31.1.12

A Tonga dos alemães

Por Ferreira Fernandes

É DOS LIVROS (de História): a gente dá o Dia da Restauração da Independência e os alemães agarram logo num comissário para regular as nossas contas. Vice-rei das dívidas de Portugal e dos Algarves, chamar-se-á a um qualquer Maximilian von Thurn und Taxis que venha controlar os excessos das nossas bandeiradas. Quer dizer, por enquanto Angela Merkel quer isso só para os gregos, mas os protetorados são como as cerejas, e nós vamos a seguir.
O indirect rule, como se chama quando um Estado cavalga outro Estado, começa sempre na Grécia: no séc. XIX, a Inglaterra ocupou a ilha de Corfu e outras ilhas Jónicas, e fazendo de conta que elas eram independentes tratou-as com direito de pernada. Tempos depois já estavam a "protetorar" a ilha de Tonga, no meio do Pacífico.
Portugal seria, não já, mas a seguir à Grécia, a Tonga dos alemães. Os reis de Tonga tinham um penacho no capacete e o nosso Presidente, já com as dificuldades financeiras que se lhe conhecem, tinha de arcar com mais essa despesa.
É sempre a mesma coisa, a política: põem-nos um comissário para controlar os gastos e a primeira coisa que fazem é aumentar as nossas contas. Penachos! Não vi da parte dos políticos portugueses grande emoção sobre esta hipótese de ingerência estrangeira, mas não sou cego. Em Belém já existem capacetes com penachos, à porta e à cabeça de garbosos militares da GNR. Os alemães não têm nada para nos ensinar.
«DN» de 31 Jan 12

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Cavaquistas

Por João Paulo Guerra

O PROFESSOR Marcelo - figura de uma nova iconografia mediática portuguesa - atiçou mais uma acha da fogueira.

É o velho espírito traquinas do miúdo que tocava às campainhas que, volta e meia, regressa à superfície e às primeiras páginas. Desta vez foi pelo aviso que deixou aos "cavaquistas anónimos" pedindo-lhes que "desamparem a loja" do cavaquismo real e profundo. A referência à "loja", na atual conjuntura, poderia trazer água no bico, ou ser mesmo "imprudente", como dizem agora os comentadores desportivos quando um atleta entra com as patas e os pitons às pernas, braços, cabeça ou tronco do adversário. Mas não é o caso. Quem o professor quis atingir foram os cavaquinhos, que saem, em dimensões cada vez mais diminutas, da grande matrioschka do cavaquismo, todos eles invocando em vão o santo nome do mestre.

Alguns destes cavaquistas anónimos colaram-se recentemente a críticas veladas do cavaquismo real, verberando os valores ultraliberais do ministro das Finanças em nome da social-democracia. Criticando os críticos em nome do cavaquismo de raiz, o professor Marcelo está a contribuir para a monda do cavaquismo. Mas está também a não deixar esquecer que quem começou este processo de denúncia e seleção foi Cavaco, o próprio, quando lançou a calda da equidade sobre a cultura fiscal.

As reações não se fizeram esperar. Marques Mendes, outro ícone, classificou já a colagem de cavaquistas não autorizados às críticas do cavaquismo autêntico como "um mau serviço ao País"; o próprio secretário-geral do PS sentenciou que "não é o momento" para "desavenças" entre setores da maioria; e o professor Marcelo falou da cátedra do pequeno ecrã.

A grande questão é que, com tanta gente a falar, não se percebe o que diz o próprio Cavaco Silva.
«DE» de 31 Jan 12

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E a dívida alemã?

Por Manuel António Pina

GOSTARIA de ver os arautos dos "mercados" que moralizam que "as dívidas são para pagar" (no caso da Grécia, com a perda da própria soberania) moralizarem igualmente acerca do pagamento da dívida de 7,1 mil milhões de dólares que, a título de reparações de guerra, a Alemanha foi condenada a pagar à Grécia na Conferência de Paris de 1946.

Segundo cálculos divulgados pelo jornal económico francês "Les Echos", a Alemanha deverá à Grécia em resultado de obrigações decorrentes da brutal ocupação do país na II Guerra Mundial 575 mil milhões de euros a valores actuais (a dívida grega aos "mercados", entre os quais avultam gestoras de activos, fundos soberanos, banco central e bancos comerciais alemães, é de 350 mil milhões).

A Grécia tem inutilmente tentado cobrar essa dívida desde o fim da II Guerra. Fê-lo em 1945, 1946, 1947, 1964, 1965, 1966, 1974, 1987 e, após a reunificação, em 1995. Ao contrário de outros países do Eixo, a Alemanha nunca pagou. Estes dados e outros, amplamente documentados, constam de uma petição em curso na Net (http://aventar.eu/2011/12/08/peticao-sobre-a-divida-da-alemanha-a-grecia-em-reparacao-pela-invasao-na-ii-guerra-mundial) reclamando o pagamento da dívida alemã à Grécia.

Talvez seja a altura de a Grécia exigir que um comissário grego assuma a soberania orçamental alemã de modo a que a Alemanha dê, como a sra. Merkel exige à Grécia, "prioridade absoluta ao pagamento da dívida".
«JN» de 31 Jan 12

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30.1.12

O YouTube nos livre dos certinhos

Por Ferreira Fernades

TÍTULO, ontem, do jornal El Mundo - "Mourinho sabe mais de Matemática que Guardiola?" -, fui ler.
As matemáticas são uma excelente ferramenta para os treinadores, garantiu-me o catedrático González Jiménez, vice-presidente da Real Sociedad Matemática Española. Parece que a escolha das equipas e táticas são tão meticulosas como lançar um robô até Marte.
Eu tinha outra ideia dos papelinhos que Mourinho manda para dentro do campo a Pepe, embora já tenha suspeitado que às vezes são excertos da Teoria do Caos, não sabia é que eram autênticos tratados.
Depois, o matemático disse quais as regras científicas do penálti perfeito: o marcador dá entre quatro e seis passos, espera que o guarda-redes se mexa mas só espera 0,41 milésimos de segundos e dispara a bola entre 25 a 29 metros por segundo! Por exemplo, disse ele, o marcado pelo inglês Shearer, no Mundial de 1998, contra a Argentina.
Curioso, fui ao YouTube. Vi o penálti: de facto, Shearer deu cinco passos, e dou de barato que chutou à velocidade indicada. Mas, garanto depois de várias visualizações, ele nunca levantou os olhos para o guarda-redes nem viu em milésimo de segundo nenhum se ele se mexeu. Rematou com o acaso certeiro do artista...
O futebol é-me um gosto ligeiro e portanto de pouco me vale ter desbaratado esta teoria. Mas tenho pena que uma simples visita ao YouTube não desmistifique também as certezas científicas, que julgo tão maradas, de certos professores de Economia.
«DN» de 30 Jan 12

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Estamos sempre a aprender!

Lisboa - Av. Barbosa Du Bocage
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O QUE aqui se vê confirma o dito nem tudo o que parece... é. Então do que se trata - e que me levou a registar a cena e a partilhá-la convosco?
(A resposta será aqui dada, em "actualização", com recurso a uma 3ª foto)..
Actualização

A primeira coisa que salta à vista é o facto de haver um carro estacionado num lugar destinado exclusivamente a motociclos - e foi isso que me levou a tirar as duas fotos de cima. Mas, depois, reparei que havia sido colocado no tablier, bem visível, uma folha A4 que, logicamente, devia conter a explicação.
Assim era: tratava-se de uma fotocópia de uma multa (de 60-300€...) que em tempos lhe foi aplicada pela Polícia Municipal pelo facto de o condutor do carro o ter (em tempos) estacionado num local destinado a carros - quando, afinal, ele é considerado... um motociclo!
Estamos sempre a aprender!

Passa para cá a soberania

Por Manuel António Pina

OS OLHOS cobiçosos da Alemanha voltam-se de novo para a soberania dos países "periféricos". De facto, confirmando uma notícia avançada pelo "Financial Times", a AFP revelou que uma "nota informal" apresentada ao Eurogrupo pela Alemanha (que ainda é devedora à Grécia de muitos milhares de milhões que foi condenada a pagar-lhe a título de dívidas de guerra) no sentido de que a Grécia seja forçada a ceder a sua soberania orçamental em troca de novo pacote de "ajuda".

Os olhos cobiçosos da sra. Merkel não são substancialmente distintos, senão nos processos, dos que uma outra Alemanha deitou há décadas à soberania dos países vizinhos, Grécia incluída. Taxas de juro usurárias e batalhões de burocratas com "certos poderes de decisão" que reforcem "o controlo dos programas e das medidas 'in loco'" são coisa mais discreta mas não menos arrasadora do que "panzers" e exércitos de ocupação. O seu efeito prático é, porém, o mesmo: a sujeição de um país e de um povo.

Que o actual Governo português, vendo as barbas gregas a arder, persista em atirar o país para o desastre, vergando-se a "ajudas" arma(dilha)das e afundando a economia no ciclo infernal da austeridade e da recessão, ou é cegueira obstinada (do género da de quem não quer ver) ou coisa pior.

Neste contexto, a intenção do mesmo Governo de pôr fim ao feriado que recorda a data da Restauração da Independência assume hoje uma involuntária carga simbólica.
«JN» de 30 Jan 12

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O líder

Por João Paulo Guerra

MANUEL Carvalho da Silva, que deixou pelo seu pé a liderança da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses/Intersindical Nacional, foi dos raríssimos líderes da sociedade portuguesa que conseguiu juntar em si mesmo e exercer características de combatividade e firmeza a par de um raro sentido do equilíbrio e do bom senso.

Em geral, os dirigentes caem para uma banda só: ou intransigentes até à intolerância, e quando olham para trás seguem sozinhos por uma estrada de ninguém; ou intempestivos até à sobrexaltação, incapazes de avaliar cada circunstância e momento. Manuel Carvalho da Silva nunca cedeu em questões de princípio - e poucos em Portugal poderão e saberão falar com tanto conhecimento e propriedade de direitos e conquistas dos trabalhadores - mas soube fugir ao cerco do sectarismo e às armadilhas dos interesses.

Presença incansável em todas as grandes lutas de trabalhadores em Portugal, nos últimos 30 anos, Manuel Carvalho da Silva não se deixou afundar no tarefismo - de onde se perde a visão de conjunto da tarefa - e até ganhou tempo para pensar e estudar. A apresentação pública da sua tese de doutoramento em sociologia foi um momento alto do raro debate de ideias em Portugal, reunindo na mesma sala mulheres e homens de pensamento aberto da classe política, da economia, da Igreja, a representações interessadas do mundo do trabalho e da luta social.

O mundo acelerado e inadvertido em que Portugal vive não se cansa de lhe traçar cenários para o futuro, talvez por haver muita gente inquieta com o mundo em que irá mover-se um homem com tanto e justo carisma. Manuel Carvalho da Silva merece que o deixem um pouco em paz. Bem lhe basta ter perdido o cenário sem par da janela do seu gabinete na sede da CGTP.
«DE» de 30 Jan 12

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Das rochas sedimentares (29)

Por A. M. Galopim de Carvalho

COM MENOR importância na acumulação de sedimentos carbonatados e, portanto, com menor expressão no registo estratigráfico, o ambiente marinho profundo ou abissal, nos fundos situados acima da já definida lisoclina, caracteriza-se pela presença de lamas ou vasas biogénicas (empapadas de água), resultantes da acumulação de restos esqueléticos de globigerinas (foraminíferos), pterópodes (pequenos gastrópodes planctónicos) e cocolitoforídeos (algas microscópicas), constituindo sedimentos abissais, também ditos pelágicos , bastante extensos nos mares actuais, cobrindo mais de um terço do fundo oceânico. (...)
Texto integral [aqui]

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29.1.12

Louvor às caixas de comentários

Por Ferreira Fernandes

O GÉNERO humano aprendeu há muito que o falar tudo é para malucos e por isso introduziu regras no falar. Por exemplo, em 1632 ninguém na Covilhã pedia um bilhete de comboio para Aveiro, até porque o comboio ainda não tinha sido inventado. Mas se um maluco insistisse em gritar pelo bilhete, seria enxotado da fila (que era provavelmente para comprar pão).
Digo isto para concordar com o provedor do Leitor do DN, Oscar Mascarenhas, que ontem disse que permitir, nas caixas de comentários dos jornais, o que se escreve e desenha nas paredes das sentinas públicas nada tem a ver com liberdade.
As caixas de comentários pertencem ao enorme passo da humanidade que nos trouxe a Internet. Esta pôs todos a falar, e todos a ouvir todos. Exatos ou treslendo, os comentários dos leitores já não permitem o por ou contra, são uma inevitabilidade. E boa: facilitam a opinião a quem não tinha acesso a ela, responsabilizam e emendam os jornalistas, fornecendo-lhes, afinal, aquilo por que eles sempre suspiraram, o feedback (a apreciação dos leitores).
Dito isto, quando há uma mãe negra a dar um beijo no seu bebé e a notícia é que o bebé acabou de morrer, e na caixa de comentário há um leitor que escreve: "Ainda bem, vamos pagar menos subsídios", eu tenho três certezas. Uma, é que aquilo não é uma caixa de comentários, é um esgoto; e, duas, aquilo não é um leitor, é um canalha. E a terceira é que ambos "aquilos" têm de ser extirpados.
«DN» de 29 Jan 12

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Luz - Genebra, 1971

Fotografias de António Barreto- APPh
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Senhora elegante a passear numa das ruas da Baixa. Num dos letreiros, a indicação da Casa Davidoff, uma das mais famosas marcas de charutos e cigarros. O gerente e proprietário era o senhor Zino Davidoff, que conheci nos anos sessenta. Era um russo emigrado, muito simpático, grande especialista de charutos, sobretudo de “cubanos”. Acolhedor, recebia quem por lá passava de vez em quando e ensinava os ignorantes na matéria, como eu, a apreciar os seus charutos. Durante muitos anos, depois da revolução cubana, Zino continuava a produzir em Cuba os seus charutos e a aconselhar o governo a explorar o melhor possível os seus recursos e a aproveitar a extraordinária experiência cubana. Depois de uma fase muito má e desorganizada, logo a seguir à revolução, os “puros” cubanos recomeçaram uma vida de glória e prestígio. Ao que constava, Zino Davidoff teria sido um dos principais responsáveis por esse renascimento. Sei que, um dia, zangaram-se e Zino foi continuar a fazer os seus charutos para outros países, nomeadamente a República Dominicana.

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28.1.12

Petição contra a petição

Por Ferreira Fernandes

OS POLÍTICOS podiam economizar algumas asneiras que fazem se andassem de vez em quando de autocarro. Esse talvez tenha sido o erro de Cavaco Silva. Meia hora no 758 da Carris (Cais do Sodré - Portas de Benfica) e teria percebido que quem tem reformas com cinco algarismos não é a pessoa mais adequada para se queixar num país com reformas de três algarismos.
Dito isto, estamos perante uma tolice, e só. Uma tolice todos podem dizer, até o Presidente da República.
É certo que se errar é humano, nos políticos é bom motivo para cair-lhes em cima com críticas e Cavaco mereceu as críticas generalizadas. Mas depois milhares de pessoas assinaram uma petição para que o Presidente se demita, e isso é uma tolice sobre a tolice da frase presidencial. É uma censura ao inalienável direito de um Presidente dizer uma tolice impedir que ele a diga - tão grave quanto seria impedir o inalienável direito de dezenas de milhares de portugueses pedirem a demissão do Presidente por delito de opinião. Os assinantes da petição perderam uma boa oportunidade para não se igualarem ao Presidente em matéria de tolices.
Já os promotores de levar moedinhas ao Palácio de Belém só são coerentes se forem bota-abaixistas do regime. Defendo o direito de eles exercerem essa ação, mas sou contra a intenção: preciso de um Presidente da República não amesquinhado. E forte para garantir as liberdades todas, incluindo as já ditas nestas linhas.
«DN» de 28 Jan 12

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Alguém viu e quer comentar?

Vai ser complicado

Por Alice Vieira

“Vai ser complicado”, diz ela.
“Não importa”, diz ele.
A porta fecha, o genérico avança, ela limpa os olhos e desliga a televisão.
Não sabe quantas vezes já viu este filme. Mesmo assim, sempre que a televisão o anuncia, lá está ela, os olhos a seguirem tudo como se fosse a primeira vez.
Para já, porque gosta de rever aquela província tão miserável do norte da Argentina, onde trabalhou durante algum tempo e onde várias cenas foram filmadas; mas sobretudo pela cena final, onde sempre se revê, mas em desfecho diferente: ela a dizer “vai ser complicado”, e Afonso a virar as costas e a desaparecer pela escada. (...)
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27.1.12

Uma marca já antiga, com um slogan curioso - mas em várias versões: uma com "meias" e outra com "collantts"(sic)

Palavras

Por João Paulo Guerra

NUMA TARDE calma de Janeiro, na fila para a caixa do supermercado, erguia-se, acima dos ruídos de funcionamento do estabelecimento e dos suspiros dos clientes com a míngua das compras e a alta dos preços, a voz exaltada de uma jovem cliente.

Ia-se embora sem comprar o que queria. O mercado deixara de vender determinadas «bolachas agressivas» que procurava. Ouvi bem, embora não percebesse nada: "bolachas agressivas".

Eu, que em tempos recebi um convite para desempenhar funções de "consultor japonês" em dada empresa, já não devia espantar-me com nenhuma das palavras que as seitas lançam no vocabulário do dia-a-dia. Ainda há dias me contava um luso-angolano, regressado de uma visita a Luanda, que um local lhe explicara que os novos estabelecimentos do Mussulo estavam a registar uma "aderência implacável". Há uma cultura de ouvido, com uma fartura de palavras a cair na fome dos conhecimentos de língua portuguesa.

Mas, como dizia o José Cardoso Pires, «as palavras não entram por acaso no vocabulário das seitas». E a palavra "agressividade" atacou com ímpeto o léxico da economia e da política. E da economia e política à distribuição alimentar é um passo. Os preços são agressivos, não querendo com isso dizer-se que agridam, ataquem ou provoquem o consumidor. São agressivos em termos de concorrência. Será neste item que entram as "bolachas agressivas"? Será que a agressividade das bolachas é comparável ao ímpeto do pastel de nata? Ou será apenas que expressar ideias é das maiores dificuldades dos alunos no moderno sistema do ensino?

Certo é que agressiva, provocante, ofensiva, insultuosa, antissocial, sociopata, hostil, a palavra agressividade entrou no português corrente. Ou será que o fim inevitável de tanta agressividade é que isto acabe tudo à bolachada?
«DE» de 27 Jan 12

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Pai & Filho?
...de frango?

Citações piratas

Por Ferreira Fernandes

NADA COMO a França para nos ilustrar.
Ainda no domingo, François Hollande, candidato socialista às presidenciais, citou Shakespeare e o Presidente Sarkozy citou Blaise Pascal. E, reparem, não falamos de um Mitterrand, que se cercava de artistas e filósofos, nem de um De Gaulle, autor de Memórias de Guerra, um clássico da língua francesa: Hollande é tido por apagado homem do aparelho, e Sarkozy por um arrivista com gosto pelo bling-bling. E, no entanto, em discurso que marcava a sua candidatura, Hollande citou, nomeando-o, Shakespeare: "Eles fracassaram porque não começaram pelo sonho." Os adversários ficaram arrasados com a tirada do Bardo de Stratford- upon-Avon, bom de palco e ainda melhor naquelas frases que duram séculos: "Todo o escravo tem na mão o poder de quebrar a servidão" (em Júlio César), "Ser ou não ser: eis a questão" (em Hamlet)... Procurou-se a obra onde o socialista foi beber a tal frase e encontrou-se: The Vision of Elena Silves, de Shakespeare, mas um errado, Nicholas Shakespeare, jornalista da BBC (e o livro é um romance de 1989). Este Shakespeare foi entrevistado ontem pelo Daily Telegraph e estava encantado com a confusão, claro.
Por seu lado, Sarkozy disse citar Pascal: "O homem tem tudo organizado para que ele esqueça que vai morrer." Ontem, o jornal Libération garantia que a frase não existe na obra de Pascal.
Tempos modernos: nem com grandes fiadores podemos acreditar nos políticos.
«DN» de 27 Jan 12

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A propósito da crónica anterior...

«Expresso» de 21 Jan 12

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Nem o passado lhes escapa

Por Manuel António Pina

HÁ EM PORTUGAL (um Estado laico) 7 feriados religiosos. E 5 civis e 2 nem por isso (o Ano Novo e o Carnaval, este último "facultativo"). São civis o 25 de Abril, o 1.º de Maio, o 10 de Junho, o 5 de Outubro (Implantação da República) e o 1.º de Dezembro (Restauração da Independência); os religiosos, apesar de a Constituição - mas quem liga à Constituição? - determinar que "ninguém pode ser privilegiado (...) em razão [da sua] religião", são todos... católicos: Sexta-feira Santa; Páscoa; Corpo de Deus; Assunção; Todos os Santos; Imaculada Conceição; e Natal.

Acha o actual Governo que "para aumentar a produtividade", isto é, os lucros das empresas, e a acrescer ao "banco de horas" e à redução das férias e tempos de descanso, os portugueses devem ainda trabalhar gratuitamente mais quatro dias por ano e, vai daí, quer cortar quatro desses feriados.

Pela sua parte, dá uma tesourada na memória colectiva (na quê...?) e elimina os que evocam a implantação da República e a Restauração da Independência em 1640; e a Igreja Católica que elimine dois dos "seus", de modo a, diz o inenarrável ministro Álvaro, "haver simetria" (uma "simetria" de 3 feriados laicos para 5 católicos...).

Depois de ter imposto ao país um presente de miséria, prisioneiro do ciclo vicioso austeridade-recessão-mais austeridade-mais recessão, comprometendo o futuro colectivo, faltava ao Governo roubar-nos também o passado. Agora nem isso falta.
«JN» de 27 Jan 12

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26.1.12

Insónia

Por João Paulo Guerra

UMA NOITE destas, os efeitos conjugados de uma gripe violenta e de uma insónia prolongada atiraram comigo para as madrugadas de cinema na televisão.

Foi fácil rejeitar de imediato a maioria das ofertas em cartaz. Foi mais difícil encontrar alguma coisa digna de se ver. E foi talvez por acaso que dei comigo a ver, do início, o filme espanhol La Caja 507. Quando agora leio o currículo, com significativo número de prémios, do realizador e autor do guião, Enrique Urbizu, confirmo a impressão com que fiquei do filme: direito ao assunto em história da maior atualidade muito bem urdida e contada em cinema.

Conhecia o tema de um livro e de artigos dispersos do magistrado Baltazar Gárzon, ignominiosamente levado agora a tribunal pelas bruxas sobreviventes do franquismo. La Caja 507 é um pequeno cofre numerado e para uso pessoal de um banco que é assaltado por um bando do crime desorganizado. Por circunstâncias que não me cabe relatar, o gerente do banco assaltado vem a tomar conhecimento do conteúdo da Caixa e, por essa via, das ligações entre a lavagem de dinheiro do crime, esse sim, organizado e globalizado, a corrupção municipal e a transformação do sul de Espanha num árido deserto povoado de hotéis e aldeamentos. Qualquer espanhol do sul poderá pensar que o enredo do filme foi inspirado na sua terra, ou até mesmo na sua rua. Também há um jornalista bem-intencionado e um diretor venal metidos no enredo.

Diz o povinho - que só não é sábio quando vota nos seus piores algozes - que há males que vêm por bem. O meu mal permitiu-me ver, num canal do cabo, às 2h e 30m da madrugada, uma história que os espetadores dos prime-time não conseguem ver às horas em que camiões descarregam areia suja e poluída para os olhos de quem julga que está acordado.
«DE» de 26 Jan 12

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Carta aberta a Nuno Crato

Por Ferreira Fernandes

DEMASIADO falado, o 70.º aniversário de Eusébio.
Para contrabalançar a tendência popularucha vou evocar aqui o professor Silva Ferreira, ilustre pedagogo, e uma data que é momento histórico: o 23 de julho de 1966. Nesse sábado, o insigne Silva Ferreira ensinou aos portugueses o que é vontade e pertinácia - afinal valores que ajudam mais os portugueses, sobretudo agora, do que a futilidade dos futebóis.
Nessa tarde, um grupo de sábios portugueses defrontava colegas da Coreia do Norte, em Inglaterra. Discutiam um problema que apaixonava o mundo - quantas vezes era possível meter uma esfera de couro num cabaz pousado em relva? - e os asiáticos, bebendo na tradição milenar do yin yang, aos 25 minutos já tinham metido três.
O grave foi ver como os portugueses desesperaram. Todos? Não: o professor Silva Ferreira pegou na esfera (viu-a armilar, como a da pátria) e, sozinho, levou-a, uma, duas, três e quatro vezes ao destino.
Os colegas de apáticos viraram eufóricos, quiseram aplaudi-lo mas ele enxotou-os: a hora era de lutar. Só à 4.ª esfera aceitou abraços e ainda ofertou uma 5.ª a um colega.
Um jornal inglês titulou: "Master-mind Eusebio". Silva Ferreira tinha o mesmo nome do tal futebolista, mas o jornal ao chamar-lhe "Espírito Superior" não estava a falar de pés.
Nuno Crato é o 17.º ministro da Educação a quem eu proponho que o vídeo desse Portugal-Coreia do Norte passe nas escolas para formar o carácter dos portugueses.
«DN» de 26 Jan 12

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Apontamentos de Lisboa

Hoje, numa marisqueira da Av. Almirante Reis
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Apesar da correcção da "remudelação", ainda ficou qualquer coisa por acertar...

O regresso da Velha Senhora

Por Manuel António Pina

A ANTENA 1 acabou com a rubrica de opinião "Este Tempo" após, numa crónica de Pedro Rosa Mendes, aí ter sido criticado o servilismo do Governo face ao regime corrupto de Luanda e o tipo de jornalismo que, pago a peso de oiro com dinheiros públicos, sabuja, sob o diáfano manto da "informação", cada poder do momento.

A decisão recorda-me episódios idênticos vividos no JN antes de 1974. Um em que uma crónica de Olga Vasconcelos sobre Indira Ghandi, filha de Nehru (que ordenara a invasão da "Índia Portuguesa"), levou à ordem de encerramento da rubrica onde fora publicada; e um outro que pôs fim ao Suplemento Literário dirigido por Nuno Teixeira Neves por aí não ter sido devidamente louvado um medíocre romance do escritor do regime Joaquim Paço d'Arcos. Os dois jornalistas só não foram despedidos porque tiveram o apoio do então director Pacheco de Miranda e, no primeiro caso, também do chefe de Redacção Costa Carvalho.

As personagens são agora outras, ou as mesmas com outros nomes, mas as semelhanças são inquietantes (só não há na Antena 1 Pachecos de Miranda nem Costas Carvalhos). E vivemos, diz-se, em democracia, regime em que a Velha Senhora, a Censura, não tem, diz-se, lugar.

Mas por algum motivo 64,6% dos portugueses estão hoje, segundo o "Barómetro da Qualidade da Democracia" apresentado há dias, insatisfeitos com a democracia que temos, quando em 1999 mais de 80% a consideravam "boa" ou "muito boa".
«JN» de 26 Jan 12

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Memórias Fardadas(10) - Entre dois copos de branco

Por A. M. Galopim de Carvalho

DEMASIADO envelhecido para os seus sessenta e poucos anos, o nosso sargento Limpinho, viúvo, alcoolizado por um punhado de razões, entre as quais e sobretudo a solidão, não quisera passar à reserva pois, para ele, o quartel era a sua casa e os militares a sua única família. Mal amanhado numa farda sebenta, dois ou três números acima da sua magreza, nunca usava o bivaque – perdera-o, não se lembrava onde - e era assim, em cabelo, liso, ralo e grisalho, que fazia as continências, sempre frouxas, de ponta de cigarro, molhada e amarelecida, ao canto da boca, cumprimentando os superiores ou respondendo à soldadesca. Fazia com zelo o trabalho que lhe competia e, ainda bem não, saía do quartel em busca do aconchego que só o vinho lhe dava. Todos viam estas suas escapadinhas mas ninguém o incomodava ou maltratava. (...)

Texto integral [aqui]

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Nigéria – O Islão é pacífico…

Por C. Barroco Esperança

NA NIGÉRIA, lenta e metodicamente, o ódio religioso vai semeando a morte. Não é um assunto que preocupe especialmente a comunicação social, apesar de ataques frequentes às igrejas cristãs. Na última semana mais de 200 pessoas foram mortas, vítimas do ódio sectário de muçulmanos exaltados.
Em África há um duelo entre o islão e o cristianismo radical. O islão é apoiado pela Arábia Saudita e está a impor-se nos países do Sahel (Senegal, Mali e Níger) enquanto o cristianismo evangelista progride na África do Sul, Costa do Marfim, Benim e Libéria, graças à ajuda financeira dos EUA e das grandes igrejas evangelistas. (...)
Texto integral [aqui]

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25.1.12

Apontamentos de Lisboa

A SENHORA que se vê do lado direito está em vias de colocar um "papelinho amarelo" no pára-brisas do Mercedes, estacionado numa paragem da Carris.
Pergunta-se: Alguém adivinha o que sucedeu ao referido papel nos minutos seguintes?

(A resposta será aqui dada, ainda hoje, sob a forma de um link onde o mistério é desvendado).
.
Actualização (19h45m): a resposta pode ser vista [aqui].

Remorsos

Por João Paulo Guerra

“ESTES dias não têm sido fáceis para a UGT”… mas os próximos anos vão ser terríveis para milhões de assalariados portugueses que a UGT entregou de mão beijada, mesmo não os representando, à gula do patronato e do seu governo.

Aparentemente, o secretário-geral da UGT anda por aí a bater com a mão no peito, queixando-se da dificuldade dos dias que correm. A central sindical afeta ao PS e PSD queixa-se agora da dureza dos dias, depois de ter feito o que dela se esperava: avalizou o mais sinistro pacote laboral de que há memória em Portugal. E é caso para perguntar se a UGT não existe para isto mesmo, para em momentos mais críticos sustentar com uma simples assinatura mais um conjunto de malfeitorias contra os que vivem dos rendimentos do trabalho.

O primeiro-ministro terá assim cometido uma grande injustiça ao destacar e saudar a colaboração da direção do PS para o acordo laboral que fez recuar décadas as relações de trabalho em Portugal, omitindo os devidos agradecimentos à UGT, sem a qual o acordo era uma simples convénio entre patrões. Assim, o acordo tem o necessário e suficiente para que exista: o timbre de uma central sindical, pois os pesos na consciência do secretário-geral da central sindical não são registados nem sequer como declaração de voto.

O pesar de João Proença, nos dias seguintes à assinatura do acordo laboral, parece tão sentido como o de Cavaco Silva após a assinatura do Orçamento de Estado. Chamam a isto sentido de Estado ou das responsabilidades. Mas remorso é a palavra adequada, pois nem sequer significa arrependimento. O arrependimento é o sentimento de quem tem consciência que infringiu as regras da moral. Remorsos têm os que temem qualquer espécie de punição ou simples censura moral.
«DE» de 25 Jan 12

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A camisa de onze varas

Por Baptista-Bastos

O ENREDO causado pela assinatura tripartida do "acordo" de concertação social não se desembrulha, e as suas previsíveis consequências pairam no horizonte das nossas preocupações. É um documento nefasto, di-lo a maioria dos analistas. A decepção causada por João Proença está a dar origem a uma insatisfação permanente. E pode ele procurar justificações, em depoimentos tão absurdos como pueris, que as pessoas, os trabalhadores em geral, não querem ser assim governados, e muito menos por "eles."

A pergunta será: que pode levar um homem como Proença (independentemente de evasivas e ambiguidades passadas) a apor o nome num texto de natureza tão disforme e tão cáustica para o mundo do trabalho? Mudou de carril e aceitou a impulsão dominante, reduzindo-se a um dispositivo formal do poder do momento? Tudo leva a crer que sim, até pela simulação triste com que pretende suavizar a violência do documento.

O grande vencedor desta miséria é António Saraiva, cuja alegria coalhada parece indiferente à ruptura dos laços sociais, agora lacrada, como se de jubiloso acontecimento se tratasse, o que não passa de um acto aziago e vicioso. Saraiva, outrora operário aguerrido, mudou de causa e de bandeira, há muito, atraído pelo sortilégio do "mercado." A velha definição proposta por Camões aplica-se-lhe por inteiro.

O imbróglio não fechou. Proença afirma e reafirma que foi sugestionado por altos dirigentes "não socialistas" da CGTP a dar o nihil obstat ao "acordo". Quem são eles? Proença queda-se num mutismo intransponível. E Carvalho da Silva chama-o de "mentiroso", defendendo, no entanto, a manutenção de relações com a UGT. Se a literatura é o adjectivo, assim proclamava Azorín, a política é a metáfora como dissimulação, desejando ser um prolongamento de ideias. Entende-se a insistência de Carvalho da Silva: sempre defendeu a unidade entre contrários como meio fundamental da luta dos trabalhadores. Quem mente e quem fala verdade? Este antagonismo de afirmações tem de ser esclarecido, não como causalidade circular, sim como necessidade de clarificação moral. E qual o papel desempenhado pelo dr. Cavaco nesta indignidade?

Será Proença "sugestionável", com tantos anos de obstinadas convicções e astutas sabedorias? E "altos dirigentes" da CGTP serão capazes de uma contraconduta eticamente repugnante? As escolhas estão feitas, desde há muitos anos. Os ressentimentos, que deveriam estar apaziguados, regressam, ainda mais assanhados e vivos.

Uma questão final se nos intenta: o "acordo" impõe uma servidão (é este o termo apropriado) brutal; mas a sua própria índole, extremamente repressiva, poderá causar reacções, porventura inorgânicas. O patronato e o desconsolado Governo de Passos Coelho ganharam, por agora; mas enfiaram--se numa camisa de onze varas.
«DN» de 25 Jan 12

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24.1.12

Criancinhas, fisco e almoços

Por Ferreira Fernandes

O FURO foi do Jornal de Negócios, infelizmente um jornal sério, o que o impediu de ver o tamanho do escândalo que tinha entre as mãos. "Desapareceram 111 mil crianças nos registos do fisco", foi a manchete do jornal, ontem.
Especializado em economia - com "Agenda do Investidor", "Guia da Bolsa", e algarismos assim - naturalmente o jornal seguiu a pista mais seca: os impostos aceitavam de boa fé as informações das famílias dizendo que tinham filhos para reduzir o IRS; desde o ano passado, porém, é obrigatório que todas as crianças tenham número de contribuinte... Resultado, num ano desapareceram as tais 111 mil crianças. Crime fiscal, disse o Jornal de Negócios. Conclusão precipitada, acho eu. Permitam-me que traga para aqui o clássico Jonathan Swift.
O irlandês é autor da célebre As Viagens de Gulliver, mas é de outra obra sua que falo. Depois do título Modesta Proposta (1729), seguia-se esta explicação: "Para impedir as crianças pobres na Irlanda de serem pesadas aos seus pais e ao seu País..." A obra foi escrita durante uma crise grave na Irlanda e a modesta proposta era, tão-só, comer os bebés: "Uma criança saudável na idade de um ano é um alimento delicioso, nutritivo e são..."
Swift escreveu-a como sátira política, e até nos seus tempos foi entendida assim. Receio é que os contribuintes portugueses, médios e pobres, habituados que estão a que sejam sempre eles a pagar a crise, tenham levado Jonathan Swift à letra.
«DN» de 24 Jan 12

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Demagogia

Por João Paulo Guerra

E DE SÚBITO, como se não houvesse nada de mais importante ou interessante para discutir em Portugal, começou a discutir-se em Portugal o cabaz de compras e as poupanças do cidadão chefe de Estado.

Verdade que foi o próprio a colocar a questão na agenda. Mas parece absolutamente mesquinho que num País, onde começa a grassar a fome e há muito que alastra o desespero, se traga para a agenda política e social quantas pensões e subsídios recebe o chefe de Estado, como se fosse essa a desigualdade que faz de Portugal um País profunda e iniquamente desigual.

O cidadão que ocupa a chefia do Estado ganha as pensões para as quais descontou na sua vida profissional. Ponto final. Se alguma coisa é injusta ou está mal nesse sistema, não é uma questão com aquele indivíduo, mas um assunto com um sistema eventualmente a alterar. Em segundo lugar, e sendo inteiramente a favor da igualdade dos cidadãos perante a lei, parece-me um sentimento tacanho que se queira sujeitar o titular de um cargo de representação uninominal da dignidade do Estado à pelintrice nacional. Não se percebe se alguém pensa que as injustiças se atenuam e se cobre o défice fazendo o chefe de Estado a deslocar-se de carro eléctrico para o trabalho, levando um saquitel com a merenda preparada em casa.

O que anda por aí é a mais desenfreada demagogia, com a qual se esconde, sobre um cenário de pobreza franciscana, uma situação real de desigualdade. Mas essa não é a que se verifica entre os cidadãos e o chefe de Estado: é a que se oculta entre um país real que paga a crise, com toda a espécie de sacrifícios e restrições, e um reino que, com crise ou sem crise, vai acumulando e concentrando uma imensa riqueza sempre por distribuir.
«DE» de 24 Jan 12

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Com Deus e com o Diabo

Por Manuel António Pina

COMPREENDE-SE mal a decisão da direcção do PS em se demarcar do pedido de fiscalização da constitucionalidade da lei do OE subscrito, a título individual, por vários deputados da sua bancada parlamentar.

Se não foi uma nova versão da história do polícia bom e do polícia mau e o PS não pretendeu apenas, oportunisticamente, ficar de bem com Deus-"troika" e com o Diabo-Constituição, talvez tenhamos assistido a mais uma manifestação da singular "abstenção violenta mas construtiva" que tem sido a marca de água da forma de o "novo PS" fazer de conta que faz oposição não a fazendo.

Seguro revela pouca confiança num tribunal, o Constitucional, que é uma emanação da mesma confederação de interesses político-partidários que assinou o acordo de capitulação com a "troika" e entregou o país aos "mercados". Um tribunal que - como fez no caso do imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal de 2011, para avalizar o qual criou o não menos extraordinário conceito de constitucionalidade "temporária" - não raro se rege por critérios de oportunidade, caracteristicamente políticos, e não de estrita legalidade.

Dante pôs à porta do Inferno, por nem do Inferno serem dignos, os que não tomam posição. Mas demitir-se de tomar posição é uma tomada de posição. É a clássica tomada de posição do tolo no meio da ponte. Infelizmente, no caso do maior partido "da Oposição", os eleitores portugueses é que são tomados por tolos.
«JN» de 24 Jan 12

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Quero comprar a RTP

Por Maria Filomena Mónica

DEPOIS DE LER o que se passou esta semana na «Comissão Parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação» sobre o serviço público de comunicação social, decidi comprar a RTP. Tenho a certeza de que não há chinês que me vença num concurso limpo. Sempre defendi que a empresa deveria estar nas mãos de um déspota esclarecido. Ora, quem me conhece pode atestar quão despótica sou; quanto ao adjectivo, julgo ter as Luzes q.b para a dirigir. Os meus amigos, os mais ricos, não me negarão o dinheiro. Enfim, vou mudar de vida.
Mas imponho condições. Em primeiro lugar, antes de a ela dedicar esforço, quero saber tudo sobre a empresa. O Ministro Miguel Relvas tem de voltar a chamar João Duque, atribuindo-lhe uma missão, de que, como economista, se desempenhará bem, rodeando-se de colegas com quem trabalhará no sentido de me dar uma análise - com nomes, datas e números - dos custos do funcionamento do canal estatal ao longo dos últimos dez anos.

Este novo grupo de trabalho poderá começar pelo exame das encomendas feitas ao exterior. Ficarei, ficaremos, a saber quantos assessores, autores e realizadores foram pagos pela RTP a fim de produzir «conteúdos». Tratar-se-á de ver se cumpriram o acordado e, no caso de isso se não ter verificado, serão obrigados a repor as verbas. O grupo deverá ainda passar a pente fino as despesas feitas por estas equipas - em refeições, viagens e sub-contratações - procurando detectar possíveis excessos.

Findo este trabalho, passaria à análise dos gastos internos da RTP, uma empresa com 2.000 funcionários, o que nos faz desconfiar da necessidade de ir buscar gente fora. Estudar-se-iam depois os vencimentos auferidos. Há dias, percebi, com espanto, que havia quem considerasse escandaloso o facto de os salários das vedetas da RTP terem aparecido nos jornais. Não teremos, nós, os contribuintes, o direito de saber quanto aqueles ganham? Se o salário de um juiz, de um docente universitário ou de um clínico do Serviço Nacional de Saúde é público - por ser pago por nós – por que diabo não há-de o cidadão ter conhecimento de quanto ganha José Rodrigues dos Santos, Fernando Mendes ou José Carlos Malato?

Varrido o pó, conviria iniciar um debate sobre o destino da RTP. O argumento, apresentado por alguns dos actuais administradores, de que a empresa dá ao povo o que o povo gosta, não colhe. Um canal público não pode ter as audiências como razão última. É até para fugir à ditadura das maiorias que se defende a existência de um serviço público. A popularidade de um programa como o «Preço Certo» - com uma média de 900.000 telespectadores diários – embora ilustrativa do atraso português, nada diz sobre o que deve ser um tal serviço. Ou antes, diz o que não deve ser. Igualmente pagas pelo contribuinte são as escolas públicas e ninguém se lembrou de perguntar aos alunos se gostam dos curricula. O que conta num serviço público não é o número de pessoas pespegadas diante do ecrã, mas a qualidade da programação. Perguntar-me-ão como a garantir? Pondo-me à frente da RTP.
«Expresso» de 21 Jan 12

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23.1.12

A caminho do desastre eles riam

Por Ferreira Fernandes

ONTEM, num bom programa de rádio, ouvi citar uma frase do humorista Millôr Fernandes: "Toda a alegria já vem embrulhada numa tristezinha de papel fino." Millôr é um poeta das piadas, nunca gargalha, ri mansinho e fundo.
Ainda ontem, mais tarde, empurrado pelo jornal espanhol El País, cheguei a um jornal eletrónico de economia e política americanas, The Daily Stag Hunt, que leu as atas das reuniões de quem manda nas economias ocidentais, a Comissão de Mercado Aberto da Reserva Federal (FOMC, na sigla americana). O estudo vai do começo do milénio ao fim de 2006, os anos em que cresceu a borbulha imobiliária, os empréstimos disparatados que levaram, em 2007, ao começo da Grande Depressão que vivemos. Mas o Daily Stag Hunt não fez mais uma análise económico-financeira (ou, se calhar, fez, mas desta vez a sério): dedicou-se a contar as gargalhadas nas reuniões do FOMC. Fez gráfico disso e mostrou que a média das gargalhadas foi, em 2001, de 16,5 por reunião, e depois foi crescendo, crescendo como a bolha que nos perderia, até chegar a um pico de 65 gargalhadas na sessão de outubro de 2006 (que coincidiu também com o pico dos preços das casas - a partir daí, foi o descalabro).
Quer dizer, os economistas são como todos nós, capazes de ver que um navio que vai a caminho de um iceberg não naufragou. Mas para adivinhar para lá da neblina é preciso um Millôr, um sábio da vida.
«DN» de 23 Jan 12

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"Eu, eu, eu...e os outros"

Por Manuel António Pina

EMBORA tenham suscitado justificada indignação geral, as queixas de Cavaco Silva sobre a(s) sua(s) reformas (mais de 10 000 euros mensais, que "não vão chegar para pagar as minhas despesas") não têm relevância senão como sintoma.

De facto, tais queixas foram feitas pouco tempo depois de o mesmo Cavaco Silva ter, sem pestanejar, promulgado um Orçamento que confisca os subsídios de férias e Natal a milhares de reformados com pensões de poucas centenas de euros. E só 48 horas após a assinatura de um Acordo de Concertação Social que subverte totalmente os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores assegurados na Constituição, facilitando e embaratecendo os despedimentos e deixando-os ao arbítrio patronal, e reduzindo indemnizações, subsídios, férias, feriados e tempos de descanso, acordo em que Cavaco vê um "sinal de confiança" para todos os portugueses.

Parece que Cavaco irá receber os subsídios de férias e Natal a que tem direito como reformado do Banco de Portugal. Descontou para isso e tem todo o direito a recebê-los. O problema é que também os restantes portugueses, os reformados e os trabalhadores da Administração Pública no activo, têm idêntico direito e Cavaco subscreveu sem reservas, sequer de constitucionalidade, a lei que os espolia de tal direito.

O "provedor do povo" queixou-se ao povo de que 10 000 euros por mês não lhe chegam. Será o povo, por sua vez, o provedor do seu provedor?

«JN» de 23 Jan 12

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Das rochas sedimentares (28)

Por A. M. Galopim de Carvalho

FOI EM MARES de baixas latitudes, com águas límpidas, tépidas e pouco profundas como, por exemplo, as do Mar das Caraíbas, que se formou a grande maioria das rochas carbonatadas do registo geológico. As rochas desta mesma natureza, mas geradas noutros ambientes (abissal, lacustre, espeleolítico, evaporítico, pedogénico e eólico) têm, em termos de extensão e volume, uma importância relativamente reduzida. (...)
Texto integral [aqui]

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E agora?

Por João Paulo Guerra

VÁ LÁ, vá lá que 56% dos portugueses ainda acreditam que o melhor sistema é a democracia.

Há quem faça outra leitura e diga que apenas 56% dos portugueses acreditam. Mas, creio ser lisonjeiro para a democracia que 56% dos portugueses ainda acreditem, apesar dos tratos que a democracia tem levado.

Desde sempre, após a restauração da democracia, primeiro de uma forma envergonhada, depois cada vez com maior descaramento, o "governo do povo" foi tomado de assalto por uma casta política que o foi transformando no governo dos ricos contra os pobres, dos poderosos contra os cidadãos comuns, dos interesses contra os direitos, do interesse privado contra o serviço público, dos exploradores contra os explorados. Se estivesse no programa do Mário Crespo, ele aconselhar-me-ia, neste preciso momento, a mudar as expressões, perguntando se ainda haverá exploradores e explorados. Mas então como é que haveremos de chamar às vítimas do pacote laboral do atual Governo, com mais trabalho, muito menos dinheiro e ainda menos direitos? E como haveremos de chamar aos desempregados sem subsídio de desemprego, aos trabalhadores precários em presente nem futuro, aos reformados com menos reforma e mais gastos na saúde?

Outros indicadores introduzidos na equação serão os 66 por cento dos portugueses que se sentem desprotegidos pelo regime, os 44% descontentes com a qualidade da democracia e a grande percentagem que coloca os movimentos sociais à frente dos partidos políticos na representação popular.

Tudo isto faz crer que os indicadores do estudo sobre a qualidade da democracia não são tão desanimadores quando parecem a uma primeira leitura. A grande questão estará na resposta a uma pergunta que não foi feita: E agora, que fazer?
«DE» de 23 Jan 12

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22.1.12

Já li os 3 livros da trilogia, há algum tempo, e fui hoje ver esta versão cinematográfica, que segue escrupulosamente a obra escrita. Alguém o(s) quer comentar?

Apontamentos de Lisboa

Segundo o Novo Acordo Ortográfico, na penúltima palavra o 1.º "C" está a mais.

Em nosso nome

Por Manuel António Pina

QUANDO, às 3 da manhã de quarta-feira, ouvi na SIC Notícias que "Governo, patrões e sindicatos" tinham assinado um Acordo de Concertação Social, suspeitei de tanta unanimidade. Mas quando, ia já a reportagem no fim, a estação revelou que os "sindicatos" eram, afinal... a UGT, fiquei tranquilo já que a UGT se compromete nos seus Estatutos a defender "os direitos dos trabalhadores", a "estabilidade (...) das relações de trabalho", a "livre negociação colectiva" e a lutar pelo "direito ao trabalho" e "pela sua segurança".

O que a UGT assinou veio no dia seguinte nos jornais: "Acordo torna mais fácil e mais barato despedir e reduz indemnizações, subsídios, férias e feriados" (Público); "Patrões reconquistam sábado de trabalho/(...)/ Trabalhador perde até sete dias de descanso/ Empresas podem pôr e dispor do funcionário durante 150 horas" (JN); "Patrões podem impor trabalho ao sábado e só pagar mais 25% (DN); "Faltas sem motivo junto às pontes tiram quatro dias de salário" (Diário Económico); "Despedimentos alargados (...) Empresas ganham mais poder na escolha do pessoal a despedir" (Jornal de Negócios).

A UGT só representa os sindicatos nela filiados (bancários, enfermeiros, engenheiros, construção, comércio, artes e espectáculos, etc.). Aplicar-se-ão apenas a esses os compromissos de pesadelo subscritos por João Proença? Não acredito que João Proença tenha assinado em nome de quem não representa...
«JN» de 20 Jan 12

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Luz - Garrafas da Ferreira, Gaia, 2006

Fotografias de António Barreto- APPh
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Em Vila Nova de Gaia, num dos velhos armazéns da Casa Ferreira (também conhecida por “A Ferreirinha”). A empresa e a marca pertencem hoje à Sogrape. Esta fotografia foi tirada na sala de provas. As garrafas presentes, de vinho do Porto, vão passar o exame. Pela janela, avistam-se antigos edifícios da cidade do Porto.

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Figura mitológica contra Obama

Por Ferreira Fernandes

OS CANDIDATOS a adversário de Obama têm sido multidão. Destaca-se um, para logo ser decapitado.
Já tivemos como futuro candidato republicano a célebre Sarah Palin, a patroa do Tea Party Michele Bachmann, o ricaço negro Herman Cain, o governador do Texas Rick Perry, o religioso bem batizado Rick Santorum... Tantos que passaram rapidamente a ex-futuros.
Por estes dias, as primárias da Carolina do Sul, onde quem ganha tem quase certa a nomeação pelo partido, vão provavelmente decapitar mais uma promessa, Mitt Romney, o mórmon (não têm faltado originais na corrida interna republicana).
Agora, as sondagens anunciam uma forte vitória de Newt Gingrich, que já conhecemos há um quarto de século. Ele dirigiu a oposição nos mandatos de Clinton, na décadas de 90, num tom que ele explicou aos seus colegas republicanos ser "o falar à Newt", a forma certa de atacar os democratas: chamar-lhes "corruptos", "doentes", "traidores"...
Newton Gingrich preferiu ser Newt na política, palavra que em português se traduz por tritão, a figura mitológica que gosta de sereias (e Gingrich vai em três casamentos e vários escândalos sexuais), mas que também denomina uma salamandra capaz de regenerar vários dos seus órgãos (e Gingrich é um caso raro de político americano que passou de batista a católico).
Caso seja ele o candidato, as eleições americanas vão ser violentas (a tal salamandra também segrega uma toxina que é mortal para os adversários).
«DN» de 22 Jan 12

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21.1.12

O passeio da velha senhora

A VELHA senhora arrastava os pés com dificuldade e os seus olhos eram todo o outro movimento, que não o das pernas, no frio pôr-do-sol de Outono-lnverno centro-lisboeta.
Eram uns olhos negros que pareciam não pertencer à cara empoada, de palhaço rico, com que a velha senhora furava a multidão.
A sua figura negra, feita de velhas roupas, de bom mas antiquado corte, parecia afastar a multidão à medida que ela se perdia no meio dos habitantes do fim de tarde centro-lisboeta. (...)
Texto integral [aqui]

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Gaste menos, Sr. Presidente

Por Ferreira Fernandes

NÃO VOU referir números porque eles são traiçoeiros. Por exemplo, ontem, um leitor do DN online, treslendo o que Cavaco Silva dissera sobre a sua reforma, escreveu na caixa de comentários: "Ouviram bem? 1300 euros! Quando a maioria dos portugas ganha de salário médio 800 euros..."
Claro que Cavaco não tem 1300 euros de reforma, nem dissera tal, e claro que um Presidente da República, com vários anos de primeiro-ministro e de professor universitário, ter uma reforma só de 1300 euros - o que o eleitor achava excessivo - seria ridiculamente baixo.
Por isso, aqui, nada de números. Mas as declarações de Cavaco Silva merecem um tratamento lógico. Ele ganha X. Esse X foi uma escolha que ele próprio fez, optando pelas reformas em vez do salário presidencial, que era Y. Sendo o X maior que o Y - porque Cavaco não é tolo e até é professor de Finanças.
Aqui chegados, relembremos a raiz do escândalo: o Presidente disse ontem que a sua reforma pela Caixa Geral de Aposentações somada à do Banco de Portugal (soma que é o tal X já referido) "não vai chegar para pagar as minhas despesas". Ora se X não chega, Y, que é menor, chegaria menos. Quer dizer, o salário de Presidente da República não é suficiente para este Presidente da República. Portanto, Cavaco vive acima das suas possibilidades.
Se era para confirmar uma pecha de que os finlandeses nos acusam, está feito. Mas eu preferia que a prova não fosse confessada tão de cima.
«DN» de 21 Jan 12

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20.1.12

Famosos portugueses vítimas de um crime

Por Ferreira Fernandes

ANTEONTEM, na Sport TV, diretamente do estádio do Real Madrid, assisti a uma fraude descomunal. Permitam-me um desvio histórico para que percebam a dimensão do crime.
O jazz, nascido em Nova Orleães, subiu pelo Mississípi, desembarcou no estado de Ilinóis e instalou-se na grande cidade, Chicago.
No South Side, bairro onde muitas décadas depois Obama iniciaria sua carreira política, abriu o Savoy Ballroom. A partir de 1926, o programa era assim: Louis Armstrong, Duke Ellington, Ella Fitzgerald e, ao intervalo, os Savoy Big Five. Estes, em vez de trompete, piano e voz, exibiam-se com uma bola de basquetebol. Fintas, afundanços, passes, maravilhas que mereciam os acordes de "Sweet Georgia Brown", que virou hino daqueles artistas da bola (vão ao YouTube, Django Reinhardt toca-o).
Os Savoy Big Five mudaram o nome para Harlem Globetrotters - Harlem, porque eram todos negros, Globetrotters porque passaram a andar pelo mundo.
Naquele tempo os campeonatos sérios de basquete eram só para os brancos e os Globetrotters especializaram-se em tocar jazz com a bola, e de cada vez que jogavam basquete com os brancos humilhavam-nos.
Os Globetrotters nunca entraram em campeonatos. Honesta separação e era aqui que eu queria chegar. Messi, Iniesta, Xavi e Fàbregas, os Barça Big Four, são artistas de jazz que só a incompetência da UEFA permite que joguem em estádios e causem traumatismos psicológicos aos rapazes do futebol.
«DN» de 20 Jan 12
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NOTA (CMR): Apesar de as imagens serem de má qualidade, vale bem a pena ver o vídeo disponível [aqui].

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PS

Por João Paulo Guerra

NA ÚNICA iniciativa de oposição digna desse nome promovida por socialistas as direcções do PS e do respetivo grupo parlamentar estão contra.

De resto, a estratégia partidária subordina-se a um putativo interesse nacional que consiste em deixar o Governo em paz, para que assim cumpra esse desiderato que é deixar este País sem remédio nem conserto.

Diz o líder socialista que a fiscalização do Orçamento de Estado pelo Tribunal Constitucional deve ser política, o que verdadeiramente não quer dizer nada e não tem qualquer efeito prático. A menos que o PS queira este Orçamento em vigor, com todos os seus efeitos desastrosos. Mas isso conviria que o dissesse, que assumisse que entre a coligação PSD/CDS e a oposição PS a única diferença são as moscas, para que os portugueses ficassem informados e cientes para decisões futuras.

Perante a rendição da direcção do partido, alguns deputados do PS tomaram a iniciativa de recolher as assinaturas necessárias para enviar o Orçamento a Tribunal. Nem sequer se pode dizer que se trata de um grupo de nostálgicos esquerdistas que sonham com uma aliança à esquerda: são pessoas que neste pormenor não estão ao lado de António José Seguro mas que em geral têm alinhado com o que há de mais conformista nas iniciativas e posições do PS, por vezes mesmo marcando lugar na ala mais conservadora do partido. E a iniciativa que agora tomaram visa um aspecto meramente formal de um Orçamento que se propõe reduzir os portugueses à miséria e Portugal a uma reserva de mão-de-obra barata e precária.

Ter um governo como o da coligação PSD/CDS já é mau. Ter um tal governo e não ter alternativa de poder é péssimo. E pode querer dizer que o objectivo a curto e médio prazo do PS é abichar uns lugares à mesa do Estado.
«DE» de 20 Jan 12

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19.1.12

Os Ralhos do Pai do Céu

Por A. M. Galopim de Carvalho

A AVÓ ISABEL foi o meu primeiro contacto com uma pessoa idosa. A sua imagem está entre as minhas primeiras tomadas de consciência do mundo que me rodeava, tinha eu três anos. Sempre de preto, dos sapatos e meias, às saias e blusas, ao xaile e ao lenço, como mandavam os usos que se vestissem as viúvas, a mãe da minha mãe foi a única, de entre os meus avós, com quem me foi dado conviver. A avó vivia só, numa velha casa da rua de Frei Brás (de que já falei em crónica anterior), uma rua já empedrada nessa altura, representando um avanço considerável em relação a muitas outras da cidade, ainda de terra batida, com calcetamento apenas nas regueiras, duas de cada lado, sob os beirais dos telhados. (...)
Texto integral [aqui]

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"Volta para bordo, porra!"

Por Ferreira Fernandes

DE 'T-SHIRTS' a toque de telemóvel, a frase italiana tornou-se estrondo. Como se precisássemos todos de a ouvir para nos curar da modorra ambiente: "Vada a bordo, cazzo!", o que em português suave pode ser traduzido como "Volta para bordo, porra!". Foi gritada por Gregorio De Falco, do porto de Livorno, capitão em terra mas com o brio de lobo do mar que faltou ao famigerado comandante do barco de cruzeiro naufragado.
Francesco Schettino, comparei-o há dias, é um banana como a Europa que perante um perigo foge às suas responsabilidades. Ontem, o Corriere della Sera trouxe para editorial a comparação entre a pusilanimidade (palavra com uma dificuldade que os cobardes não merecem) de Schettino e a voz enérgica de De Falco - "Duas Itálias", resumiu o jornal.
Bem mais do que isso, a admiração que reconheci ontem nos portugueses citando a frase demonstrou-me que a ânsia não é só italiana. Precisamos de quem diga "porra", "já!" e "mexa-se" e "vá!", diga os gritos De Falco no seu diálogo telefónico com o fujão.
Há tempos, correu pela Internet portuguesa um abaixo-assinado contra o ponto de exclamação - por razões de estilo talvez fosse uma boa causa. Mas para cidadania bem nos faz falta esse sinalzinho que avisa que o que foi dito não é para discutir, é para executar. "Por favor...", pediu o tíbio. Respondeu De Falco: "Qual 'por favor'! Volte já para bordo!"
Estávamos a precisar de o ouvir.
«DN» de 19 Jan 12

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Apontamentos de uma cidade cada vez mais desumana

Lisboa, Av. Almirante Reis
5 e 7 Jan 12
FOTOS deste local, documentando o mesmo drama, já aqui foram afixadas. Mas foi o facto de haver agora dois sem-abrigo em vez de um que me levou a retomar o tema.

As referências ao "home" e ao "arrenda-se" também pesaram, evidentemente, pois têm o sabor de humor-negro atirado à cara destas pessoas - que, pelo menos em Lisboa, são em número cada vez maior.

Agora é o açúcar

Por Manuel António Pina

PARECE que a Comissão Parlamentar da Saúde levou a sério e discutiu ontem uma petição de quatro (!) estudantes de Tomar que, apoiados no impressionante número de 145 assinaturas, reclamam uma lei que obrigue a que os pacotes de açúcar servidos nos cafés com a "bica" não tenham mais de 6 gramas. Isto para combater "a diabetes, a obesidade [e as] doenças cardiovasculares e cerebrovasculares".

Um dos problemas das cruzadas é acordarem o macho alfa adormecido em indivíduos normalmente sociáveis e pacatos que, sentindo-se de súbito possuídos de um "espírito de missão", logo se congregam em matilhas punitivas ou disciplinadoras.

A cruzada higienista em curso não foge à regra. Basta ver as reacções que suscitam os anúncios de medidas restritivas contra os "outros", os que persistem em continuar a manter hábitos contrários à causa: "Ai eles persistem?, que os obriguem!"

A lei substitui hoje a espada. Campanhas de informação que contribuam para uma opção livre e informada não bastam, há que"vigiar e punir". E, assim, vão-se sucedendo as leis ("pessima republica, plurimae leges", isto é, "mau governo, muitas leis"). E os disparates também: não passou pela cabeça dos jovens cruzados de Tomar que, mesmo que os pacotes tenham um quilo de açúcar, ninguém é obrigado a despejá-los na "bica", ou que, se tiverem só 6 gramas, quem gostar dela muito doce só terá que pedir mais um pacote (ou dois, ou três) ao empregado.
«JN» de 19 Jan 12

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Passatempo conjunto "De Rerum Natura" / "Sorumbático"

O 'SORUMBÁTICO', em mais um passatempo conjunto com o blogue De Rerum Natura, oferece um exemplar desta obra ao melhor comentário que venha a ser feito até às 24h de amanhã, dia 20 de Janeiro, ao post intitulado «A Cidade dos Vampiros», da autoria de Carlos Fiolhais, e que se pode ler [aqui].
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Atenção: Os comentários devem ser feitos no DRN e não no Sorumbático.

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A economia portuguesa e os pastéis de nata

Por C. Barroco Esperança

EM ÉPOCA de crise o ministro da economia não conseguiu tirar da cartola um coelho que alimentasse o otimismo nacional. Saiu-lhe do bestunto a ideia peregrina de exportar os pastéis de Belém, quiçá no estômago dos turistas, para poupar nos custos de transporte.
Com um presidente da República embevecido com o sorriso das vacas dos Açores só nos faltava ter no Governo, com origem prematura no seu vingativo discurso de vitória eleitoral, um ministro da economia vindo do Canadá para descobrir o valor dos pastéis de nata no equilíbrio da balança de pagamentos. (...)
Texto integral [aqui]

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18.1.12

Apontamentos de Lisboa

Jototulhos... um nome que, pelo menos, fica na memória...

Roubar pouco é no que dá

Por Manuel António Pina

COMEÇOU ontem a ser julgado no Porto um homem acusado de tentativa (tentativa...) de furto de uma embalagem de polvo e um champô no valor de 25,66 euros num supermercado Pingo Doce.

No que toca ao polvo, Alexandre Soares dos Santos, presidente do Grupo Jerónimo Martins (proprietário do Pingo Doce) e segundo homem mais rico de Portugal - o seu património aumentou 88,9% em plena crise (qual crise?) para 1 917,4 milhões - discorda do terceiro mais rico, Belmiro de Azevedo (1297,6 milhões), que entende que, "quando o povo tem fome, tem direito a roubar". Para o bilionário dos supermercados, qual roubar qual quê: nem tentem!

Por isso, o Pingo Doce não desistiu da queixa. O que se compreende pois o famigerado Estado é que pagará a factura da instrução do processo, dos salários dos oficias de Justiça e magistrados envolvidos, da papelada, das notificações, do advogado oficioso... O Estado e o estado da Justiça que, enquanto anda ocupada com casos de 25 euros, deixa prescrever os de milhões.

Pouco avisado foi o réu, presumivelmente esfomeado e sujo, em deixar-se tentar por 25,66 euros de comida e produtos de higiene. Se se dedicasse antes aos "comportamentos evasivos e fraudatórios [...] em matéria fiscal" por que o Grupo Jerónimo Martins foi recentemente condenado a pagar 20,888 milhões de euros ao abrigo das normas fiscais anti-abuso, se calhar andaria hoje pelas TV a pregar moralidade aos portugueses.
«JN» de 18 Jan 12

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E os deveres do Estado?

Por Baptista-Bastos

TUDO indica que o Governo fez prescrever a sua autoridade legítima e o poder que lhe fora outorgado pelas urnas. Os resultados falhados da concertação social não são mais do que reflexos das exigências da troika. A intransigência governamental (e patronal) obedece a um esquema que parece inabalável, acabando por limitar, e até destruir, os deveres do Estado. Não se trata, na circunstância, de uma questão de luta de classes, nem de uma pluralidade de conceitos. Está em jogo a sobrevivência de um paradigma social e de uma moral política.

A recomposição da Direita está associada ao enfraquecimento da Esquerda. Porém, uma não existe sem a outra. E escapa a ambas o que constituiu a alteração dos circuitos de financiamento. A própria ideia de "economia social" que tentou, timidamente, modificar as regras do "mercado" e alterar o modelo neoliberal que se adivinhava foi escorraçada.

Até agora, não se questiona a verdadeira dimensão da desconstrução social. E a troika, cuja ideologia é de Direita, e, ocasionalmente, de Extrema-Direita, aplica, nos países para aonde é chamada, o mesmo breviário de intenções. Independentemente das características específicas de cada nação e de cada povo, o peso do financiamento externo funciona como uma imposição irretorquível. Quando diz que é preciso, em Portugal, tirar a força ou reduzir a influência dos sindicatos, comete uma injunção insuportável. Infelizmente, o Governo de Passos Coelho não se opõe porque não pode e porque, afinal, a exigência não colide com o seu projecto político.

Ao provocar o afastamento de um dos componentes da concertação, tanto o patronato como o Executivo não se fortalecem. As conflitualidades sociais emergirão com uma fúria que o desespero e a angústia amplamente justificam. E ninguém ganha com a obstinação. Os ventos sopram, no momento, a favor de quem possui uma visão exclusivamente neoliberal do mundo. Mas mesmo essa situação, por temporária que seja, permite-nos reflectir sobre a imoralidade do sistema.

Não sei, nem estou rigorosamente muito interessado em saber quais são os conselheiros de Pedro Passos Coelho. Todavia, pelos efeitos, não são de seguir. A pressão exercida sobre a população portuguesa mais desfavorecida representa uma depreciação do próprio bem comum. O Governo, assim, escudado na "dívida" e nos compromissos assumidos, está a distanciar-se, irremediavelmente, do crédito que lhe foi concedido pelos eleitores. O primeiro-ministro diz que está aberto ao diálogo. É um álibi e o falso argumento de um drama por ele cerzidos.
«DN» de 18 Jan 12

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Apontamentos de Lisboa

"Diriga-se" ao C. C. Acqua Roma...

Concerto

Por João Paulo Guerra

GRANDE fartura para os trabalhadores, a que foi cozinhada ao lume brando da concertação social, mexida pelo Governo, temperada pelo patronato e empratada pela UGT: o Governo abdicou de uma medida que não existia, e que desagrada a gregos e troianos, introduzindo na legislação laboral um pacote de preceitos altamente gravosos para os que vivem da remuneração do trabalho.

Negócios destes só na compra e venda de burros da feira da Malveira. Em troca de nada, que ninguém queria, tomem lá menos proteção no emprego e no desemprego, menos salário, menos descanso.

Chama-se a isto, em Portugal, concertação: combinação, ajuste, harmonização, consenso. Um diz mata, outro diz esfola e ambos, concertados, matam e esfolam. O Governo, que supostamente representa os dois lados do confronto entre capital e trabalho, é descaradamente parcial, quando não é mais papista que o Papa, isto é, quando vai mesmo mais alto, mais longe e mais além do que o patronato espera. Ou do que a Troika impõe. Mais do que concertação, assiste-se a um verdadeiro concerto: o Governo sacode a batuta e ataca a pauta da tocata e fuga para patronato e orquestra. De vez em quando, a UGT dá um lamiré e depois mete a viola no saco. Um concerto sem conserto possível.

Tudo isto se passa em nome do aumento da produtividade e da criação de emprego, e vai ser apregoado até que se chegue à conclusão que nem a produtividade aumentou nem o desemprego baixou. Não há soluções que não sejam para mascarar a institucionalização da exploração. Paira no ar um certo cheiro a mofo, que vem talvez dos tempos da Confederação Patronal e da União dos Interesses Económicos.

O mais trágico é que, para além do empobrecimento geral, legislação como esta não vai trazer nada de bom ao País.
«DE» de 18 Jan 12

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