Crónica de Carlos Pinto Coelho
para 12 FEV 2005
Nunca me canso de me surpreender com alguns dos debates de que sou moderador, quer na rádio, quer na televisão. Voltou a acontecer isso no domingo passado, na TSF, com Medina Carreira, António Barreto e António Perez Metello, no meu programa “Directo ao Assunto”.
Mas deixem-me ir uns bons 25 anos atrás. A RTP tinha inaugurado a Informação/2, um memorável telejornal alternativo no Canal 2, de que fui chefe de redacção. Os futuros jardins da Fundação Gulbenkian eram assunto polémico e convidámos para debate o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles e o então presidente, Azeredo Perdigão, que estavam em discórdia acesa nos jornais. A meia hora que durou esse debate, em directo, foi igualmente acesa. Quando o programa estava perto do fim anunciei que faltavam uns minutos para acabar e ambos fizeram uma genuína manifestação de protesto, diante das câmaras, porque tinham muito mais para dizer. Saímos do estúdio calados, em notório mau ambiente, mas quando chegámos à caracterização ouvi-os, estupefacto, felicitarem-se mutuamente pela elegância das intervenções e marcarem um encontro para o dia seguinte.
No domingo passado, decorridos 42 minutos de inteligente debate sobre a situação e os destinos do País, tive de avisar os meus convidados de que o programa ia terminar. Ouvi protestos, que me fizeram lembrar os de há duas décadas. Mais: quando o programa acabou, um deles lamentou não haver mais hora e meia para a conversa e outro acrescentou que, nos media portugueses de agora, nunca há tempo suficiente para debates de ideias que abordem os assuntos para além do que é imediato e superficial.
A minha surpresa viria horas depois. O debate, vivo e recheado de informação, incidira sobre uma considerável variedade de temas – a previsível agonia do “Estado-providência” e suas consequências, o sistema eleitoral e suas distorções, a administração pública e a irrazoabilidade de certas promessas eleitorais, a brandura dos nossos padrões de exigência no ensino, para só citar alguns – mas, de tudo isso, a única matéria que vingou como tema de notícia e discussão durante o resto do dia, foi um curto aparte de Medina Carreira sobre o seu voto (nem no PS, nem no PSD). Mais nada perdurou, em atenção e referência.
Tinha esperado outras reacções. Tinha previsto que a violência da argumentação e dos números acerca do previsível risco das pensões de reforma, por exemplo, ia alimentar controvérsia brava nos “fóruns” dos jornais electrónicos. Ou a alegada inoperância do Estado, do Parlamento e do Presidente. Ou a crueza com que foi analisado o peso do funcionalismo público no Orçamento. Nada disso. Durante toda a tarde e a noite de domingo, as discussões virtuais dos que tinham e dos que não tinham ouvido o programa, não saíram do jogo de paixões clubistas.
Pouco mudou, desde há 25 anos para cá. Então como agora, convictos de que os debates “cansam” o auditório, os programadores do audiovisual são cautelosos na duração que lhes concedem. Mas agora, norteados pelas audimetrias, preferem a agitação à serenidade, a explosão das emoções ao confronto das ideias, o lavar dos pratos à selecção das ementas. Por isso são tão excêntricos e parecem tão breves os debates que não vestem o figurino da trepidação e da superficialidade, como aconteceu na TSF.
… E parece que o público assim o quer. E que, por isso, os políticos assim o praticam. E que, portanto, assim se desenrolará o resto da campanha. Outros seriam o esclarecimento dos cidadãos, a qualidade das propostas e a consciência da hora grave que vivemos, se outro fosse o diapasão dos debates e dos comícios. Mas, se o fosse, já era tarde para domingo 20.
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