28.9.24

Grande Angular - Votos

Por António Barreto

Tempos houve em que os votos e as eleições se percebiam, sobretudo ou também, por motivos políticos. Ou programáticos. Até ideológicos. Em todo o caso, doutrinários. Os programas dos partidos de esquerda eram de esquerda. Idem, para os de direita. Havia partidos e programas especialmente orientados para favorecer o capital, outros, evidentemente, o trabalho. A velha luta de classes influenciava muito as campanhas eleitorais e os votos. Houve sempre excepções, não faltaram aventuras imprevisíveis. Mas a clareza de propósitos e de doutrinas era uma qualidade.

 

Hoje, as coisas são muito distintas. Não! A luta de classes não desapareceu. Não! A divisão entre esquerda e direita também não se esfumou. Mas muitos outros factores e projectos vieram influenciar os programas, as campanhas eleitorais e as decisões dos eleitores. A questão religiosa, por exemplo. Assim como a questão racial. A demografia e as migrações. O centralismo de Estado e de sociedade versus a descentralização. A regionalização e o poder autárquico também. Sem falar no clima, na ecologia, na política internacional, na guerra e no terrorismo. 

 

Também as questões de género e de comportamentos sexuais dividem as esquerdas e as direitas. Há machismo, e não é pouco, dentro da esquerda e dentro da direita. Outras questões “existenciais”, como o suicídio assistido, a eutanásia e o aborto, dividem profundamente a esquerda e a direita. Talvez acima de tudo, a liberdade individual divide a esquerda e a direita. Esta pode ser defendida e ofendida pela direita e pela esquerda.

 

As coisas são hoje diferentes dos tempos claros de “preto e branco”, pois os valores tradicionais cruzam com valores sociais, morais e culturais, sem que a clássica divisão entre esquerda e direita se apresente nitidamente ao observador. Nas últimas décadas da política portuguesa, pudemos assistir a numerosos testemunhos destes cruzamentos e destas miscigenações. Houve governos socialistas, designadamente de Soares, Sócrates e Costa, que adoptaram valores habituais na direita e tomaram as respectivas decisões. Como houve governos de Sá Carneiro e Cavaco Silva que se ilustraram por medidas e princípios vulgarmente ditos de esquerda. São partidos, políticas ou governos “de centro” que, em geral, tiveram em Portugal mais êxito do que os sectários.

 

Imaginar que existe uma “política de esquerda” e uma “política de direita”, claras e bem definidas, para cada uma das questões acima referidas, e para cada um destes aspectos da vida, é pura e simplesmente não perceber o tempo contemporâneo ou, mais provavelmente, ter uma visão dogmática e fanática das suas próprias concepções. Há partidos, sobretudo de esquerda, mais doutrinários, que nunca hesitam em afirmar e garantir que as suas posições são de esquerda, com exclusão de todas as outras. Aliás, a primeira característica de uma política de esquerda, para um grupo ou movimento sectário, é que é de esquerda por ser a sua. Do outro lado, o hábito é diferente: um governo de direita nunca é de direita, é nacional. Ou do centro, pode acontecer.

 

A gestão do actual governo, desde há menos de um ano, acompanhada pela acção dos partidos de oposição, com especial relevo para o PS e o Chega, obriga-nos a reflectir e a perguntar: o que os faz correr? O que os leva a este comportamento estranho de negociar o orçamento sem nunca o ter visto? Onde está a esquerda e a direita?

 

O governo tem mostrado ser mestre em distribuição. Dá a toda a gente tudo o que pode. Dá mais do que os socialistas. Reembolsos, devoluções, subsídios, isenções e descontos. Promete mais, para os próximos anos, do que os sindicatos estavam à espera e do que os socialistas ofereciam. Como tantos outros governos antes dele, pode vir a falhar na concretização prática. Certo. Mas casas nas grandes cidades, compensações para as vítimas de incêndios, subsídios para recomeçar uma empresa, alojamento estudantil, devolução de propinas, aumentos de vencimentos dos professores, dos médicos, dos enfermeiros, dos militares, dos polícias e Deus sabe a mais quem… Nada tem faltado à chamada. As esquerdas estão envergonhadas. E os socialistas com ciúmes. Opõem-se com certeza a esta política que devem classificar de inconsistente, incoerente, oportunista e demagógica, pela simples razão de que o governo lhes está a tirar todos os argumentos para eles fazerem oposição. Um governo dito de direita a distribuir subsídios, pensões, compensações, reembolsos e cortes fiscais não é o que mais convém à oposição de esquerda.

 

Não se sabe, evidentemente, quanto tempo este “bodo” vai durar. Até porque há muitos outros “clientes”, nomeadamente empresários e proprietários, à espera do que lhes foi prometido e do que é justo esperarem de um governo dito de direita. Não sabemos se a União Europeia vai pagar tudo o que o governo pede, das bolsas de estudo aos comboios, da saúde ao investimento. Mas já se percebeu que, com a sua política criativa, destroçou grande parte do capital de queixa dos socialistas. Até porque estes, com mais de vinte anos de governo nas três últimas décadas, têm dificuldade em encontrar um dos maiores instrumentos da política: onde pôr o pé.

 

Como a situação política é frágil e os equilíbrios muito difíceis, o principal motor da acção do governo e dos partidos, especialmente do PSD, do PS e do Chega, é o voto. Puro e simples. O voto nas próximas eleições, que aliás ninguém sabe quando serão e poucos desejam. Ou antes, que nem sequer sabem se desejam. O voto expresso nas sondagens e o voto real nas próximas autárquicas como primeiro sintoma. Como é evidente, o voto é crucial em democracia. Mas é justo pensar que é tanto mais importante quanto serve para qualquer coisa: governar, melhorar, reformar e progredir. Cuidar do futuro. Garantir a segurança. O contrário é uma perversão democrática. Governar para ganhar votos. Opor-se para ganhar votos. Fazer o que quer que seja para ganhar votos.

 

O aparente debate sobre o orçamento do Estado tem algo de patético. Em primeiro lugar, repete-se, o orçamento não existe, ninguém o viu até agora. Em segundo, o governo gostaria de fazer, com este orçamento, tudo quanto a oposição desejaria fazer. E a oposição esforça-se por impedir que o governo faça o que ela gostaria de fazer. 

 

Parece complicado, mas não é. Os humoristas poderiam dizê-lo. Para que é que governas? Para ganhar votos. E para que é que queres ganhar votos? Para governar. E depois? Ganhar mais votos.

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Público, 28.9.2024

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MINERAIS E CRISTAIS, MINERALOGIA E CRISTALOGRAFIA


Por A. M. Galopim de Carvalho

Os minerais estão no nosso quotidiano. Nas pedras das calçadas, na areia com que se faz o vidro, nas matérias-primas de todos os metais que nos asseguram a sociedade industrial, nas joias de quem as pode usar e no sal de que nós, portugueses, abusamos.

Todos falamos de minerais com base num conhecimento vulgar, empírico, ligado à experiência do dia-a-dia. Minas, minérios e mineiros fazem parte do vocabulário popular por razões óbvias ligadas a um vasto e velho sector primário da economia. Não há sítio onde não se fale de minas, nem que seja de minas de água. “Mina”, nome que recebemos através do francês “mine”, significa escavação na terra e parece radicar na cultura céltica, vivida por um povo ao qual se deve a metalurgia do ferro.

O conceito mais divulgado de mineral diz que, além de natural, tem de ser sólido, ter uma composição composição química variável dentro de limites bem estabelecidos e ter uma estrutura cristalina bem definida, caracterizada por uma disposição geométrica dos seus átomos, segundo redes tridimensionais, próprias de cada espécie. Diz-se, então que os minerais têm estrutura cristalina. Um outro conceito, mais simples e mais abrangente, diz, simplesmente, que mineral é todo o elemento ou composto químico, geralmente cristalino, gerado por um processo geológico.

Desde a Antiguidade e até, pelo menos, ao século XVIII, acreditou-se que os cristais de quartzo hialino, isto é, incolor e transparente, eram ocorrências de água no estado sólido, num grau de congelação tão intenso que era impossível fazê-los voltar ao estado líquido.

Aristóteles (384-322 a. C.) chamava “cristal” ao gelo (“krystallos”, em grego) e foi sob este nome que esta espécie mineral passou aos domínios da alquimia, primeiro, e da mineralogia, depois. Um seu aluno, Theophrastus (372-287 a. C.), distinguia o cristal-água (o gelo) do cristal-pedra (o quartzo hialino). Os romanos mantiveram este entendimento, latinizando o nome para “cristallus”, como se pode ler num dos 38 volumes da “História Natural”, de Plínio, o Velho, (23-79 d. C.).

Foi o carácter transparente e incolor do cristal-pedra que acabou por dar o nome ao vidro industrial de alta qualidade, a que hoje chamamos simplesmente cristal. A expressão “cristal-de-rocha”, aplicada ao quartzo hialino, surgiu muito mais tarde (no séc. XIX) para distinguir o mineral do produto manufacturado. A palavra cristal acabou, depois, por se generalizar aos corpos poliédricos minerais ou orgânicos, naturais e artificiais, tendo sido, por isso, usada como étimo do nome da disciplina que os estuda – a Cristalografia – afirmada como ciência no início do século XIX com René-Just Haüy, em França.

Minerais e cristais são, pois, duas realidades indissociáveis. Por tradição, o conceito de cristal implicava o carácter poliédrico (facetado) do sólido, fosse ele uma substância mineral ou orgânica, natural ou produzida artificialmente. Tal concepção foi abandonada a partir do momento em que se tornou conhecida a estrutura íntima, à escala atómica, dos corpos no estado sólido.

Assim, cristal é hoje entendido como uma porção uniforme de matéria cristalina, matéria que, como se disse atrás, é caracterizada por uma disposição geométrica dos seus átomos, segundo redes tridimensionais, próprias de cada espécie. 

Um tal arranjo geométrico é posto em evidência, entre outras manifestações, pelas faces do cristal. Mas nem sempre a matéria cristalina se manifesta com a configuração de um cristal, no sentido vulgar do termo, isto é, no de um corpo poliédrico, total ou parcialmente limitado por faces planas. Um grão de quartzo, no seio do granito ou solto e na areia da praia, não tem forma poliédrica, mas é matéria cristalina.

Com a mesma composição química do quartzo, a opala, uma variedade de sílica amorfa, isto é, não cristalina. Amorfo é também o vidro vulcânico, principal constituinte de rochas como a pedra-pomes ou a obsidiana.

Ainda que cristalinas, não são consideradas minerais as substâncias inorgânicas produzidas artificialmente (bicarbonato de sódio, sulfato de magnésio, etc., à venda nas farmácias) e as orgânicas (açúcar), sejam elas naturais ou artificiais. Hoje em dia, são muitos os chamados sintéticos, isto é, substâncias química e estruturalmente semelhantes a determinadas espécies minerais, produzidas (sintetizadas) em laboratório e/ou industrialmente. O quartzo o diamante, o rubi e muitas outras gemas sintéticas não são, pois, minerais. A sua produção com fins tecnológicos, gemológicos ou outros, é hoje uma rotina.

A Mineralogia é a ciência que estuda os minerais, nela se separando uma Mineralogia Pura, interessada nos aspectos científicos fundamentais, do saber pelo saber, e uma Mineralogia Aplicada, visando a utilização dos minerais como matérias-primas nas mais variadas indústrias e utilizações. Vinda da Antiguidade, com destaque para as civilizações chinesa, babilónica, hindu e egípcia, através da tradição e dos textos eruditos dos clássicos gregos e latinos, recuperados pelos árabes, a Mineralogia percorreu a Idade Média de mãos dadas com a Alquimia, tendo aí crescido, deixando para trás muitas das concepções fantasiosas e místicas dos escolásticos. A Mineralogia afirmou-se e desenvolveu-se como Ciência, juntamente com a Química, ao longo dos séculos XVIII e XIX, fazendo-a progredir e tirando dela o essencial do seu desenvolvimento com acentuada organização sistemática.

A Mineralogia fez nascer, deu corpo e aprofundou uma nova disciplina científica, de cariz geométrico e matemático - a Cristalografia Morfológica - que usou como complemento até às primeiras décadas do século XX. Alargou-se, depois, ainda mais, com a Cristaloquímica, numa abordagem à organização espacial das redes cristalinas em função da natureza dos elementos químicos que as constituem para, a partir daí, se irmanar com a Física do Estado Sólido, com recurso às modernas tecnologias de análise. A Mineralogia acompanha hoje o caminho da Cristalografia Estrutural, nova disciplina de âmbito alargado a todos os sólidos cristalinos, sejam eles inorgânicos ou orgânicos, naturais e artificiais ou sintéticos.

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23.9.24

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DA GEOLOGIA NOS ENSINOS BÁSICO E SECUNDÁRIO

Por A. M. Galopim de Carvalho


Num país,
como Portugal, onde a investigação científica e o ensino superior da Geologia estão ao nível dos que caracterizam os países mais avançados, é confrangedor assistir:

 

- à total iliteracia neste domínio do conhecimento da quase totalidade dos portugueses, incluindo os das classes sociais ditas cultas;

- à mesma iliteracia na generalidade dos governantes e demais decisores políticos;

- à pouquíssima importância, nos ensinos básico e secundário, deste domínio do conhecimento, essencial como motor de desenvolvimento, mas também como componente da formação cultural do cidadão.

 

De há muito que venho alertando, em textos escritos e em conversas públicas, para a pouca importância dada ao ensino da Geologia nas nossas escolas dos ensinos básico e secundário. Isto porque, em minha opinião, quem decide sobre o maior ou menor interesse das matérias curriculares, parece desconhecer que a geologia e as tecnologias com ela relacionadas estão entre os principais pilares sobre os quais assentam a sociedade moderna, o progresso social e o bem-estar da humanidade. 

As minhas repetidas e insistentes diligências junto dos sucessivos governantes, no sentido de inverter esta deplorável situação, continuam sem resposta. O que é desesperante e lamentável.

Exceptuando aqueles que, por formação académica e profissional, possuem os indispensáveis conhecimentos deste interessante e útil ramo da ciência, a generalidade dos nossos ministros, secretários de estado, deputados e presidentes de autarquias não conhecem nem a natureza, nem a história do chão que pisam e no qual assentam as fundações dos edifícios onde vivem e trabalham. Uns mais, outros menos, sabem o que neste território se passou desde o tempo em que o primeiro humano o pisou, milhares de anos atrás, mas muitíssimo pouco ou nada sabem sobre os milhões de anos de história deste torrão que é o nosso. 

 

Não sabem que o lioz, ou seja, a pedra calcária usada na cantaria e na estatuária de Lisboa e arredores, nasceu num mar de há cerca de 95 milhões de anos, muito pouco profundo e de águas mais quentes do que as que hoje banham as nossas praias no pino do verão. 

 

Não sabem que o basalto das velhas calçadas da capital brotou, como lava incandescente, de vulcões que aqui existiram há uns 70 milhões de anos, nem que o granito, a pedra que integra o belo barroco da cidade invicta, tem mais de 300 milhões. 

 

Não imaginam que o Tejo já desaguou mais a Sul, por uma série de canais entrançados, numa larga planura entre a Caparica e a Aldeia do Meco. 

 

Não sabem que a serra de Sintra é o que resta de uma montanha bem mais imponente e ignoram que, por pouco, não rebentou ali, há uns 85 milhões de anos, um grande vulcão. 

 

Marcados por um ensino livresco, tantas vezes desinteressante e fastidioso, são muitos os que, enquanto estudantes, frequentaram geologia e que, terminada esta fase das suas vidas, atiraram para o caixote do esquecimento o pouco que lhes foi ministrado sem entusiasmo nem beleza.

 

É o que se passou com a generalidade dos nossos adultos, sejam eles juristas, economistas, militares ou marinheiros, poetas, romancistas ou jornalistas, vendedores de automóveis ou jogadores de futebol. 

 

Não sabem que grande parte do Ribatejo e do Alto Alentejo foi uma área lacustre e pantanosa há poucas dezenas de milhões de anos, que tivemos aqui períodos de frio glacial, como por exemplo o da Islândia, e de calor húmido tropical, como o das Caraíbas. Ninguém lhes explicou quando e como surgiram e evoluíram as serras de Portugal, porque é que há mármores em Estremoz, areias brancas em Coina e em Rio Maior, pirites em Aljustrel, volfrâmio na Panasqueira, urânio na Urgeiriça, lítio em Montalegre e caulinos na Senhora da Hora. Desconhecem porque é que se fala do Barrocal algarvio, das Portas do Ródão, do gargalo do Tejo, dos barros de Beja, livraria do Mondego, da “planície alentejana” ou do “Norte montanhoso”.

Sabem dizer granito, basalto, mármore, calcário, xisto, barro, quartzo, mica, feldspato, petróleo, gás natural e carvão-de-pedra, mas ignoram a origem, a natureza e o significado destes materiais como documentos da longa história da Terra.

 

Para além do seu interesse utilitário na procura, exploração e gestão racional de matérias-primas minerais metálicas e não metálicas indispensáveis no mundo actual, a geologia ensina-nos, ainda, a encontrar águas subterrâneas e recursos energéticos, como são o carvão, o petróleo, o gás natural e o calor geotérmico.

Essencial no estudo da natureza dos terrenos sobre os quais temos de implantar grandes obras de engenharia (pontes, barragens, aeroportos), ou desenvolvemos a agricultura, a geologia dispõe ainda dos conhecimentos necessários à prevenção face aos riscos vulcânico e sísmico, à defesa do ambiente natural numa política de desenvolvimento sustentado, à preservação do nosso património mais antigo, além de dar resposta a muitas preocupações de carácter filosófico.

 

É. pois, preciso e urgente olhar para esta realidade do nosso ensino. É preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si meia dúzia de professores desta disciplina capazes de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino desta área curricular, a começar nos programas, passando pelos livros e outros manuais adoptados, pela formulação dos questionários nos chamados pontos de exame e, a terminar, na conveniente formação dos respectivos professores.

 

Importantes páginas da longuíssima e complexa história da Terra, conservadas nas rochas, estão à disposição dos professores e dos alunos nos terrenos que rodeiam as suas escolas. Conhecer esses terrenos e os processos geológicos aí envolvidos, desperta a curiosidade dos alunos, abrindo-lhes as portas não só ao conhecimento da sua região, como aos da geologia em geral. Tais conhecimentos, mais sentidos e interiorizados do que, simplesmente, decorados para debitar em provas de avaliação, conferem dimensão cultural a esta disciplina, formam cidadãos mais conscientes da sua posição na sociedade e defensores activos do nosso património natural. 

À semelhança de um velho pergaminho, de um achado arqueológico, ou de uma ruína, as rochas, com os seus minerais e os seus fósseis, são documentos que a geologia ensina a ler e a interpretar.

 

Se há matérias que têm características passíveis de serem ministradas numa política de regionalização do ensino e que muito conviria considerar, a Geologia satisfaz esta condição. 

Portugal, de Norte a Sul e nas Ilhas, dispõe de uma variedade de terrenos que cobrem uma grande parte do tempo geológico, desde o Pré-câmbrico, com mil milhões de anos, aos tempos recentes. No que se refere à diversidade litológica, o território nacional exibe uma variedade imensa de tipos de rochas, entre ígneas, metamórficas e sedimentares e, no que diz respeito aos minerais, o número de espécies aqui representadas é, igualmente, muito grande, e o número de minas espalhadas pelo território e hoje abandonadas ultrapassa a centena.

Temos, muito bem documentadas, as duas últimas grandes convulsões orogénicas. A Orogenia Hercínica ou Varisca, que aqui edificou parte da vasta e imponente cadeia de montanhas de há mais de 300 Ma e hoje quase completamente arrasada pela erosão, e a Orogenia Alpina que, nas últimas dezenas de milhões de anos, entre outras manifestações, elevou o maciço da Serra da Estrela, à semelhança de uma tecla de piano que se levanta acima das outras, e dobrou o espectacular anticlinal tombado para Sul, representado pela serra da Arrábida.

Podemos mostrar aos nossos alunos muitas e variadas estruturas tectónicas, como dobras, falhas, cavalgamentos e carreamentos. Temos à nossa disposição múltiplos aspectos de vulcanismo activo e adormecido (nos Açores) e extinto, de um passado recente (na Madeira, há 7 Ma, e Porto Santo, há 14 Ma) e antigo de cerca de 70 Ma, entre Lisboa e Mafra. Temos fósseis de todos os grandes grupos sistemáticos e de todas épocas. Temos dinossáurios em quantidade e algumas das pistas com pegadas destes animais entre as mais importantes da Europa e do mundo.

 

Tudo isto para dizer que, no ensino da Geologia, para além de um conjunto de bases gerais consideradas essenciais e comuns a todas as escolas do país, as do ensino secundário, deveriam ministrar um complemento criteriosamente escolhido sobre a geologia da região onde se inserem.

Assim e a título de exemplo, as escolas das regiões autónomas, aproveitando as condições especiais que a natureza lhes oferece, deveriam privilegiar o ensino da geologia própria das regiões vulcânicas, incluindo a geomorfologia, a petrografia, a mineralogia, a geotermia e a sismicidade (estas duas, nos Açores). Do mesmo modo, o citado vulcanismo extinto, entre Lisboa e Mafra, o maciço subvulcânico de Sintra (possivelmente um lacólito), o mar tropical pouco profundo que aqui existiu, durante uma parte do período Cretácico, deveriam ser objecto de estudo dos alunos da “Grande Lisboa”.

Os exemplos são muitos e cobrem todo o território. O termalismo em Chaves, São Pedro do Sul e em muitas outras localidades, os vestígios de glaciações deixados nas serras da Estrela e do Gerês, o complexo metamórfico e os granitos da foz do Douro, os “grés” de Silves, os quartzitos da Livraria do Mondego e a discordância angular da Praia do Telheiro (Vila do Bispo) deveriam constar dos programas das escolas das redondezas.

Estes e muitos outros exemplos reforçam a ideia da possibilidade de uma adequada informação sobre a geologia regional a complementar um bem pensado programa de base comum a todas as escolas.

 

Imenso e tido por inabarcável, ao tempo dos descobrimentos marítimos, o nosso Planeta começa a dar preocupantes sinais de agressão já evidentes na poluição do ar que respiramos, da água dos mares e da que bebemos e, ainda, dos solos onde, é bom não esquecer, radica toda a cadeia alimentar que nos sustenta.

 

Apesar de ínfima no contexto da biodiversidade, esta criatura, a última de uma linhagem evolutiva de milhares de milhões de anos, a que foi dado o nome de Homo sapiens, só por si e desde o advento da Revolução Industrial (finais do século XVIII, começos do XIX), tem vindo a atentar, a ritmo exponencial, contra o meio físico que a todos rodeia, atingindo, no presente, níveis alarmantes que justificam, entre outras reuniões internacionais, a COP 28 ,que, em 2023, teve lugar nos Emirados Árabes Unidos, da Organização das Nações Unidas (ONU).

Na sociedade de desenvolvimento, tantas vezes descurando os bem conhecidos preceitos de sustentabilidade, privatizam-se os benefícios da produção e distribui-se pelos cidadãos a subsequente poluição. À desenfreada procura de lucro de uns poucos, tem de opor-se a necessária cultura científica por parte dos restantes cidadãos. E a Escola tem, forçosamente, que fornecer essa cultura em articulação harmoniosa e inteligente com os saberes de outras disciplinas. Não o molho de definições que (salvo honrosas excepções) tem sido a sua praxis.

Sendo certo que a capacidade de intervenção de cada indivíduo, como elemento consciente da Sociedade, está na razão directa das suas convenientes informação e formação científicas, importa, pois, incrementá-las. E incrementá-las é facultar-lhe correctamente o acesso aos conhecimentos que, constantemente, a ciência nos revela. Sendo a geologia a disciplina científica que nos fornece todos conhecimentos atrás apontados, é fulcral atribuir-lhe, ao nível da Escola, a importância que, realmente, tem.

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21.9.24

Grande Angular - Os KAMOV: Incompetência ou corrupção

Por António Barreto

Talvez tenham sido adquiridos em 2006. Foram seis e terão começado a chegar a Portugal em 2008. Um deixou de trabalhar em 2012. Dois foram para a manutenção em 2015 e nunca mais de lá saíram. Três foram postos fora de serviço em 2018! Entre este último ano e 2024, data da doação à Ucrânia, estiveram os seis KAMOV encostados, sem manutenção, nas instalações do aeródromo de Ponte de Sor. Verdade? Quanto custou tudo? Quanto falta pagar? Quem são os responsáveis?

 

A partir de certa altura, a Protecção Civil recusou os KAMOV e não mais quis saber deles. O governo ordenou que fossem entregues à Força Aérea, que exigiu uma auditoria prévia. Passado um tempo, a Força Aérea recusou os KAMOV. Depois, foi-lhes retirada licença de voo. Algures, por volta de 2020, os helicópteros não tinham dono. Uma reparação necessária foi avaliada em 40 milhões. Quase tanto quanto tinham custado! No total, entre custo, manutenção, contratos, reparações e tudo o resto, os KAMOV poderão ter custado ao Estado português cerca de 300 a 400 milhões e passaram os seus últimos anos, em fase terminal, sem licença e incapazes de funcionar. Diz-se que, enquanto estavam imobilizados, o Estado alugava outros KAMOV a outros países por 5 milhões por ano. Entretanto, Portugal comprou seis helicópteros americanos BLACK HAWK, em segunda mão, por 43 milhões de euros. Verdade? E prepara-se ainda para, a preços incertos e desconhecidos, alugar e comprar aviões CANADAIR, não se sabe se novos se usados.

 

A história dos KAMOV em Portugal parece ter terminado. Parece! Na verdade, ninguém sabe se sobraram “rabos de palha”, dívidas por liquidar, compromissos não respeitados, processos pendentes, despesas imprevistas ou juros e comissões em falta. Esperemos por tudo. De qualquer maneira, o essencial é conhecido: os KAMOV vieram para combater os incêndios. Estiveram mais tempo parados por avaria, impossibilidade de voar, falta de manutenção e indisponibilidade de tripulações habilitadas do que passaram a trabalhar ou disponíveis.

 

Os KAMOV são um tratado de comportamento comercial e político, inesgotável de informações sobre o que se não deve fazer para respeitar os interesses nacionais. E exaustivo em lições sobre o que se deve fazer para aldrabar o Estado, defraudar a lei e recompensar os intermediários.

 

Os KAMOV são um manual de aprendizagem para os doutorandos em minas e armadilhas, para quem prepara carreira na gestão de negócios especiais, para quem se candidata a assessor de gabinete e para quem se quer especializar em transacções nas zonas crepusculares da democracia e dos negócios.

 

Os KAMOV são lições práticas para quem, com boas ou más intenções, estuda para ingressar em carreiras da polícia judiciária, dos fiscais de contribuições e impostos, dos inspectores de finanças e das brigadas de anticorrupção.

 

Os KAMOV são lanterna que alumia o caminho para perceber as relações entre Portugal, a União Soviética, a Rússia e a Ucrânia.

 

Os KAMOV são uma pérola a revelar alguns traços essenciais da identidade nacional, designadamente nas áreas cinzentas da legalidade, da transparência e da complacência.

 

Reconstruir ou estudar a história dos KAMOV em Portugal é tarefa quase impossível, digna do que de melhor se premeia nas áreas especializadas do jornalismo, das relações internacionais e do comércio paralelo. Percorrem-se os jornais e os arquivos da televisão e encontram-se milhares de factos, de denúncias, de estatísticas. Quase sempre contraditórias. Por intermédio dos órgãos de referência da comunicação e da informação, não é possível saber o que se passou. O Estado não verifica, não controla, não produz números indiscutíveis. Acusados de incompetência, interesse, corrupção, ignorância e covardia, vários governantes, responsáveis por todos os actos de vida destes KAMOV em Portugal, escondem-se, assobiam para o ar, calam, disfarçam e coçam a cabeça.

 

Quase todas as fontes referem o valor de 8 milhões para o preço de cada KAMOV. Isto é, cerca de 48 milhões para o pacote. Os problemas vêm depois. Prestações, serviço da dívida, abatimento de dívidas soviéticas, contratos de manutenção, aquisição de peças, comissões de intermediação e contratos de prestação de serviços elevam os preços, após doze anos, a montantes próximos dos 300 ou 400 milhões de euros. Não se percebe como. Não há matemática que resista. Mas é assim. É certamente um dos mais escandalosos casos da história portuguesa. A possibilidade de as despesas, os prejuízos e as perdas poderem oscilar entre tão altos limites não suscita acções e reacções de investigação e contestação?

 

Quantos foram alugados e comprados? A que preços? Quanto custaram os serviços financeiros, de manutenção, de reparação e de serviço? Quanto falta ainda pagar? Prestaram serviço proporcional aos custos? Quanto tempo estiveram os KAMOV imobilizados no solo? Quanto tempo prestaram efectivamente serviço? Quantas horas de voo realizaram? Quem foram os intermediários, comissários, auditores, advogados e outros prestadores de serviços em todo este negócio? 

 

Os KAMOV parecem estar numa linha tradicional de negócios particularmente chorudos, incompetentes, viciados e de más consequências: é uma sequência fatal de aquisições, alugueres, trocas, compras e vendas de aviões de passageiros, aeronaves de luta contra os incêndios, submarinos, comboios e catamarãs. De comum entre eles? O comprador é o Estado. E há sempre uma zona escura e um capítulo de dúvida.

 

Se as autoridades não esclarecerem este caso dos KAMOV, poderão ser acusadas de má gestão política. De covardia governamental que não assume as suas responsabilidades. De intervenção ilegítima de agentes e intermediários. De pagamento de luvas excessivas. De desatenção com a manutenção. De desprezo pela utilidade social dos equipamentos comprados. De falta de respeito pelo erário público. De falta de controlo por entidades competentes. De falta de honestidade.

 

Não há responsáveis? Políticos? Governantes? Dirigentes de instituições públicas e de empresas privadas? Advogados? Intermediários? Peritos? Empresários? De uma coisa podemos estar certos: ninguém se assume como responsável por qualquer decisão relativa aos KAMOV durantes os últimos dezoito anos. É pelo menos suspeito.

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Público, 21.9.2024

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20.9.24

No "Correio de Lagos" de Agosto de 2024

 

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A União Internacional de Ciências Geológicas...

  


A União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS) anunciou a lista dos Segundos 100 Sítios do Património Geológico IUGS no 37º Congresso Geológico Internacional (IGC) em Busan, República da Coreia. 

 

O anúncio foi feito pelo presidente da IUGS, John Ludden, Stanley Finney, secretário-geral da IUGS e Asier Hilario, presidente da Comissão Internacional  do Património Geológico, em 27 de agosto, durante um evento especial do 37º Congresso Geológico Internacional.

 

Mais de 700 especialistas de 80 nações e 16 organizações internacionais participaram nesta empreitada global, que consolida o reconhecimento do património geológico pela IUGS.

 

Entre os Segundos 100 Geossítios encontra-se o Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios de Ourém – Torres Novas, vulgarmente conhecido como “Pedreira do Galinha”) que, em conjunto com a Pedreira de Vale de Meios (em processo de classificação), foram eleitos sob a designação “Middle Jurassic Dinossaur Footprints from the Serras de Aire and Candeeiros”.  Cientificamente, os dois locais são absolutamente excecionais no que concerne à idade, dimensão e qualidade das pegadas que apresentam. O tipo de pegadas (essencialmente de grandes saurópodes nas Pedreira do Galinha e de terópodes, de menores dimensões em Vale de Meios), complementam-se muito bem e por isso foram classificados em conjunto. 

 

A proposta foi apresentada por Luís Lopes (Universidade de Évora, Instituto de Ciências da Terra e Associação Portuguesa de Geólogos), Artur Sá (Universidade de Trás-os-Montes de Alto Douro e Centro de Geociências), Jorge Carvalho (Laboratório Nacional de Energia e Geologia), Lia Mergulhão (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), Mário Cachão (Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Instituto Dom Luiz) e António Galopim de Carvalho (Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa).

 

Os Segundos 100 Sítios do Património Geológico da IUGS, assim como os Primeiros 100, recebem o reconhecimento da IUGS porque são do mais alto valor científico. Eles são as melhores demonstrações mundiais de características e processos geológicos. Eles são locais de fabulosas descobertas da Terra e de sua história. São locais que serviram para desenvolver a ciência da geologia. Estão localizados por todo o mundo e são geologicamente diversos. O reconhecimento e a visibilidade dos “Second 100” pelo IUGS podem levar à sua maior valorização, à sua utilização como recursos educativos e, mais importante, à sua preservação.

 

O ebook dos Segundos 100 Sítios do Património Geológico IUGS pode ser descarregado diretamente aqui: 

https://iugs-geoheritage.org/publications-dl/IUGS-SECOND-100-SITES-WEB-BOOK.pdf

 

Mais informações: https://www.iugs-geoheritage.org

 

Em Busan, República da Coreia

27 de agosto de 2024

A União Internacional de Ciências Geológicas

 

Para mais informações:

Dr. Asier Hilario / flysch@gipuzkoa.eus

Presidente - Comissão Internacional IUGS sobre Património Geológico

19.9.24

No "Correio de Lagos" de Agosto de 2024

 

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O QUE IMPORTA SABER SOBRE O MAGMA (1)


Por A. M. Galopim de Carvalho

Comecemos por dizer que magma é um material da crosta ou do manto terrestres, na grande maioria de composição silicatada, total ou parcialmente fundido, provido de mobilidade que, ao solidificar, gera as chamadas rochas magmáticas ou ígneas. O termo radica no grego, "magma", que significa matéria rochosa.

Como ingredientes fundamentais do magma figuram quase sempre pouco mais de uma dezena de elementos químicos, os mais abundantes na crosta terrestre e, por isso, ditos principais ou maiores, cujas percentagens em peso são:

Oxigénio (O) - 46,6 

Silício (Si) - 27,7 

Alumínio (Al) - 8,1 

Ferro (Fe) - 5,0 

Cálcio (Ca) - 3,6 

Sódio (Na) - 2,8 

Potássio (K) - 2,7 

Magnésio (Mg) - 2,1 

São estes, pois, os principais constituintes dos minerais das rochas magmáticas, entre os quais os silicatos que, por si só, representam cerca de 99% da crosta terrestre. 

A estes elementos há ainda que juntar manganês /Mn), fósforo (P), titânio (Ti), carbono (C), enxofre (S) e hidrogénio (H). praticamente sempre presentes, embora em menores percentagens (em média).

O carbono, quando ligado quimicamente ao oxigénio, forma o conhecidíssimo dióxido de carbono que, com outros gases de menor representatividade igualmente libertados do magma, se evola durante as erupções vulcânicas.

O hidrogénio quando combinado com o oxigénio, gera a água. Nos resultados das análises químicas das rochas é normal haver referência a dois tipos de água. Um deles conhecido por «água mais» (H2O+) ou água de constituição, corresponde à água que faz parte da composição química de alguns dos seus minerais. O outro, designado por «água menos» (H2O-), corresponde à água de impregnação ou higroscópica (humidade), que se elimina aquecendo a rocha entre 105 e 110 °C.

Parte da água inicialmente contida no magma perde-se, quer em profundidade, no interior da crosta, indo alimentar outras fases da evolução petrogenética, quer à superfície, no vulcanismo. É esta água, no estado de vapor, que também se evola nas erupções vulcânicas.

Para além dos já referidos como elementos principais ou maiores (do inglês “major elements”), aqueles cujas percentagens, em peso, nas rochas é superior a 1%, há ainda a considerar os elementos menores (do inglês, “minor elements”) cuja presença nas rochas se situa, em termos percentuais, abaixo daquele valor.

Nestes há que distinguir elementos secundários (entre 1% e 0,1%) e elementos vestigiais ou elementos-traço (do inglês, “trace-elements”) que, como o nome indica, estão representados em quantidades ínfimas. A sua presença na composição dos minerais e das rochas é hoje fácil e rotineiramente pesquisada nos estudos petrológicos e geoquímicos. Consoante o rigor exigido pelas análises ou possibilitado pelos equipamentos disponíveis, a sua quantificação é expressa em ppm (partes por milhão) ou em cifras ainda menores, em ppb (partes por milhar de milhões, ppb, porque os autores em língua inglesa, chamam bilião ao milhar de milhões)

O termo oligoelemento (do grego, “oligós”, ínfimo) é ambíguo, pois tem sido usado quer como sinónimo de elemento menor quer como de elemento vestigial.

Uma outra classificação dos elementos com interesse geoquímico considera elementos litófilos, os habituais na formação da maioria das rochas (silício, alumínio, cálcio, sódio, potássio), elementos voláteis onde se incluem todos os que se podem vaporizar a partir dos fundidos de silicatos, a temperaturas inferiores a 1400 °C, em ambiente moderadamente redutor. O outro grupo compreende os elementos refractários que vaporizam acima do mesmo patamar e nos quais se separam elementos oxífilos (magnésio, crómio, titânio) e siderófilos (níquel, cobalto), consoante acompanham o oxigénio ou o ferro (em condições redutoras).

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18.9.24

No "Correio de Lagos" de Julho de 2024

 

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16.9.24

RACIONALISMO, HUMANISMO, ILUMINISMO E DESPOTISMO ILUMINADO,

Em poucas palavras, para gente com pressa.

Por A. M. Galopim de Carvalho

Os avanços da ciência, levados a cabo, no Renascimento, por Da Vinci (1452-1519) e Galileu (1564-1542), em Itália, mais tarde, por Nicolau Steno (1638-1686), na Dinamarca, e Isaac Newton (1643-1722), em Inglaterra, na chamada Revolução Científica do século XVII, e o espírito de abertura ao conhecimento fomentado pela exploração do mundo desconhecido pelos navegadores portugueses e espanhóis, foram importantes para a eclosão e consolidação do Racionalismo entendido como uma atitude mental, ou linha de pensamento que aponta o raciocínio lógico, ou seja, a razão (tida como a principal fonte de autoridade e legitimidade) como o caminho para se alcançar a verdade. Por sua vez, o Racionalismo foi “caldo de cultura” para o surgimento de uma outra, que marcou o chamado “Século das Luzes”, designada por Iluminismo. Esta outra atitude mental, descrita como um movimento intelectual e filosófico centrado na razão, advogava a liberdade, o progresso, a tolerância, a fraternidade, o governo legitimado pelo povo, o questionamento dos dogmas religiosos e, ainda, o Reducionismo apontado como a via segundo a qual, um sistema composto deve ser dividido nas suas partes que, uma vez estudadas cientificamente, permitem conhecê-lo, no seu todo.

Entre os mais destacados racionalistas sobressaem o francês René Descartes (1596-1650), o alemão Gottfried Leibniz (1632-1677), o holandês de origem portuguesa Bento Spinoza (1632-1677) e os ingleses Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632-1704), estes dois últimos focalizados no pensamento social e político. 

A par do Racionalismo desenvolveu-se uma atitude ética, vinda de trás e se afirmou no Renascimento, conhecida por Humanismo. Emergia assim, de séculos do obscurantismo religioso que caracterizou a Idade Média, uma nova era iluminada pela razão. Ao Teocentrismo, que colocou Deus no centro do das preocupações e dos temores do ser humano, opusera-se o Antropocentrismo que o libertou dessa servidão e o colocou no centro dessas mesmas preocupações.

A História mostrou que a independência dos Estados Unidos, em 1776, e a Revolução Francesa, cerca de um quarto de século depois, em 1789, tiveram por fundamentos as ideias saídas do Racionalismo, do Humanismo e do Iluminismo que teve seu ponto alto com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, publicada em Paris, a 26 de Agosto de 1789.

Os racionalistas tinham grande fé no poder da razão, defendendo que, mediante o uso desta nossa superior capacidade, seria possível um progresso sem limites. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), afirmava que era fundamental "ousar conhecer". Surgiu assim, o interesse em reexaminar e pôr em questão as ideias ancestrais, entre as quais as da doutrina da Igreja (a partir de então duramente questionada), cujo declínio foi favorável ao crescimento do Secularismo, entendido como o sistema que defende a separação entre o poder político e as instituições religiosas.

Foram muitos os elementos das elites intelectuais francesas que dilataram e divulgaram o Iluminismo, com destaque para Voltaire (1694-1778), Charles de Montesquieu (1689-1755), Denis Diderot (1713-1784) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1788). David Hume (1711-1776), na Escócia, Cesare Beccaria (1738-1794), na Itália, Benjamin Franklin (1706-1790) e Thomas Jefferson (1743-1826), na América do Norte, fizeram outro tanto. Foram as suas ideias que serviram de fundamento ao liberalismo, o político, e, mais tarde, o económico. 

O liberalismo acabou por invadir os círculos do poder, estando na base do Despotismo Esclarecido ou Iluminado, entendido como uma modalidade de governo que partilhava a exaltação de Estado e o poder absoluto do rei com as ideias de progresso e de filantropia defendidas no Iluminismo. Alguns monarcas de então, receosos de perder o poder ou, mesmo, a cabeça, aceitaram respeitar algumas destas ideias (não foi o caso de Luis XVI, que acabou por perdê-la em 1793). Entre eles, destacam-se Frederico II (1712-1786) da Prússia, Catarina II (1729-1796) a Grande, da Rússia, José II (1741-1790), da Áustria e Carlos III (1716-1788), de Espanha. 

Em Portugal esta modalidade foi seguida por D. José I ou, melhor dizendo, pelo Marquês de Pombal. O Despotismo Iluminado chegou aqui através dos portugueses letrados que viajavam pela Europa, os chamados estrangeirados, com destaque para o padre Luís António Verney (1713-1792), filósofo, teólogo, professor e escritor, e para Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal (1699-1782) que, antes de ter sido o 1º ministro de D. José I, foi embaixador em Inglaterra e na Áustria, onde recebeu forte influência das concepções culturais e filosóficas próprias do Iluminismo.

Foi sob esta modalidade de governo que, entre nós, teve lugar a reforma do ensino, a expulsão dos Jesuítas, o apoio às ciências e às artes, com o convite a professores e artistas estrangeiros para ensinarem e trabalharem em Portugal e a criação da Academia Real das Ciências em 1779.

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14.9.24

Grande Angular - Valores mais altos do que telemóveis

Por António Barreto

Há mais de cinquenta anos, um estranho acontecimento ocupou as primeiras páginas dos jornais de todo o país. Em Lamego, no Liceu, um aluno tinha sido apanhado a copiar, num exame, de maneira especialmente original e moderna. Não propriamente a copiar, mas sim a burlar com métodos criativos. Aparentava sinais de ferimentos na cabeça, por cima dos quais uma ligadura dava o toque realista. Na verdade, o truque escondia um minúsculo receptor de rádio que recebi indicações para resolver as questões do exame. Em casa, seu irmão, pequeno génio de tecnologia, tinha desenvolvido um transmissor artesanal de grande eficácia. Cinco minutos depois de começada a prova, dirigia-se ao Liceu, pedia uma cópia do enunciado, corria para casa e ditava ou inspirava as respostas. Um comerciante vizinho, no seu rádio, ouviu vozes que identificou como respostas a um exame. Foi ao Liceu e denunciou a marosca. Os professores foram ver e rapidamente detectaram a aldrabice. O aluno chumbou, mas foi reabilitado no ano seguinte. O irmão foi rapidamente recrutado por uma empresa especialista naquelas técnicas. Toda a gente compreendeu o castigo do burlão, mas o país inteiro simpatizou com os irmãos e seu feito. A tal ponto que, nessa noite, a loja do denunciante foi apedrejada e vandalizada. Nunca mais reabriu.

 

Esta pequena história serve, entre outros usos, para perceber o imenso abismo tecnológico, pedagógico e moral que nos separa daqueles dias. Os telemóveis de hoje, ou antes, os smartphones são poderosas armas ao alcance de toda a gente, que servem para todos os fins imagináveis: burla, jogo, invenção, cultura e lazer. Investigação, cálculo, informação, espionagem e roubo. Meditação, namoro, organização, controlo e gestão. Banditismo, terrorismo, filantropia e solidariedade. Os smartphones são portas abertas de cada um para o mundo e deste para cada um.

 

A discussão actual sobre o uso dos telemóveis nas escolas não é mais do que a repetição, actualizada, da mesma questão debatida há vinte anos. Pode ou deve proibir-se ou admitir os smartphones nas escolas? A sua proibição não vai atentar contra direitos fundamentais, a liberdade de expressão e o direito à informação? A sua admissão, pelo contrário, não vai liquidar o espírito da escola, a autoridade dos professores, o esforço de aprendizagem e o recato necessário para pensar e estudar? Convém notar que, há trinta anos, estes aparelhos pouco mais eram do que telefones e canais de mensagens escritas. Hoje, são tudo o que se sabe e ainda se não conhece.

 

O dilema não se limita à alternativa habitual, sim ou não. Na verdade, o problema é muito mais complexo. Todas as questões particulares são pertinentes. Quem deve ou pode ter a autoridade para tomar esta decisão? O Parlamento, o Governo, o Ministério, a Escola ou o professor?

 

A que se deve circunscrever a decisão? À escola no seu todo? Às salas de aula? Aos recreios e cantinas? Às salas de estudo e convívio?

 

As decisões sobre os smartphones são equiparáveis às que dizem respeito às tabletes, aos computadores e outros dispositivos? Que fazer com as necessidades evidentes de utilização destes para mil e uma funções educativas? Mesmo admitindo que a qualidade e a beleza das aulas magistrais são insubstituíveis, é evidente que há muitas outras formas de aprendizagem que não se limitam às aulas.

 

Além de troca de correspondência e de comunicação verbal, o smartphone também pode servir de dicionário, vocabulário, máquina de calcular, biblioteca, máquina de fotografia e cinema, reprodução musical, arquivo, compra e venda do que se quiser, actividade bancária e bolsista, aposta e vidência. Sem falar nas redes sociais e em todas as funções (saúde, estacionamento, informações, turismo, horários, mercado, etc.) essenciais para a vida quotidiana. É possível proibir umas funções e admitir outras?

 

Nada se passa sem que atravesse também os smartphones. Tudo o que é importante e tudo o que não é importante começa, acaba ou passa pelos smartphones. É o mais esplendoroso instrumento de liberdade, de morte, de conhecimento e de destruição. Faz algum sentido tomar uma qualquer decisão sobre o uso destes aparelhos nas escolas?

 

Faz todo o sentido. O uso intensivo e permanente do smartphone é absolutamente destruidor do que de melhor se pode passar na escola. O ensino, o diálogo e o debate são incompatíveis com o smartphone. O recato, o silêncio e a reflexão são destruídos pelo smartphone. A imaginação, a criatividade e o esforço pessoal são substituídos por todos os recursos “fast” que os smartphones proporcionam. O processo educativo inclui dimensões, qualidades e métodos não substituíveis por ciência esquemática, ensino plastificado e cultura empacotada.

 

Sei bem que a liberdade de expressão e o direito à informação, as duas flores mais frágeis da democracia, também estão ligadas ou podem beneficiar dos smartphones. Como sei que os ataques contra as redes sociais e o uso doloso das mesmas são ameaças contra as liberdades. Mas também sei que, tal como tantos outros instrumentos, aparelhos e funções, também estes podem e devem ser regulados. Guiar automóveis, usar armas, pilotar barcos e aviões, beber álcool ou consumir certas substâncias medicinais ou recreativas, exigem autorização, têm regras, só estão acessíveis em certas condições, segundo os locais e as idades. Regular o uso dos smartphones nas escolas, eventualmente também noutros locais de carácter reservado ou privado, é aceitável do ponto de vista da liberdade, desde que não seja instrumento de opressão de qualquer espécie (por exemplo, proibir uns e permitir outros). Nas escolas, muito especialmente nas salas de aula, os smartphones são instrumentos de perturbação e de destruição de valor superior, naquele momento e naquela ocasião, o da aula. A sua proibição nas salas de aula, com ressalvas excepcionais, justifica-se do ponto de vista da liberdade individual, do pensamento e do conhecimento.

Permitir ou proibir crianças de dez anos ou adolescentes de quinze de usar smartphones onde quiserem e quando quiserem são prerrogativas e deveres dos pais e dos familiares. Mas, nas salas de aulas, não são eles que têm autoridade para tanto. Nenhuma máquina desempenha com vantagem as funções da aula e do ensino. Nenhuma cópia é superior ao diálogo e ao estudo. Nada substitui o carácter humano do processo educativo.

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Público, 14.9.2024

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