do New York Times, escrito para os americanos, Krugman diz que a crise europeia tem uma "narrativa Republicana" (isto é, da direita americana): a culpa é da intervenção do Estado.
Nessa América, a indústria automóvel estava falida há quatro anos. O Presidente Obama enxertou dinheiro público em Detroit e a General Motors acaba de ultrapassar a Toyota como a maior produtora mundial. Porém, os candidatos republicanos, tão divididos entre si, continuam unânimes nisto: o bom é menos intervenção estatal.
O que me convence é que nesta história o único errado é o velho Bill Clinton: "É a Economia, estúpido!", disse ele um dia. Errado, é a política que comanda as mezinhas, a economia é mero pretexto. Não venham lá com factos, que tenho cá as minhas ideias...
«DN» de 28 Fev 12

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Hoje não se fia, amanhã sim

Por Manuel António Pina

O VOTO contra do PCP à adopção por casais do mesmo sexo só surpreendeu quem desconhece os problemas que causou no interior do partido o seu anterior voto favorável ao casamento homossexual.

Conservador, se não reaccionário e marialva, em matéria de "bons costumes", como descobriu Júlio Fogaça, membro do Comité Central expulso do partido por homossexualidade ("razões morais", alegou o PCP, em singular consonância com os "vícios contra a natureza" por que, na mesma altura, o Tribunal de Execução de Penas de Lisboa lhe aplicou gravosas medidas de segurança), o PCP tentou atabalhoadamente justificar o voto contra com "a necessidade de prosseguir o debate e o esclarecimento sobre a questão". Algo do género do "Hoje não se fia, amanhã sim" da "prudência construtiva" e sabidola das antigas mercearias de bairro.

Curiosamente, uns parágrafos antes de garantir que o voto contra do PCP "não significa uma posição de rejeição", o líder parlamentar comunista tinha dito: "Rejeitámos esta alteração no passado (...). É uma posição que manteremos neste debate".

A indignação que vai na Net entre militantes e simpatizantes comunistas, com acusações ao partido de ter assumido uma "postura medieval" e de o seu voto constituir "uma das formas mais abjectas de discriminação social", parece provar que será difícil ao PCP fugir a "este debate" no seu interior com a facilidade obediente e unânime com que lhe fugiu na AR.
«JN» de 28 Fev 12

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27.2.12

Das rochas sedimentares (35)

Por A. M. Galopim de Carvalho

DOLOMITOS


COMO NOTA
prévia relembra-se que, na terminologia geológica portuguesa, os nomes das rochas terminam e “ito” e os dos minerais, em “ite”.
Os dolomitos são rochas sedimentares carbonatadas nas quais o mineral dolomite predomina (mais de 50%) sobre o mineral calcite. Estes dois carbonatos formam misturas naturais e contínuas que os petrógrafos reúnem na série calcário-dolomito, à semelhança de outras séries estabelecidas para outros tipos litológicos (...)

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Revista 'Maria' ensina o Pentágono

Por Ferreira Fernandes

A FRASE já não sei qual é. Se da primazia da política: "A guerra é um assunto demasiado importante para estar nas mãos dos generais."Se justificação de generais putchistas: "A política é demasiado importante para ser entregue aos civis."
Hoje, quando as guerras são feitas com todos os cuidados políticos e votações na ONU, se calhar já não interessa. O que interessaria era profissionalismo. Ora, ao mesmo tempo que a ficção é feita com a minúcia e a técnica que ainda esta madrugada Hollywood nos mostrou, a realidade é tratada com a irresponsabilidade de quem atira um fósforo para mato seco. Ou o Corão para uma pira.
Dez anos depois de tanto curso em Harvard sobre o islamismo e tanta capa da Time com turbantes, na manhã do passado dia 20, na base de Bagram, dois oficiais americanos da Nato param o camião num terreiro aberto e, à vista do pessoal afegão, alimentam uma fogueira com livros religiosos islâmicos.
Até na revista Maria se aconselha, na secção de boas maneiras, a não mostrar a sola do sapato a um convidado muçulmano... E oficiais americanos queimam o Corão! No Afeganistão! E a desculpa é que não foi por mal... Quando ser por mal seria a única desculpa, bruta, mas desculpa: a tática dos militares tinha passado para guerra de terra queimada. Mas não, quem manda pretende mesmo que a guerra seja praticada por cuidada política militar. Então, a conclusão é terrível: a tropa é fandanga e os políticos, amanuenses.
«DN» de 27 Fev 12

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E nós a vê-los contratar

Por Manuel António Pina

DE VEZ em quando vem a público, e logo é esquecida, a notícia de mais uma dessas inúmeras heterotopias jurídicas que é de uso designar de parcerias público-privadas, através das quais, sempre da mesma maneira, dinheiros públicos acabam em bolsos privados.

Desta vez é a Fagar, empresa de águas e resíduos sólidos de Faro criada há sete anos pela Câmara com capitais maioritariamente municipais e em parceria com a AGS (grupo Somague, detido pela espanhola Sacyr).

Uma auditoria do Tribunal de Contas descobriu que a Fagar representou, de 2006 a 2010, uma hemorragia de dinheiros públicos da ordem dos 3,6 milhões de euros, sendo que, a manter-se a "tendência crescente" de derrapagem, serão precisos 25,6 milhões para reequilibrar as contas até ao termo da parceria entre a Câmara e a Sacyr. O curioso do negócio é o mesmo curioso (chamemos-lhe assim, embora haja palavra mais adequada) de outros negócios do género: os riscos correm todos por conta do sector público; o capital privado, mesmo que a coisa dê prejuízo, tem contratualmente assegurada uma rentabilidade de 8,41% (paga adivinhe o leitor por quem).

Como se vê, não são só os chineses que fazem em Portugal negócios da China. Quando se trata de capital privado a render à sombra da árvore das patacas pública, os nossos eleitos não discriminam ninguém, dos espanhóis da Sacyr aos angolanos do BPN. Até porque o dinheiro não é seu e a impunidade está garantida.
«JN» de 27 Fev 12

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26.2.12

Não é pastel de nata mas pipocas

Por Ferreira Fernandes

APANHANDO boleia da noite dos Óscares, anuncio-vos o MBA que se tira num cinema próximo de si. Em 133 minutos e por uma dúzia de euros, indo ver Moneyball: Jogada de Risco, sai-se líder de empresa e até ministro.
Várias vezes aconselhei jovens camaradas jornalistas a fazer gazeta das aulas de Comunicação Social para irem ver, reverem tantas vezes quanto pudessem, o clássico Janela Indiscreta, curso magistral sobre a arte de contar. Agora, patrões de empresa e patrões do Governo, dou-vos conselho similar para o filme com Brad Pitt. Só aparentemente é sobre basebol, assunto de que vocês nada percebem. O filme é sobre o vosso assunto: ser líderes, isto é, sobre como beber na modernidade e quebrar as regras do jogo. O filme seria uma lição sempre mas agora, com a crise, é uma obrigação. O desporto está lá porque o filme vem da América, onde quem fala de desporto não é burro de casaco de aba larga. Como diz de si próprio o Barcelona, "mais do que um clube", o desporto é a vida, lugar de desafios, de grupos e chefes.
O filme é baseado na vida real do gerente de um pequeno país falido, perdão, pequeno clube (o Oakland Athletics, em 2002), farto do insucesso. Seria este inevitável? O gerente Billy Beane (Brad Pitt) mostra que não, se se souber ter os olhos abertos para procurar a rolha - no caso, foi revolucionar o basebol com as estatísticas. Há de haver alguma ciência à espera do Clube e clubes de todos nós.
«DN» de 26 Fev 12

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Luz - Hassi Messaoud, Argélia, 1972

Fotografias de António Barreto- APPh
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Algures no deserto do Sara, a caminho de Hassi Messaoud (o centro de exploração do petróleo e do gás argelinos) um inesperado poste de linhas telefónicas. Ao fundo, a linha de tendas de um grande grupo de Beduínos.

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25.2.12

Apontamentos de Lisboa

Olhando para o buraco em que estamos metidos?

Um político com crédito

Por Ferreira Fernandes

HÁ UM SANTOS Silva banqueiro (Artur) e um Santos Silva ex-ministro (Augusto), e foi naturalmente a este que se passou cartão porque o assunto era achincalhar: "Cartões milionários na Defesa", titulou o Correio da Manhã. O Santos Silva não milionário, afinal, era-o... O ministro da Defesa do último Governo tinha dez mil euros de plafond!, gritou o jornal, tão alto quanto o teto do cartão bancário.
O CM tem a mais apurada pituitária dos jornais, se fosse escaravelho haveria de se chamar rola-bosta, quem gosta fica bem servido. E assim lá houve mais um episódio de indignação esganiçada.
Tudo normal, não fosse o tal Santos Silva não ser dos políticos que quando há suspeitas sobre as suas contas se negam a divulgá-las. A contracorrente do que é norma, o Silva do teto alto, em vez de deixar a suspeita assentar e esquecer, espevitou-a. É certo que começou por dizer, o que podia ser mero truque para protelar a explicação, que do cartão de serviço só gastara em serviço. Oh filho, os fãs do rola-bosta querem é saber se bebeste Petrus à custa do povo... Mas não, o Silva do cartão não estava a protelar coisa nenhuma, tirou a coisa a limpo e exigiu que o Ministério da Defesa tornasse público o que gastara.
E ontem soube-se: nos 20 meses em que foi ministro, do seu cartão super-hiper de dez mil euros, Augusto Santos Silva gastou uma média de 147,72 euros mensais. Deixa-me fazer contas: dez mil, manchete; 147 euros, deve dar duas linhas.
«DN» de 25 Fev 12

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24.2.12

Tal como está redigido, este título
permite duas leituras bem diferentes...

Humanidade

Por João Paulo Guerra

COMO é que se diz o contrário de humanidade? Oposto? Contrário? Antónimo?

Nada disso. O contrário, o oposto de humanidade é o patrão de um emigrante português na Bélgica que tendo sofrido um ataque cardíaco e caído de um andaime, em vez de ser socorrido, foi levado num camião para um local ermo onde veio a falecer. As autoridades belgas investigaram que o corpo do emigrante foi abandonado com vida.

O caso não se passou há 100 ou 75 anos, quando a Europa ainda procurava o seu código de valores políticos, económicos e sociais. Passou-se no final do ano passado e veio posteriormente nos jornais. Recentemente, o jornal belga La Dernière Heure publicou uma desenvolvida reportagem sobre a vida e a morte do português António Nunes Coelho, de 49 anos, a vítima deste caso sinistro, que não é certamente o primeiro e não será o último neste espaço de livre circulação.

O português vivia há 12 anos na Bélgica, foi despedido há dois, sustentando-se de biscates, sempre ilegal, até que no dia fatídico pegou no trabalho às 6 horas e ao fim da manhã deu-se a sucessão de desgraças. Os paramédicos admitem que o português terá sobrevivido duas horas - o tempo do transporte de camioneta até um parque de Bruxelas - e mais 15 a 45 minutos no local onde foi abandonado, até morrer na completa solidão, sem socorro. O português tinha uma ação no Tribunal de Trabalho de Bruxelas e até a ganhara, mas ninguém lhe comunicou a sentença.

Europa, querida Europa. Há quem se interrogue sobre há quantos séculos aconteciam com frequência barbaridades assim. Mas também há quem se pergunte se isto é do passado ou do futuro deste continente que embalou a democracia, o direito, os direitos políticos e sociais do homem.

«DE» de 24 Fev 12

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Apontamentos de Lisboa

Há aqui qualquer coisa que não bate lá muito certo...

Saudade e 'Schadenfreude'

Por Ferreira Fernandes

ANDO A TER muita Schadenfreude. Vocês sabem, aquela palavra alemã que significa ter alegria com o mal dos outros. Eu tive de explicar em frase, mas os alemães precisam de uma só palavra para definir a coisa. Muito eficientes os alemães, sobretudo em motores e estados de alma.
A primeira vez que senti ter Schadenfreude foi quando soube que os alemães tinham uma palavra para aquilo. Como ando de há uns tempos para cá irritado com os alemães, fiquei contente com o mal deles, fiquei com Schadenfreude por eles terem a palavra Schadenfreude. Só mesmo eles, disse-me.
Agora li que o Deutsche Bank (olha, outra coisa em que eles são bons, bancos) tem um fundo de investimento chamado Life Kompass 3. Este é tão fácil de explicar como empurrar uma velhota escada abaixo. Há um painel de 500 pessoas, verdadeiras e americanas, entre os 70 e 90 anos, a quem o banco determina uma dada esperança de vida. Se morrerem antes, os investidores ganham mais, se morrem depois, o banco paga menos aos investidores. Como se pode ver, o Deutsche Bank tem aqui o papel humanitário, tem interesse em que os velhotes vivam mais tempo. Já os investidores alemães apostam na morte da manada dos 500 o mais cedo possível.
Esta aposta na morte deu-me outra vez Schadenfreude pelos alemães. Eu sei que o sentimento é de alegria, mas não gosto. Já tenho saudade de ser português, isto é, meter explicações longas numa só palavra e esta não fazer mal aos outros.
«DN» de 24 Fev 12

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Das rochas sedimentares (34)

Por A. M. Galopim de Carvalho

AS CLASSIFICAÇÕES EM USO (continuação)

Estas classificações, demasiado especializadas, tiveram por base estudos petrográficos essencialmente focados nas microfácies e nos microfósseis (foraminíferos, cocolitoforídeos, ostracodos, etc.) decorrentes da necessidade de acompanhar cientificamente as sondagens próprias da prospecção de jazidas de hidrocarbonetos. Considerou-se importante obter informação dos ambientes de sedimentação e da idade das rochas cujos testemunhos (tarolos, core samples em inglês) iam sendo trazidas à superfície, na sequência das perfurações. Uma tal importância justifica os avultados meios financeiros postos ao serviço desta investigação pelas grandes companhias petrolíferas, um desafogo de que as universidades, praticamente, não beneficiaram. (...)
Texto integral [aqui]

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Uma democracia doente

Por Manuel António Pina

QUE, APÓS anos de alternância entre o PS e o PSD (ou PSD/ CDS), sem que a alternância governativa tenha significado alternância de políticas económicas, a democracia portuguesa foi conduzida a um beco aparentemente sem saída, já se sabia; que a tutela absoluta da "troika" sobre essas políticas e sobre a acção dos partidos do chamado "arco da governação" afunilou ainda mais qualquer hipótese de saída de tal situação no actual quadro político, também já se sabia; não se sabia era que os desesperançados eleitores portugueses tivessem plena consciência de tudo isso, embora fosse possível suspeitá-lo pelo crescimento galopante dos números da abstenção (bastará dizer que, tendo em conta a abstenção e os votos brancos e nulos, o PSD alcançou o Governo representando pouco mais de 20% dos portugueses).

A sondagem agora realizada pela Universidade Católica para a RTP comprova o pior: quase dois terços (62%) dos eleitores consideram mau ou muito mau o desempenho do Governo em funções, mas três quartos (73%), olhando em volta para as alternativas viáveis - que é como quem diz para o PS - não vê que valha a pena mudar de Governo por um outro que, com mais ou menos leis do aborto ou do casamento homossexual, faça exactamente a mesma coisa.

Quando os eleitores concluem que tanto dá votar como não votar porque o resultado será o mesmo, a democracia está gravemente doente e madura para qualquer aventura populista.
«JN» de 24 Fev 12

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23.2.12

Apontamentos de Lisboa

Embora um pouco empenado, este sofá sempre
dá jeito para se pode apreciar [isto]...

Pontapear o analfabetismo

Por Ferreira Fernandes

PERGUNTARAM a Joaquim Evangelista, sindicalista do futebol, sobre racismo. Erraram na pessoa, foi como pedirem para eu testemunhar sobre dores de parto.
Um dia, um presidente de clube, arrogante, disse que os futebolistas hoje em dia já sabem comer de faca e garfo. Não sei como se portam à mesa mas no campo e à vista de todos, sei - e há muito.
Garoto e de passagem por Matosinhos, fui ver um treino do Leixões. Entre dois guardas-fiscais, apareceu um jovem negro. Era são-tomense, apanhado clandestino num navio. Viera à Metrópole tentar a sorte de futebolista. O seu treino no pelado do velho campo de Santana foi penoso. "Estavas habituado ao relvado, oh tição?", gozavam da bancada os filhos dos pescadores. Mas, no campo, os colegas de treino olhavam-no como colega. Tinha jeito ou não?, era o que lhes interessava. Esfomeado e nervoso, o jovem disparatava com os pés mas nem uma só vez vi um sorriso trocista entre os jogadores.
Por essa altura, havia no Benfica um capitão negro a quem os colegas brancos se dirigiam assim: "Posso marcar o livre, senhor Coluna?" Muito tempo de abraços depois dos golos, de respeito entre iguais, dá nisso: iguais.
Os futebolistas portugueses têm essa Universidade há décadas. Mas eu gostaria de mais. Ver um futebolista, sei lá, um João Moutinho, correr para o adversário Balotelli e abraçá-lo quando as claques de analfabetos macaqueiam. Quem é culto tem obrigação de ensinar os pobres diabos.
«DN» de 23 Fev 12

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Como é tratado o nosso dinheiro...

(Continua)
PODE entrar-se pelas janelas; mas não vale a pena o esforço, pois há portas abertas permanentemente. Está em causa um equipamento público numa zona "finíssima" de Lisboa. Alguém sabe de que trata?
(A resposta será dada oportunamente, com mais imagens, incluindo algumas do interior).
.
Actualização
A resposta já pode ser vista [aqui]

Primaveras

Por João Paulo Guerra

PASSA-SE em Valência e, assim sendo, os políticos e os jornais falam de tumultos e incidentes “entre” estudantes e forças policiais. Estes “tumultos” e “incidentes” entre estudantes desarmados até ao medo e forças policiais armadas até aos dentes são cenários típicos dos libérrimos jornais ocidentais sempre disponíveis e abertos para denunciar os atropelos de que as liberdades são alvo em países de outros sistemas, outros continentes, outras culturas ou religiões. Se os “tumultos” e “incidentes” se tivessem passado nesses outros países, na Tunísia, Egipto ou Líbia, por exemplo, com manifestantes sabe-se lá quem eram, financiados ou armados sabe-se lá por quem foi, chamar-lhe-iam “Primavera”.

Acontece que a Primavera de Valência, chamemos-lhe assim, deu a cara. Começou por um legalíssimo protesto contra cortes orçamentais na educação, contra o qual as forças policiais reagiram com inaudita bestialidade. O número de feridos contou-se por dezenas, de um lado (estudantes) e do outro (polícias). As manifestações que se seguiram, exigindo a libertação de dezenas de estudantes presos e o fim da repressão assumiram então o caráter daquilo que o poder mais temia: uma verdadeira luta por uma “Primavera” política que, partindo de Valência, foi varrendo Barcelona, Sevilha, Málaga, Benidorm, Alicante, Cáceres, Granada e chegou a Madrid. A Praça do Sol volta ao cenário e à agenda da política em Espanha. Partidos da oposição chamam ministros ao Congresso dos Deputados, sindicatos convocam greves, o Governo de Mariano Rajoy designa os estudantes por “o inimigo”.
A luta pela liberdade volta à ordem dos dias, como a mãe de todas as lutas. Há quem lhe chame Primavera.
«DE» de 23 Fev 12

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"Dessa água não beberemos"

Por Manuel António Pina

AINDA não foi desta que o PS convenceu a "exquise" deputação a beber água da torneira e não água engarrafada. Para isso teria que passar por cima do cadáver do Conselho de Administração (CA) da AR, mas o cadáver voltou a dar-lhe uma nega.

Alega o PS que, entre Janeiro e Novembro de 2010, a AR gerou - falando apenas de resíduos não legislativos - o lixo que segue: 45 mil garrafas de plástico de 330 mililitros, 2 mil de litro e meio e 78 mil copinhos também de plástico. Julgava ainda o PS que a água da torneira fosse mais barata do que a mineral.

"Mais barata?", escandalizou-se o CA, assegurando que estudou a coisa e que, com o custo do pessoal para lavar, encher e colocar copos e jarros ao alcance dos senhores deputados, mais 4 860 euros para jarros e não se sabe quantos para copos, a água da torneira sai 30 vezes mais cara do que a engarrafada. E nem foi preciso, digo eu, contabilizar também o custo do pessoal para deitar água nos copos e levar os copos à boca dos deputados e, depois, para lhes limpar os lábios com um guardanapo; nem o custo dos guardanapos; nem o do pessoal para meter os guardanapos usados nos sacos do lixo; nem o dos sacos do lixo; nem o do transporte dos sacos para os contentores, e por aí fora.

Só não se percebe por que motivo o "estudo" se mostra tão preocupado com as "empresas portuguesas" que vendem água engarrafada e não com as empresas portuguesas que vendem jarros e copos.
«JN» de 23 Fev 12

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Islão democrático - uma perigosa utopia

Por C. Barroco Esperança

QUALQUER governo laico é mais tolerante do que uma teocracia. Com exceção da Coreia do Norte, a mais impenetrável das ditaduras, não conheço tiranias mais abomináveis do que as clericais.
Dizer que há muçulmanos complacentes é um truísmo que não oferece dúvidas, mas ver o Islão como uma doutrina tolerante é desconhecer a intoxicação que, desde tenra idade, é feita às crianças nas madraças e o ódio que as mesquitas destilam contra os infiéis. (...)
Texto integral [aqui]

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22.2.12

Apontamentos de Lisboa

Para não sujar a calçada...

Um Desejo Absurdo de Sofrer

Por Maria Filomena Mónica

NA SEQUÊNCIA da publicação do meu ensaio «A Morte», optei por terminar o fim do ano na Capela dos Ossos, em Évora. Antes, atravessei outra, da Ordem Terceira de S. Francisco da Penitência. Foi com as imagens de Cristo arrastando a cruz e de uma Virgem com setas dirigidas ao coração que olhei o pórtico neo-clássico onde se pode ler: «Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos».

Construída no século XVII, a fim de que os homens pudessem recordar a brevidade da vida terrena, a Capela dos Ossos compõe-se de três naves decoradas com 5.000 caveiras e tíbias. O que impressiona não são tanto estas, mas as múmias penduradas, uma de um corpo adulto e outra de uma criança. Ultrapassado o nojo, fiquei com vontade de medir os crânios. Tendo em conta a evolução da espécie humana, aposto que são mais pequenos do que os actuais, mas eu não estava ali como a agnóstica, que sou, mas como alguém que vivera por dentro aquela religião.

Há quem pense que esta capela é única no mundo. Foi isso que me disse um casal de turistas do Porto com quem me cruzei à entrada. Conhecendo a mania nacional de considerar as mais variadas coisas como típicas, decidi ler alguns livros sobre o assunto e descobri que há dezenas de capelas semelhantes espalhadas pelo mundo. É, no entanto, verdade que, se olharmos a distribuição por países, Portugal vem à cabeça, com oito capelas integralmente decoradas com ossos. No estrangeiro, o crânio mais imponente - os restos de S. Pancrácio metidos dentro de uma armadura de oiro - está guardado numa capela em Wil, na Suíça, e o mais rico, o do mártir Alexandre, na Basílica alemã de Waldsassen.

Apesar de saber que o tema interessa os leitores, tenho um limite de palavras a respeitar, pelo que termino já. Mas não sem mencionar uma exposição lindíssima, Cuerpos de Dolor: A Imagem do Sagrado na Escultura Espanhola, 1500/1750, que, até o próximo dia 25 de Março, está patente no Museu Nacional de Arte Antiga. Por razões que não descortino, quando lá fui, não havia um único visitante, pelo que tive o privilégio de a ver rodeada de silêncio.

Como se diz no catálogo, se comparada com a de mármore, a estatuária de madeira policroma é tida como menor, mas possui uma morbidezza única. A Virgem Dolorosa, que vem na capa, é bonita, mas há outras estátuas belas, como o Caminho do Calvário, onde a morte é transformada em espectáculo. Como remate, escolhi os joelhos de dois centuriões, esculpidos por Alonso Berruguete, para o Retábulo-Mor da Igreja de San Benito El Real, de Valladolid. Rosados, sobressaem a meio de pernas ligeiramente musculadas terminando em sandálias de cano alto. Foram os romanos que me fizeram regressar ao mundo dos vivos. Sei que sou pó e que em pó me vou tornar, mas, antes, quero abandonar o masoquismo que marcou a minha infância. A crise não ajuda, mas hei-de lá chegar.
«Expresso» de 18 Fev 12

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Em Fevereiro...

Tristezas não pagam dívidas

Por Manuel António Pina

A INTOLERÂNCIA de ponto decretada pelo Governo para ontem, Dia de Carnaval, foi um carnavalesco fracasso: no que respeita à função pública, foi cumprida nos serviços dependentes directamente do Governo (onde, no entanto, a coisa descambou em mascarada, já que muitos funcionários optaram por aparecer ao trabalho fantasiados "de rei, ou de pirata, ou jardineira") e em pouco mais de um terço dos concelhos do continente, pois 177 das 278 câmaras, incluindo 50 do PSD e CDS, fecharam portas; isto sem fazer contas à Madeira, onde o tolerante Jardim deu folia aos "seus" 30 000 funcionários não só ontem mas também, para curtirem a ressaca, na manhã de hoje.

Já o sector privado - por "culpa" dos odiados contratos colectivos, arrepelam-se unanimemente o ministro da Economia e o patrão dos patrões - passou a manhã na cama e a tarde nos corsos ou a ver pasmadamente montras nos centros comerciais.

Não foi metade do país que parou, foi o praticamente o país inteiro, com as honrosas excepções do ministro Álvaro e de António Saraiva (e do cronista). Com efeito, muitos dos funcionários que "trabalharam" passaram o dia parados já que os serviços de atendimento público abertos estiveram às moscas.

O Governo não se terá imprudentemente apercebido de que "a gente trabalha/ o ano inteiro" e merece, como na canção de Vinicius/Tom Jobim, "um momento de sonho". E de que tristezas não pagam dívidas, incluindo dívidas à "troika".
«JN» de 22 Fev 12

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Apontamentos de Lisboa

Discussão num copo de água

Por Ferreira Fernandes

PSD e PS podem radicalizar as suas posições?
A questão não é líquida. Ou melhor, é: os socialistas querem que a água consumida no Parlamento seja da torneira e os do PSD são adeptos da água engarrafada.
Há vários meses que se discute por uma ou outra das causas! Até agora os argumentos eram ecológicos. O plástico, a não reciclagem, etc.
Mas isso era no tempo da outra senhora, quando éramos ricos. Com isto da troika e do fechar da torneira, perdão, esta imagem faz confusão nesta discussão engarrafada, perdão, outra imagem confusa, com isto da austeridade, dizia eu, os argumentos passaram a praticar o novo desporto nacional: a análise financeira. Custos da coisa, pois.
Aqui chegados, parece que a torneira venceria a rolha, certo? Errado. O Conselho de Administração da Assembleia da República calculou o preço da água saída das torneiras, acrescentou-lhe o dos funcionários para o enchimento do vasilhame, a limpeza e o arrumo, e concluiu que ficava em 2730 euros mensais. Já a água engarrafada ficava a 259,20 euros, dez vezes menos...
Esta guerra da garrafa e da torneira, ridícula em si, pode também ter desarrolhado outra questão. Reparem, as contas indiciam que os serviços prestados na água engarrafada (onde também há enchimento, transporte...), feitos por operários do sector privado, são bem mais baratos que o serviço dos funcionários parlamentares.
Entre dois goles, o PSD levou água ao seu moinho para defender o liberalismo.
«DN» de 22 Fev 12

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Apontamentos de Lisboa

O país das grandes incertezas

Por Baptista-Bastos

NINGUÉM esperava que o País chegasse a isto. Embora alguns, não muitos, demonstrassem um cepticismo próximo da negação absoluta. Estava no Diário Popular, quando Marcelo Caetano se rendeu. Andei pelo Carmo, a rondar e a sondar, corri para o jornal, e disse ao José de Freitas: "Zé: o fascismo caiu." José de Freitas era um notável jornalista, sonhara os sonhos impossíveis da grande geração a que pertencia, e fora marcado por toda a gama de desesperos. Respondeu-me, as lágrimas a rolarem-lhe pela face: "Vamos lá ver... Vamos lá ver..."

As frases toldadas causaram-me surpresa próxima da perplexidade. "Caiu, Zé; o fascismo caiu." E ele: "És muito novo, ainda", talvez para justificar a minha pobre ingenuidade. Ele tinha razão. Não se extirpa, de um momento para o outro, uma mentalidade timbrada pelo temor reverencial, ou as características serviçais que revelam índoles pouco corajosas. Alie-se a estas debilidades a ignorância larvar, e a tendência para deixar correr as coisas. E algumas traições, aparentemente inverosímeis.

O sonho, como se sabe, durou pouco mais de ano e meio. Normalizou-se uma democracia que nem sequer sabia que o era. Depois, fomos tropeçando, à medida das nossas resignações e incapacidades. Se calhar, não gostamos do risco de pensar, e damo-nos mal com a democracia, que nos incita a isso. Se calhar.

Vejamos: um homem como Nuno Crato, procedente da extrema-esquerda e rendido às sereias da Direita, autor de lúcidos textos de análise reflexiva, como, por exemplo, O Eduquês em Discurso Directo, livro de referência; matemático distinto, não é assaltado por nenhum sobressalto das antigas inquietações?, quando sabe que está a decrescer o número de alunos do secundário e do universitário, e o conhecimento se torna cada vez mais distante, não? Crato não ignora que o ensino se defronta com cada vez maiores dificuldades; cortes, reduções e limitações dos mais absurdos, fazendo do estudo apenas uma possibilidade para elites endinheiradas. Para se obter uma bolsa quase é necessário atestado de esmoler. Abre caminho a tese da dr.ª Ferreira Leite, segundo a qual quem não tem posses não faz hemodiálise.

Os Governos encheram a boca de orgulho, com o elevado grau de qualificações dos nossos estudantes, afirmação que me pareceu exagerada, por desassociada da verdade. As qualificações são específicas: quanto a cultura geral a soma e o resto não se alteraram, em comparação com gerações anteriores.

Nuno Crato teria uma palavra de esclarecimento a dizer-nos, ele, que sempre recusara a metáfora como esconderijo. Há algo de impudor nesta combinação que mata, de torpeza e de discurso contingente. Estamos a ser, progressivamente, desafectados dos sentimentos e das razões formativas, com a cumplicidade relevante de pessoas que havíamos estimado e admirado.
«DN» de 22 Fev 12

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21.2.12

TERÇA-FEIRA é o dia da semana em que costuma decorrer a reunião da Assembleia Municipal de Lisboa. No entanto, como tolerância de ponto é, em Portugal, sinónimo de feriado, a casa esteve encerrada durante todo o dia, como se vê na imagem de cima.

Mas, pelos vistos, também nesse aspecto há filhos e enteados - as imagens seguintes são também de hoje.

"Atiram-se a eles como Tarzões!"

Por Ferreira Fernandes

O REAL MADRID não ganhava uma Taça espanhola de basquetebol há 19 anos. E o assunto interessa-nos, mesmo para os que não gostam de basquetebol. Parece que o resultado foi 91-74 contra o Barcelona e Sergio Llull marcou 23 pontos, mas isso é irrelevante.
Para começo de conversa saiba-se que havia aquele jejum de vitórias, e que nas duas últimas épocas o Real Madrid perdeu as finais para o sempiterno adversário Barcelona, o mesmo que, no domingo, ali estava para prolongar a seca. Acontece, ainda, que o basquetebol é um desporto muito técnico e muito táctico, cheio de pormenores e truques que precisam de ser preparados antes do jogo.
Vamos, então, ao que nos interessa.
No balneário, Pablo Laso, o treinador do Madrid, dirigiu-se aos jogadores e não lhes falou de... basquetebol. Nada de táticas, só de emoções. Passou-lhe o filme da anterior e antiga vitória da Copa, ainda no milénio anterior, e intercalou essas imagens com as dos jogadores atuais em momentos de alegria. Enfim, Laso fez o que, um dia, em campanha feliz, também o nosso selecionador de futebol Fernando Cabrita soube dizer aos jogadores: "Atirem-se a eles como Tarzões!"
Hoje, os portugueses estão atirados para a fossa de Mindanau porque nessa disciplina tão técnica e tática que é a Economia desconhecem o rumo. Esse rumo é preciso, mas nunca será encontrado se os líderes não souberem ter sábias palavras emotivas.
«DN» de 21 Fev 12

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Ao princípio era (o) verbo

DIGAM o que disserem, eu ainda acho que, nestes casos, dava algum jeito o velho acento agudo, cuja função era (suponho eu...) distinguir o "para" (do verbo parar) do "para" (preposição).
Agora, dizem-me que já não devo escrever «Pára, para ir para ali» mas sim «Para para ir para ali». As coisas que a gente aprende!

A verdade, esse problema

Por Manuel António Pina

O NÚMERO de vezes que Passos Coelho garantiu que "este Governo não pedirá mais tempo nem mais dinheiro" à UE e FMI só deve ser comparável ao número de vezes que, durante a campanha eleitoral, garantiu que, com o PSD no Governo, não haveria aumentos de impostos. Só que se soube que, enquanto Passos Coelho garantia isso, o seu Governo ia desenvolvendo contactos para... pedir mais tempo e mais dinheiro.

O empobrecimento do país que o actual primeiro-ministro se propõe (ele próprio o confessou, num dia em que, como o outro, se achou mais pachorrento) tem sido marcado por tantos e tão lamentáveis episódios que a conversa de Vítor Gaspar com o ministro alemão das Finanças sobre a renegociação do programa da "troika", gravada pela TVI, suscitou só uma polémica mansa, logo esquecida mal surgiu a polémica seguinte.

Passos Coelho nem sequer é original; a mentira tornou-se coisa "normal" na prática política. A sua única originalidade é talvez o facto de ter sido eleito acusando o anterior primeiro-ministro de mentir.

A UE, porém, leva as aparências a sério. Assim, decidiu suspender por um mês o jornalista da TVI que apanhou Gaspar a dizer em voz baixa o contrário do que diz em voz alta. E na reunião de ontem do Eurogrupo já pôs em vigor novas regras limitativas do trabalho dos jornalistas. Era o que faltava, que os media revelassem verdades, em vez de serem câmaras de eco acríticas das declarações oficiais.
«JN» de 21 Fev 12

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O saco do dinheiro

Por A. M. Galopim de Carvalho

A TIA Floripes não estudara, tal como as restantes irmãs da minha mãe. Ir à escola não se usava nos tempos em que foram meninas. Apenas a minha mãe, muito mais nova, nascida já no século XX, e um outro irmão, chegado ao mundo ainda mais tarde, puderam frequentar a escola e aprender a ler e a escrever.
Esta minha tia casara com um corticeiro e, como era regra das famílias dos operários dessa profissão, vivia com muitas dificuldades para criar cinco filhos a comer, a vestir e a calçar. Contava a minha mãe que o velho Silva, o pai do marido e meu tio por afinidade, era um homem mau e avarento. Nunca a ajudara, nem a ela, nem ao filho, nem aos netos. Ao que se dizia, o velho vivera bem, com desafogo, e tinha pé-de-meia. (...)
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20.2.12


Alguém viu e quer comentar?

«Dito & Feito»

Por José António Lima

ANTÓNIO José Seguro resolveu fazer um caso da conversa informal mantida entre o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, e o seu homólogo alemão, Wolfgang Schäuble, no início da reunião do Eurogrupo.

«Depois de tomadas decisões substanciais na Grécia – e isso é crucial – se houver necessidade de um ajustamento no programa de Portugal, nós estaremos preparados para fazê-lo», confidenciou Schäuble. «Ficamos muito agradecidos», retorquiu cortesmente Gaspar. O líder do PS viu nesta ocasional troca de amabilidades uma tenebrosa maquinação política, «uma espécie de situação indescritível» em que o ministro português esteve «às escondidas a conversar com o Governo alemão». Às escondidas?!... Situação indescritível?!... António José Seguro já não mede bem o que diz, no seu afã de mostrar que faz oposição e de se libertar do colete-de-forças do memorando da troika, solicitado e assinado pelo PS. Depois de se ocupar com temas tão estruturais para o país como o acordo ortográfico no CCB ou as demissões na RDP, no debate com o primeiro-ministro, transforma uma troca de cumprimentos de circunstância numa conspiração de lesa-pátria.

MAS este episódio revela que Seguro, com a sua enorme candura política, não percebeu duas evidências. Primeira, que nenhum Governo é levado a sério ou respeitado se começar a pedir a flexibilização, o alargamento de prazos ou a revisão das condições do programa de ajustamento a que se comprometeu, antes mesmo de demonstrar que é capaz de o cumprir. Segunda, que a disponibilidade e abertura transmitidas informalmente pelo ministro alemão, ao invés de comprometerem a posição de Vítor Gaspar e do Governo português, são uma boa notícia para o país. Por todas as razões: porque comprovam que o caso português é visto como distinto do caso grego, porque revelam confiança dos responsáveis europeus na execução do programa que está a ser feita em Portugal, e porque evidenciam compreensão e espírito de entreajuda por iniciativa própria e não a pedido.

Seguro bem pode continuar a ver fantasmas e conspirações nos acontecimentos mais corriqueiros. O facto é que as palavras de simpatia de Schäuble estão a fazer o seu curso e já foram secundadas por outros dirigentes europeus. E o ministro Vítor Gaspar bem pode estar agradecido à indiscrição das câmaras da TVI. O efeito que tiveram não podia ser melhor.
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«SOL» de 17 Fev 12

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EM geral, as pessoas afixam apenas um papelinho com os dizeres «Publicidade aqui não, obrigado". Mas, neste prédio, preferiram mandar gravar uma placa de alumínio, incluir uma referência à legislação, e fixá-la como deve ser... Talvez tenham mais sorte do que eu, pois o AVISO que pus na minha caixa de correio de nada serve para os grunhos e analfabetos que todos os dias a atafulham com anúncios.

Já agora: se algum brincalhão se lembra de gatafunhar um "É" logo no início da 2ª linha da placa que aqui se vê... lá se vai tudo! Até porque (como diz hoje Ferreira Fernandes) a concordância entre sujeito e predicado é coisa de pouca importância...

Vocês sabem o que é o 'modus operandi'?

Por Ferreira Fernandes

UM LUANDENSE escreve de forma lenta e esforçada: "Çapato". Outro luandense lê e espanta-se: "Quê? Sapato com c de cedilha?!" O primeiro relê-se, hesita, mas logo contra-ataca, varrendo o espanto do outro: "E você leste bota?..."
A fala que a minha cidade natal dá à minha língua, usando-a de forma saboreada e gozada, tem paralelo com a escrita que os brasileiros praticam, por exemplo entre os seus magníficos cronistas. A essas duas formas de usar o português, imaginativas, apropriadoras, piscando os olhos com os lábios, eu sei que não abuso quando as comparo com a língua substantiva dos camponeses transmontanos.
Em 1975, quando Portugal fervilhava, Lisboa mandou estudantes universitários, então em parênteses com farda, catequizar aquelas bandas. Numa aldeia, um jovem oficial miliciano subiu ao Unimog, cercado de povo, e falou como sabia, oco: "Vocês sabem o que é o socialismo?" Ao que uma camponesa respondeu: "E vocemecê sabe o que é o salamim?"
Eu, que não sabia o que era o salamim e do socialismo só julgava saber, tenho essa história demasiado presente quando leio os jornais portugueses a debater o Acordo Ortográfico.
Escreve-se sem alma nem raízes, longe da coisa salamim e enrolados em vazios como "implementação" e "modus operandi" - os jornais não se leem porque são escritos sobre Unimogs - mas sufoca-se com o "p" mudo perdido. Prefiro o luandense do "çapato" e os erros de concordância de Nelson Rodrigues.
«DN» de 20 Fev 12

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Das rochas sedimentares (33)

Por A. M. Galopim de Carvalho

ALVO de preocupações de natureza sistemática por parte de geólogos do século XIX, as primeiras classificações das rochas carbonatadas, com base na petrografia microscópica, só surgiram em finais dos anos 50, início dos 60 do século XX, na sequência do grande interesse que nelas puseram as grandes companhias petrolíferas. Para a necessária interpretação dos testemunhos (tarolos) de sondagem (cores, em inglês), os geólogos do petróleo necessitavam de descrições petrográficas que, além de correctas e baseadas em critérios uniformes, tivessem significado genético, paleoambiental, descrições essas expressas através de uma nomenclatura precisa, livre de ambiguidades. (...)
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"Pero que las hay, hay!

Por Manuel António Pina

CONTA o DN que, numa churrascaria de Los Angeles chamada "Ataque de Coração", um homem teve um ataque cardíaco ao comer um hambúrguer dito "triplo bypass". Se o restaurante cumprir o que promete no menu, o hambúrguer tinha 6 mil calorias e as batatas do acompanhamento foram fritas "em pura banha de porco".

Avocando Platão, escreve Borges que, "se (como diz o grego no Cratilo)/ o nome é o arquétipo da coisa,/ nas letras de 'rosa' está a rosa/ e todo o Nilo na palavra Nilo". Talvez, quem sabe?, se deva procurar nas provocadoras designações comerciais da "Churrascaria Ataque de Coração" e do hambúrguer "triplo bypass", e não no acaso ou no estado calamitoso das suas artérias, a origem do enfarte do infeliz cliente (que foi hospitalizado e "está livre de perigo").

Para quem acredite que as coincidências são a manifestação visível de realidades invisíveis e o insólito expressão do sólito, casos como este ou como o do carteiro que partiu três vezes a mesma perna no mesmo sítio (no mesmo sítio da perna e do seu giro diário) confirmam os piores temores.

Como é Carnaval, entremos no corso obscurantista: se o nome é o arquétipo da coisa, que coisa abissal e catastrófica se esconderá nas letras do nome Passos Coelho e atrás da palavra Portas? E, posto que Vítor significa "vitorioso" e que Gaspar, "aquele que veio inspeccionar", é nome de Rei Mago, poderemos esperar já em 2012 ouro, incenso e mirra? A que juros?
«JN» de 20 Fev 12

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19.2.12


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Luz - Graduation Day, New England, 1978

Fotografias de António Barreto- APPh

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Infelizmente, não recordo a cidade onde foi feita esta fotografia. Poderia ter sido em Boston, Providence, Newark... Mas a imagem seria a mesma em qualquer destas cidades. Graduados da Universidade, rodeados de familiares, passeiam-se e festejam um dos mais importantes dias da vida de cada um...

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Sinais modernos: pulsos discretos

Por Ferreira Fernandes

O LIBÉRATION andou esta semana atento ao pulso de Nicolas Sarkozy. Este recandidata-se às presidenciais e o interesse do jornal não era pela firmeza nas rédeas do país, era só pelo pulso esquerdo, o do relógio. Na eleição anterior, aquele pulso brilhava tanto como os colares ao peito de um cantor de rap. O que é neste de ouro grosso como barras de cadeia, em Sarkozy eram mostradores piscando as marcas.
Atraídos como borboletas pelos candeeiros, os jornalistas de então faziam listas dos avistamentos, com o risco de encandearem a menina dos olhos: um Rolex Daytona, um Breguet Réveil du Tsar, um Patek Philippe, um Berlingot Légitimer... Foram essas maravilhas do tic-tac que batizaram o primeiro mandato de Sarkozy: tempos de bling-bling, fórmula bebida no tal gosto rap.
O Rolex Daytona tendo sido visto no debate decisivo de há cinco anos, interrogou-se o publicitário da campanha, Jacques Séguéla, se não era um erro tanta exibição. Resposta: "Toda a gente tem um Rolex. Se aos 50 anos não se tem um Rolex é porque se falhou na vida."
Ter um Rolex GMT Master II no pulso também não garante sucesso na vida, Che Guevara tinha um no dia em que foi morto na guerrilha. Mas a antiga frase de Séguéla é boa para medir a crise a que chegámos: em 2012, ninguém, nem um candidato bling-bling, ousa ser tão ostensivo. E, de facto, confirmou o Libération, os relógios atuais de Sarkozy de tão modestos não espreitam pelo punho da camisa.
«DN» de 19 Fev 12

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18.2.12

De certa forma... a propósito da crónica anterior


Num local bem escolhido (pois é junto à Escola Básica Luís de Camões, em Lisboa) - uma nota de humor crítico no meio de tantas "pinturas rupestres".

Cardeal nega-me função essencial

Por Ferreira Fernandes

NÃO VOU DIZER que expulsando o que é natural nos cardeais ele volta a galope: acredito que o que disse o novo cardeal português, Manuel de Castro, foi só dele. E não vou retirar ao cardeal a legitimidade de se pronunciar sobre educação dos filhos lá porque não os faz: admito que um olhar de fora possa ser mais atento. Portanto, com o tal cardeal não generalizo, nem o excluo do direito de opinião.
Dito isto, engalinhei por ele ter dito que "a mulher deve poder ficar em casa ou, se trabalhar fora, num horário reduzido, de maneira que possa aplicar-se naquilo em que a sua função é essencial, que é a educação dos filhos". Na verdade, não engalinhei, senti a crista encrespar-se! Senti a minha função essencial de pai educador diminuída. Que é isso de que cabe mais e melhor a elas educar?! Parir, de acordo; mas a educar peço meças.
Acordei noites para sussurrar acalmias a choros. Admoestei muito cedo a falta de dizer bom-dia a vizinhos. Mergulhei junto para acabar com medos. Forcei-me a decorar poemas só para a acompanhar. Soube fazê-la sentir que ela estava comigo, mesmo quando estávamos longe um do outro...
É certo que não fiquei em casa nem trabalhei menos para a educar, não pude, é a vida. Mas apliquei-me na minha função essencial de pai educador. E a prova é que dei à minha filha ensinamento útil: "És cidadã a parte inteira, mas, nunca esqueças, nada está garantido para sempre." Preveni-a contra si, cardeal.

«DN» de 18 Fev 12

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A propósito da crónica anterior...

1...
2...
3...
4...
5... Pronto, até já deita por fora!
MESMO no final da sua crónica, Antunes Ferreira refere que, na Índia, ninguém respeita os traços contínuos. Não precisava de ir tão longe para ver disso: assim que li o texto, fui à janela; as fotos que tirei dizem tudo: como o sinal de paragem proibida não é respeitado, anteontem pintaram o traço contínuo que aqui se vê, com os resultados (pre)visíveis...

NOTA: Esta sequência (1-2-3-4-5) devia começar em ZERO. Mas prometo que, quando vir essa situação, a documento.

Uma Gralha na Varanda - Sinfonia de buzinas


Por Antunes Ferreira

NA ÍNDIA, todos os veículos motorizados, incluindo os tractores, podem prescindir de diversos componentes que, para um ocidental são considerados incontornáveis: espelho retrovisor, pisca-pisca, isqueiro, rádio e sei lá mais quais. Há um, porém que é imprescindível: a buzina. Isso mesmo, a buzina. E… Goa é Índia. Por isso ela não poderia aqui faltar; ela, obviamente, a buzina. Que é, igualmente, atributo imprescindível nas bicicletas. Nas vacas sagradas não é.

Há-as de todas as qualidades, feitios e, sobretudo, decibéis. Nas estradas e nas cidades, vilas, aldeias, freguesias, ruas, largos, vielas, becos, travessas e similares são as notas de uma sinfonia rodoviária realmente extraordinária. Há, como em toda a parte, os mais prevenidos: carrinhas, camiões e afins, solicitam nas respectivas traseiras, HORN PLEASE. E o pessoal corresponde, cumpridor e honesto.

Buzinar é, assim, uma prática saudável, sentida e entusiástica. Permanente, pois até de noite ela acontece. Mais vale prevenir do que remediar. Se o cavalheiro do lado apita, por que bulas há-de o concidadão não buzinar? De resto, o trânsito indescritível justifica perfeitamente esta orquestra ciclópica e desafinada. Pelo sim, pelo não o cláxon é instrumento, simultaneamente de alerta, de aviso, de defesa; de ataque, por vezes, também. E não há solistas, cada um toca o que sabe.

Se algum dia alguém, paternalmente, me aconselhasse a conduzir por estas bandas - não podendo responder menos educadamente, a gente tão amável de cá não o mereceria -, em vez de a mandar para qualquer local ou atributo conhecidos e pouco recomendáveis, teria duas alternativas: a fuga ou o suicídio. Já viram um formigueiro em que se tivesse eliminado a rainha? Imagina-se a desordem nas filas (indianas?) dos insectos trabalhadores. É apenas uma modesta comparação com a forma de circular aqui. Quanto maior a confusão – melhor.

E o que é mais espantoso é que se registam poucos acidentes. Aliás, quando acontecem, normalmente saldam-se por umas quantas vítimas mortais. Ou seja, quando se bate, bate-se. De resto, é o desvario. As ultrapassagens são, muitas vezes, no mínimo, emocionantes. Deveria, quiçá, escrever aterrorizantes. Mas isso foi ao princípio, em 1981, quando aqui vim pela primeira vez. Agora, sentado calma e sossegadamente ao lado do condutor, acho-as normalíssimas.

Cruzamentos, rotundas, são emaranhados mais… emaranhados do que teias de aranhas múltiplas e sobrepostas. E, curiosamente, enquanto se esgueiram motos, scooters, bicicletas, motorizadas e riquexós por entre os 12,7 centímetros que separam as restantes viaturas, ninguém insulta ninguém: buzinam, com alma e denodo. Igualmente interessante, motivo para study case que se preze, são as filas de veículos. Ziguezagueantes. E, no que toca a traços contínuos ou passadeiras, louve-se quem os pintou para serem tranquilamente ignorados.
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NOTA (CMR): juntei o vídeo que em cima se vê, onde constam algumas impressionantes passagens a ferro...

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Apontamentos de Lisboa

Preços em tempos de crise...

17.2.12

Avaliação

Por João Paulo Guerra

PORTUGAL passou a ser um país secundário e dependente, submetido regularmente a avaliação por parte de burocratas que apreciam não tanto a evolução dos indicadores da economia mas mais o grau de obediência, sujeição e servilismo em relação a ditames do exterior.

Não se trata de saber se a economia do País está a crescer, ou o endividamento e o défice a descerem. Trata-se de avaliar se Portugal está a obedecer a sujeições ideológicas que lhe são impostas do exterior. Portugal não tem sequer direito a usar um código de valores e de referências nacionais. Não há nada pior em termos de sujeição, de obediência e de humilhação.

Não sei o que vêem os governantes portugueses quando se olham nos espelhos. Mas o verdadeiro poder em Portugal reside em potências ocupantes. Os governantes portugueses não têm mais autonomia que uma governanta doméstica: tentam arrumar a casa, segundo as ordens de patrões, sob a sua supervisão, como capatazes. E são regularmente inspeccionados e avaliados, como simples subordinados que são.

Neste preciso momento está uma tripeça em visita de inspecção a Portugal. Se quiserem deitam o País para o lixo. E com o País, na pá do lixo, vai a identidade, a memória, a História do País e as pessoas. Coisas sem préstimo, porque o mundo é outro, o mundo mudou, está bem de ver que mudou, e para muito pior, sem alma e sem causas.

Agora, o único valor é o mercado. Os senhores da tripeça são inspectores do mercado. Acordaram hoje no conforto máximo de um belíssimo e alto hotel sobre Lisboa, olharam a cidade branca com absoluta indiferença e vão tomar decisões. Amanhã, quando voltarem a acordar, o País estará mais pobre, mais endividado e mais triste. Mas a tristeza não tem cotação no mercado.
«DE» de 17 Fev 12

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Mais 'ph' ou menos 'ph' - (A propósito da crónica anterior)

Lisboa - Farmácia Universal

Mais 'p' ou menos 'p'

Por Ferreira Fernandes

FUI BATIZADO pelos capuchinhos na luandense igreja de São Paulo, então no musseque Cayatte, depois bairro de São Paulo quando as ruas foram asfaltadas. Minto, o que fui foi "baptizado". Batizado ofende-me um bocadinho os olhos mas, confesso, não me tira o sono.
A consoante muda já desaparecera em João Batista Drummond, rico brasileiro, barão de patrónimo esquisito, dos Drummond do Funchal que começaram por ser filhos dos simples Sebastião de Carvalho e Joana Costa. Ora o João Batista, de amputado "p", é dos meus que até dói. Nascido em 1825, foi tão cidadão do Rio que lhe deu um bairro castiço: Vila Isabel. A rua principal do bairro chama-se Boulevard 28 de Setembro, data assinalando a Lei Áurea que acabou com a escravidão no Brasil. O barão era progressista e fã da Princesa Isabel (neta do nosso D. Pedro IV), a regente que assinou a lei. O boulevard é tão pomposo como Drummond mas no essencial tem portuguesíssimas pedras de calçada, negras e brancas, desenhando pautas de música, dós e fás passeando-se pelos nossos pés. Uma das canções desenhadas é Cidade Maravilhosa, hino do Rio pela primeira vez cantado, no Carnaval de 1935, por Aurora Miranda, a irmã caçula de Carmen, a de Marco de Canaveses.
Por falar em Carnaval, daqui a dias Vila Isabel vai desfilar homenageando Angola, onde fui batizado. Ou "baptizado"? Diz um verso do samba-enredo da homenagem: "Somos cultura que embarca." Mais "p" ou menos "p", é isso.
«DN» de 17 Fev 12

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