Por Maria Filomena Mónica
DEPOIS DE LER o que se passou esta semana na «Comissão Parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação» sobre o serviço público de comunicação social, decidi comprar a RTP. Tenho a certeza de que não há chinês que me vença num concurso limpo. Sempre defendi que a empresa deveria estar nas mãos de um déspota esclarecido. Ora, quem me conhece pode atestar quão despótica sou; quanto ao adjectivo, julgo ter as Luzes q.b para a dirigir. Os meus amigos, os mais ricos, não me negarão o dinheiro. Enfim, vou mudar de vida.
Mas imponho condições. Em primeiro lugar, antes de a ela dedicar esforço, quero saber tudo sobre a empresa. O Ministro Miguel Relvas tem de voltar a chamar João Duque, atribuindo-lhe uma missão, de que, como economista, se desempenhará bem, rodeando-se de colegas com quem trabalhará no sentido de me dar uma análise - com nomes, datas e números - dos custos do funcionamento do canal estatal ao longo dos últimos dez anos.
Este novo grupo de trabalho poderá começar pelo exame das encomendas feitas ao exterior. Ficarei, ficaremos, a saber quantos assessores, autores e realizadores foram pagos pela RTP a fim de produzir «conteúdos». Tratar-se-á de ver se cumpriram o acordado e, no caso de isso se não ter verificado, serão obrigados a repor as verbas. O grupo deverá ainda passar a pente fino as despesas feitas por estas equipas - em refeições, viagens e sub-contratações - procurando detectar possíveis excessos.
Findo este trabalho, passaria à análise dos gastos internos da RTP, uma empresa com 2.000 funcionários, o que nos faz desconfiar da necessidade de ir buscar gente fora. Estudar-se-iam depois os vencimentos auferidos. Há dias, percebi, com espanto, que havia quem considerasse escandaloso o facto de os salários das vedetas da RTP terem aparecido nos jornais. Não teremos, nós, os contribuintes, o direito de saber quanto aqueles ganham? Se o salário de um juiz, de um docente universitário ou de um clínico do Serviço Nacional de Saúde é público - por ser pago por nós – por que diabo não há-de o cidadão ter conhecimento de quanto ganha José Rodrigues dos Santos, Fernando Mendes ou José Carlos Malato?
Varrido o pó, conviria iniciar um debate sobre o destino da RTP. O argumento, apresentado por alguns dos actuais administradores, de que a empresa dá ao povo o que o povo gosta, não colhe. Um canal público não pode ter as audiências como razão última. É até para fugir à ditadura das maiorias que se defende a existência de um serviço público. A popularidade de um programa como o «Preço Certo» - com uma média de 900.000 telespectadores diários – embora ilustrativa do atraso português, nada diz sobre o que deve ser um tal serviço. Ou antes, diz o que não deve ser. Igualmente pagas pelo contribuinte são as escolas públicas e ninguém se lembrou de perguntar aos alunos se gostam dos curricula. O que conta num serviço público não é o número de pessoas pespegadas diante do ecrã, mas a qualidade da programação. Perguntar-me-ão como a garantir? Pondo-me à frente da RTP.
«Expresso» de 21 Jan 12
Etiquetas: FM