Por Baptista-Bastos
A
DIREITA, a Direitinha e a Direitona congraçaram-se num alarido contra a
entrevista que Mário Soares deu a João Marcelino e a Paulo Baldaia,
editada no DN de domingo, pp., e transmitida pela TSF. É um documento
importante, sobretudo pelo facto de Soares ter aumentado a parada das
suas indignações. E as razões são poderosas. Perdoamos-lhe tudo o que a
outros nunca esquecemos porque ele simboliza as nossas idiossincrasias,
as nossas peculiares malícias, as nossas capacidades de improviso.
E
que disse ele para suscitar tanto alvoroço? Nada mais do que a
esmagadora maioria de nós pensa: que este "é um Governo de
delinquentes"; que "não tem rei nem roque, nem sabe o que quer, nem sabe
para aonde vai (...), só sabe que quer mais austeridade e que quer cada
vez dar mais dinheiro à troika (...) Mas pode ser que suceda como na
Argentina, quando o presidente do Governo disse que "nós não pagamos", e
não se passou nada."
As iras de Soares correspondem, afinal, ao
aumento das decisões do Executivo, que estabelecem a negação de qualquer
projecto constitutivo (apenas direi: humanista) da nossa identidade.
Quando reclama que "estes senhores têm de ser julgados depois de saírem
do poder", exige o termo da impunidade, e que a sua sustentação tem sido
causada pela cumplicidade da "alternância". Nada de significativamente
grosseiro. Por menos, o primeiro-ministro islandês, Geir Haarde, foi
parar à cadeia. A frase popular "eles fazem tudo e nada lhes acontece"
assumiu foros de abjecção e explica a relutância dos portugueses para
com o exercício da política.
Ao criticar o dr. Cavaco, acusando-o
de inutilidade e de não saber o que fazer, Mário Soares repete o que
tem dito ao longo dos anos, não nos devendo esquecer que as suas
críticas sobre as responsabilidades do actual Presidente vêm desde que
este foi primeiro-ministro. O dr. Cavaco não presta.
O alvoroço
destas Direitas consiste na circunstância de haverem perdido o sentido
das coisas. O Marcelo, classificado por Soares como ""entertainer" (...)
porque diz coisas engraçadas acerca de toda a gente e de tudo", não
encontrou outra resposta que não aquela, mal-educada, de aludir à idade
do entrevistado do DN, como nota da sua "radicalização."
Antigo,
velho, idoso não são categorias; são noções de tempo que apenas
distinguem essa ordem. A criação de um novo conceito não diferencia a
relação social, e que só acontece o contrário quando as sociedades
entram em crise, estimulando o antagonismo entre jovens e velhos. Porém,
convém não iludir as questões, colocadas pelos tempos actuais e pela
teologia do sistema, quando a noção de "cabelos grisalhos" está a
adquirir uma peculiar "luta de classes." A beligerância contra os mais
velhos faz parte da ideologia que nos assoma. É, também, contra essa
ideologia que a entrevista de Mário Soares se defronta. Quem não
entendeu, que entenda.
«DN» de 16 Out 13