Por
Antunes Ferreira
NUNCA ao longo dos séculos em que existe a Igreja Católica Romana e Apostólica se
verificou um Conclave tão acelerado. Sinal dos tempos, das pole positions, dos bólides, da Fórmula Um? Pelos vistos nada disso
contribui para a aceleração por parte de Bento XVI da reunião dos cardeais que
vão eleger o próximo Papa. Há já diversas teses, muitas opiniões e avultadas
coscuvilhices a propósito dessa velocidade e das causas da renúncia do que se
classificou de Panzerpapa. O passado do ex-cardeal Joseph Ratzinger esteve (e
quiçá continue a estar) num assunto enevoado. O que veio a lume é que ele
pertenceu à Juventude Hitleriana.
Mas,
deixe-se de parte este enigmático e sinistro episódio – durante o nazismo todos
os jovens com mais de 14 anos tinham obrigatoriamente de se enquadrarem na
organização juvenil do regime. No Portugal salazarista recorde-se que também
havia a Mocidade Portuguesa – para abordar, antes do mais, a renúncia do Papa.
Eduardo Febbro, um jornalista em Paris escreveu A história secreta da renúncia de Bento XVI da qual aqui fica
extraído um passo importante:
«Os especialistas em assuntos do Vaticano afirmam que o Papa Bento XVI
decidiu renunciar em março passado, depois de regressar de sua viagem ao México
e a Cuba.
Naquele momento, o papa, que encarna o que o diretor da École Pratique des
Hautes Études de Paris (Sorbonne), Philippe Portier, chama “uma continuidade
pesada” de seu predecessor, João Paulo II, descobriu em um informe elaborado
por um grupo de cardeais os abismos nada espirituais nos quais a igreja havia
caído: corrupção, finanças obscuras, guerras fratricidas pelo poder, roubo
massivo de documentos secretos, luta entre facções, lavagem de dinheiro.
O Vaticano era um ninho de hienas enlouquecidas, um pugilato sem limites
nem moral alguma onde a cúria faminta de poder fomentava delações, traições,
artimanhas e operações de inteligência para manter suas prerrogativas e
privilégios a frente das instituições religiosas.
Muito longe do céu e muito perto dos
pecados terrestres, sob o mandato de Bento XVI o Vaticano foi um dos Estados
mais obscuros do planeta. Joseph Ratzinger teve o mérito de expor o imenso
buraco negro dos padres pedófilos, mas não o de modernizar a igreja ou as
práticas vaticanas(…)»
Todo o artigo
desenvolve, por exemplo as relações da Cosa Nostra com o Vaticano, cujo novo
patrão, Messina Dernaro, tem o seu dinheiro em contas no IOR, e as intervenções
na trama que tinham envolvido o americano Monsenhor Marcinkus, o «suicídio» do
Presidente do Banco Ambrosiano, em1982, bem como as «fugas de informação» do
secretário de Bento XVI, Monsenhor Bertone, numa amálgama tenebrosa que incluía
ainda o anterior Papa João Paulo II. De tudo isto se pode compreender a
renúncia do antigo cardeal Ratzinger.
Já no que respeita à velocidade «supersónica» da
convocatória do Conclave, há mais razões a considerar: o papa Bento XVI fez uma alteração na lei vaticana para permitir
mais rapidez na eleição do seu sucessor. Anteriormente, o Conclave deveria começar
pelo menos 15 dias depois da resignação papal. Contudo Bento XVI alterou essa
disposição para que as reuniões prévias ao conclave possam começar já a 1 de
março. Caberá então aos participantes desses encontros definirem a data de
início da eleição.
Mas há mais. Três dias antes da sua renúncia, Benento XVI
aceitou a demissão do único cardeal-eleitor do Reino Unido, O'Brien, que já não
participará no Conclave pois ter-se-ia comportado de «forma inconveniente» para
com padres ao longo de 30 anos Alguns cardeais querem também que o início da reunião
(que terminará com o fumetto bianco),
seja rápido para reduzir o período de acefalia da Igreja num momento muito
difícil.
Outros, porém, acham que a antecipação do conclave dará a vantagem aos cardeais que já estão em Roma,
trabalhando na Cúria, que é a administração do Vaticano, foco das acusações de
incompetência e escândalos sexuais que diversos órgãos da comunicação social
especulam que poderiam ter levado à renúncia do papa. Claro que a Santa Sé negou
tudo. Mas, o que é certo é que, logo após a renúncia, já há cardeais que fazem
consultas informais por telefone e e-mail. Ou seja o progresso e a globalização
já marcam a reunião.
Acentua-se, portanto, o imbróglio que se vive no Vaticano e
que ninguém sabe onde ele irá parar. O prestígio de que gozava a Igreja
Católica Apostólica e Romana parece estar a ir-se ao fundo. Mas, sendo este
talvez o pior momento que vive, ela sempre conseguiu emergir da procela.
Atenção pois aos próximos capítulos desta telenovela eclesiástica.
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