30.4.14

O repórter esquecido

Por Baptista-Bastos
Revejo-lhe o sorriso claro, o sentido religioso da vida, a beleza sem mácula de gostar dos outros, a capacidade de compreender a grandeza dos desventurados, essa reserva no sofrimento e essa total deposição de glória. José Antunes, meu camarada, meu parceiro de andejos por montes e vales, no varejo da reportagem, no garimpo do oiro da notícia. E ouço-o: "Vamos a isto, amigo Bastos!, vamos a isto!" Sempre me tratou assim, amigo, num laço de afecto que durou até ao fim da sua vida. "Como é que está o amigo Bastos?", perguntou à mulher, sabedor de que eu fora internado, pela mesma ocasião em que, a ele próprio, a cirurgia tentava extrair um tumor no cérebro. Dias trágicos, dramáticos ou radiosos, esses, em que, no Diário Popular, oferecemos tudo o que havia a oferecer. Ele com a máquina fotográfica sempre pronta a disparar; eu com o coração sem rugas a procurar descobrir o que se escondia, nos outros, para lá do meu olhar.
Percorro, agora, os jornais, as revistas e as televisões que recuperam muitas e muitas imagens obtidas pelo meu amigo, há quarenta anos, na festa de Abril. Nem uma leva o nome do autor, num anonimato obsceno, que tem muito que ver não só com ignorância, mas também com inveja e com o desprendimento ético do meu amigo. Durante esses dias tumultuosos e febris o Zé Antunes fotografou tudo o que era imprescindível fotografar. Uma tarde, revelou-me que tinham "desaparecido", do laboratório do jornal, três rolos de negativos por ele considerados "históricos." Disse-o sem lamúria nem queixume, acentuando, apenas, que desconfiava de quem fora o usurpador.
Um mestre no fixar do instante mágico; um artista que apreciava a incomparável ternura humana, e detestava a brutalidade da fome, da miséria e do infortúnio marcante nas classes pobres de onde ele e eu provínhamos. Era, acaso, essa origem que nos aproximava, dois feitios opostos, ele calmo, sereno e conciliador; eu, brigão, agitado, mas também cheio de compaixão pelos outros.
O Pedro Foyos, da mesma, já rara, estirpe antiga, chegou a organizar um livro de fotos do amigo comum. Mas o grande acervo de imagens talvez a família ainda o retenha: um modo diferente, mas muito belo, de olhar a cidade e de a cidade falar como quem olha e fala da coisa amada.
Anda por aí um bulício de aplausos e uma cerimónia de entrega de louros imerecidos, a quem somente tem sabido sobreviver às contingências do momento. O Zé Antunes foi um dos maiores repórteres fotográficos deste país; um jornalista cujo génio se escondia numa modéstia elegante. Mergulhou no tempo que lhe coube viver com a consciência de quem quer dizer dos outros a natureza da sua pessoal grandiosidade. Com uma máquina fotográfica que, nas mãos dele, possuía alma e coração.
«DN» de 30 Abr 14

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Apontamentos de Lisboa

Uma realidade incómoda, que não é só de Lisboa, mas de que ninguém fala: pedintes com - praticamente - lugar e horário fixos.

29.4.14

Futebolista cruel agride um pobre tipo

Por Ferreira Fernandes
O futebol é um jogo simples, o que permite ser jogado por muitos e levar a que, estatisticamente, os profissionais façam divinamente o que multidões adorariam fazer. Fica explicada a popularidade. Mas, atenção, tanta gente junta aumenta a probabilidade de imbecis. De facto, está ali na bancada um tipo que não diz coisa com coisa. Reparem, o bolso dele está entumescido. Mas não, não é caso para pôr a pergunta de Mae West a um marinheiro: "Isso aí em baixo é uma pistola ou estás assim tão contente por me ver?" Nos estádios não entram armas e o olhar baço do tipo revela que ele nunca está contente com ninguém. Acresce que o grupo dele - olhem à sua volta: uma claque radical - tem alta percentagem de doentes com disfunções sexuais. É, o que ele leva no bolso é uma banana. Uma banana no bolso em recintos apertados - com alto risco de pôr nódoas na roupa - confirma o que já suspeitávamos: o tipo é tolo. Mas ainda não vimos tudo. Marca-se um pontapé de canto ali perto, o tipo vai com a mão ao bolso, agarra na banana e atira-a. Além de se arriscar à nódoa, o tipo é uma. Uma banana faz navios atravessar os oceanos e alimenta o prazer do género humano. E o tipo atira-a fora! Lá em baixo, o psicólogo Dani Alves, nas horas vagas defesa do Barcelona, baixa-se a apanhar a banana, descasca-a, come-a e marca o canto. Foi uma desumana terapia de choque. O tipo da bancada ficou destroçado e com ele o grupo com quem anda em tratamento. 
«DN» de 29 Abr 14

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28.4.14


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Diz o escondido: viva a transparência!

Por Ferreira Fernandes 
Devem ser poucas situações mais paradoxais do que anónimos, e militantes do anonimato, armarem-se em campeões da transparência. Agora foram hackers, quer dizer indivíduos devotados a destapar moradas e telefones dos outros enquanto varrem as pegadas que deixam pelos seus labirínticos caminhos. Tudo se deve saber, a informação é uma arma, viva a transparência - proclamam eles. E, enquanto isso, apagam-se... Deveria dar só para sorrir, como se deve fazer perante os heróis falsos e desorientados. No entanto, é um fenómeno que merece mais atenção. O sucesso que causa qualquer estrebuchar em nome da transparência, sobretudo nas chamadas redes sociais (Facebook, Twitter, caixas de comentários dos jornais), já de si é um caso social. Acrescido à violência virtual, notória nos comentários que suscita e que naturalmente aumenta com o convencimento de se falar escondido, diz-nos que estamos perante uma doença mental coletiva demasiado espalhada. Enquanto os denunciados pertencem a alguma categoria que se pode classificar de privilegiada (políticos, ricos...), ainda se pode catalogar os fãs destas denúncias em meros invejosos sociais. Quando a denúncia atinge funcionários de Justiça e se torna tão popular é caso para ficar espantado. Como é que a maluquice do "tudo se deve saber" é tão vasta? Como se é tão estúpido para engolir o truque de meia dúzia de miúdos com borbulhas? Este último sintoma, a estupidez, é o mais preocupante.
«DN» de 28 Abr 14

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27.4.14

Luz - Bogotá, Colômbia

Fotografias de António Barreto- APPh

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Telemóveis fixos! É uma espécie de quadratura do círculo. Estes stands improvisados ou colunas telefónicas ou carrinhos de supermercado com telemóveis ou berços reciclados também armados de telemóveis funcionam como as nossas antigas “cabines públicas”. Vendem serviços telefónicos. Cada quiosque ou stand tem à disposição dos clientes dois ou três telefones móveis, de outras tantas redes, devidamente presos com cadeados de ferro e longos fios. Letreiros toscos anunciam os preços. Conforme o destinatário, o cliente usa um dos telemóveis, para ser mais barato. Cada um estica o fio o mais que pode para ter recato na conversa. Os quiosques mais sofisticados vendem, além dos serviços telefónicos, gomas, pilhas, cromos e serviços de carregamento de telemóveis! O que o génio empreendedor não é capaz de inventar! (2013)

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Daqui a dois dias outra revolução

Por Ferreira Fernandes 
Desculpa batida: "Eh pá, então não é que me esqueci da carteira?! Paga aí que dou-te logo o dinheiro..." No Reino Unido, há só mais dois dias para essa desculpa: os bancos mais importantes vão lançar, a partir de terça-feira, o Paym. Ideia: uma pessoa pode esquecer-se do dinheiro mas ninguém hoje em dia sai sem telemóvel... Então, será com este, com a facilidade de se dedilhar uns números, que se paga a parte da conta que nos coube no almoço, paga-se a mulher a dias... Com os dois registados nos bancos, quem envia e recebe, o Paym não exige códigos ou nibs, só pede a quem paga que marque o número de telemóvel do outro, que confirme o nome e, depois, que carregue no "send", envio. Não é só o fim já anunciado dos cheques que se confirma mas, sobretudo, da vitória inelutável do dinheiro virtual sobre as notas - além de transformação dos bancos (com o seu cortejo de fecho de agências e muito menos trabalhadores) para uma atividade tão palpável como alugarmos um filme ao sábado à noite. A voragem do progresso é tão rápida que o Paym já tem um sucessor, o Weve, também com o suporte de bancos e prosseguindo a filosofia: transformar o telemóvel em forma mais usual de pagamento. A meados de 2015, o telemóvel é que abre as entradas no metro e autocarros londrinos. Sinal: em Londres, a partir de 6 de julho, já não serve a desculpa de "eh pá, não me esqueci do dinheiro: dê-me um bilhete!" Não dão, não. Não aceitam cash. Só telemóvel. 
«DN» de 27 Abr 14

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Löss, o pó de pedra que um vento frio levou para longe

Por A. M. Galopim de Carvalho
EM COMEÇOS dos anos 20 do século XIX, o alemão Karl Cäsar von Leonhard (1779-1862), professor de Mineralogia na Universidade de Heidelberga, foi o primeiro a descrever na proximidade desta cidade, no vale do Reno, um depósito sedimentar muito fino, friável, homogéneo, não estratificado, aproveitado como solo agrícola, a que deu o nome de Löss, termo radicado no germânico lösch (que significa solto, móvel) usado pelos camponeses locais. 
Particularmente abundante na China, no que é hoje conhecido por Planalto do Loess, é um material facilmente erodível, de coloração habitualmente amarelo acastanhada (devido à presença de hidróxidos de ferro), que tinge dessa cor as águas de escorrência e fluviais, como são as do Rio Amarelo e as do mar, entre a costa leste da China e a costa oeste das duas Coreias e, por isso, conhecido por Mar Amarelo. (...)
Texto integral [aqui]

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26.4.14

Apontamentos de Lisboa

Rua Francisco Pedro Curado
Para tocar à campainha deste prédio (com 11 andares e 14 apartamentos por andar), é necessário ter, pelo menos, um curso das novas oportunidades: consultar uma tabela com 154 células, digitar os algarismos respectivos e premir  enter...
Felizmente, há um visor com as instruções... em espanhol!

25.4.14

Quando é que estava no 25 de Abril?

Por Ferreira Fernandes
Para mim, a pergunta certa não é "onde", é "quando": "Quando é que estava no 25 de Abril?" Eu digo: "Eu estava ontem. Já ontem, a 24, eu estava a 25." Não ponho o facto ao peito, digo-o porque foi assim. Em 1974, já a 24 de abril, eu estava no que o dia seguinte iria proclamar. E em abril de 73 e 72, e antes e antes... E dou comigo aos 20 anos, já em 1969, a agir em consequência do essencial que significou o 25 de Abril para o meu mundo: dizer não à Guerra Colonial. Com gente boa e admirável, e outra não, de todas as raças, o meu bairro, a minha cidade e o meu país eram marcados por serem coloniais. Isso é um pecado histórico. O colonialismo fixa relações de desigualdade e tem a estupidez de julgar que as pode manter perpétuas. Não foi ideologia nenhuma que me levou, foi um sentimento de pertença: esta é a minha terra, disse eu de Angola, apesar de ser branco e por ser branco. Apesar, porque tendo sido tão poucos a 24 de abril a já termos decidido pelo nacionalismo, alguma coisa haveria de nos afastar dessa escolha; por, porque nunca deixei de amar os meus pais. Na minha Angola cabia a memória da chegada a Luanda do meu pai e do seu irmão, adolescentes solitários e pobres. Fossem simples emigrantes, eram admiráveis; sendo colonos, carregavam o pecado... Também por eles cortei com o colonialismo. Como me disse José Eduardo Agualusa: "Não foste desertor, tu escolheste o lado que era o teu." Exato, amigo, não desertei de escolher. 
«DN» de 25 Abr 14

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24.4.14

Viva o 25 de Abril

Por C. Barroco Esperança
Há quem, antes, não tivesse precisado de partido, não sentisse a falta da liberdade e se desse bem a viver de joelhos e a andar de rastos.
Houve cúmplices da ditadura, bufos e torturadores, quem sentisse medo, quem estivesse desesperado, quem visse morrer na guerra camaradas, soubesse os amigos nas prisões e se calasse. Mas houve quem resistisse e gritasse e quem foi calado a tiro ou nas prisões.

Uns pagaram com a liberdade e a vida a revolta que sentiram, outros governaram a vida com a desonra que calaram.

Houve quem visse apodrecer o regime e quisesse a glória de exibir o cadáver e a glória da libertação. Viram-se frustrados por um punhado de capitães sem medo, pela plêiade de heróis que tudo arriscou para que todos pudéssemos ser livres. (...)
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GRALHAS SEM GRALHAS - Trinta e um

Por Antunes Ferreira 
Trinta e um, contados a toque de sino, nem mais nem menos, trinta e um. Sem querer recordo o velho fado que Carlos Ramos celebrizou. Como este não há nenhum... Como esta só há em Roma, dizem os entendidos, com a correspondente prosápia. Deixemo-nos de trocadilhos que o tema é sério, sem nenhuma justificação; já dizia a minha avó Maria da Assumpção que graças a Deus, sempre; graças como Deus, nunca. (...) 
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Museu do Marceneiro

Por A. M. Galopim de Carvalho
VISITEI há dias, em Évora, o jovem Museu do Marceneiro. Desde que foi inaugurado, há cerca de dois anos e meio, que desejava fazê-lo e a minha expectativa era muita. Aprendiz de carpinteiro que (num brincar muito a sério) fora na oficina do mestre Roberto, chamava-me um tempo, de há muitas décadas, em que, sob o olhar vigilante deste meu vizinho e amigo, experimentei usar e usei algumas das suas muitas ferramentas. Lembrei-me do rebolo de amolar, grande, redondo e vermelho, da cor do barro, meio mergulhado em água. Nele, pedalando, o meu “mestre” afiava os badames, os formões e os ferros das plainas, rabotes e garlopas.(...)
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Um Professor não é um Robot

Por Maria Filomena Mónica
PASSEI AS ÚLTIMAS semanas a discutir o estado da escola pública em Portugal e no estrangeiro. Por cá, o escândalo reside na papelada idiota que, via Internet, o Ministério da Educação envia aos docentes. Lá fora, na concepção de que a escola pode ser ultrapassada por cursos on-line. Já segui certas lições, algumas excelentes, mas sei que nem as melhores conseguirão substituir um professor. Porque a aprendizagem é uma «conversa», isto é, uma iniciação no mundo do Saber.
Os professores são, serão sempre, necessários. É por isso que as turmas devem ser de reduzida dimensão; é por isso que o silêncio na sala de aula é precioso; é por isso que as crianças devem ter aulas desde uma idade precoce. Sem bons professores, não há boas escolas e sem boas escolas as sociedades tendem a ser crescentemente desiguais. Não foi a partir da minha experiência infantil que me apercebi de quão essencial era ter um bom professor. Foi preciso ter chegado a Oxford para que um filósofo, Alan Ryan, me lançasse à água sem que eu soubesse nadar, tendo-me acompanhado sempre que notava estar eu em vias de me afundar.
Li recentemente uma carta, dirigida a um professor primário argelino, que desejo citar. É de Albert Camus. Data de 1957, o ano em que recebeu o Prémio Nobel: Caro Monsieur Germain, Deixei que a barafunda à minha volta se tivesse acalmado para vos dizer o que, do fundo do meu coração, desejo comunicar-lhe. Quando ouvi a notícia do Prémio, depois de ter pensado na minha mãe, a segunda pessoa de que me lembrei foi de si. Sem a sua presença, sem a mão carinhosa que estendeu ao rapazinho pobre que então eu era, sem o vosso ensino e o vosso exemplo, nada do que agora aconteceu poderia ter ocorrido. Não dou demasiada importância a este tipo de honrarias. Mas, pelo menos, esta deu-me a oportunidade de vos dizer o quanto a sua pessoa representou e ainda representa para mim e de vos assegurar que os vossos esforços, o vosso trabalho e o coração generoso que punha em tudo quanto fazia ainda vivem no pequeno aluno que, apesar dos anos, nunca deixou de vos estar agradecido.»
Isto passava-se numa colónia francesa, certamente numa escola sem recursos, o que não impediu o miúdo de aprender o suficiente para conseguir ingressar no liceu local. Hoje, a escola massificou-se, o que suscita problemas nem sempre tidos em conta. Muita gente da minha geração – ver, por exemplo, a recente declaração de Durão Barroso sobre a excelência do ensino antes da Revolução de 1974 - fala da escola pública como se a composição das turmas se não tivesse alterado. Mas basta entrar numa escola contemporânea para se notarem as diferenças, desde os alunos, de origens sociais, étnicas e religiosas variadas, até aos docentes, muitos deles jovens exaustos depois de terem passado horas a preencher os questionários delirantes que os burocratas do Ministério lhes enviam. A pergunta, inevitável, é a seguinte: será uma escola digna compatível com a escolaridade de massas? Sim, desde que a tutela cesse de olhar os professores como robots. 
«Expresso» de 18 Abr 14

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23.4.14

Para o que der e vier

Por Baptista-Bastos
A memória luminosa desses dias eles não nos conseguem tirá-la. Há qualquer coisa de sagrado nesse regresso: perdida a juventude, perdida a religião, emergia uma espécie de salvação individual em cada um. A liberdade contém algo de poderosamente indefinido, sobretudo para quem, como nós, que dela fôramos brutalmente privados. "Não quero morrer sem conhecer a cor da liberdade", cantou, melhor do que qualquer outro, o poeta Jorge de Sena. Ele conheceu essa cor, e disse-o, numa franja mágica de vida que ocultava o trágico da experiência. Mas os que alguma vez tiveram a felicidade de nela mergulhar percebem que têm de pagar um preço, por vezes triste, mareado de pequenos tormentos. O que aconteceu, a seguir aos dias resplandecentes, foi-nos dito ser a paga da nossa soberba e da nossa louca alegria. Coisa de remorsos mal emendados ou de punição por um júbilo quase perverso que nos envolveu.
Bebemos em excesso, vivemos apressadamente, deixámos a cólera de lado a fim de nos atirarmos para o vórtice dessa blasfémia de ser livres. A bebedeira dos sentimentos nascia da proibição dos sentidos a que tínhamos sido obrigados, e descobrimos, espantadíssimos, que a noite era um outro mundo. A noite, ah!, a noite, um outro mundo repleto de surpresas, couto de todos os sonhos. Pertenço a uma geração que partilhou a preocupação de não suprimir a ética das relações. Pertenço a uma grande geração que provou o tempo, e o bebeu quase até à última gota. Estes que tais não entendem o registo desses sentimentos, nem a grandeza secreta das nossas emoções e a dimensão da nossa história. Fomos educados para o medo e o ódio. E só havia uma resposta para este problema: lutar pela liberdade. Com que armas se o salazarismo tinha suprimido a mais elementar de todas elas: a liberdade de expressão.
Chegámos a este estado mas sabemos que não há verdades definitivas enquanto se esperam soluções provisórias. "Eles não sabem nem sonham / que o sonho comanda a vida" disse António Gedeão. E também não sabem que são aparentes vencedores. Ouvir para lá do que dizem as palavras. Perceber o que se oculta nas conversas, eis.
Aprendemos, com Abril, o que apenas pressentíamos. Nas tertúlias, nos cafés, os encontros constituíam um ponto para tomadas de consciência e de reflexão. A vida do espírito que promovia o espírito da vida através do conhecimento, da paixão da liberdade e da vontade de combater quem e o que se lhe opusesse. Ouço-os e penso: quem acredita nestes insignificantes, quem vai atrás desta gente que possui da verdade um conceito obscuro; quem?
Temos passado por uma violência sem nome, por uma tenaz que nos destrói e aos próprios laços sociais. Porém, como disse, um dia, o Manuel da Fonseca: cá estamos para o que der e vier.
«DN» de 23 Abr 14

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Curiosidade gastronómica

No Continente de Grândola

20.4.14

Maria Luís e Lima com açúcar e desafeto

Por Ferreira Fernandes 
Insistem muito comigo sobre o que faço: crónica ou coluna de opinião? Como prova de que não saberia fazer esta última, a minha resposta mais comum é: sei lá! Saberia lá eu citar Max Weber para explicar a decadência das coligações através de uma frase da ministra Maria Luís Albuquerque, à terça, prometendo "tributação sobre produtos que têm efeitos nocivos para a saúde", seguida do ministro António Pires de Lima, à sexta: "Não há taxa. É uma ficção, um fantasma que nunca foi discutido em Conselho de Ministros e cuja especulação só prejudica o funcionamento da economia"... 
Um colunista de opinião argumentaria sobre a contradição entre A (Albuquerque) e B (Lima) e mostrava como essas notícias confirmam o que já fora escrito por Bertrand de Jouvenel no magistral Essai de Politique Pure. Mas eu sou mero cronista, mais terra-a-terra. Sou colecionador de borboletas e o mais alto que vou nem sou eu, é a rede, caçando lepidópteros que voam por aí. O conflito no interior do Governo por causa das taxas sobre o excesso açúcar não me escapa, como não escapa aos opinion makers. Mas numa crónica (nas minhas, pelo menos) não se sobe acima da chinela. Lembro a taxa da Albuquerque só porque ela ilustra o sugar de néctar, tão próprio das borboletas. Lembro o suicídio da coligação de Lima, por evocar a vida efémera das borboletas. Se a vida (a crónica do quotidiano) fala por si, porque hei de eu aborrecer-vos com a minha opinião?
"DN" de 20 Abr 14

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Luz - Pereira, Colômbia, vista do alto de um hotel

Fotografias de António Barreto- APPh

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Pereira é a capital do “Eje cafetero”. Região de montanhas muito verdes, longe de Bogotá, terrenos férteis onde o café cresceu em excelentes condições. Percebe-se que está tudo em crescimento mais ou menos desordenado, muito desigual, mas com pujança. Parece que a guerrilha e o terrorismo não foram fortes por estas bandas. (2013)

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OS SEDIMENTOS E A PAISAGEM FÍSICA

Por A. M. Galopim de Carvalho
Na enciclopédia escrita no século X pelos Irmãos da Pureza pode ler-se: a erosão destrói perpetuamente as montanhas e o escorrer das águas pluviais arrasta rochedos, pedras e areia para o leito das torrentes e rios que, por seu turno, ao escoarem-se, acarretam tais materiais para os pântanos, lagos e mares, onde os acumulam sob a forma de camadas sobrepostas.
We could read the Earth’s history in geological record of its stratified sedimentary rocks.
(James Hutton, 1726-1797).
O “Livro dos Sedimentos”, reconstruído pelo esforço de diversas gerações de geólogos, equivale a um extensíssimo documento histórico, ao lado do qual todos os alentados volumes da História da Humanidade não passam de insignificantes opúsculos (George Gamov, 1941). (...)
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18.4.14

Por favor, procurem José Arcádio Buendía

Por Ferreira Fernandes
Há 20 anos, os diretores do DN Bettencourt Resendes e Fragoso Mendes enviaram-me a Cartagena, Colômbia, representá-los num encontro de diretores de jornais ibero-americanos. Sou péssimo em formalismos mas, na verdade, a viagem servia de pretexto para reportagens, que fiz depois, em Cali e Medellín sobre a droga. No entanto, guardo do encontro de Cartagena uma foto de que gosto. Estou no grupo de diretores (eu, como já disse, intrometido), prestando guarda de honra ao cidadão mais nobre da terra, o único em camisa, uma bela guayabera cercada pelas nossas gravatas. É a única foto que tenho com Gabriel García Márquez e é natural que assim seja porque ele não sabia nada de mim e assim continuaria até ontem. Gosto e orgulho-me dessa foto de grupo, porque a conquistei. Conquistei o direito de não ter uma foto indecentemente agarrado a Gabo, como quase todos (suspeito até que todos) fizeram naquele fim de tarde entre as muralhas de Cartagena. Estou ali, secundário, como devia ser perante o autor de Cem Anos de Solidão. Nunca ouvi Jacques Brel num palco, mas havia-me convencido de que se tal tivesse acontecido não bateria palmas - não cometeria a iconoclastia de responder a deuses, nem com agradecimentos. Mas seria assim, mesmo? Sim, afinal, era capaz. Estive com o deus que criou o mundo de Macondo e foi pai de sete gerações de Buendías, nunca estive tão perto de um escritor que amei tanto e fiquei no meu lugar.
«DN» de 18 Abr 14

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Os pinta-paredes (100)

Lisboa - Junto à estação do Rossio
É de saudar que tenha sido pintada a parede da direita, ocultando os gatafunhos (foto de cima). Já agora, dava jeito que se arranjassem mais uns litros de tinta, para fazer o mesmo nas da esquerda...

17.4.14

Jornais que por trás parecem uma velha

Por Ferreira Fernandes
O regresso de Ricardo Araújo Pereira (R.A.P.) foi um falhanço, como dizem os títulos dos jornais: na estreia, o programa de humor Melhor do que Falecer ficou aquém da novela da SIC. Share do infeliz: 25,9 por cento; share da novela: 29,4 por cento! Comparação tão adequada só me lembro do vinho Barca Velha 1966 que vendeu menos garrafas do que o carrascão ribatejano vendeu de tonéis de 200 litros. Nesse ano, o share do carrascão traçado a gasosa foi arrasador nas tabernas do Bairro Alto enquanto no vizinho restaurante Tavares só se abriram duas Barca Velha. Essa é a verdade dos números e ainda bem que os jornais sabem comparar. Depois de fazer um belo genérico com a voz do Camané, escolher para companheiro Miguel Guilherme que só com o levantar do sobrolho esquerdo diz mais do que as falas dos 164 episódios da tal novela e logo no primeiro programa fazer um texto para pensar e um texto para rir, R.A.P. não fez mais nada. R.A.P. é só um génio mas o povo português não está para essas inutilidades, pensar e rir. R.A.P. acabou a interpretar um popular atazanado com um drama nacional pouco falado. Perguntou às autoridades: "O que é que está a ser feito no âmbito das crianças que vistas por trás parecem uma velha?" No seguimento, aos jornais portugueses - que, como se sabe, são um primor de qualidade e um modelo de negócio com sucesso - deu-lhes para comparar shares... O balanço é este: R.A.P. e jornais, dois grandes momentos de humor.
«DN» de 17 Abr 14

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A cidade da Guarda e a campanha de Humberto Delgado (Crónica)

Por C. Barroco Esperança
Humberto Delgado, com Maria Iva e Iva Delgado, no Hotel de Turismo Não sei se resistiu ao tempo e aos acasos da sorte a carta que escrevi a felicitar Arlindo Vicente, pela sua candidatura, em 1958. O deslumbramento pela advocacia e o desdém por Salazar eram motivos da preferência e razão da carta que, se a memória me não trai, foi subscrita por todos os alunos da turma (5.º D) do Liceu Nacional da Guarda, com a única exceção do Edgar. Queríamos que fosse ele, Arlindo Vicente, o Presidente da República.
Não sei como não teve conhecimento o reitor e se a carta chegou ao destinatário, com o selo de 1$00 que decerto me privou de alguns cigarros. Não foi audácia, foi ingenuidade que podia ter custado caro a meus pais e, certamente, a minha expulsão do liceu. (...)
Texto integral [aqui]

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16.4.14

O inalienável direito à garganta funda

Por Ferreira Fernandes
Não é um qualquer. Foi reeleito presidente do maior grupo parlamentar europeu, o Partido Popular Europeu, e é dos mais influentes a preparar a substituição de Durão Barroso. Joseph Daul, de 67 anos, é um conservador francês, deputado europeu pela direita. Ontem deu uma entrevista a um jornal da sua região, Dernières Nouvelles d"Alsace, isto é, falou com cuidado, para quem o elege. Perguntaram-lhe como motivar os jovens sobre a Europa. Respondeu: "Digo-lhes que quando tinha a idade deles e ia a Khel, na Alemanha, a poucos quilómetros de minha casa, para ver um filme pornográfico, proibido em França, perdia horas na alfândega e chegava atrasado. Quando digo isto aos jovens eles percebem o que a Europa quer dizer." Joseph Daul não respondeu ao lado, falou certo. No ano passado, escrevendo sobre o 25 de Abril, lembrei-me do Sr. Glória, dono de uma papelaria na Alameda, frente ao Instituto Superior Técnico. Por aqueles dias de 1974, antes do grande dia, era comum haver manifestações. O comerciante, que servia uma cliente, não levantou a cabeça quando disse: "Ontem lá houve mais bordoada entre estudantes e polícias." Fez mal em não levantar a cabeça, não reparou num desconhecido. Este era um guarda da PSP que "logo lhe deu voz de prisão" (relatou o Diário de Lisboa, 1-2-74). O Sr. Glória foi a tribunal por "propagação de boatos". A liberdade é sagrada. Incluindo ver filmes pornográficos e não levantar a cabeça quando se fala.
«DN» de 16 Abr 14

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«Divergente»

Alguém viu e quer comentar?

Governo cheio de medo

Por Baptista-Bastos
Assunção Esteves não permitiu que um representante dos capitães de Abril, acaso Vasco Lourenço, falasse no Parlamento, durante as comemorações dos 40 anos da Revolução. E acrescentou: "Se não quiserem estar presentes nas cerimónias, o problema é deles." Em duas penadas, a presidenta da Assembleia da República reduziu a subnitrato a imagem de simpatia que conquistara e arrogou-se o triste e subalterno papel de recoveira do Governo.
Os capitães de Abril irão falar cá fora, porventura nas escadarias do majestoso edifício, certamente vigiados e mantidos por cordões de polícias de choque e afins. No hemiciclo, ouvir-se-ão os discursos mais ou menos veementes dos partidos, e a habitual prosa fúnebre dita pelo dr. Cavaco, escrita por outro.
Reconheço que nesta ocasião autorizar a subida ao púlpito de um representante dos capitães é um risco perturbador. O País está de pantanas; este Governo desgraça-nos e ao nosso futuro; a população passa fome; os nossos miúdos vão para a escola em jejum; os suicídios aumentam; e a democracia das incertezas, habitada por uma dinâmica de divisão nacional, realiza o acelerado retrocesso civilizacional. O caos instalado criou múltiplas tensões latentes ou declaradas, e percebe-se que basta uma pequena faísca para se registar uma grande explosão.
Por outro lado, impedir a fala a um homem que nos proporcionou a liberdade sem caução constitui sinal de fraqueza do Executivo, cujos membros já só saem à rua rodeados de "gorilas" e no meio de gritarias protestatárias que chegam a ser assustadoras pela qualidade das indignações. O Governo, este, que induziu o medo e o horror de viver nos portugueses, está, ele mesmo, cheio de medo, um medo múltiplo e viscoso. Assunção Esteves foi outra das demonstrações desse medo, lamentavelmente expresso por uma mulher que parecia "disagionata" desta irracionalidade que nos está a dizimar. Ramalho Eanes disse, há dias, na Gulbenkian que a fome, o desemprego, a indeterminação estão a cindir a coesão nacional. As afirmações foram feitas num colóquio que levara o título, tão absurdo como ardiloso, de "Valeu a pena o 25 de Abril?", cuja natureza mais parecia destinada a esfolar a Revolução do que a celebrá-la. Mário Soares insurgiu-se com o carácter subterrâneo da pergunta, acentuando que "tudo no 25 de Abril valeu a pena." O "dia inicial/ inteiro e limpo", de Sophia, continua generoso e até permite acções tão perversas como a de Assunção Esteves ou a velhacaria do tema do tal colóquio.
Da inutilidade compacta do bate-papo na Gulbenkian à decisão repressiva da presidenta vai o pequeno espaço do nada. Numa recente sondagem, regista-se que a Revolução de Abril mais do que valer a pena foi o incidente luminoso de um novo tempo, que ainda não terminou.
«DN» de 16 Abr 14

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15.4.14

Mais mil, menos mil...

75 cêntimos/senhorio/ano?

Felizmente temos o bom olho de Angela

Por Ferreira Fernandes
Nunca agradeceremos bastante por na antimetropia dos chanceleres alemães termos ficado com o mais conveniente olho virado para nós! Como sabemos, na antimetropia um olho é míope e o outro é hipermetrope. Grosso modo, o primeiro vê mal ao perto e o segundo vê demasiado bem ao longe. Felizmente, repito, calhou-nos o olho míope de Angela Merkel que nos vê de forma difusa e relativamente desinteressada. Por isso só temos de comprar uns Audi para dar prémios e mais carruagens Siemens do que precisamos, temos juros indecentes, obrigação de exportar de borla engenheiros que formámos e uma economia arrasada, só. Poderia ter sido bem pior. O outro olho de Angela, como o dos seus antecessores, está virado para Leste e não para nós. A hipermetropia que olhou e olha para a ex-Jugoslávia e, agora, para a já quase ex-Ucrânia, apesar de parecer trazer um benefício, ver bem, é uma doença. O esforço para focar leva a dores de cabeça, ardor e lágrimas. Mas graças à sua tão celebrada indústria de lentes (quem não conhece as Zeiss?), esses malefícios, em vez de atingirem os alemães do olho hipermetrope, dão cabo daquilo para onde ele olha. Não arrasam só a economia, estilhaçam os países. Graças a Odin e outros deuses germânicos, calhou-nos o olho míope. Danke schön! Fosse o outro olho, já teria havido umas milícias lusas a atacar Olivença, o Porto a cortar com Lisboa e a unir-se a Santiago de Compostela, e a Península Ibérica a ferro e fogo.
«DN» de 15 Abr 14

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14.4.14

Problema dela e problema nosso

Por Carlos Fiolhais
A actual Presidente da Assembleia da República, Maria da Assunção Esteves, é  bem o retrato do grau de indigência da maior parte da nossa actual geração de políticos. É bem sabido que se trata de uma "reformada de luxo", que recebe uma reforma  relativa a um lugar no Tribunal Constitucional, em vez de receber o salário do lugar que ocupa, correspondente ao de segunda figura do Estado. Não tem  capacidade nem de pensamento nem de discurso, tendo chegado ao ponto de inventar palavras talvez por desconhecer as existentes. Não tem a mínima sensibilidade política para se aperceber que devia representar todos os portugueses. Não tem qualquer sensibilidade social, que seria o mínimo exigível nestes tempos penosos.  Ao dizer, como agora disse de forma sumária e intempestiva, que o problema da não comparência dos "capitães de Abril" na cerimónia oficial de comemoração dos 40 anos do 25 de Abril era um "problema deles", não podemos deixar de concluir que não está, de facto, à altura do lugar que ocupa. Mesmo que não concordasse com as pretensões dos autores materiais do 25 de Abril, há formas mais elegantes de se expressar do que essa, mais própria de uma conversa de rua. Desprestigiou a Assembleia da República quando o seu papel era o de prestigiar. É, decerto, um problema dela, mas é, sobretudo, um problema nosso, enquanto a tivermos em S. Bento.

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Marcelo vai atirar Barroso da ponte?

Por Ferreira Fernandes
A semana passou-se entre duas dúvidas dilacerantes, uma estrangeira e uma portuguesa. Ontem, uma teve resposta cabal. Quanto à outra, a resposta foi adiada - e, evidentemente, esta era a portuguesa. 
Vamos à primeira: estará Kate Middleton grávida? O príncipe William, a mulher e o filho de 8 meses visitam a Nova Zelândia, onde uma tecedeira ofereceu um xaile de merino ao bebé. Resposta do pai babado: "Se calhar vai ter de tricotar outro..." Logo correu a notícia de nova gravidez de Kate. Ontem, porém, a duquesa andou por desportos radicais, descendo de lancha o rio Shotover, entre escarpas e canyons. Antes, foi-lhe perguntado, como é de lei, se estava grávida: "E ela disse que não", garantiu o piloto da lancha às televisões. 
Entretanto, nos antípodas, a dúvida era: estava a vinda de Durão Barroso a Lisboa prenhe de intenções presidenciais? Pairou a suspeita, esperando-se a resposta para quando elas costumam ser dadas, domingo à noite na TVI. Mas o professor Marcelo disse que Barroso só veio deitar "um balão de ensaio" e veio ver "se os portugueses já lhe perdoaram"... Enfim, não tivemos resposta definitiva. Talvez para a próxima, se Marcelo adotar a receita neozelandesa. Quando Durão Barroso voltar, e ele vai voltar muitas vezes, Marcelo pergunta-lhe: "Se você quer ser candidato presidencial vai ter de fazer bungee jumping e atirar-se da Ponte 25 de Abril. Atira-se?" No domingo, o professor anuncia: "Ele disse que não."
«DN» de 14 Abr 14

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Apontamentos de Lisboa

Praça da Figueira
Genial! 
As tampas das caleiras (que escoam as águas pluviais) caem, pondo em perigo quem por ali passa? Não tem problema. Tapam-se os buracos com cimento!

Angolanos compraram o DN e tenho medo (2)

Por Ferreira Fernandes
Dizia eu, os angolanos compraram o DN e tenho medo. Medo? Sim, medo de que essa compra possa não ir tão longe quanto promete. Os patrões do espanhol El Mundo são italianos e os do inglês The Independent, russos. Jornais com donos estrangeiros, como agora o DN, é costume crescente. Novo é o DN ter sido comprado por gente da nossa língua e com muito destino comum. Da compra do DN por finlandeses eu esperaria números, e só. Com angolanos quero mais. Portugal e Angola partilham uma condição, necessitam-se, e uma tolice, ignoram-se. Conhecer a primeira e resolver a segunda é de um jornal. A paz angolana, real e já com 12 anos, não se deve a um milagre mas, entre outras razões, por o chefe do Estado-Maior ser o general Nunda, vindo da UNITA. Conhecem muitos rebeldes que chegaram ao topo do exército que combateram? Esse facto poderia ser-nos irrelevante, mas não é: permitiu a milhares de professoras e marceneiros portugueses arranjar emprego. Contar a condução solitária de um camionista minhoto por 600 quilómetros de estrada angolana varreria, por cá, muita teia de aranha. O humorista angolano Gody escolhe cantores na TV Zimbo com a verve e na mesma língua de Ary Barroso (o da Aquarela do Brasil) no programa radiofónico A Hora do Calouro, há 70 anos, no Rio. Gody não tem ideia de quem foi Ary. E porque havia de ter? Olhem, porque Portugal tem interesse em unir aquilo que teceu. Entendem agora o meu medo, que não é medo, é esperança?
«DN» Abr 14

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13.4.14

Pergunta de algibeira

Sabendo-se que as imagens são de «A Marca Amarela», cuja acção decorre em Londres, pergunta-se: Qual a imagem do livro e qual a que foi invertida em espelho?
(A resposta será dada, em actualização, com a afixação da imagem do livro, pág. 36).
*
 Actualização
A resposta certa já foi dada em comentário. Mas o que levou à colocação da questão foi o facto de estes dois carros londrinos (o da Scotland Yard e o de Blake) terem volante à esquerda.
Curiosamente, todos os outros carros que aparecem desenhados neste livro têm (e bem) o volante à direita.
O mais curioso é o Austin castanho de Blake que, na página 60, já aparece com o volante do lado certo (imagem de baixo).

Apontamentos de Lisboa

Pérolas a porcos: uma equipa ao serviço da autarquia cavou e limpou uma fiada de canteiros de árvores. Ficaram "um brinquinho", como se vê pela imagem de cima. 
A outra foto documenta o dia seguinte.

Luz - Boston, em frente ao MFA, Museum of Fine Arts

Fotografias de António Barreto- APPh

Clicar na imagem para a ampliar
Esta fotografia foi tirada dois dias depois do enorme nevão e da colossal tempestade que, no princípio de 2013, se abateram sobre o Nordeste dos Estados Unidos, sobre a Nova Inglaterra e sobre Boston em particular. Um dia esplendoroso de sol. Apesar da altura dos montes de neve, as ruas estão já limpas e preparadas para o movimento e o tráfego. Mas ainda há pouca gente a circular normalmente. A visita ao Museu foi feita num sossego admirável, tal era reduzido o número de visitantes. À saída, um camião amarelo esperava em frente, com motorista e um funcionário: vinham buscar duas dúzias de adolescentes que, vindos da escola, tinham ido passar a manhã ao MFA. (2013)

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Granadas (2)

Por A. M. Galopim de Carvalho
A GROSSULÁRIA é uma espécie de granada de cálcio e alumínio, de fórmula Ca3Al2(SiO4)3, na qual o cálcio pode ser parcialmente substituído por ferro ferroso e o alumínio por ferro férrico. Espécie típica do metamorfismo de contacto de calcários, a grossulária ocorre geralmente associada a vesuvianite, diópsido, wollastonite e wernerite. O termo radica no nome latino da groselha, Ribes grossularia, em alusão à cor verde da variedade tsavorite. A variedade de cor laranja é conhecida por hessonite, e a rosa, geralmente opaca, por rosolite. A variedade translúcida a opaca, com água na composição, toma o nome de hidrogrossulária. (...)
Texto integral [aqui]

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11.4.14

Contributos para o debate sobre a calçada portuguesa (15)

A CML propõe-se manter a calçada portuguesa em algumas artérias de Lisboa. Aqui ficam imagens recentes de algumas delas, devidamente acarinhadas...

10.4.14

João Paulo II (JP2) – a canonização agendada

Por C. Barroco Esperança
A morte de JP2 relembrou a dor e sofrimento manifestados na URSS quando o pai da Pátria, José Estaline, exalou o último suspiro, e o histerismo demente que rodeou a morte do aiatola Khomeini em todo o mundo islâmico, particularmente no Irão. Em comparação, as mortes de Franco, Salazar e Pinochet foram choradas de forma contida.
O absolutismo papal que restaurou com o apoio entusiástico do Opus Dei, Libertação e Comunhão, Legionários de Cristo e outros movimentos integristas, tornou JP2 o Papa da Contrarreforma, antimodernista, infalível, intolerante, substituindo os arcaicos autos de fé pela propaganda e pela diplomacia. (...)
Texto integral [aqui]

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9.4.14

«Dito & Feito»

Por José António Lima
O que terá levado Durão Barroso a quebrar a regra, que há mais de nove anos impôs a si próprio, de não se pronunciar sobre questões da política interna portuguesa enquanto desempenhar as altas funções de presidente da Comissão Europeia? Barroso decidiu agora quebrar essa regra, com indiscutível impacto político e estrondo mediático - não poupou Sócrates por causa da bancarrota, Vítor Constâncio devido à falta de supervisão sobre o BPN, Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix por subscreverem o manifesto da reestruturação da dívida... e até Passos Coelho por ultrapassar certos limites com a sua política de austeridade.
Duas razões terão movido Barroso a esta contundente incursão na política interna. Por um lado, no momento simbólico em que termina o programa da troika, Barroso não quer ser visto em Portugal como um dos maus da fita (“isso é a única coisa que me magoa”, confidencia) e até descreve como esteve “uma hora ao telefone a convencer a chanceler Merkel a dar mais tempo a Portugal e a uma redução dos juros”. Traduzindo, em termos de imagem: Barroso não fugiu do país em 2004, foi, sim, assumir a difícil função de liderar os destinos da Europa; e não foi o polícia mau da troika que impôs a austeridade aos portugueses, mas o polícia bom que ajudou a salvar o país da insolvência.
Por outro lado, depois de Marcelo Rebelo de Sousa se ter reposicionado na corrida presidencial em pleno Congresso do PSD e de Santana Lopes ter revelado há dias a sua disponibilidade para essa mesma corrida, Barroso terá sentido que corria o risco de deixar que outros ocupassem por completo o palco. E decidiu marcar o seu terreno.
Fê-lo com a proposta apressada e abstrusa de um Presidente apoiado por PSD, PS e CDS. Apetece dizer que - com tanto e tão alargado consenso - qualquer dia é melhor voltarmos aos tempos da União Nacional, reduzindo ao mínimo o pluralismo e impondo a unicidade do pensamento político.
Barroso precisava de puxar pelo tema e colocá-lo em cima da mesa. Fê-lo com uma ideia tonta, mas que o posiciona como potencial candidato do centro político. Bem pode repetir que não tem qualquer intenção de se candidatar a Belém. Esta entrevista é o seu melhor e maior desmentido.
«SOL» de 4 Abr 14

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Um livro raro

Muitos ainda se lembram das peripécias que levaram ao desaparecimento deste livro, em todas as livrarias do país e arredores. Isso transformou-o numa raridade, e até mesmo nos alfarrabistas é difícil de encontrar.
No entanto, e pelo menos neste momento, um exemplar encontra-se à venda no OLX [aqui].

A nossa tristeza triste

Por Baptista-Bastos
Um estudo europeu revela que os portugueses são dos povos mais tristes do continente. Não esclarece, o estudo, que medições foram utilizadas, que processos científicos, ou não, indicaram as razões dessa tristeza. Estes métodos comparativos surgem periodicamente e, às vezes, acertam; mas constituem, apenas, afirmações desasadas, produto da criatividade de quem os organiza. Unamuno, por exemplo, não escapou a generalizações, e escreveu que os portugueses são um povo de suicidas. E os franceses tornaram conhecida a epítome tão absurda como abstrusa: "Les portugais sont toujours gais." Eduardo Cortesão, grande psicanalista, disse que nós, como os outros, éramos ciclotímicos. Sirva-se à vontade das definições quem o desejar e querer. Mas a nossa tristeza possui raízes sociais, políticas e religiosas facilmente entendíveis. O cantochão, o hissope, a labareda inculcaram-nos o terror e o medo, pecadores infames e sem remissão. Em quase mil anos de história, e atendendo a todos os conceitos de liberdade conhecidos, temos quase sufocado com a falta dela e as imposições das classes dominantes. Não há que fugir a isto. Os grandes poetas não se calaram, apesar de tudo. De Camões a Sá de Miranda, passando por Bocage e, mais próximo, O"Neill, Armindo Rodrigues e José Gomes Ferreira, todos eles e muitos mais nunca foram cúmplices do silêncio, porque enjeitavam a vassalagem. "Não hei-de morrer sem saber a cor da liberdade." Eis o grito de Jorge de Sena. "A tristeza é o vinho da vingança", cantou Carlos de Oliveira. E Manuel Alegre publicou, agora, País de Abril, uma selecção de poemas belíssimos que talvez devesse ser lida nas escolas.
"É preciso saber porque se é triste/ é preciso dizer esta tristeza/ que nós calamos tantas vezes mas que existe/ tão inútil em nós tão portuguesa".
Somos assim porque o somos? Não porque assim nos fizeram, moldados às circunstâncias? Manuel Alegre sabe que a História é uma deusa cega: cobriram-lhe os olhos aqueles cuja sede de domínio encontrou apoio e sustentação em forças e instituições que cultivam e impõem a superstição, o respeitinho, a obediência, a servidão. Quando passam quarenta anos sobre a data na qual a felicidade foi a estrela cintilante da manhã, quando vislumbrámos ser felizes, enredou-nos novamente "esta tristeza que nos prende em sua teia." As sombras dos muitos medos regressaram-nos e reassolaram a Europa. Os medos que visam atingir o que caracteriza a lógica da liberdade. Os medos que possuem rostos, os de agora, expressão do que sempre foram. O reaparecimento destes rostos constitui o modelo de um mundo que não morre porque fundado na relatividade e nas hesitações das coisas humanas.
"Porquê esta tristeza como e quando/ e porquê tão submissa tão tranquila (...) É preciso matar esta tristeza."
«DN» de 9 Abr 14

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8.4.14

Os pinta-paredes (99)

À Rua da Madalena
Não será mesmo possível evitar isto?

Apontamentos de Lisboa

Av. Almirante Reis
A pouco e pouco, estes prédios, que marcaram uma época no século passado, têm vindo a desaparecer. 
Este já tem o destino traçado. É pena.

GRALHAS SEM GRALHAS

Por Antunes Ferreira 
O Santosh é o empregado de mesa do restaurante George com mais pinta. Os outros são meros comparsas e olham-no de soslaio. Já o conheço - e ele a mim – há quase oito anos, começou então por dizer uns sins e uns nãos em Português macarrónico, a que depois acrescentou o clássico como está, o bom dia, o obrigado e (muito) pouco mais. Sempre que entrávamos no estabelecimento e ele dava conta disso comunicava o facto ao patrão e saía Amália Rodrigues ou o rancho folclórico de Santa Marta de Portuzelo. Simpático. (...)
Texto integral [aqui]

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7.4.14

Apontamentos de Lisboa

No centro deste enorme "deserto de relva", um jovem pratica exercícios de malabarismo.

6.4.14

Luz - Cartagena de las Índias, Colômbia

Fotografias de António Barreto- APPh

Clicar na imagem para a ampliar
Rua com vendedor ambulante. Cartagena fica na costa Norte da Colômbia, à beira do Atlântico. Tem praia e porto. Tem castelo antigo e palácios. Tem hoje quase 900.000 habitantes. Tem turismo e comércio. Tem fruta e rum. A cidade colonial é “património mundial da UNESCO”. Foi talvez a mais importante cidade do império espanhol. Foi também a capital dos piratas das Caraíbas. Por aqui passaram escravos, ouro, esmeraldas, canhões, prostituas, soldados e missionários às toneladas e aos milhares. A história da cidade, ao longo dos últimos cinco séculos, é absolutamente incrível de aventura, drama, romance e acção. Ainda hoje, um passeio nas ruas da cidade evoca, pelas cores, pelos cheiros, pelo movimento das pessoas, pelas correrias de gente aparentemente desempregada e pela vozearia cantante, um passado agitado e um presente estranho. (2013)

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Granadas (1)

Por A. M. Galopim de Carvalho
SE ESTIVÉSSEMOS em Espanha, estávamos a falar de romãs (Malum granatum, em latim). Mas não estamos. Estamos do lado de cá da fronteira, onde, por enquanto, ainda se fala português e alguns resistem à imposição de um acordo ortográfico que nos subalterniza e envergonha. Com origem no latim granatus (que significa muitos grãos), as granadas constituem um grupo de minerais, cujo nome, proposto por Alberto, o Grande, em 1250, reflecte a semelhança entre a forma e a cor dos bagos da romã e a forma e a cor dos cristais das espécies vermelhas mais comuns. Este grupo reúne várias espécies, só distinguíveis entre si por via química, e, algumas destas incluem variedades.  (...)
Texto integral [aqui]

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5.4.14

Apontamentos de Lisboa

Rua Infante D. Pedro
No seguimento do post anterior - aqui se vê o que parece ser uma moda muito inteligente por parte de funcionários da CML: fixar sinais de trânsito com arames! 
Em baixo vê-se o resultado... Brilhante!

4.4.14

Apontamentos de Lisboa

Av. dos EUA
Alguém, na CML, acha que é boa ideia fixar sinais de trânsito com arames em vez das braçadeiras próprias (foto de cima). 
O resultado desse improviso (e dessa pelintrice) pode ver-se em baixo - o poste é o mesmo.

Apontamentos de Lisboa

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