Por António Barreto
A luta entre liberais e
dirigistas é antiga. Em Portugal, a tradição é a de Estado a mais: nos Descobrimentos,
na colonização, na industrialização, na República, no corporativismo, na revolução
e na democracia.
Há, em geral, Estado a mais nas
leis e nas regras. Mas há Estado a menos na prática e na acção.
Há Estado a mais na Administração
central, nos privilégios da Função Pública, nos regulamentos urbanísticos, nas
condições de investimento, na lei laboral, na concertação social, na burocracia
e nos procedimentos judiciários.
Há Estado a menos na segurança,
na defesa, na protecção pessoal, nas emergências, nas cirurgias, na luta contra
os desastres, na protecção do património e na fiscalização de actividades financeiras.
Mas esta polémica esconde um aspecto
crucial. Muitas vezes, o Estado, a mais ou a menos, é ignorante. O
desenvolvimento do capitalismo, da indústria e dos serviços, assim como do comércio
internacional e da integração europeia, não foi acompanhado pelo reforço das
capacidades científicas e técnicas do Estado. Este prefere recorrer aos
privados, a escritórios, a agências e a consultores. Subcontratação é a
palavra-chave. Hoje, a Administração Pública não tem capacidade de planear ou seguir
a maior parte das coisas que faz ou deixa fazer. Episódios como o dos
aeroportos de Lisboa, da Ota, do Montijo ou de Alcochete, nunca teriam ocorrido
se a Administração não estivesse esvaziada de conhecimento. As hesitações, a
falta de clareza em temas como o comboio de grande velocidade, os terminais
marítimos, a rede ferroviária, o campus da Justiça, a construção das grandes
pontes, os parques industriais e grande parte das auto-estradas construídas em
sistema de parceria (PPP) não dariam tanto desperdício, se o Estado não
estivesse refém dos interesses económicos ou partidários. E talvez a eficiência
e a segurança fossem superiores se o Estado, ao autorizar ou investir,
estivesse dotado de capacidade técnica tão independente quanto possível, mas
sobretudo conhecida, o que é uma notável fonte de independência.
Os recentes fogos servem para
demonstrar esta aparente dualidade. Houve Estado a mais na fixação de um
calendário de incêndios, na tentativa de dirigir a informação, na inexistência
de entidades civis ou locais, no monopólio de funções, na inércia dos grandes
dispositivos reféns de empresas e interesses e no esvaziamento de competências
das autarquias.
Houve Estado a menos na previsão,
na informação, na acção de emergência e na disponibilidade de sapadores profissionais;
na falta de divulgação dos dados conhecidos e que definiam a ameaça; na
incompetência técnica de tantos serviços, na falta de formação profissional dos
bombeiros e na ausência de dispositivos céleres de emergência humana.
Haverá Estado a mais se as Forças
Armadas forem enviadas para os incêndios sem missão legal, sem meios, sem
equipamento, sem aprendizagem e sem formação adequada. Mas há seguramente
Estado a menos, com a impossibilidade de intervenção por parte das Forças
Armadas, que não estão devidamente preparadas, treinadas e equipadas.
Este governo portou-se mal em todas
as frentes, até às mais simples tarefas de distribuição de água, pão e agasalho
a quem precisava no dia seguinte. Foi incapaz na previsão e incompetente na coordenação.
A desorganização, a ignorância, a falta de interesse e a insuficiência de conhecimentos
são deste governo. Mas também são, em boa parte, do governo anterior e do
governo de antes do anterior. E dos de antes desses. Isto é, do Estado, que
perde em tudo o que importa a todos e que cresce em tudo o que interessa a
alguns.
O problema parece ser mais do
Estado do que do governo. É verdade. Mas isso não desculpa o actual governo.
Pelo contrário, só o responsabiliza. E revela com mais nitidez a sua
incompetência.
DN, 19 de
Novembro de 2017
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