31.3.07
Um "site" muito interesante
Este endereço interessantíssimo, sugerido por Pedro D' Ajuda, contém um planisfério com tudo e mais alguma coisa sobre 192 países.
Aquele acerca do qual pretendemos informações pode ser acedido com o rato, com os ícones < >, ou escrevendo o respectivo nome em cima.
Na imagem de baixo, em que se seleccionou Portugal, mostram-se algumas das inúmeras janelas informativas que se podem abrir.
NOTA: Ao aceder-se à página, aparece um aviso a pedir para se desactivar a «inibição de pop-ups». Eu, no entanto, não o fiz, e tudo pareceu funcionar bem.
Salazar e Lúcia reunidos na RTP
E DE REPENTE, parecia que estávamos numa versão a cores do Estado Novo: Salazar transformado no mais popular dos portugueses e a irmã Lúcia elevada à santidade nos altares da televisão pública. Alguém que me belisque, porque só pode ter sido um sonho mau. Foi tão descabida esta semana da RTP que ela deveria corar de vergonha e devolver o cheque a quem a sustenta. E não me venham dizer que a vitória esmagadora do homenzinho de Santa Comba numa votação telefónica não pode ser assacada à estação do Estado - eu digo que pode. Pode, porque a simples existência de mais de 60 mil pessoas que acreditam que Salazar foi o melhor que tivemos em 870 anos de História só é justificável por sermos uma pátria sem heróis nem referências, e por já ninguém se lembrar do que foi a ditadura, o lápis azul, Caxias e o Tarrafal, e sobretudo o país miserável, analfabeto e subdesenvolvido que nos foi deixado por quatro décadas de clausura geográfica e mental. Ou seja, mesmo que a RTP não tenha pecado por acção, ela certamente pecou por omissão: na altura em que a estação comemora 50 anos de vida, e que tanto se orgulha de ter contribuído para a construção de uma memória colectiva, eis o seu brilhante legado: Salazar e a irmã Lúcia.
Sim, a irmã Lúcia. Porque, na mesma semana em que embaraçadamente elegeu Salazar, a RTP mudou-se de armas e bagagens para o santuário de Fátima, para cobrir o centenário da vidente. E fê-lo com a mesma atitude com que há 50 anos cobria os actos do presidente do conselho: com muita devoção e nenhum sentido crítico. Desde logo, pareciam ser mais os técnicos da RTP do que os peregrinos, mas sobretudo nada desculpa o tom sabujo e diabético com que a emissão foi conduzida logo pela manhã. Ainda espreitei pelo canto do televisor, a ver se o cardeal Cerejeira não estava a passar lá ao fundo. Muito há a contar sobre Fátima. Tudo está ainda por dizer sobre Lúcia. Mas a esse trabalho a RTP não se deu. Preferiu colocar o terço na mão e cantar hossanas à indigência intelectual do país. A imagem é hoje a cores, mas a cabeça, essa, continua a preto e branco.
João Miguel Tavares - «DN» 31 Mar 07 - [PH]Etiquetas: JMT
O que é feito das nossas?
Quando, há uns anos, alguém teve a peregrina ideia de acabar com as famosas cabines telefónicas londrinas, houve uma forte contestação. Não sei se ela foi bem ou mal sucedida, mas imagino que esta imagem deve ter feito parte desse movimento cívico de protesto:
A ESCADA
O GUERRILHEIRO ESTAVA SENTADO no bidão amolgado no meio da pista de terra batida e olhava os cães famélicos que cheiravam os papéis que o vento levava e trazia nos intervalos das chuvadas em cordão... Outros quatro guerrilheiros andavam por ali e já não tinham mais onde espreitar depois de terem devassado o que havia para ser visto quer no hangar quer no barracão prefabricado, coberto a lusalite.
Os cinco jovens africanos tinham recebido ordens para chegar até ali, de onde os iriam transportar para a cidade. Haviam passado cinco dias e os guerrilheiros estavam ali, certos de que não se iriam esquecer deles, vivendo ainda a excitação do primeiro voo, da primeira vez numa cidade.
O acaso juntaria aqueles cinco jovens africanos, armados e fardados, confiantes na sua espera, a um repórter que, também como eles, ali tinha encontro marcado, não com um avião mas com um helicóptero.
Durante as três horas que o repórter ali passou esperando transporte, este fizera com os guerrilheiros uma roda alargada e, sentados na pista, de pernas cruzadas, falaram de cidades, seguindo as corridas, sem destino, dos cães sem dono e as piruetas das folhas de papel no meio das nuvens de pó que, subitamente, sopravam, em remoinho, dos lados da pista.
Com idades entre os dezoito e os vinte anos, os guerrilheiros tinham nascido no mato, crescido no mato até Ihes meterem uma AK nas mãos e mandado lutar. Não conheciam mais do país que seria o seu do que mata num raio de quatrocentos quilómetros onde nunca tinham visto uma casa ou observado um automóvel, e avião sabiam o que era porque os ensinaram a esconder-se sempre que um passava.
Ali sentados, conversaram sobre coisas para todos nós normais como se falassem de uma civilização e de uma cultura que pertencessem a outro planeta. Como são as casas, o que é o vidro nas janelas, quantas casas há numa cidade, porquê tantas, porquê casas em cima de casas, como subir para as casas de cima e todas as perguntas que se possam imaginar.
O repórter explicou, explicou. E depois, quando chegou à cidade para onde se dirigia, e que não era a mesma que os soldados demandavam, despachou o seu serviço para a Redacção, que ficava noutro continente, e no final, aproveitando a linha aberta do telex, não resistiu a escrever uma pequena nota impressiva sobre cinco guerrilheiros, sentados há dias, à espera de transporte para a capital do país que iria ser o seu. Guerrilheiros que nunca tinham visto um automóvel («porque são os automóveis às cores?») nem conheciam uma casa («mas como se sobe para as de cima?») e iam pela primeira vez andar de avião.
É possível que a memória pregue partidas às pessoas. Talvez tenha sido isso que aconteceu quando esta semana, de repente, quase doze anos volvidos, aquele repórter se sobressaltou em Lisboa a pensar nisto tudo, sem razão visível, e ficado preocupado, «Terão chegado a ir buscar os rapazes?», e a cena revivificou-se como um velho filme a preto e branco, com o vento, as chuvadas, os jornais velhos a voarem, os cães a mostrarem as costelas e os cinco rapazes sentados na pista, a rirem-se sem ter que comer.
É de crer que os tenham acabado por levar, de alguma forma, e que hoje, uma dúzia de anos passados, eles nem notem o que é uma casa e nem dêem por que andam de elevador, que tinham sido uma novidade cuja descrição de um repórter desconhecido, há muitos anos, os havia excitado.
Possivelmente estarão hoje completamente ambientados, passearão de Volvo e nem notarão as utilidades das coisas estranhas que uma cidade tem. Mas, sobretudo, terão encontrado resposta para uma questão que de repente ali se colocou, doze anos atrás, na pista deserta uma questão nessa altura insolúvel: explicar e perceber o que é uma escada.
Perceber, eles não perceberam. Mas explicar, eu não fui capaz.
Lisboa, 1987
Etiquetas: JL
30.3.07
Foi actualizada a colectânea «Humor Antigo»
até Ano 1942-15 [v. aqui]
Sabedoria velha
PERGUNTAR-SE-Á o que é que D. João I tem a ver com notícias como esta - em que se insinua a existência de regabofes com dinheiros públicos:
A resposta é simples:
Durante toda a sua vida política, D. João foi muito bem sucedido porque, entre outras coisas, cumpriu à risca os conselhos que o velhinho Álvaro Pais lhe deu.
De entre esses, o mais famoso ainda hoje é seguido por toda esta simpática rapaziada:
«Dá o que não é teu...»
As comemorações do Centenário
ESTA NOTÍCIA de hoje começa por nos fazer sorrir.
Porém, ao ficarmos a saber, mais adiante, que «os militares responsabilizaram os alvos», o sorriso dá lugar a uma legítima estupefacção.
E, no entanto, talvez o pasmo não se justifique pois, vendo bem, essa declaração é uma verdadeira metáfora nacional, na medida em que se aplica, como uma luva, a muitas outras coisas da nossa realidade.
E, no entanto, talvez o pasmo não se justifique pois, vendo bem, essa declaração é uma verdadeira metáfora nacional, na medida em que se aplica, como uma luva, a muitas outras coisas da nossa realidade.
Resta-nos a consolação de pensar que talvez a rábula já faça parte das comemorações do Centenário da Guerra de 1908, aquela em que Solnado nos dava conta do prisioneiro que não quis vir...
Passatempo com prémio
Já que, no post anterior, se falou deste livro, o SORUMBÁTICO oferece um exemplar ao primeiro leitor que indicar (em «Comentário» e até às 24h do próximo dia 6 de Abril), a solução completa do problema seguinte:
-oOo-
O aspecto gráfico da resposta (que já foi dada no «Comentário-3»), pode ser visto no post do dia 31 de Março.
O SÉCULO DE CONRAD
MUITO ANTES DE FRANCIS FORD COPPOLA se ter inspirado na extraordinária novela O Coração das Trevas, para realizar o filme Apocalypse Now (1979), já a filósofa Hannah Arendt considerara essa obra mais emblemática de Joseph Conrad como «a que melhor nos pode esclarecer sobre a verdadeira experiência do racismo em África», construindo a partir dela o capítulo III - Raça e burocracia - da segunda parte - O Imperialismo - do seu monumental estudo sobre As Origens do Totalitarismo, publicado em 1951.
Podemos recuar ainda mais no «terrível século XX», em cujas trevas mergulhou a prosa desoladamente lúcida de Conrad, para irmos ao encontro de outros que também perceberam até que ponto a vastíssima obra literária desse eslavo anglófilo, nascido no século XIX, intuía e prenunciava tantos horrores que devastaram a Europa colonialista, imperialista, culta e decadente, sobretudo na primeira metade do século passado. Desde logo André Gide, que aprendeu inglês expressamente para poder ler Conrad no original. Mas também Thomas Mann, que lhe dedicou um belo ensaio, em 1925, no qual analisa o «brilhante e fascinante romance policial e político» que é O Agente Secreto.
Józef Teodor Nalecz Konrad Korzeniowski, polaco de pai e mãe, como o nome de baptismo indica, nasceu em 1857, há século e meio. O romance O Agente Secreto foi publicado em 1907, há um século. Duas efemérides que constituem um óptimo pretexto para convocar de novo a obra de Joseph Conrad (1857-1924) e incitar novas gerações a lê-la. Se possível no original, como André Gide. Apesar de o inglês ser a terceira língua de Conrad, a seguir ao polaco e ao francês, era aquela que mais admirava e foi a que ele adoptou (tardiamente, aos 21 anos) para escrever sobre o «espectáculo enigmático» e «a empresa perigosa que é a nossa existência», captando o «fragmento salvo da voracidade do tempo», tornando ficção mais do que «um episódio inquietante nas vidas obscuras de alguns indivíduos, arrancados à multidão ignorada dos perplexos, dos simples, dos que não têm voz» - como ele nos explica no famoso prefácio a O Negro do Narciso.
A ganância, a vontade de dominação, os abismos de crueldade a que uma e outra podem conduzir os homens, por mais civilizados que se considerem, estão patentes em obras tão poderosas como O Coração das Trevas (1902), Nostromo (1904) ou O Agente Secreto (1907), na qual Conrad prova ser um escritor tão extraordinário em terra firme como nos rios e mares que banham quase toda a sua obra. E há, também, essa admirável história de redenção pessoal de um jovem marinheiro, que é Lord Jim (1900). E todas as outras obras escritas por esse aristocrata polaco que quis ser contrabandista e marinheiro antes de se tornar inglês e escritor - transformando-se em Jóia da Coroa Britânica, como hoje o evoca Juan Gabriel Vásquez na sua esplêndida História Secreta de Costaguana, o nome da república sul-americana inventada por Conrad há mais de um século!
Podemos recuar ainda mais no «terrível século XX», em cujas trevas mergulhou a prosa desoladamente lúcida de Conrad, para irmos ao encontro de outros que também perceberam até que ponto a vastíssima obra literária desse eslavo anglófilo, nascido no século XIX, intuía e prenunciava tantos horrores que devastaram a Europa colonialista, imperialista, culta e decadente, sobretudo na primeira metade do século passado. Desde logo André Gide, que aprendeu inglês expressamente para poder ler Conrad no original. Mas também Thomas Mann, que lhe dedicou um belo ensaio, em 1925, no qual analisa o «brilhante e fascinante romance policial e político» que é O Agente Secreto.
Józef Teodor Nalecz Konrad Korzeniowski, polaco de pai e mãe, como o nome de baptismo indica, nasceu em 1857, há século e meio. O romance O Agente Secreto foi publicado em 1907, há um século. Duas efemérides que constituem um óptimo pretexto para convocar de novo a obra de Joseph Conrad (1857-1924) e incitar novas gerações a lê-la. Se possível no original, como André Gide. Apesar de o inglês ser a terceira língua de Conrad, a seguir ao polaco e ao francês, era aquela que mais admirava e foi a que ele adoptou (tardiamente, aos 21 anos) para escrever sobre o «espectáculo enigmático» e «a empresa perigosa que é a nossa existência», captando o «fragmento salvo da voracidade do tempo», tornando ficção mais do que «um episódio inquietante nas vidas obscuras de alguns indivíduos, arrancados à multidão ignorada dos perplexos, dos simples, dos que não têm voz» - como ele nos explica no famoso prefácio a O Negro do Narciso.
A ganância, a vontade de dominação, os abismos de crueldade a que uma e outra podem conduzir os homens, por mais civilizados que se considerem, estão patentes em obras tão poderosas como O Coração das Trevas (1902), Nostromo (1904) ou O Agente Secreto (1907), na qual Conrad prova ser um escritor tão extraordinário em terra firme como nos rios e mares que banham quase toda a sua obra. E há, também, essa admirável história de redenção pessoal de um jovem marinheiro, que é Lord Jim (1900). E todas as outras obras escritas por esse aristocrata polaco que quis ser contrabandista e marinheiro antes de se tornar inglês e escritor - transformando-se em Jóia da Coroa Britânica, como hoje o evoca Juan Gabriel Vásquez na sua esplêndida História Secreta de Costaguana, o nome da república sul-americana inventada por Conrad há mais de um século!
«DN-6ª» - 30 Mar 07
NOTA: Este texto encontra-se também afixado no blogue «TRAÇO GROSSO» [v. aqui], arquivo das crónicas publicadas pelo autor no «DN-6ª».
Etiquetas: AB
29.3.07
Desleixo
Grandes amigos!
Elementos básicos para o estudo do projecto de construção de um filho da puta
Se lhes telefonarmos de manhã na segunda-feira, ainda não chegaram.
Se os tentarmos contactar de tarde, o senhor Doutor acumulou uma série de coisas para a parte da tarde e vai estar muito ocupado.
Se lhe falarmos de manhã na terça-feira, temos de esperar pelo meio-dia, mas depois, entretanto, a chamada perde-se e os serviços encerram para almoço.
Da parte da tarde o senhor Engenheiro não pode. Tem reunião das Comissões.
Na quarta-feira tornamos a tentar, mas é dia de reunião de Câmara, nem pensar, anda tudo num virote.
Na quinta-feira o senhor Arquitecto foi a Lisboa, reunir com o Secretário de Estado de não sei quê, vai estar ausente o dia todo. Lamento.
Na sexta-feira de manhã tentamos de novo, mas o senhor Presidente está em reunião de trabalho, não pode atender. Da parte da tarde tentaremos ainda, mas o Senhor não se consegue contactar. Saiu mais cedo e acho que já não deve voltar.
Na semana seguinte tornamos a insistir. Deixamos um recado humilde na Secretária do senhor Doutor – Arquitecto, Engenheiro, Presidente… – ela própria Dr.ª. Avisam-nos. Dr.ª Fenegundes do Ó, mais precisamente.
Se lhes telefonarmos de manhã na segunda-feira, ainda não chegaram.
Se os tentarmos contactar de tarde, o senhor Doutor acumulou uma série de coisas para a parte da tarde e vai estar muito ocupado.
Se lhe falarmos de manhã na terça-feira, temos de esperar pelo meio-dia, mas depois, entretanto, a chamada perde-se e os serviços encerram para almoço.
Da parte da tarde o senhor Engenheiro não pode. Tem reunião das Comissões.
Na quarta-feira tornamos a tentar, mas é dia de reunião de Câmara, nem pensar, anda tudo num virote.
Na quinta-feira o senhor Arquitecto foi a Lisboa, reunir com o Secretário de Estado de não sei quê, vai estar ausente o dia todo. Lamento.
Na sexta-feira de manhã tentamos de novo, mas o senhor Presidente está em reunião de trabalho, não pode atender. Da parte da tarde tentaremos ainda, mas o Senhor não se consegue contactar. Saiu mais cedo e acho que já não deve voltar.
Na semana seguinte tornamos a insistir. Deixamos um recado humilde na Secretária do senhor Doutor – Arquitecto, Engenheiro, Presidente… – ela própria Dr.ª. Avisam-nos. Dr.ª Fenegundes do Ó, mais precisamente.
Dizemos o nosso nome, envergonhadamente, e solicitamos um minutinho só de atenção para o nosso problema. Normalmente a Secretária pergunta-nos o nome de novo, o que nos releva a nossa falta de importância. Sim. Quem somos nós para incomodar o Senhor Doutor?
“- Quem?! Não se importa de repetir? Ah sim… e que assunto era?”
Fiando-nos no encaminhamento regular das coisas, nós só voltamos a incomodar na 4ª-feira.
“- O senhor Presidente, efectivamente, recebeu o recado, esteja descansado que lhe foi transmitido. O problema é que ele se desloca amanhã ao estrangeiro, pois vai haver uma geminação com Shing-Wa-Choi, notável cidade coreana também ela ilustre no domínio das cutelarias…”
Resultado – o senhor Presidente vai estar ausente duas semanas.
“- Assim que vier, ele terá todo o gosto em apreciar o seu caso…”
Qual caso meu Deus?! Eu ainda não expliquei nada!
E compreendo que são palavras simpáticas, nada mais…
Andámos de bandeiras ao vento, na manifestação, lembro-me bem, gritando o povo unido jamais será vencido. Ajudei-o a trepar ao palco e a fazer o primeiro discurso quando ele chegasse àquela terra, porque não sabia bem o que dizer. Segredei-lhe “fala nos passeios por concluir e numa estátua ao lavrador. Vai cair bem…”
E o tipo, sem grande capacidade literária, atropelando palavras e enrolando perífrases de gosto duvidoso, lá referia entre vivas ao partido – a um partido qualquer, diga-se em abono da verdade, pois eu já o vira almoçar com os outros, para o caso deste não o propor como candidato… – o discurso encomendado e a agrado do povo.
“- Pedro deixa-te ficar aí… isso mesmo!” – pedia-me ele, dando-me o braço.
E eu rejubilante quando o homem foi eleito a primeira vez….
Estúpido! Quase senti aquilo uma vitória pessoal.
Nada quis. Aliás, o que me propôs foi uma vaguíssima promessa de lugarzinho na Misericórdia, em lugar não remunerado, mas “muito influente”.
Ora eu queria era ser nomeado era Comandante dos Bombeiros. Desde pequeno que sonho com o capacete amarelo dos bombeiros, toda a gente a admirá-los e a bater palmas. E depois a Banda, os bombos, a continência, as agulhetas!... Caramba! Grande categoria!
Ingrato!
Acontece que o sujeito foi reeleito. Entretanto foi convidado para Director Geral adjunto. Depois para assessor do Subsecretário de Estado e, finalmente, Deputado.
O que o homem trepou, caramba!...
Olho para o seu número de telemóvel – dado em campanha, há talvez uns oito anos atrás – e custa-me estar a incomodá-lo.
“- Se calhar tenho de tentar resolver de outra maneira... “ – penso eu.
E por um momento, dou comigo ruminando.
“- O sacana deve estar a ganhar uma pipa de massa, filho da mãe. E eu aqui a viver da reforma. Com tanto que eu ainda tinha para dar. A saber conjugar o conjuntivo e tudo! Chiça! A tocar piano e a falar seis línguas!” – e fervo.
De facto. De que me serve afinal ter três Secretários de Estado e vinte e dois Deputados a quem trate por tu?! Um Ministro que foi meu colega no Passos Manuel e era pior aluno que eu – enfim acho que talvez fosse melhor a Matemática…? Directores Gerais que foram meus alunos no Liceu do Estoril… eu sei lá que mais! De que me serve, se já nada lembram, nada me dizem, nada sonham e tudo se transformou?!
E presidentes de Câmara? Quantos serão? Então aquele sacana do Zèzinho não foi Presidente 3 mandatos e nunca me convidou para concerto nenhum na terra dele?! Ele a mamar e eu vivo de quê?! A fazer que não me conhecia, o jeitoso!... Sim tu! Moravas na Travessa de Jesus numa cave, lembro-me bem, eras um aluno médio sempre com um ar muito limpinho. E eu no Quadro de honra, feito estúpido. A marrar para quê?
“-De que me serve a memória, meu Deus?”- pergunto-me, engolindo a mocidade ida.
Eu vou mas é ligar a este caramelo e dizer-lhe o que penso! Dele e dos outros todos. Tudo uma cambada; tudo igual. Ou antes, já sei! Vou escrever-lhes cartas. Vou humilhá-los. Mostrar que o velho colega de escola que era barra no Português ainda continuará, por muitos anos, a envergonhá-los. A eles, que mal sabem falar, improvisar ou redigir.
Mas. Porém. Todavia. Contudo.
Escrevo-lhes cartas e e-mails e nem resposta.
“- Filhos da puta!” – desculpem lá. Ponham a bolinha, pronto. Não há outro nome!
Telefono. Perco a cabeça e telefono mesmo ao tal sujeitinho. Do outro lado, a surpresa:
“- Pedro! Meu bom companheiro! Que saudades tenho de ti! Quando é que a gente se pode ver, meu velho amigo? Sempre a considerar-te! Olha, agora estou a meio de uma reunião eu torno a ligar-te dentro de meia hora, ok??!”
Fico subjugado com tamanha confiança e prova tão espontânea e inequívoca de camaradagem! O homem afinal não é tão mau assim. Prometeu que ligava assim que pudesse. Sorrio. Afinal ter amigos ainda vale qualquer coisa. Vale a pena esperar.
Neste caso, pelo menos, ainda espero. Há três anos.
Mas o homem, a bem de ver, é pessoa ocupada, não é verdade?
Etiquetas: PB
O "shakedown"...
www.tsf.pt/online/desporto/interior.asp?id_artigo=TSF179015
Enfim... nem todos podem ser como o artista que aqui se vê em acção:
Já que falámos de guerra...
Imagine-se que, numa situação de guerra, há um pai que acompanha um filho pequeno que não pára de chorar. Ora, como o choro do miúdo vai denunciar o grupo, que será morto, a única hipótese de salvação de todos é matar a criancinha. Será o pai capaz de o fazer?
Pois bem, Damásio colocou esta e outras questões semelhantes a várias pessoas e, como é natural, quase todas hesitaram em assumir a solução puramente lógica de calar o miúdo...
O curioso é que, nessa experiência, se detectaram algumas pessoas que declaravam tomar essa decisão sem quaisquer contemplações - e António Damásio chegou à conclusão de que havia uma lesão no cérebro associada a essa ausência de emoção.
Então e o que é que isso tem a ver com o livro de Mário de Carvalho, aqui referido?
É que, sem tirar nem pôr, esse dilema é descrito no conto «Há bens que vêm por mal», de 1991.
Quanto ao que - nessa história aparentemente verídica - fez o pai da criança, não se revela aqui - evidentemente!
28.3.07
A guerra esquecida
NA PROVÍNCIA do Niassa correu mansa a guerra nos anos de 1968 e 1969. Cerca de meia dúzia de mortos mensais e o dobro de estropiados era a sequência que avivava a mágoa quotidiana e aliviava a tensão nos dias seguintes. No Batalhão de Caçadores n.º 1936 a morte consumia dois ou três camaradas por semestre, distribuídos pelas Companhias. Não era a morte que mais nos apoquentava. A saudade, o medo e a revolta faziam-nos descrer da bondade da civilização cristã e ocidental que o cardeal Cerejeira garantia em Portugal e o bispo Reis Rodrigues repetia em Moçambique, de batalhão em batalhão, fardado de brigadeiro.
No Catur o comandante era um militar experiente, com elevada noção de ética e coragem pouco comum. Seguia de jipe à frente das colunas com a mesma naturalidade com que me deu a ler o pedido da PIDE para me vigiar. Os presos eram interrogados pelo major Artur Beirão que recordo a comunicar, meu Comandante, pelos meus métodos os presos não falam, e o Ten. Cor. Luís Vilela a retorquir-lhe, nem eu te consentia que usasses outros. Depois eram entregues à PIDE e ninguém previa se falavam ou não, era certo que desapareceriam. Tive a sorte de não assistir a cenas de tortura nem a interrogatórios humilhantes, mas não era esse o tratamento generalizado nas unidades militares a que não faltava um capelão para aliviar consciências mais sensíveis.
O padre Joaquim era excepção, contra a guerra, ao contrário de outros capelães que preferiam segurar a G-3 em vez do cálice e dispararem em vez de administrarem a eucaristia. Na violência da guerra a crueldade dos homens acaba sempre por se revelar. Em Malapísia, o alferes André, formado na universidade de Mafra, adorava interrogatórios e babava-se de gozo a usar a faca de mato enquanto aguardava respostas. Nunca esquecerei aquele negro grande e sereno que entrou no aquartelamento do Catur com um pé embrulhado em ligaduras. Faltava-lhe a última falange do dedo grande, decepada lentamente pelo André enquanto mantinha o silêncio e sofria. Diziam os soldados que o turra não sentia dor, que era outra forma de referir a coragem do moçambicano, enquanto o tradutor afirmava que ele não queria falar. Redimiu-nos da cobardia a postura do Comandante a adverti-lo severamente e a ameaçá-lo com a transferência disciplinar para o Cabo Delgado onde os macondes eram mais eficazes a abater as tropas ocupantes.
Nunca se julgaram crimes de militares portugueses, ou seja, da ditadura e isso permite que a mentalidade colonialista perdure entre antigos combatentes e associações de ex-militares onde o pensamento fascista é cultivado.
Os soldados da Companhia 1626 usavam porta-chaves de orelhas e falangetas desidratadas como troféus gloriosos de uma guerra que ninguém ousou julgar. Um alferes que saíra do seminário e, pouco depois, fizera a recruta em Mafra era motivo de galhofa na Companhia. Quando o capitão, após operações bem sucedidas, o inquiria sobre os prisioneiros, perante gargalhadas dos soldados, o Joaquim dizia que não os trouxera, era longe…
O furriel Lopes, do Entroncamento, catequista que namorava outra catequista – segundo me disse –, enquanto convalescia de uma doença venérea, gabava-se de atar ao Unimog os turras que se recusavam a falar e de chegar ao quartel com a corda.
O Ribeiro da Fonseca perseguia o IN (inimigo) até ao Malawi e regressava com um pequeno rebanho de cabras e enorme alegria. O roubo impedia a sobrevivência de infelizes para quem a vida era precária e sofrida. Acabou condecorado na Guiné com a Torre Espada, já capitão, depois de ter sido furriel em Angola e alferes em Moçambique e de ter a cruz de guerra e a medalha de serviços distintos a preceder a condecoração mais alta. Há-de andar por aí com o peito cheio de veneras e o ombro coberto de galões sem ter percebido que a valentia só é útil quando é digna a causa.
Demorei 38 anos a revelar isto. É demasiado cedo para continuar. Ainda me dói a memória, ainda sofro as lúgubres cerimónias do 10 de Junho, que parecem voltar, a exaltação dos heróis do Ultramar, o tempo sórdido cujo branqueamento está em curso.
«Jornal do Fundão»
O Maelstrom
UM AMIGO MEU discorda profundamente de Eduardo Lourenço. Para ele, a eleição de António Oliveira Salazar não representa a morte simbólica do 25 de Abril mas, pelo contrário, uma suprema manifestação de liberdade. O concurso da RTP “Grandes Portugueses” foi assim a primeira eleição verdadeiramente livre que a política portuguesa conheceu desde o 25 de Abril. Não condicionados por expectativas ideológicas e económicas, livres do espartilho da partidocracia, deixados completamente à vontade para fazer a sua escolha, desimpedidos de qualquer espírito de auto-censura ou arrependimento, milhares de portugueses votaram como quiseram. Isto, de acordo com o meu amigo.
A mim, o que me fascina é o lugar central que Santa Comba Dão tem vindo a ocupar em várias esferas da psicopatologia colectiva do país: ele é o serial killer de Santa Comba Dão, que não resiste à tentação de violar e matar adolescentes, ele é o velho das botas, que não resiste à tentação de governar um país para lá de todas as datas de validade, ele é o padre acelera que não resiste à tentação da velocidade nas estradas do distrito. No fundo, Santa Comba Dão é o maelstrom das mais indizíveis fantasias nacionais. Só me admira que o Padre Frederico não passeasse os seus rapazes junto à Barragem da Aguieira, que a Ota não seja construída no Vimieiro, que não haja belas e mestres santacombenses na TVI, e que o túnel do Marquês não desagúe no IP3.
Etiquetas: MJR
E esta?!
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A solução proposta por Bandeira, no «DN»
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MESMO EVITANDO a polémica acerca da eventual saloiíce associada à marca "Allgarve", uma coisa parece certa: não houve ninguém, lá para os lados do Ministério da Economia, que se lembrasse de ir ver à Internet se o nome já existia como designação associada à promoção turística algarvia.
Adivinharam: ela já existe (e há muitos anos, como se pode verificar em www.allgarve.biz), pelo que não falta já quem proponha que a ideia seja reciclada para a promoção turística de Verão de outros locais, como o "Allentejo" ou "Allqueva".
Mas o pior ainda pode estar para vir, pois já se percebeu que, para essas pessoas, o importante é dar uso ao Inglês que aprenderam na escola.
Por isso, o melhor é irmo-nos preparando pois, para o turismo de Inverno, pode vir aí uma campanha a promover a Serra da Estrela como "The Saw of the Star".
«PÚBLICO» de 29 Mar 07
27.3.07
Eça e Bento XVI - V
(Final)
Se tivéssemos tempo de ir à China ou a Ceilão, V. toparia com o mesmo fenómeno no Budismo. Dentro dessa Religião foi elaborada a mais alta das Metafísicas, a mais nobre das Morais: mas em todas as raças em que ele penetrou, nas bárbaras ou nas cultas, nas hordas do Nepal ou no mandarinato chinês, ele consistiu sempre para as multidões em ritos, cerimónias, práticas - a mais conhecida das quais é o moinho de rezar. V. nunca lidou com este moinho? É lamentavelmente parecido com o moinho de café em todos os países budistas. V. o verá colocado nas ruas das cidades, nas encruzilhadas do campo, para que o devoto ao passar, dando duas voltas à manivela, possa fazer chocalhar dentro as orações escritas e comunicar com o Buda, que por esse acto de cortesia transcendente «lhe ficará grato e lhe aumentará os seus bens».
Nem o Catolicismo, nem o Budismo, vão por este facto em decadência. Ao contrário! Estão no seu estado natural e normal de Religião. Uma Religião, quanto mais se materializa, mais se populariza - e portanto mais se diviniza. Não se espante! Quero dizer que, quanto mais se desembaraça dos seus elementos intelectuais de Teologia, de Moral, de Humanitarismo, etc., repelindo-os para as suas regiões naturais que são a Filosofia, a Ética e a Poesia, tanto mais coloca o povo face a face com o seu Deus, numa união directa e simples, tão fácil de realizar que, por um mero dobrar de joelhos, um mero balbuciar de Padre-Nossos, o homem absoluto que está no Céu vem ao encontro do homem transitório que está na Terra. Ora este encontro é o facto essencialmente divino da Religião. E quanto mais ele se materializa - mais ela na realidade se diviniza.
V. porém dirá (e de facto o diz): «Tornemos essa comunicação puramente espiritual, e que, despida de toda a exterioridade litúrgica, ela seja apenas como o espírito humano, falando ao espírito divino». Mas para isso é necessário que venha o Milénio - em que cada cavador de enxada seja um filósofo, um pensador. E quando esse Milénio detestável chegar, e cada tipóia de praça for governada por um Mallebranche, terá V. ainda de ajuntar a esta perfeita humanidade masculina, uma nova humanidade feminina, fisiologicamente diferente da que hoje embeleza a Terra. Porque enquanto houver uma mulher constituída física, intelectual e moralmente como a que Jeová, com uma tão grande inspiração de artista, fez da costela de Adão, - haverá sempre ao lado dela, para uso da sua fraqueza, um altar, uma imagem e um padre.
Para a vasta massa humana, em todos os tempos, pagã, budista, cristã, maometana, selvagem ou culta, a Religião terá sempre por fim, na sua essência, a súplica dos favores divinos e o afastamento da cólera divina; e, como instrumentação material para realizar estes objectos, o templo, o padre, o altar, os ofícios, a vestimenta, a imagem. Pergunte a qualquer mediano homem saído da turba, que não seja um filósofo, ou um moralista, ou um místico, o que é Religião. O inglês dirá: - «É ir ao serviço ao domingo, bem vestido, cantar hinos». O hindu dirá: - «É fazer poojah todos os dias e dar o tributo ao Mahadeo». O africano dirá: - «É oferecer ao Mulungu, a sua ração de farinha e óleo». O minhoto dirá: - «É ouvir missa, rezar as contas, jejuar a sexta-feira, comungar pela Páscoa». E todos terão razão, grandemente! Porque o seu objecto, como seres religiosos, está todo em comunicar com Deus, e esses são os meios de comunicação que os seus respectivos estados de civilização e as respectivas liturgias que deles saíram, lhes fornecem. Voilà! Para V., está claro, e para outros espíritos de eleição, a Religião é outra coisa - como já era outra coisa em Atenas para Sócrates e em Roma para Séneca. Mas as multidões humanas não são compostas de Sócrates e de Sénecas - bem felizmente para elas, e para os que as governam, incluindo V. que as pretende governar!
De resto, não se desconsole, amigo! Mesmo entre os simples há modos de ser religiosos, inteiramente despidos de Liturgia e de exterioridades rituais. Um presenciei eu, deliciosamente puro e íntimo. Foi nas margens do Zambeze. Um chefe negro, por nome Lubenga, queria, nas vésperas de entrar em guerra com um chefe vizinho, comunicar com o seu Deus, com o seu Mulungu (que era, como sempre, um seu avô divinizado) . O recado ou pedido, porém, que desejava mandar à sua Divindade, não se podia transmitir através dos Feiticeiros e do seu cerimonial, tão graves e confidenciais matérias continha... Que faz Lubenga? Grita por um escravo: dá-lhe o recado, pausadamente, lentamente, ao ouvido: verifica bem que o escravo tudo compreendera, tudo retivera: e imediatamente arrebata um machado, decepa a cabeça do escravo, e brada tranquilamente - «parte»! A alma do escravo lá foi, como uma carta lacrada e selada, direita para o Céu, ao Mulungu. Mas daí a instantes o chefe, bate uma palmada aflita na testa, chama à pressa outro escravo, diz-lhe ao ouvido rápidas palavras, agarra o machado, separa-lhe a cabeça, e berra: - «Vai!».
De resto, não se desconsole, amigo! Mesmo entre os simples há modos de ser religiosos, inteiramente despidos de Liturgia e de exterioridades rituais. Um presenciei eu, deliciosamente puro e íntimo. Foi nas margens do Zambeze. Um chefe negro, por nome Lubenga, queria, nas vésperas de entrar em guerra com um chefe vizinho, comunicar com o seu Deus, com o seu Mulungu (que era, como sempre, um seu avô divinizado) . O recado ou pedido, porém, que desejava mandar à sua Divindade, não se podia transmitir através dos Feiticeiros e do seu cerimonial, tão graves e confidenciais matérias continha... Que faz Lubenga? Grita por um escravo: dá-lhe o recado, pausadamente, lentamente, ao ouvido: verifica bem que o escravo tudo compreendera, tudo retivera: e imediatamente arrebata um machado, decepa a cabeça do escravo, e brada tranquilamente - «parte»! A alma do escravo lá foi, como uma carta lacrada e selada, direita para o Céu, ao Mulungu. Mas daí a instantes o chefe, bate uma palmada aflita na testa, chama à pressa outro escravo, diz-lhe ao ouvido rápidas palavras, agarra o machado, separa-lhe a cabeça, e berra: - «Vai!».
Esquecera-lhe algum detalhe no seu pedido ao Mulungu... O segundo escravo era um pós-escrito...
Esta maneira simples de comunicar com Deus deve regozijar o seu coração. Amigo do dito
FRADIQUE
Eça de Queiroz - «A Correspondência de Fradique Mendes» - Carta a Guerra Junqueiro
«ACONTECE...»
Ai Portugall Portugall
AS ÚLTIMAS EDIÇÕES da “Newsweek” têm trazido um anúncio, de cima abaixo de página par, convidando à participação mundial na próxima cimeira sobre Viagens e Turismo em Lisboa (10-12 de Maio). Este investimento – do Turismo de Portugal, entre outros – é oportuno e bem feito. Trazer para Lisboa um dos mais importantes eventos, sobre um dos mais importantes factores da economia portuguesa, é obra. E aplicar dinheiro na sua promoção, é inteligente e apropriado.
AS ÚLTIMAS EDIÇÕES da “Newsweek” têm trazido um anúncio, de cima abaixo de página par, convidando à participação mundial na próxima cimeira sobre Viagens e Turismo em Lisboa (10-12 de Maio). Este investimento – do Turismo de Portugal, entre outros – é oportuno e bem feito. Trazer para Lisboa um dos mais importantes eventos, sobre um dos mais importantes factores da economia portuguesa, é obra. E aplicar dinheiro na sua promoção, é inteligente e apropriado.
Fica por saber, no entanto, se a péssima ideia de borrar uma das nossas marcas mais firmadas em todo o mundo – Algarve – em vésperas da dita cimeira, foi distracção ou pura asneira. Anunciar com estrondo a nova designação Allgarve precisamente quando estão a chegar os maiores decisores e investidores turísticos do planeta, não só vai enfurecer ainda mais os próprios empresários algarvios como pode perturbar, na pior altura, a solidez de um “label” estabelecido.
Allgarve – que, traduzido à pele quer dizer “Tudo Garve” – é bacoco e, no mínimo, incompetente. Não se relançam marcas tocando-lhes no seu símbolo, mas acrescentando algo de novo à mensagem da sua imagem. Há anos, por exemplo, isso foi feito com felicidade e engenho quando os “freeshops” dos nossos aeroportos mandaram estampar sacos de plástico com letras em cores berrantes (legíveis a dezenas de metros) que diziam: “GOOD BUY PORTUGAL”. Um elegante e bem achado trocadilho entre o “good bye “ (adeus) e o “good buy” (boas compras) que não beliscava a marca (Portugal), antes lhe acrescentava frescura e apelo. Chama-se a isso criatividade publicitária.
Agora “Allgarve”? Que imperscrutável motivação semântica, semiótica ou apenas salivar jaz sob tão pacóvia elaboração? Disseram-nos que tinha havido ali dedo (leia-se cabecinha) de importantes consultores – estrangeiros e tudo! – a quem seriam devidas solenes homenagens por serem quem são, entre as quais homenagens se inclui o dever de silêncio respeitoso em caso de discordância. Disseram-nos mais: que a surpreendente proposta fora discutida e aceite à volta de uma mesa… portuguesa (com certeza?). Ó tristes figuras. Ai Portugall, Portugall !
Etiquetas: CPC
Horas ecológicas
ESTE DOMINGO MUDOU A HORA. Os ponteiros do relógio adiantaram-se 60 minutos, de forma que todos passamos a acordar mais cedo. É essa precisamente a ideia, que aproveitemos as primeiras horas da manhã e gastemos menos energia de noite. Há uma assimetria, pois é-nos desagradável acordar antes do nascer do Sol e apraz-nos prolongar as horas de vigília, aproveitando as primeiras horas da noite para actividades sociais e familiares. Por isso, é uma boa ideia fazer deslizar os horários civis de forma a fazer o dia familiar e social começar quando o Sol se levanta.
Essa boa ideia surgiu pela primeira vez em 1784 na cabeça de Benjamim Franklin, mas as suas recomendações só puderam ser verdadeiramente consideradas quando os países decidiram coordenar as horas legais, o que aconteceu em 1884. Foi durante a Primeira Grande Guerra que se criou a hora de verão. Foi adoptada em 1916 por vários países, entre os quais Portugal. Quando acabou a guerra, muitos desistiram do ajustamento. Vieram a reintroduzi-lo no segundo conflito mundial, mas desistiram de novo após as hostilidades. Com a crise do petróleo voltou-se a usar a hora de verão. Agora, esse ajustamento torna-se ainda mais sensível, pela potencial diminuição de poluição que a poupança de energia acarreta. Por isso, os Estados Unidos e o Canadá anteciparam este ano o horário de verão e fizeram-no começar duas semanas mais cedo do que nós. Nesses países, a hora de verão dura agora 34 semanas, mais do que em qualquer outro. Na União Europeia dura 30 ou 31 semanas, dependendo do ano. Se a moda pegar e tivermos também horas mais ecológicas, pode ser que o verão nos passe a parecer chegar ainda mais cedo.
Adaptado do «Expresso»
Adaptado do «Expresso»
Etiquetas: NC
26.3.07
Eça e Bento XVI - IV
(Continuação)
E se, já farto destes tempos antigos, V. quiser volver aos nossos filosóficos dias, encontrará nas duas grandes Religiões do Ocidente e do Oriente, no Catolicismo e no Budismo, uma comprovação ainda mais saliente e mais viva de que a Religião consiste intrinsecamente de práticas, sobre as quais a Teologia e a Moral se sobrepuseram, sem as penetrarem, como um luxo intelectual, acessório e transitório - flores pregadas no altar pela imaginação ou pela virtude idealista. O Catolicismo (ninguém mais furiosamente o sabe do que V.) está hoje resumido a uma curta série de observâncias materiais: - e, todavia, nunca houve Religião dentro da qual a Inteligência erguesse mais vasta e alta estrutura de conceitos teológicos e morais. Esses conceitos, porém, obra de doutores e de místicos, nunca propriamente saíram das escolas e dos mosteiros - onde eram preciosa matéria de dialéctica ou de poesia; nunca penetraram nas multidões, para metodicamente governar os juízos ou conscientemente governar as acções. Reduzido a catecismos, a cartilhas, esse corpo de conceitos foi decorado pelo povo: - mas nunca o povo se persuadiu que tinha Religião, e que portanto agradava a Deus, servia a Deus, só por cumprir os dez mandamentos, fora de toda a prática e de toda a observância ritual. E só decorou mesmo esses Dez Mandamentos, e as Obras de Misericórdia, e os outros preceitos morais do Catecismo, pela ideia de que esses versículos, recitados com os lábios, tinham, por uma virtude maravilhosa, o poder de atrair a atenção, a bem-querença e os favores do Senhor. Para servir a Deus, que é o meio de agradar a Deus, o essencial foi sempre ouvir missa, esfiar o rosário, jejuar, comungar, fazer promessas, dar túnicas aos santos, etc. Só por estes ritos, e não pelo cumprimento moral da lei moral, se propicia a Deus, - isto é, se alcançam dele os dons inestimáveis da saúde, da felicidade, da riqueza, da paz. O mesmo Céu e Inferno, sanção extra-terrestre da lei, nunca, na ideia do povo, se ganhava ou se evitava pela pontual obediência à lei. E talvez com razão, por isso mesmo que no Catolicismo o prémio e o castigo não são manifestações da justiça de Deus, mas da graça de Deus. Ora a Graça, no pensar dos simples, só se obtém pela constante e incansável prática dos preceitos - a missa, o jejum, a penitência, a comunhão, o rosário, a novena, a oferta, a promessa. De sorte que no catolicismo do Minhoto como na religião do Ária, em Septa-Sindhou como em Carrazeda de Ansiães, tudo se resume em propiciar Deus por meio de práticas que o cativem. Não há aqui Teologia, nem Moral. Há o acto do infinitamente fraco, querendo agradar ao infinitamente forte. E se V., para purificar este Catolicismo, eliminar o Padre, a estola, as galhetas e a água benta, todo o Rito e toda a Liturgia - o católico imediatamente abandonará uma Religião que não tem Igreja visível, e que não lhe oferece os meios simples e tangíveis de comunicar com Deus, de obter dele os bens transcendentes para a alma e os bens sensíveis para o corpo. O Catolicismo nesse instante terá acabado, milhões de seres terão perdido o seu Deus. A Igreja é o vaso de que Deus é o perfume. Igreja partida - Deus volatilizado.
(Continua)
E se, já farto destes tempos antigos, V. quiser volver aos nossos filosóficos dias, encontrará nas duas grandes Religiões do Ocidente e do Oriente, no Catolicismo e no Budismo, uma comprovação ainda mais saliente e mais viva de que a Religião consiste intrinsecamente de práticas, sobre as quais a Teologia e a Moral se sobrepuseram, sem as penetrarem, como um luxo intelectual, acessório e transitório - flores pregadas no altar pela imaginação ou pela virtude idealista. O Catolicismo (ninguém mais furiosamente o sabe do que V.) está hoje resumido a uma curta série de observâncias materiais: - e, todavia, nunca houve Religião dentro da qual a Inteligência erguesse mais vasta e alta estrutura de conceitos teológicos e morais. Esses conceitos, porém, obra de doutores e de místicos, nunca propriamente saíram das escolas e dos mosteiros - onde eram preciosa matéria de dialéctica ou de poesia; nunca penetraram nas multidões, para metodicamente governar os juízos ou conscientemente governar as acções. Reduzido a catecismos, a cartilhas, esse corpo de conceitos foi decorado pelo povo: - mas nunca o povo se persuadiu que tinha Religião, e que portanto agradava a Deus, servia a Deus, só por cumprir os dez mandamentos, fora de toda a prática e de toda a observância ritual. E só decorou mesmo esses Dez Mandamentos, e as Obras de Misericórdia, e os outros preceitos morais do Catecismo, pela ideia de que esses versículos, recitados com os lábios, tinham, por uma virtude maravilhosa, o poder de atrair a atenção, a bem-querença e os favores do Senhor. Para servir a Deus, que é o meio de agradar a Deus, o essencial foi sempre ouvir missa, esfiar o rosário, jejuar, comungar, fazer promessas, dar túnicas aos santos, etc. Só por estes ritos, e não pelo cumprimento moral da lei moral, se propicia a Deus, - isto é, se alcançam dele os dons inestimáveis da saúde, da felicidade, da riqueza, da paz. O mesmo Céu e Inferno, sanção extra-terrestre da lei, nunca, na ideia do povo, se ganhava ou se evitava pela pontual obediência à lei. E talvez com razão, por isso mesmo que no Catolicismo o prémio e o castigo não são manifestações da justiça de Deus, mas da graça de Deus. Ora a Graça, no pensar dos simples, só se obtém pela constante e incansável prática dos preceitos - a missa, o jejum, a penitência, a comunhão, o rosário, a novena, a oferta, a promessa. De sorte que no catolicismo do Minhoto como na religião do Ária, em Septa-Sindhou como em Carrazeda de Ansiães, tudo se resume em propiciar Deus por meio de práticas que o cativem. Não há aqui Teologia, nem Moral. Há o acto do infinitamente fraco, querendo agradar ao infinitamente forte. E se V., para purificar este Catolicismo, eliminar o Padre, a estola, as galhetas e a água benta, todo o Rito e toda a Liturgia - o católico imediatamente abandonará uma Religião que não tem Igreja visível, e que não lhe oferece os meios simples e tangíveis de comunicar com Deus, de obter dele os bens transcendentes para a alma e os bens sensíveis para o corpo. O Catolicismo nesse instante terá acabado, milhões de seres terão perdido o seu Deus. A Igreja é o vaso de que Deus é o perfume. Igreja partida - Deus volatilizado.
(Continua)
«A Correspondência de Fradique Mendes» - Carta a Guerra Junqueiro
Eça e Bento XVI - III
(Continuação)
Esta religião primordial é o tipo absoluto e inalterável das Religiões, que todas por instinto repetem - e em que todas (apesar dos elementos estranhos de Teologia, de Metafísica, de Ética que lhe introduzem os espíritos superiores) terminam por se resumir com reverência. Em todos os climas, em todas as raças, ou divinizando as forças da Natureza, ou divinizando a Alma dos mortos, as Religiões, amigo meu, consistiram sempre praticamente num conjunto de práticas, pelas quais o homem simples procura alcançar da amizade de Deus os bens supremos da saúde, da força, da paz, da riqueza. E mesmo quando, já mais crente no esforço próprio, pede esses bens à higiene, à ordem, à lei e ao trabalho, ainda persiste nos ritos propiciadores para que Deus ajude o seu esforço.
O que V. observou em Septa-Sindhou poderá verificar igualmente, parando (antes de recolhermos a Viana, a beber esse vinho verde de Monção, que V. ditirambiza) na Antiguidade Clássica, em Atenas ou Roma, onde quiser, no momento de maior esplendor e cultura das civilizações greco-latinas. Se V. aí perguntar a um antigo, seja um oleiro de Suburra, seja o próprio Flamen Dialis, qual é o corpo de doutrinas e de conceitos morais que compõe a Religião, - ele sorrirá, sem o compreender. E responderá que a Religião consiste em paces deorum quaerere, em apaziguar os Deuses, em segurar a benevolência dos Deuses. Na ideia do antigo isso significa cumprir os ritos, as práticas, as fórmulas, que uma longa tradição demonstrou serem as únicas que conseguem fixar a atenção dos Deuses e exercer sobre eles persuasão ou sedução. E, nesse cerimonial, era indispensável não alterar nem o valor duma sílaba na Prece, nem o valor dum gesto no sacrifício, porque doutro modo o Deus, não reconhecendo o Sacrifício da sua dilecção e a Prece do seu agrado, permanecia desatento e alheio; e a Religião falseava o seu fim supremo - influenciar o Deus. Pior ainda! Passava a ser a irreligião: e o Deus, vendo nessa omissão de liturgia uma falta de reverência, despedia logo das Alturas os dardos da sua cólera. A obliquidade das pregas na túnica do Sacrificador, um passo lançado à direita ou movido à esquerda, o cair lento das gotas da libação, o tamanho das achas do lume votivo, todos esses detalhes estavam prescritos imutavelmente pelos Rituais, e a sua exclusão ou a sua alteração constituíam impiedades. Constituíam verdadeiros crimes contra a pátria - porque atraíam sobre ela a indignação dos deuses. Quantas Legiões vencidas, quantas cidadelas derrubadas, porque o Pontífice deixara perder um grão de cinza da ara - ou porque Auruspice não arrancou lã bastante da cabeça do anho! Por isso Atenas castigava o Sacerdote que alterasse o cerimonial; e o senado depunha os Cônsules que cometiam um erro no sacrifício - fosse ele tão ligeiro como reter a ponta da toga sobre a cabeça, quando ela devia escorregar sobre o ombro. De sorte que V., em Roma, lançando ironias de ouro à Divindade, era talvez um grande e admirado Poeta Cómico: mas satirizando, como na Velhice do Padre Eterno a Liturgia e o Cerimonial, era um inimigo público, um traidor ao Estado, votado às masmorras do Tuliano.
Esta religião primordial é o tipo absoluto e inalterável das Religiões, que todas por instinto repetem - e em que todas (apesar dos elementos estranhos de Teologia, de Metafísica, de Ética que lhe introduzem os espíritos superiores) terminam por se resumir com reverência. Em todos os climas, em todas as raças, ou divinizando as forças da Natureza, ou divinizando a Alma dos mortos, as Religiões, amigo meu, consistiram sempre praticamente num conjunto de práticas, pelas quais o homem simples procura alcançar da amizade de Deus os bens supremos da saúde, da força, da paz, da riqueza. E mesmo quando, já mais crente no esforço próprio, pede esses bens à higiene, à ordem, à lei e ao trabalho, ainda persiste nos ritos propiciadores para que Deus ajude o seu esforço.
O que V. observou em Septa-Sindhou poderá verificar igualmente, parando (antes de recolhermos a Viana, a beber esse vinho verde de Monção, que V. ditirambiza) na Antiguidade Clássica, em Atenas ou Roma, onde quiser, no momento de maior esplendor e cultura das civilizações greco-latinas. Se V. aí perguntar a um antigo, seja um oleiro de Suburra, seja o próprio Flamen Dialis, qual é o corpo de doutrinas e de conceitos morais que compõe a Religião, - ele sorrirá, sem o compreender. E responderá que a Religião consiste em paces deorum quaerere, em apaziguar os Deuses, em segurar a benevolência dos Deuses. Na ideia do antigo isso significa cumprir os ritos, as práticas, as fórmulas, que uma longa tradição demonstrou serem as únicas que conseguem fixar a atenção dos Deuses e exercer sobre eles persuasão ou sedução. E, nesse cerimonial, era indispensável não alterar nem o valor duma sílaba na Prece, nem o valor dum gesto no sacrifício, porque doutro modo o Deus, não reconhecendo o Sacrifício da sua dilecção e a Prece do seu agrado, permanecia desatento e alheio; e a Religião falseava o seu fim supremo - influenciar o Deus. Pior ainda! Passava a ser a irreligião: e o Deus, vendo nessa omissão de liturgia uma falta de reverência, despedia logo das Alturas os dardos da sua cólera. A obliquidade das pregas na túnica do Sacrificador, um passo lançado à direita ou movido à esquerda, o cair lento das gotas da libação, o tamanho das achas do lume votivo, todos esses detalhes estavam prescritos imutavelmente pelos Rituais, e a sua exclusão ou a sua alteração constituíam impiedades. Constituíam verdadeiros crimes contra a pátria - porque atraíam sobre ela a indignação dos deuses. Quantas Legiões vencidas, quantas cidadelas derrubadas, porque o Pontífice deixara perder um grão de cinza da ara - ou porque Auruspice não arrancou lã bastante da cabeça do anho! Por isso Atenas castigava o Sacerdote que alterasse o cerimonial; e o senado depunha os Cônsules que cometiam um erro no sacrifício - fosse ele tão ligeiro como reter a ponta da toga sobre a cabeça, quando ela devia escorregar sobre o ombro. De sorte que V., em Roma, lançando ironias de ouro à Divindade, era talvez um grande e admirado Poeta Cómico: mas satirizando, como na Velhice do Padre Eterno a Liturgia e o Cerimonial, era um inimigo público, um traidor ao Estado, votado às masmorras do Tuliano.
(Continua)
«A Correspondência de Fradique Mendes» - Carta a Guerra Junqueiro
«A Correspondência de Fradique Mendes» - Carta a Guerra Junqueiro
Eça e Bento XVI - II
(Continuação)
No primeiro povoado em que pararmos, V. vê, sobre um outeiro, um altar de pedra coberto de musgo fresco: em cima brilha palidamente um fogo lento: e em torno perpassam homens, vestidos de linho, com os longos cabelos presos por um aro de ouro fino. São padres, meu amigo! São os primeiros capelães da Humanidade, - e cada um deles está, por esta quente alvorada de Maio, celebrando um rito da missa Ariana. Um limpa e desbasta a lenha que há-de nutrir o lume sagrado; outro pisa dentro dum almofariz, com pancadas que devem ressoar «como tambor de vitória», as ervas aromáticas que dão o Sômma; este, como um semeador, espalha grãos de aveia em volta da Ara; aquele, ao lado, espalmando as mãos ao Céu, entoa um cântico austero. Estes homens, meu amigo, estão executando um Rito que encerra em si toda a Religião dos Árias, e que tem por objecto propiciar Indra - Indra, o Sol, o Fogo, a potência divina que pode encher de ruína e dor o coração do Ária, sorvendo a água das regas, queimando os pastos, desprendendo a pestilência das lagoas, tornando Septa-Sindhou mais estéril que o «coração do mau»; ou pode, derretendo as neves do Himalaia, e soltando com um golpe de fogo «a chuva que jaz no ventre das nuvens», restituir a água aos rios, a verdura aos prados, a salubridade às lagoas, a alegria e abundância à morada do Ária. Trata-se pois simplesmente de convencer Indra a que, sempre propício, derrame sobre Septa-Sindhou todos os favores que pode apetecer um povo rural e pastoral.
Não há aqui Metafisica, nem Ética - nem explicações sobre a natureza dos deuses, nem regras para a conduta dos homens. Há meramente uma Liturgia, uma totalidade de Ritos, que o Ária necessita observar para que Indra o atenda - uma vez que, pela experiência de gerações, se comprovou que Indra só o escutará, só concederá os beneficios rogados, quando em torno ao seu altar certos velhos, de certa casta, vestidos de linho cândido, lhe erguerem cânticos doces, lhe ofertarem libações, lhe amontoarem dons de fruta, mel e carne de anho. Sem dons, sem libações, sem cânticos, sem anho, Indra, amuado e sumido no fundo do Invisível e do Intangível, não descerá à Terra a derramar-se na sua bondade. E se vier de Viana do Castelo um Poeta tirar ao Ária o seu altar de musgo, o seu pau sacrossanto, o almofariz, o crivo e o vaso do Soma, o Ária ficará sem meios de propiciar o seu Deus, desatendido do seu Deus - e será na Terra como a criancinha que ninguém nutre e a que ninguém ampara os passos.
(Continua)
«A Correspondência de Fradique Mendes» - Carta a Guerra Junqueiro
Eça e Bento XVI - I
Muito se tem falado, ultimamente, das directivas dadas, por Bento XVI, no sentido de restabelecer algumas práticas que já andavam esquecidas - como o uso do latim, dos cantos gregorianos, etc.
Até que ponto é que os rituais são importantes em religião? Ou melhor: até que ponto é que, em certas religiões, o ritual é, precisamente, o mais importante?
Vejamos o que, acerca desse assunto, dizia Eça de Queiroz, pela boca de Fradique Mendes (numa "carta" a Guerra Junqueiro):
-oOo-
(...) Meu Caro Amigo.
A sua carta transborda de ilusão poética. Supor, como V. candidamente supõe, que traspassando com versos (ainda mesmo seus, e mais rutilantes que as flechas de Apolo) a Igreja, o Padre, a Liturgia, as Sacristias, o jejum da sexta-feira e os ossos dos Mártires, se pode «desentulhar Deus da aluvião sacerdotal», e elevar o Povo (no Povo V. decerto inclui os conselheiros de Estado) a uma compreensão toda pura e abstracta da Religião - a uma religião que consista apenas numa Moral apoiada numa Fé - é ter da Religião, da sua essência e do seu objecto, uma sonhadora ideia de sonhador teimoso em sonhos!
Meu bom amigo, uma Religião a que se elimine o Ritual desaparece - porque as Religiões para os homens (com excepção dos raros Metafísicos, Moralistas e Místicos) não passa dum conjunto de Ritos, através dos quais cada povo procura estabelecer uma comunicação íntima com o seu Deus e obter dele favores. Este, só este, tem sido o fim de todos os cultos, desde o mais primitivo, do culto de Indra, até ao culto recente do coração de Maria, que tanto o escandaliza na sua paróquia - oh incorrigível beato do idealismo!
Se V. o quer verificar historicamente, deixe Viana do Castelo, tome um bordão, e suba comigo por essa antiguidade fora até um sítio bem cultivado e bem regado que fica entre o rio Indo, as escarpas do Himalaia, e as areias dum grande deserto. Estamos aqui em Septa-Sindhou, no país das Sete Águas, no Vale Feliz, na terra dos Árias.
(Continua)
25.3.07
Betinhos de dia, peixeiras à noite
NO ÚLTIMO FIM-DE-SEMANA a direita portuguesa mostrou a sua raça, em dois episódios inesquecíveis. Um toda gente deu por ele: Maria José Nogueira Pinto acusou o deputado Hélder Amaral de a ter agredido na reunião do Conselho Nacional do CDS/PP - que ela classificou como um regresso à "pior memória do PREC" - e o deputado Hélder Amaral deixou no ar que tal acusação só aconteceu por ele "não ser branco como ela". Só mesmo a direita portuguesa é que tem destas coisas: uma dirigente a acusar o partido de atitudes de esquerda revolucionária e um deputado a insinuar que foi vítima de racismo. O Bloco de Esquerda deveria apresentar queixa por concorrência desleal.
O outro episódio foi menos badalado, mas é um dos melhores do ano: o fadista Nuno da Câmara Pereira, fogoso pretendente ao inexistente trono de Portugal, fez queixa do pobre D. Duarte de Bragança ao Ministério da Economia por ele andar a investir uma data de gente como cavaleiros da Ordem de S. Miguel da Ala, considerando tal acto um uso indevido de insígnias que o fadista Nuno alegadamente patenteou. Mais tonto do que reis que não são reis andarem a armar cavaleiros de pacotilha, só mesmo pretendentes a reis que não são reis andarem a chatear-se por causa disso.
Ora, nada disto teria importância alguma se não fosse suposto que boa parte desta gente fizesse parte da elite nacional. Os monárquicos, mesmo que deprimidos, são herdeiros de uma aristocracia que durante séculos governou o país. Podem não ter um regime que lhes sirva, mas, pelo menos, têm uma tradição a preservar. E, no entanto, é o que se vê. Já a direita cristã que o CDS/PP representa é um ninho de famílias-bem, de gente que mora na linha de Cascais, compra sapatos-vela, veste camisas às riscas e vai à missa ao Campo Grande. Boa parte daquela gente que se transformou em peixeiras de Alfama no Conselho Nacional estudou nas melhores escolas portuguesas. E, no entanto, deram naquilo. É como se as nossas elites tivessem uma grilheta à volta do pescoço, que as empurra fatalmente para o fundo. Triste direita. Infeliz país.
Estar por tudo
ANDA UM HOMEM A FAZER DAS TRIPAS CORAÇÃO, a fazer contas de cabeça, a trabalhar o melhor que sabe, a poupar o mais que pode e de repente dizem-lhe: “O amigo deve 12,8 mil euros ao estrangeiro”. Ninguém diz “Como?” ou julga que ouviu mal. Hoje, neste País, um homem já está por tudo.
Os fulanos explicam-nos: "Como os bancos vão pedir dinheiro lá fora para comprarmos casas e gastarmos no consumo porque as poupanças nos depósitos não chegam, a gente deve lá fora 20% mais do que cada um ganha por ano. Com os juros a subir, as coisas ficam feias”.
Pois, está bem, pensamos nós para não dizer uma asneira. E logo nos explicam mais:”As remessas dos nossos emigrantes estão estagnadas”. Quer dizer que não crescem. Bem feito! Então correram com eles, tratam-nos mal, cortam-lhes os consulados, não lhes facilitam a vida e ainda querem que eles ponham cá mais euros?! Só se forem parvos!
Isto não é grave. A gente espera que o Vítor Constâncio fale. Como ele passa a vida a dizer bem, qualquer dia ele vai dizer que a gente já não deve nada a ninguém. A gente está por tudo!
«25ª Hora» - «24 Horas»
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A arruaça
PAULO PORTAS LANÇARA O SEU DESAFIO e o Conselho Nacional do CDS estava marcado, quando aqui escrevi: "não haverá peito aberto nem floretes, mas tocaias e sovelas"; e noutro passo "vão meter Jesus Cristo na gaveta". Oxalá isto fosse prever o pandemónio de Óbidos, mas não foi. Foi constatar por antecipação. E o mérito vai inteirinho para a absoluta previsibilidade de factos e agentes.
O certo é que tudo correu mal a toda a gente. À direcção do CDS, porque o decurso dos "trabalhos" pôs a nu a confortável maioria de que dispunham os apoiantes de Portas. A este, porque o triunfo de Pompeu que sugerira - a cara ao sol por entre tubas e estandartes - esbarrou num entediante impasse processual e descambou na miseranda arruaça que as televisões bondosamente quiseram mostrar ao país. Enfim, a uma e outro, porque o potencial eleitor não logrou ver enunciada uma ideia ou apontada uma nesga de futuro, tudo ficando por dois ou três slogans proclamados com mais solenidade do que fé.
Não é pacífico o que possa sair de tudo isto. Da cisão à resignação dos vencidos, há crentes para tudo. Desde um extremo que vê na ocorrência a própria certidão de óbito do partido, até outro cuja candura aponta ainda para um final feliz (claro que para que o que é mau acabe bem basta que acabe). Mas mesmo os devotos nostálgicos da refundação da direita reconhecem já que a iguaria dificilmente sairá desta panela. E que um hipotético alargamento ao centro-direita é malabarismo que não se fará graças ao CDS, mas - e se milagre houver - apesar dele.
Também a convicção, muito business-oriented, de que a matriz cristã do CDS não "rende", baseada na verificação de que houve aventuras fora dela que começaram por ser eleitoralmente bem sucedidas, esquece como todas terminaram em desgraça. Servem só para o CDS dar a maioria absoluta a um partido que haja ficado à beira dela e para proporcionar a quatro ou cinco dos seus quadros um breve cruzeiro turístico pelo aparelho do Estado. Mas denunciam também a total redundância dos projectos conservadores, liberais e populistas com os de uma direita do PSD que goza de bem maior implantação.
A ressurreição dos mártires numa vida melhor ainda carece da confirmação dos próprios. Até ver, só está demonstrado o pouco apreço que eles tinham pela vida que levavam. Quem quiser refundar a direita a partir do CDS irá lançar, por sobre a certeza do cadáver dele, a mais duvidosa das epopeias.
«DN» 25 Mar 07
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24.3.07
Passatempo COM PRÉMIO - Termina no domingo à noite
Substituir os pontos por letras por forma a obter nomes de personagens de obras de Eça de Queiroz. No caso de nomes compostos por várias palavras, incluíram-se traços verticais a separá-las.
As respostas (que poderão ser parciais) deverão ser enviadas para sorumbatico@iol.pt até às 24h do dia 25 de Março de 2007, domingo, e dadas pela ordem indicada.
As respostas (que poderão ser parciais) deverão ser enviadas para sorumbatico@iol.pt até às 24h do dia 25 de Março de 2007, domingo, e dadas pela ordem indicada.
O vencedor (que receberá uma edição de «Os Maias» em dois volumes) será o primeiro leitor que indicar os 21 nomes correctos. Se não houver nenhum nessas condições, será o primeiro que indicar 20 - e por aí "abaixo"...
-oOo-
A solução está indicada no post do dia 26.
A estranheza do chinês
UM DIA DESTES OS CHINESES NÃO NOS CONHECEM. Os do Norte, desde que abriram cá os primeiros restaurantes, estranham-nos muito. Os de Xangai, que começaram com os primeiros bazares e lojas do chinês, acham-nos muito diferentes. Os de Cantão já nem nos reconhecem e os de Macau nem se fala!
E como podem eles reconhecer-nos?! Seremos os mesmos que os faziam entrar em Macau com malas de dinheiro para jogar e comprar imobiliário quando um andar valia um passaporte português, com direito de residência em qualquer país da União Europeia, negócio que os bifes acabaram por causa de Hong Kong?!
Seremos os mesmos que inaugurávamos as lojas deles em Macau cortando a fita com uma tesoura de ouro que escorregava para o bolso ou para a malinha da madama no entusiasmo dos cumprimentos?!
Somos os mesmos, sim senhor. Estamos é muito mais práticos. Não há conversa! Abarbatamos logo em Elvas os milhões do chinês que vem na camioneta de Madrid. Quem aceita um cheque do chinês?! Quem aceitar que o vá receber ao Totta, que é espanhol!
«25ªHORA» - «24 Horas»
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Exmo. Sr. Ministro do Turismo do Brasil
Excelência,
Sei que nunca vai ler esta carta, o que me deixa tranquilo. A não ser que os serviços de informação da República funcionem, na minha óptica, melhor do que está funcionando o Turismo que Vª Ex.ª superiormente gere.
Mas pode sempre acontecer que alguém conhecido de um conhecido de outro conhecido lhe sopre um dia qualquer coisa. Compreenda também que este espaço onde lhe escrevo é um blogue português que acaba de celebrar o quarto de milhão de leitores, o que não é despiciendo, creio, nos dias que correm de tão apressadas vidas e tão pouco tempo para leituras.
Com efeito, tem Vª Ex.ª matéria prima que nenhum país do mundo desdenharia; nem em riqueza, nem em beleza, nem em paisagem humana, clima, alegria, simpatia e divulgação.
O que corre mal então no país de Vera Cruz?
Antes de fazer meu relatório crítico, ou se assim o quiser entender, a minha análise do que tenho vivido na pátria amiga e irmã, convém dizer-lhe que sou um andarilho do Mundo, graças à minha profissão.
Como músico e homem da palavra e da poesia, sou um personagem que de Toronto a Estocolmo, de Macau a S. Paulo, de Lisboa a Budapeste, várias vezes cruzou os mares, várias e diversas nações conheceu.
Daí acontecer que já possuo, junto com a respeitável experiência de quase quarenta anos de vida artística, alguns milhões de quilómetros corridos, sempre como amante da vida e da paisagem; da boa mesa e da relação humana. Respeito os hábitos nacionais, as vestes e costumes. Respeito as religiões todas e, como escrevi algures, acredito profundamente em Deus, em todos os deuses, grandes e pequenos, mesmo naqueles que, não acreditando muito já em si mesmos, se perderam algures a meio caminho entre a descrença e a excessiva flagelação.
Não sou, pois, um noviço que lhe debita uma qualquer nota ocasional no livro de reclamações por uma viagem que lhe tenha corrido mal.
Visitei já o Brasil 5 vezes. Uma delas foi como convidado de honra da Gala dos 50 anos da Casa de Portugal em S. Paulo.
Fui assaltado uma vez e roubado noutra. Tive entrevistas adiadas por ter acontecido o mesmo aos meus entrevistadores. Ocultei os relógios, os fios de ouro, a carteira, os documentos, o dinheiro, como, ao que parece, é recomendável por todo o seu País.
É desagradável, sabe? É, de facto, muito desagradável.
Acabo desta feita de chegar de Salvador, onde um jornal escrevia, contabilizando, que tinha havido 216 mortes violentas nos últimos sessenta dias. Acredito.
S. Paulo é a urbe imensa que sabemos. Fui roubado em plena Avenida Paulista. Fui roubado no táxi um dia no Rio de Janeiro. Fui ainda roubado uma outra ocasião no próprio hotel onde fiquei, pois confiei demasiado na honra das camareiras e não usei o cofre. Culpa minha, portanto. Essa vez nem conto.
Desta vez escolhi como alvo Porto Seguro por razões sentimentais de português que desejava conhecer a primeira praia de desembarque de Cabral e desloquei-me a Coroa Vermelha, Arraial da Ajuda, Trancoso. Depois fui de Salvador a Itaparica, Ilha dos Frades.
Enfim, andei um tanto por ali, como vê. Nas estradas que há e têm traiçoeiros buracos para partir os carros e nas que nem sequer há, portanto, nem dá para fazer reclamação.
Achei a água suja, quase negra em Porto Seguro e as praias inseguras e porcas. Desconheço se os esgotos da cidade vão encanar ali mas várias vezes abri a torneira e a água saiu barrenta e muito pouco fiável.
Por toda a parte havia pelo areal uma quantidade enorme de paus, pedras, garrafas, seringas, latas, lixo natural ou provocado. Os concessionários de espaços na praia, indiferentes, limitavam-se a praticar o desporto de exploração desenfreada do turista incauto, com uma comida incrivelmente cara, como se estivéssemos num restaurante chique de Paris.
A qualidade era algumas vezes muito baixa, o serviço péssimo, a lentidão exasperante, a limpeza medíocre, a confecção complicada e ocultadora da eventual frescura ou dos méritos da peça de peixe ou carne que estava à nossa frente. Na consequência dessa ocultação e eventual desonestidade culinária, apanhei uma ligeira gastroenterite, que fui combatendo conforme consegui. Notei que nuns restaurantes não havia menu, noutros não havia pão, ou coisas tão naturais como manter água mineral no frio.
Restaurantes houve em que anunciavam uma dose para duas pessoas, a qual depois se limitava a um miserável e envergonhado filete solitário. Se Vossência um dia nos der a subida honra de um pulo à nossa terra, terei todo o prazer em, de norte a sul, lhe apresentar alguns quartos de dose individual que ultrapassam a tal dose pseudo dupla.
Mas pedir uma água fresca e não haver, ultrapassa tudo o que podia imaginar. E não pense que era em restaurantes de favela. Não. Tudo acima dos 80 reais as duas pessoas. Chegaram a cobrar-me em Salvador dois reais e meio por cada garrafinha de água, num local de esplanada onde me aconselharam a esconder o celular, pois corria riscos de ser… roubado. Afinal o roubo maior era o do próprio gerente.
Num hotel de 4 estrelas, também em Salvador, o ar condicionado, apesar de muito ruidoso, era simplesmente virtual, o que, em conjunto com a temperatura de 35 graus, a humidade e os mosquitos, provocou – como Vossência facilmente imaginará – noites de luxúria e prazer inenarráveis, em que foi muito lembrado.
Curiosamente quando, em desespero de causa, exigi um ar condicionado que funcionasse, só à 3ª tentativa consegui uma pequena “suite” com as cadeiras rasgadas, mas onde infelizmente tive de conviver com os desagradáveis insectos pois a única bomba de spray anti-mosquito que tinham para todo o hotel tinha acabado.
Resumindo : - por todo o lado a simpatia do povo brasileiro é afogada por uma natural desconfiança permanente. A qualquer abordagem – e a mendicidade directa é uma praga digna de terceiro mundo – nós nunca sabemos se é para nos roubar, matar, pedir dinheiro, sequestrar ou perguntar as horas.
Há uma ciclópica tarefa de educação cívica a fabricar, para que a vida de cada ser não seja entendida por bandido como um facto de somenos importância. Desde menino que o valor da vida e do respeito pelos outros deve ser exaltado.
Li no dia de partida que o Senado aprovou para crimes hediondos, que o condenado passe a cumprir dois quintos da pena efectiva. Fantástico! O que cumpria então, até tal ocasião, não faço ideia; mas inquieta saber que, mesmo em caso de crime hediondo, o sujeito vai sair tão cedo.
Justiça pedagógica? Não, caro Ministro, desculpe. Isso é desfalque directo na prateleira da consciência e do convívio entre os povos.
Chego à conclusão que o Brasil onde queria ir descansar e comer lagosta à beira mar por um preço módico com simpatia e bem-estar, já não existe; ou tive uma sorte madrasta em tudo o que vi.
Turismo assim, mesmo com paisagens de sonho e gente boa que sabe ainda sorrir com a cara inteira, é invenção de novela.
Agarre, por favor, este país de sonho e legisle urgentemente para o limpar de pesadelos.
Um amigo meu disse com ironia – cuja é, como sabe, um patamar mais alto da inteligência – que a melhor maneira de invadir o Afeganistão era com mini-saias. Em alguns meses as burkas deixariam de fazer sentido. E os talibans ficariam desesperados.
Como corpos esculturais e bendito amor pela dança e pela vida já existe exuberantemente no seu maravilhoso país, compete-lhe então achar o antídoto rapidamente.
Aperte com os oportunismos e a exploração desenfreada ao turista menos prevenido. Potencie todo o verde, o areal e as belezas naturais imensas que essa pátria linda possui. Limpe onde precisa ser limpo e não deixe cortar a floresta às centenas de hectares seguidos, como eu vi. Junte todos os seus melhores especialistas e ataque desde já este grande, enormíssimo problema que tem em mãos.
Ofereço desde já, como prova de minha boa fé, uma magnífica caixa de duas dúzias de spray anti-mosquito, a distribuir gratuitamente por todos os hotéis de Salvador.
Comecemos por aí.
Pôr-me de mini-saia seria, convenhamos, confrangedor.
O viajante,
Pedro Barroso
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23.3.07
Telemóvel cheio de gente
O MEU TELEFONE ANDA CHEIO DE GENTE. Foi a Wendy e agora é o Sr. Wang e um serviço da CP que devem morar dentro dele.
A Wendy esteve mais dum mês a mandar-me três SMS por dia a dizer: "Olá! Sou a Wendy! Quem és tu?” Pelo sim, pelo não, nunca respondi ou liguei para o número que aparecia como sendo o da Wendy porque achei que se o fizesse ficaria a pagar as chamadas e o “roaming” de alguém.
A seguir, veio a CP. Comprei um bilhete de comboio pela Internet, recebi no meu telemóvel a mensagem com o número do comboio, carruagem, lugar, horário, ida e volta. O propósito era esse, mas no dia seguinte, às 9 da manhã eu recebi 9 bilhetes da CP e sete mensagens do Sr. Wang.
O sr. Wang é muito simpático. Diz que na hora de partir deve confessar que fui das coisas boas que conheceu nos seus quatro anos de Portugal. Há duas semanas que o Sr. Wang me diz isto umas 10 vezes por dia. O problema é que nunca conheci um Sr. Wang, ele já deve ter partido e há muito que fiz a viagem de comboio.
A menina da Vodafone diz que está tudo normal. Está bem… Deve ser o meu telefone que está cheio de gente.
«25ªHORA» - «24 horas»
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TIRANOS CULTOS
AINDA HOJE NOS SURPREENDEMOS com a revelação de que um tirano ou um déspota particularmente cruel e sanguinário era, afinal, um homem culto, leitor e admirador das melhores obras literárias, clássicas ou contemporâneas, apreciador de grande música ou dos melhores filmes, sem que tal o tenha demovido ou impedido de ordenar a execução dos crimes mais brutais – da tortura ao homicídio, do massacre ao genocídio.
O certo é que, como ainda recentemente notava o historiador e filósofo Tzvetan Todorov, o profundo conhecimento dos clássicos chineses não impediu Mao Zedong de se tornar num dos maiores criminosos do século XX. Como se o exercício despótico do poder político e a frequentação dos clássicos fossem actividades totalmente dissociadas, permanecendo isoladas em compartimentos estanques na cabeça de um tirano.
Ao longo da história, não são assim tão raros os exemplos, porventura anómalos, de coexistência de cultura e crueldade no espírito de um déspota. Átila (395-453), único imperador dos Hunos, é um caso assaz curioso e enigmático. Sempre designado como o flagelo de Deus e apresentado como símbolo da ferocidade dos bárbaros e sinónimo de massacre e devastação, a verdade é que era um homem cultivado, falava fluentemente o grego e o latim, era um diplomata excepcional e um grande estratego – uma espécie de Napoleão que logrou, em 15 anos, construir um império do Danúbio aos Urais.
Numa excelente biografia de Átila (Gallimard, 2006), Eric Deschodt considera-o um «imperador anarquista», um homem encantador e tolerante, mais diplomata do que guerreiro, embora temível e implacável em combate. A sua ferocidade, que reflectia os costumes da época, não ultrapassava, no entanto, a dos generais romanos ou persas. Eric Deschodt salienta, aliás, que «a ferocidade da maioria dos imperadores romanos do seu tempo ultrapassava, de longe, a de Átila, sem igualar a sua bravura e o seu génio». Átila queria ser amado e temido, preferindo a sedução ao terror. Podia ter conquistado Roma e Constantinopla, mas desdenhou fazê-lo. Matou milhares de inimigos em combate, mas nunca perseguiu ninguém. E admitiu que era ele «o pior inimigo» de si próprio.
Seria improvável lobrigarmos estas características pessoais em Estaline, um dos mais cruéis tiranos da História. Todavia, conforme nos revela Simon Sebag Montefiore no livro Estaline - A Corte do Czar Vermelho (Aletheia, 2006), esse déspota paranóico e hipocondríaco era um bon vivant, lia Goethe, Maupassant e Zola, admirava Dostoievski, adorava ópera, ouvia vezes sem conta o mesmo concerto de Mozart, era cinéfilo e fã de Spencer Tracy e Clark Gable. É irresistível compará-lo ao carrasco psicopata e nazi do sórdido romance de Jonathan Littell, Les Bienveillantes (Gallimard, 2006), capaz de ler Stendahl e Flaubert numa pausa entre dois massacres bem ordenados. Desgraçadamente, nem sempre se pode afirmar, como Dostoievski, que «a beleza salvará o mundo».
«DN-6ª» - 23 Mar 07
O certo é que, como ainda recentemente notava o historiador e filósofo Tzvetan Todorov, o profundo conhecimento dos clássicos chineses não impediu Mao Zedong de se tornar num dos maiores criminosos do século XX. Como se o exercício despótico do poder político e a frequentação dos clássicos fossem actividades totalmente dissociadas, permanecendo isoladas em compartimentos estanques na cabeça de um tirano.
Ao longo da história, não são assim tão raros os exemplos, porventura anómalos, de coexistência de cultura e crueldade no espírito de um déspota. Átila (395-453), único imperador dos Hunos, é um caso assaz curioso e enigmático. Sempre designado como o flagelo de Deus e apresentado como símbolo da ferocidade dos bárbaros e sinónimo de massacre e devastação, a verdade é que era um homem cultivado, falava fluentemente o grego e o latim, era um diplomata excepcional e um grande estratego – uma espécie de Napoleão que logrou, em 15 anos, construir um império do Danúbio aos Urais.
Numa excelente biografia de Átila (Gallimard, 2006), Eric Deschodt considera-o um «imperador anarquista», um homem encantador e tolerante, mais diplomata do que guerreiro, embora temível e implacável em combate. A sua ferocidade, que reflectia os costumes da época, não ultrapassava, no entanto, a dos generais romanos ou persas. Eric Deschodt salienta, aliás, que «a ferocidade da maioria dos imperadores romanos do seu tempo ultrapassava, de longe, a de Átila, sem igualar a sua bravura e o seu génio». Átila queria ser amado e temido, preferindo a sedução ao terror. Podia ter conquistado Roma e Constantinopla, mas desdenhou fazê-lo. Matou milhares de inimigos em combate, mas nunca perseguiu ninguém. E admitiu que era ele «o pior inimigo» de si próprio.
Seria improvável lobrigarmos estas características pessoais em Estaline, um dos mais cruéis tiranos da História. Todavia, conforme nos revela Simon Sebag Montefiore no livro Estaline - A Corte do Czar Vermelho (Aletheia, 2006), esse déspota paranóico e hipocondríaco era um bon vivant, lia Goethe, Maupassant e Zola, admirava Dostoievski, adorava ópera, ouvia vezes sem conta o mesmo concerto de Mozart, era cinéfilo e fã de Spencer Tracy e Clark Gable. É irresistível compará-lo ao carrasco psicopata e nazi do sórdido romance de Jonathan Littell, Les Bienveillantes (Gallimard, 2006), capaz de ler Stendahl e Flaubert numa pausa entre dois massacres bem ordenados. Desgraçadamente, nem sempre se pode afirmar, como Dostoievski, que «a beleza salvará o mundo».
«DN-6ª» - 23 Mar 07
NOTA: Este texto encontra-se também afixado no blogue «TRAÇO GROSSO» [v. aqui], arquivo das crónicas publicadas pelo autor no «DN-6ª».
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