27.10.18
Um Messias para o Brasil
Por Antunes Ferreira
Jair Messias Bolsonaro nas presidenciais brasileiras é como a pescada: antes de o ser já o era. O voto electrónico vai ser uma confirmação do que vêm dizendo as diversas sondagens: a percentagem que vai alcançar sobre o candidato do PT Fernando Haddad será significativa e com isso o partido de Lula da Silva ficará com uma minoria preocupante pois a votação que deverá obter não será única mas sim pela soma dos votantes que não querem a extrema-direita protagonizada pelo ex-capitão cuja presença só por si já é ameaçadora.
Bem pode recordar-se que Hitler chegou ao poder através de eleições e delas resultou o abjecto e criminoso regime que foi o nazismo. Tudo indica que no caso brasileiro tal citação é chover sobre o molhado. Nem a fraudulenta e maciça utilização da aplicação WhatsApp por apoiantes milionários sobretudo empresas do candidato conotado com o fascismo à qual o povo não parece ter dado grande importância.
O Brasil sofre dum trauma que adquiriu quando durante a II Guerra Mundial Stefan Zweig foge da Europa ensanguentada pelo nazi-fascismo onde viria a escrever o ensaio em 1942 Brasil, um país do Futuro. Nunca os brasileiros se conseguiram livrar desse verdadeiro anátema, pois a partir de então nunca mais o maior país da América do Sul foi do Presente.
Há ainda que te em consideração que a sociedade brasileira é multicultural e multirracial sendo que a percentagem de pretos e mestiços (mulatos ou pardos) ultrapassa já os 50 por cento. São eles um dos alvos preferenciais desse novo Messias – que inclusive leva o mesmo nome – que se propõe “abatê-los” bem como aos homossexuais, às lésbicas e sobretudo as “vermelhos”. É caso para dizer que Jair Bolsonaro quer salvar (?) o Brasil mesmo que este não queira ser salvo…
As propostas do candidato da extrema-direita são extremamente agressivas. A sua foto brandindo uma espingarda-metralhadora anda por toda a parte. Haddad não parece ter hipótese, porque, diz Bolsonaro, ele é um Lula trasvestido. Ou seja, anda a enganar o país, a ludibriar os brasileiros. Votar nele e votar no Diabo, no Mal, no Inferno, no regresso ao passado do roubo, do crime e principalmente da mais desenfreada corrupção.
Em 1951 a Empresa Nacional de Publicidade que edita o “Diário de Notícias” dá a luz uma obra monumental da autoria de Armando de Aguiar jornalista daquele quotidiano intitulada O Mundo que os Portugueses Criaram com o beneplácito e o apoio de Oliveira Salazar. Nela o autor dá um significativo destaque ao caso do Brasil acentuando a enorme componente portuguesa na população brasileira. E não diz na raça pois que não existe uma raça brasileira de tal modo a população é miscigenada.
O que mais impressiona para quem tenta avaliarde forao que está a acontecer nas campanhas e nas eleições brasileiras, e em especial naquelas que vão dar um novo inquilino para o Palácio do Planalto em Brasília, é que muitos que agora são ameaçados por Bolsonaro Votam nele.
Etiquetas: AF
26.10.18
Militares Ontem, Bolsonaro Hoje
Por Joaquim Letria
Há 50 anos vivi no Brasil, para onde fora enviado pela Associated Press, como reforço do escritório de São Paulo, e ali pude assistir à imposição do Acto Institucional 5 (AI5) que foi a tomada do poder pela Ditadura Militar.
Recordo-me como se fosse hoje. Eu estava em Olinda, entrevistando D. Helder Câmara, e recebi no meu hotel no Recife uma mensagem de Nova York a avisar-me do que se passava. Apanhei o primeiro avião que saiu para São Paulo onde encontrei os tanques na rua e os militares espalhados pela maior e mais importante cidade do País, situação que ocupou todos os jornalistas americanos, brasileiros e este vosso português que ali ocupavam o movimentado escritório da AP na Rua do Marechal Quedinho.
Começou assim um dos períodos mais negros da História do Brasil, com o desencadear de prisões arbitrárias, sequestros e mortes, situação que se prolongaria ao longo de 17 anos. Lembro-me que quatro dias depois de ter aterrado em São Paulo proveniente do Recife recebi guia de marcha para ir para Brasília, então a jovem capital daquele fascinante País para me encontrar com os mais destacados políticos dos principais partidos, muitos deles ainda atordoados pela rapidez, eficácia e violência da intervenção dos militares que suspendiam todos os direitos cívicos e humanos impondo uma das mais brutais ditaduras de que há memória no século XX.
Os militares não haviam perdido tempo, desencadeando uma guerra negra com violentas explosões, assaltos a bancos, roubo de explosivos de pedreiras e brutais assassínios todos estes actos executados de modo a poderem ser atribuídos à esquerda. Hoje, há confissões e documentos que comprovam a veracidade destes actos terem sido desencadeados de modo a servirem para a preparação e justificação do golpe.
Os atentados, assassínios e assaltos foram executados por um grupo de paramilitares cuja maioria era originária da chamada Força Pública, na verdade um ramo da Polícia Militar que executou 16 atentados à bomba, assaltos diários a bancos, execuções sumárias e roubos de explosivos de pedreiras, tudo isto sob o comando dum tal Aladino, criminoso impiedoso, cujo papel é hoje conhecido ao pormenor em documentos e autos que entretanto foram libertados.
Tendo vivido tudo isto, quando vejo um candidato à Presidência como Bolsonaro colocar-se numa posição que pode valer a vitória de eleições democráticas fico com uma grande mágoa porque o povo brasileiro não merece sofrer mais para além de tudo o que já sofreu. Os responsáveis por isto são os partidos de esquerda que se descredibilizaram e a vulnerabilidade da população à propaganda selvagem dum louco que pode arrastar grande parte dela para a prática duma violência e dum clima de medo que já devia ter desaparecido para sempre.
Publicado no Minho Digital
Etiquetas: JL
25.10.18
Manuel Monteiro e o provável regresso ao CDS
Por C. Barroco Esperança
Há um namoro pegado com o CDS do dissidente que saiu pela direita e criou um novo partido – PND –, ressentido por ter sido afastado pelo seu criador, Paulo Portas, que o removeu quando lhe aprouve. O fracasso da dissidência levou-o a bater à porta da casa de onde saiu.
Segundo a comunicação social, deu aulas em conjunto com a Dr.ª Cristas na ‘Tendência Esperança em Movimento’, onde Manuel Monteiro quer “contribuir para o crescimento do CDS”, com Cristas.
Manuel Monteiro falou sobre o futuro de Portugal, e Cristas encerrou. No fundo, ambos gostariam de encerrar o futuro e regressar ao passado. É a aspiração de quem não tem memória, de quem ao desafio do futuro responde com a nostalgia do passado.
Manuel Monteiro é a versão urbana de Nuno Melo, mas rivaliza com ele e a Dr.ª Cristas no azedume à mais leve tendência social-democrata, para não falar nos acessos de raiva contra a esquerda, disfarçados em voz melíflua de sacristia.
Não havendo ainda condições para um partido neofascista há quem procure transformar a direita que existe na que deseja. Já. Os ventos correm de feição, e o regresso à década de trinta do século passado pode demorar quatro décadas a deixar oscilar o pêndulo para o lado da democracia. Compensa investir no retrocesso.
A democracia não é eterna, sobretudo quando minguam democratas. Na Europa, onde, dos escombros da guerra emergiram as democracias, há agora uma pulsão suicida de pendor reacionário.
Atualmente, quanto mais à direita a direita se coloca, mais entusiasmo desperta.
Ponte Europa / SorumbáticoEtiquetas: CBE
24.10.18
A propósito dos 3 que fugiram do Tribunal...
Um GRANDE arquivo, para quem gosta destas velhas anedotas ilustradas: humorantigo.blogspot.com (Esta é do «Almanaque Bertrand» de 1932)
Etiquetas: CMR
23.10.18
Pergunta de Algibeira
Sabe-se que o Cabo da Boa Esperança (inicialmente baptizado de "Cabo das Tormentas") foi dobrado em 1488 por Bartolomeu Dias.
Mas ele disse que foi em 1487, e manteve sempre essa afirmação.
Porquê?
Mas ele disse que foi em 1487, e manteve sempre essa afirmação.
Porquê?
Etiquetas: CMR, Pergunta de algibeira
20.10.18
Os robertos de Tancos
Por Antunes Ferreira
Uma opera buffa não conseguiria ser pior do que o famigerado caso do desaparecimento-aparecimento das armas de Tancos. Nem sequer uma tenda derobertos se poderia assemelhar ao folhetim estapafúrdio que pôs de rastos o Exército português. Pelo menos na minha meninice quando os saltimbancos armavam nos passeios as quatro varas sobre as quais estendiam os panos atrás dos quais moviam as marionetas rudimentares os putos que nós eramos divertíamo-nos com a algaraviada das personagens e pagámos os cinco tostões que era o preço que podíamos dar pelo espectáculo.
A instituição castrense não pode ser uma brincadeira e este tristíssimo caso infelizmente tem todas as características disso. Perante ele o público – ou seja os cidadãos – parece estar a assistir a um filme cómico sem Charlot mas com militares e uns quantos civis todos no palco como diria o José Estebes “tudo à molhada e fé em Deus”. Só que aqui não se tratou do “Bamos lá, cambada”; bem pelo contrário foi uma encenação que devastou uma instituição cuja seriedade e galhardia não pode ser posta em causa. E foi.
Cada dia que passa vai acrescentando novos pormenores a este complicadíssimo assunto e agravando o que já era e é gravíssimo. As cabeças que já rolaram não servem de atenuante muito menos de exemplo. Um qualquer exército tem forçosamente que respeitar o princípio da hierarquia. É ela que está na base da sua organização. Subvertê-la é por si só um crime. Vão longe os sovietes de soldados e marinheiros da revolução russa de 1917 e viu-se o que isso deu. Não se pode repetir uma experiência tão amarga, ainda que se tentasse em vários países que isso acontecesse.
Este mirabolante toma lá dá cá de armamento veio acrescentar ao início do descrédito do Exército com o que acontecera no curso de comandos em 2016 com a morte dos soldados Hugo Abreu e Dylan da Silva um preocupante criticismo da população sobre os militares. Não posso falar e ódio porque seria demasiado, mas quando a dúvida se instala tudo pode vir a acontecer.
Eu próprio estive nas fileiras como oficial miliciano cinco anos dezoito dias e umas quantas horas por motivos políticos. Chamaram-me comunista, embora o não fosse (e se o fora não me cairiam os parentas na lama…) mas, por incrível que pareça foi oficial da PJM, a Polícia Judiciária Militar – que não tinha nada que ver com esta que agora está na merda.
Por isso me custa assistir a este episódio degradante. Na tropa aprendi uma série de virtudes e também de maldades. Não enjeito esse longo período em que tive que comandar homens e levá-los quem sabia se até à morte. Um morreu-me em plena mata nos meus braços. É experiência que não desejo a ninguém. Fiz amigos e entendi o que quer dizer solidariedade.
O que está a acontecer é impossível – mas está a acontecer.
Etiquetas: AF
19.10.18
Ninguém é a voz dos pobres
Por Joaquim Letria
Esta é a minha crónica número 50 para o Minho Digital. Todas as semanas sem falhar. Mais meia dúzia e cumpro um ano a dizer coisas para os meus amigos do Alto Minho e não só. E não vou festejar esta crónica número 50, antes pelo contrário, eis-me aqui falando de impostos que muitos prefeririam que eu não lhos lembrasse por constituírem algo muito caro aos portugueses. Literalmente…
Devo confessar que não é pagar impostos que me penaliza. O que me custa é ver onde eles vão parar, como são desbaratados e como tanta felicidade que podiam ajudar a construir é tão impunemente desperdiçada.
O governo do Sócrates deixou-nos com o tutano à mostra e o anterior a este apertou-nos por todos os lados para alegria da troika e empenho dos ministros Gaspar e Maria Luís Albuquerque, que bem singraram na vida, quer olhando-nos do FMI, quer trabalhando em parte time e parte certa numa financeira bem agradecida.
Agora, vemos a receita aumentar graças aos impostos indirectos, que os directos António Costa prometeu baixar e pelo menos nisso está a cumprir. O problema é que os impostos indirectos são aqueles que os pobres pagam porque os directos são estipulados ao nível dos rendimentos. Embora o nosso imposto possa ser injusto, ele está focado no que a gente ganha, enquanto nós todos pagamos o indirecto sempre que compramos qualquer coisa.
Os ricos sempre souberam fugir dos impostos directos e os pobres pagavam-nos por não conseguirem fugir. Mas os impostos indirectos são ainda mais injustos. Esta solução é contra a justiça social porque são os impostos que somos levados a pagar sem darmos por isso.
Mas a esquerda não se queixa disso. Ela está cada vez mais centrada nas grandes multinacionais, mas também agarrada pelos sindicatos e pela função pública e pensionistas porque estes são os seus eleitores que lhe importa tratar bem para as eleições seguintes. Em Portugal os pobres e os imigrantes não têm voz, os chamados partidos de esquerda não os deixam falar e a Igreja anda distraída com outras coisas.
Portugal continua a ser o País mais desigual da Europa e também ninguém fala nisso. A história do salário mínimo é uma falácia. Ninguém que trabalhe no Estado recebe abaixo do salário mínimo. Logo, o aumento deste pouco ou nada custa ao Estado. Quem tem de subir os salários mínimos são as empresas. Verdade que muitas destas pagam miseravelmente, mas também muitas micro e pequenas empresas não aguentam esse aumento. E se estas tiverem de fechar as portas atiram com mais gente para o desemprego.
Ao se dizer que se deseja justiça e que se é a favor dos mais pobres pode estar-se a agravar ainda mais a situação dos mais necessitados. Muito cuidado com isso e não julguem – políticos e sindicatos – que o povo não percebe o que se passa. Topam-vos a milhas.
Publicado no Minho Digital
Etiquetas: JL
18.10.18
O capitalismo, a justiça e a liberdade
Por C. Barroco Esperança
O capitalismo descobriu a liberdade, mas desinteressou-se da justiça e da igualdade. Há avanços que só o capitalismo permitiu, mas há retrocessos da liberdade que são fruto da genética capitalista. O fascismo é filho natural do capitalismo.
Um modelo condenado a crises cíclicas, e a superá-las através de guerras, consegue pela força a sobrevivência, indiferente ao sofrimento que produz, aos anticorpos que cria e ao desespero que gera nos pobres de que precisa para se perpetuar.
As empresas visam naturalmente o lucro, o que não parece errado, mas é a amoralidade que as torna cúmplices do sistema de que são filhas. Não interessa se o seu produto é ou não tóxico, basta que seja legal ou que esteja omisso no código penal.
O bando de Chicago, onde pontificou Milton Friedemann, influenciou de tal modo esta fase do capitalismo, graças à devoção dos seus devotos Reagan e Thatcher, que o deixou à solta, tendo como aliado João Paulo II, papa reacionário cuja santidade, em vida, era o apanágio da profissão e estado civil, e, depois de morto, um brinde do marketing pio.
A derrota dos mineiros ingleses na sua reivindicação justa, nem todas são, abandonados por outros trabalhadores e pelas centrais sindicais, alterou profundamente a correlação de forças a favor dos empreendedores, como ora se designam os detentores dos meios de produção. A vitória da Sr.ª Thatcher foi a derrota dos trabalhadores à escala global.
Mal se imaginaria então que, uma geração depois, o novo salto dialético seria dado por Trump, May e uma quantidade enorme de pequenos títeres que chegam ao poder por via democrática, sem o mais leve respeito por direitos dos trabalhadores nem, sequer, pelos direitos humanos.
Estamos a assistir ao assalto ao poder por uma horda de fascistas que, país após país, já transformaram as democracias em autocracias de vocação totalitária, com o domínio das redes sociais da Internet, da comunicação social tradicional e o apoio que a insegurança dos povos lhes confia.
São pessimistas as previsões do futuro onde a expansão do modelo chinês, sob a égide do líder do partido, dito comunista, promove um despudorado capitalismo e a extinção das liberdades que moldaram a cultura europeia e a sua civilização ora ameaçada.
Depois do fracasso do comunismo, e da implosão, o capitalismo esgotou-se e é urgente encontrar um novo paradigma.
Ponte Europa / SorumbáticoEtiquetas: CBE
17.10.18
Pergunta de Algibeira (Enviada por Jorge Oliveira)
Este boneco pretende ilustrar a ideia de uma "primeira mulher na Lua".
Mas há algo errado. O que é?
Mas há algo errado. O que é?
Etiquetas: Pergunta de algibeira
14.10.18
LAGOS E A LÓGICA ECOLÓGICA
«Controla o lixo, e controlarás a cidade»
.
Conta-se que, nos anos 60 do século passado, um jornalista norte-americano se disfarçou de funcionário da limpeza urbana conseguindo, assim, apoderar-se do conteúdo do caixote do lixo do Presidente da República. Seguidamente, e do muito que ficou a saber acerca dos hábitos de Sua Exa., deu destaque ao facto de ele deitar fora os jornais ainda com as respectivas cintas — concluindo, com isso, que o homem mais poderoso do mundo não se preocupava muito em estar informado acerca do que nele se passava, e muito menos com a opinião pública ou publicada. Talvez essa conclusão fosse demagógica, mas a verdade é que o lixo diz quase tudo acerca de quem o produz; e, no que toca às urbes, até patenteia, e sem margem para dúvidas, o grau civilizacional das suas populações e de quem as dirige.
De facto, numa sociedade organizada, os cidadãos delegam nos poderes públicos a gestão do lixo (que, sem controlo, é um verdadeiro flagelo — veja-se Nápoles), e pagam-lhes para que o façam. Compete, pois, a estes, providenciar locais de deposição adequados, e àqueles respeitá-los; mas também neste último caso são os poderes públicos que têm de ter, ao seu serviço, fiscais competentes e em número suficiente, com funções dissuasoras e até repressivas, se necessário for. Finalmente, é ainda às autarquias que compete providenciar a remoção atempada dos resíduos, pelo que, tendo elas as funções decisivas em todo o ciclo que nos interessa, não podem eximir-se às suas responsabilidades, nomeadamente quando algo corre mal.
Dito isto, o que vemos em Lagos, especialmente nas chamadas “Ilhas ecológicas”, e nos últimos anos? Constatamos que muitos dos seus ecopontos estão, frequentemente, a abarrotar durante dias seguidos, tendo por fora o que devia estar dentro... mas já lá não cabe! Sendo assim, que moralidade tem, quem quer que seja, para nos exigir aquilo que, mesmo querendo, não podemos fazer? E que lógica tem disponibilizarem-nos as condições básicas para reciclagem, mas depois não darem seguimento aos esforços que fazemos para corresponder a esse imperativo cívico do nosso século?
.
O tema daria um livro, profusamente ilustrado com penosas imagens de Lagos (e também de lugares tão improváveis como o coração de Lisboa e o Parque Natural Sintra-Cascais), mas não é necessário, pois basta andar pelas nossas ruas para se esbarrar com a triste realidade que está diante dos olhos de QUEM QUER VER e (por vezes literalmente) debaixo dos pés, mesmo de quem não quer. Claro que não faltam os que desvalorizam o problema,nem os que apontam o dedo para o alvo errado — destacando-se os que recitam o mantra «As pessoas é que são porcas!». A estes, há que dizer que sim, que há pessoas porcas, e até muito porcas; só que isso qualquer criancinha sabe, pois é uma verdade de todos os tempos e de todas as latitudes. Mas nós também não pagamos à polícia para nos dizer que há criminosos, pois não?
Infelizmente, ainda há quem não entenda que tudo isto é muito mais grave do que uma fuga de água num jardim, pois configura uma tripla AGRESSÃO: um perigo real para a SAÚDE pública, a delapidação do nosso DINHEIRO e a degradação da IMAGEM da Cidade — com pesadas consequências para o TURISMO e, portanto, para a ECONOMIA local, que dele depende.
.
Claro que seria simpático terminar este texto com palavras de optimismo mas, como tudo isto se arrasta há anos (e tem piorando nos últimos tempos), não consigo. Todavia, se alguém tiver por aí algumas disponíveis, mande-mas, que serão bem-vindas!
.
Carlos Medina Ribeiro - "Correio de Lagos", Setembro de 2018
Etiquetas: CMR, Correio de Lagos, Lagos
13.10.18
12.10.18
Manual de Boas Maneiras em Desuso
Por Joaquim Letria
Parece ser moda ninguém se apresentar nem apresentar quem o acompanha. Aquilo que nos ensinaram quando éramos crianças, que não se deve falar a estranhos, teve contrato a termo certo e há muito que não está em vigor.
Mas reconheça-se que há alguns que fazem um esforço e julgam cumprir a mais elementar regra de boa educação apontando-nos a madama que trazem ao lado e proclamando “esta é a minha senhora”. Normalmente são aqueles que na ausência da “minha senhora” se referem a ela como “a minha esposa”.
Naturalmente que quem assim procede desconhece o ardil do plebeísmo em que está a cair, muito mais grave do que aquele que incorre quem quiser beijar uma amiga nas duas faces, porque se Jesus oferecia a outra face à bofetada, estas recusam o nosso segundo ósculo fraterno para parecerem – julgam elas – menos suburbanas. Nisto de saudações beijoqueiras sou adepto dos russos que continuam a dar quatro beijos, dos franceses que nunca desistiram dos três beijos e das nossas senhoras mais seniores ou do povo que são fiéis ao tradicional par de beijos, um em cada face.
Uma apresentação correcta não pode andar muito longe desta: ”João Silva, que é meu colega na empresa e a Julia que é a minha mulher”. É evidente que o ideal seria : “ Julia, conheces o João Silva que é meu colega na empresa?” Assim, ambos, Julia e João ficariam encantados e ninguém atropelava o bom gosto nem danificava as boas maneiras fossem de quem fossem.
Quem normalmente apresenta “a minha senhora” também nunca apresenta as pessoas com nome e apelido. “É a Vanessa e o Donald”. Mas nem a Vanessa nem o Donald em questão devem ser tão famosos que já ouviram falar de um e do outro a ponto de não necessitarem de sobrenome, a menos que se trate da Vanessa Redgrave e do Donald Trump, mas neste caso penso que ela não teria muito interesse em que lhe apresentassem o cavalheiro.
Diga-se em abono da verdade (verifico isto consultando os nomes das minhas alunas) que as Vanessas agudizam o problema. Às Vanessas seguem-se as Tânias, as Carlas e as Sónias Cristinas, todas antes de uma lista mais completa de nomes em voga onde não poderiam deixar de figurar as Tâmaras, as Marisas, as Luanas e as Déboras.
Penso que a melhor maneira de castigar esta gente é deixar de lhe beijar a mão, o que não se aperceberão por este hábito estar em desuso. Hoje em dia só se beija as mãos aos padres e bispos. Mas não tenho dúvidas de que o desprezo social ensina mais do que um manual de boas maneiras.
Publicado no Minho Digital
Etiquetas: JL
11.10.18
A violência contra as mulheres
Por C. Barroco Esperança
A ancestral misoginia, a perpetuação de preconceitos religiosos e os constrangimentos sociais são obstáculos à emancipação da mulher e uma forma de perpetuar a violência machista e reduzir metade da humanidade à subalternidade ou, mesmo, à escravidão.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos não é pacificamente aceite e respeitada. Toleram-se países e Estados que oprimem a mulher, em nome da diversidade cultural e do inaceitável respeito por crenças religiosas que são a matriz de Estados teocráticos.
Há jurisprudência portuguesa recente que envergonha quem a produziu, mas damo-nos conta da afronta, incompatível com o ordenamento jurídico do país laico que somos. Há países onde a discriminação é legal e a violência um direito do macho.
Não há regimes dignos, magistrados sensatos, sociedades sãs, religiões respeitáveis ou famílias dignas que discriminem em função do sexo.
Dito isto, não devemos permitir que os movimentos que se batem pela igualdade, tantas vezes com risco de vida dos seus membros, pactuem com atos de puro oportunismo, que visam a exibição de relações sexuais mutuamente consentidas e desejadas, às vezes com décadas de intervalo, invocando violência, real ou imaginária, para chantagem, vingança e/ou obtenção de vantagens patrimoniais.
Alimentar a voragem da comunicação social com descrições sórdidas e litigâncias que a morbidez popular consome, não é um combate pela libertação feminina, é um obstáculo à luta, em curso, contra a discriminação, que exige um permanente combate.
Há casos que contribuem para atrasar a igualdade que se promove e desacreditam a luta que se trava.
Os casos mediáticos estão frequentemente contaminados por vingança e oportunismo, e raramente conduzem à reparação da ignomínia ancestral à escala planetária, mas o pior que pode acontecer é a substituição da pena por mera indemnização pecuniária, dando a impressão de que os danos por violação, como nos acidentes, podem ser ressarcidos em numerário.
Exige-se discernimento nesta como em todas as lutas justas.
Ponte Europa / SorumbáticoEtiquetas: CBE
10.10.18
17 SÉCULOS DE PENSAMENTO FILOSÓFICO ANTECEDEM AS PRIMEIRAS UNIVERSIDADES EUROPEIAS
Por A. M. Galopim de Carvalho
Foi nas colónias gregas da Ásia Menor, mais precisamente na Jónia, entre os séculos VII e VI a.C., que encontramos as primeiras manifestações de um pensamento dotado de exigência e compreensão racional.
Foi aqui que alguns dos seus habitantes mais letrados esboçaram as primeiras tentativas de explicar o mundo que os rodeava sem recorrerem à mitologia, o que era a prática comum da época. Só meio século depois, Pitágoras (circa 570-495 a.C.) deu o nome de “filosofia” a essa atitude mental.
Nascido em Mileto, cidade desta colónia, Thales (c. 623-546 a.C.) terá sido o primeiro pensador a afastar-se das crenças religiosas que conduziam a sociedade grega mais antiga e, como tal, o primeiro filósofo ocidental. Foi o surgir de um pensamento que virou costas à tradição mítica de deuses e heróis e começou a fundamentar-se nas realidades observadas no dia-a-dia. Pode dizer-se que, com ele, a experimentação quotidiana conduziu à laicização do conhecimento e à sua condução no caminho do racional.
Dentro deste espírito surgiram na Escola que fundou em Mileto e noutras, ao longo dos séculos VI e V a.C., as primeiras ideias, ditas filosóficas, como o embrião de uma ciência teórica, meramente especulativa, sem qualquer apoio experimental. Estas escolas foram comunidades de pensadores ditos pré-socráticos (Tales, Anaximandro, Anaxágoras e Heráclito, entre outros), cujas ideias, muitas vezes divergentes entre si, foram os primeiros passos na procura do conhecimento no mundo ocidental. Dizemos ocidental porque havia outros a oriente, não menos importantes, nomeadamente, na índia, na Mesopotâmia, na Pérsia e na China, pensamentos que, é preciso dizer, tiveram influência na cultura grega.
Sócrates, Platão, Aristóteles e muitos, muitos outros, menos conhecidos do grande público, legaram-nos um pensamento despido de deuses e heróis, considerado o caldo das escolas e universidades medievais.
Esta vitória do pensamento laico sofreu grande retrocesso com o advento do catolicismo (do grego“catholikós”, universal), em especial pela influência de Agostinho de Hipona (354-430), mais conhecido por Santo Agostinho e um dos maiores teólogos e filósofos dos primeiros anos do cristianismo. Segundo este doutor da Igreja, a única verdade era a dos Santos Evangelhos.
Instituição da Idade Média, a Universidade nasceu como algo mais do que a Academia de Atenas, fundada por Platão, no século IV a. C. (nos jardins de Akademós, o herói da mitologia grega e, daí, o nome). Tanto nesta Academia como no Liceu fundado pelo seu discípulo, Aristóteles, os mestres limitavam-se a especular e debater com os discípulos as suas ideias.
Durante, praticamente, toda a Idade Média, a Igreja Católica Romana deteve o monopólio da cultura e do pensamento. Daí, o ensino ser ministrado por eclesiásticos e os conteúdos e objectivos serem estabelecidos pela hierarquia religiosa, tanto nas Escolas (paroquiais, catedrais, monacais e palatinas), como nos Estudos Gerais e nas Universidades que, a partir deles, se formaram. Lembremos, a propósito, que a palavra “universidade” radica no latim “universum” (com o significado de “tudo junto” ou “tornado um”), de “unus”+”versus” (particípio passado do verbo “vertere”, tornar, verter).
Enraizadas na Europa Ocidental, a partir de meados do século XII, no contexto do chamado “Renascimento do Século XII”, as “Universitas Magistrorum et Scholarium”, as verdadeiras Universidades foram comunidades de mestres e discípulos, procurando funcionar como centros de ensino, de pesquisa e produção de saber e, ainda, pólos de debates, não raras vezes, conflituosos. Como locais propícios ao desenvolvimento de ideias, sofreram intervenções de reis, ordens religiosas e, até mesmo, dos papas. O elevado valor já então atribuído ao conhecimento científico, entendido como um “dom de Deus”, proibia os professores de receberem honorários. Assim, estes viviam das dádivas dos alunos (vindos, sobretudo, da nobreza) sob a forna de colecta.
Surgidas na Itália, na França e na Inglaterra, estas Universidades visavam o estudo do Direito, da Medicina e da Teologia, numa perspectiva do enobrecimento do espírito dos homens e na elevação das suas virtudes. Com raríssimas excepções, as mulheres não eram voltadas para essa educação.
Um parêntese para dizer que, anteriormente a estas Universidades, fora criada em Bolonha, em 1088, uma estrutura afim, vocacionada para, ao mesmo tempo, ensinar a nível então tido por superior e investigar no sentido de inovar conhecimento. Lembrada por Universidade de Bolonha,caracterizou-se por procurar um ensino liberto das amarras da Igreja Católica. Esta não foi, porém, a mais antiga de todas. Antes dela surgira a Universidade de Al Quaraouiyine, em Fez (Marrocos), no ano de 859, a de Hunan (Changsha), na China, em 976, e a de Al-Azhar, no Cairo, Egipto, em 988.
No final da Idade Média, já em pleno Renascimento, as Universidades viram aumentar o número de estudantes filhos de uma burguesia em crescimento, exigentes de uma formação mais ampla, incluindo a de caráter técnico, abrindo-se às Artes, à Matemática, à Filosofia e à Arquitetura. Entre 1200 e 1500 foram fundadas, na Europa, cerca de 80 universidades, muitas delas por bulas emanadas de Roma.
Entre elas, destacam-se:
Século XI – Bolonha e Oxford.
Século XII – Paris e Modena.
Século XIII – Cambridge, Salamanca, Montpellier, Pádua, Nápoles, Coimbra (1290)….
Seculo XIV - Lérida, Roma, Pisa…
Século XV – Turim, Leipzig, Poitiers, Lovaina…
Século XVI – Évora (Universidade do Espírito Santo)…
Foi o tempo da escolástica, a filosofia cristã colocada na base de todo o ensino, concebida como uma via para harmonizar a razão com a fé. Foram, porém e apesar de tudo, instituições de excelência internacional, consideradas os locais de ensino e de investigação mais prestigiados da Europa medieval.
Etiquetas: GC
9.10.18
JUÍZES A REFRESCAR
Por Joaquim Letria
O novo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, quarta figura na hierarquia do Estado, disse, quase a par da Associação de Apoio à Vítima, que os juízes deviam refrescar os seus conhecimentos sobre os crimes sexuais e actualizar as suas ideias quanto às diferenças de género. Deus os ouça!
Dantes, um magistrado para chegar a juiz passava anos como acusador público, devia percorrer as comarcas, das menores às mais importantes, prestar provas e ser, finalmente, juiz de Direito. Hoje, para se dizer que se é juiz, basta um daqueles cursos da tanga, dessas chamadas universidades que há por aí, comprar o Código de Direito Penal, melhorar o aspecto com duas demãos do verniz do Centro de Estudos Judiciários e, aplicando leis enviesadas, pôr-se a mandar inocentes para a cadeia e a deixar culpados cá fora, dizendo disparates a torto e a direito.
Diga-se, em abono da verdade, que na sua grande maioria os juízes são sérios e competentes, nem todos vendem sentenças ou batem na mulher. Mas agora, que se fala em os mandar aprender certas coisas, que se aproveite para lhes ensinar o resto que lhes falta. Para que haja menos Direito e mais Justiça.
Publicado no Pasquim da Vila
Etiquetas: JL
6.10.18
LAGOS E A CRISE DO TURISMO
«As maiores descidas nos hotéis do Algarve, em Junho, verificaram-se em Lagos e Sagres (menos 14,1%). Mas nas zonas de Vilamoura, Quarteira e Quinta do Lago houve subidas turísticas de 7,1%».
in Jornal do Algarve, 5 de Julho de 2018
.
.
Certo dia, em conversa com um coronel da Força Aérea, ouvi-lhe dizer uma coisa que nunca mais esquecerei: “Salvo em casos excepcionais, um avião nunca cai por UM único motivo. Há sempre VÁRIOS, simultâneos ou em cadeia, que concorrem para o desastre”.
Lembrei-me dessa afirmação a propósito dos maus resultados do turismo do concelho, pois, também nessa queda, as causas são muitas e variadas, valendo a pena distinguir três tipos de problemas:
.
- Aqueles contra os quais NADA SE PODE fazer;
- Aqueles que poderão ser RESOLVIDOS — não pelos lacobrigenses, mas pelos poderes públicos;
- Aqueles em que PODEMOS INTERVIR activamente.
.
No primeiro caso, a principal condicionante é a nossa situação geográfica: olhe-se para o mapa da Europa, e veja-se a que distância estão as fontes de turistas estrangeiros. Diria La Palice que “para que eles venham para cá, é preciso que não vão para outros lados”, uma verdade que nos obriga a concorrer com destinos de alta relação qualidade/preço, incluindo países que superaram, ultimamente, problemas de segurança interna que os afastavam.
Mas, em Portugal, Lagos (tal como a referida Sagres) ainda tem de competir num outro “campeonato”, nomeadamente contra Porto e Lisboa, estando, para mais, no extremo sudoeste do país. Como podemos trazer mais gente com um aeroporto a 80 km, uma A22 com portagens absurdas, uma 125 inenarrável e um comboio ao melhor nível da arqueologia industrial?
Tal como sucede com o nosso Hospital, as últimas três realidades não dependem dos lacobrigenses. São problemas estruturais (que exigem soluções de prazo variável), mas podemos pressionar os nossos políticos para que ajam em nosso favor — onde, quando e como puderem... e já não será pouco!
Também somos impotentes contra o Brexit e a desvalorização da libra, mas há muitas coisas que poderemos fazer; e é uma reflexão séria e desapaixonada acerca disso que se torna urgente... e já vai sendo tarde.
De facto, não está nas nossas mãos ir buscar os turistas e trazê-los para cá. Mas podemos fazer com que VOLTEM, nunca esquecendo que “O Homem é um animal de hábitos”, e o turista é-o, acima de tudo.
Sucede, porém, que isso obriga a ter em conta uma grande quantidade de problemas (todos bem conhecidos); mas a forma como eles são abordados entre nós nem sempre é isenta, despartidarizada e pacífica.
A juntar a isso, muita gente parece pensar e agir como se estivéssemos nos Anos 60 do século passado, quando sol, praia e bares chegavam e sobravam para manter o turismo algarvio florescente e de boa saúde.
Mas esse tempo acabou e não volta: o turista moderno, especialmente aquele com poder de compra, tornou-se muito mais exigente, até porque alternativas não lhe faltam por esse mundo fora.
Esse turista é sensível, pela negativa, a praias descaracterizadas, a ruas porcas ou esburacadas, a passeios atafulhados de carros, a paredes e monumentos grafitados, a ecopontos a transbordar de lixo (convocando gaivotas, ratos e baratas), a barulho sem horário nem regras, a indivíduos a urinar nas ruas, a árvores cortadas sem motivo, a casas-de-banho encerradas, sujas ou com horários absurdos, a ruas sem passeios dignos desse nome...
Porém, uma vez identificados os problemas resolúveis (assim haja vontade cívica e política para tal), Lagos poderá superar (ou pelo menos minorar) a crise que lhe está a bater à porta, mostrando ser um destino turístico de primeira qualidade, à altura dos desafios colocados por uma sociedade moderna e um turismo exigente.
.
Carlos Medina Ribeiro - "Correio de Lagos", Agosto de 2018
5.10.18
Dívidas, Financeiros e Má Fama
Por Joaquim Letria
Passamos a vida importunados pela dívida e com os nossos bem amados dirigentes a zurrarem-nos que a culpa é nossa porque vivemos acima das nossas possibilidades, por mais precários que sejam os nossos empregos e exíguos os salários vergonhosos que nos pagam e com que nos metem medo. Mas nada disto é novo e eles devem-no saber, a menos que na sua gloriosa incompetência tal ignorem. Mas podemos lembrar-lhes algumas coisas ao mesmo tempo que aliviamos o nosso complexo de culpa.
Olhamos a Idade Média e vemos os empréstimos contraídos pelos monarcas, quase sempre de maneira disfarçada, uma vez que a condenação canónica da usura atingia, também, esta modalidade de crédito. Vemos, ao mesmo tempo, a actividade do financeiro perseguida e tendencionalmente confinada aos judeus, sendo os usurários ameaçados com a excomunhão e as penas do inferno por venderem um bem – o tempo – que só a Deus pertence.
No Deuterónimo estava expresso o mandamento “não exigirás do teu irmão juro nenhum nem por dinheiro nem por víveres, nem por qualquer outra coisa que se preste ao pagamento de juros.” Os pregadores medievais tornaram este tema dominante nos seus sermões, com o usurário inevitavelmente destinado ao Inferno. Alguns, “in extremis”, tentavam a salvação com a entrega a obras pias dos lucros acumulados, sem que tenham chegado até nós notícias do êxito de semelhantes iniciativas.
Alguns historiadores fizeram o delicioso levantamento das peças e das penas do Inferno que, inevitavelmente, aguardavam os usurários no imaginário difundido. Em alguns deles podemos mesmo encontrar as descrições das justificações com que a doutrina católica procurará corresponder às crescentes necessidades de aceitar uma prática que, na realidade, se difundia e seria fundamental para o aparecimento do Estado moderno. Muito mais tarde Benjamin Franklin soltaria a famosa frase “time is money” sintetizando uma nova ética do capitalismo.
Neste lento processo acabou por surgir a figura dos financeiros que normalmente indica uma classe de pessoas ligada ao dinheiro público, quer através de funções políticas ou como prestamistas do Estado. Ao mesmo tempo, os Estados foram aperfeiçoando a disciplina jurídica do endividamento bem como os mecanismos de gestão da dívida pública.
Da má fama não escapam nem uns nem outros, nem a dívida nem os financeiros. Importa que o Estado saiba usar a dívida com virtude e virtuosismo e que os financeiros aceitem regras adequadas que os afastem das penas do Inferno previstas pelos cânones.
E já agora que Deus lhes dê virtude a ponto de serem capazes de nos deixarem em paz sem nos fustigar cada vez mais intensamente, sempre a gritarem na sua imoralidade que a culpa é inteiramente nossa.
Publicado no Minho Digital
Etiquetas: JL
4.10.18
Escândalos e política
Por C. Barroco Esperança
No escândalo da Universidade Moderna, onde a direita se atolou, a falência fraudulenta da empresa de sondagens ‘Amostra’ não teve arguidos e a montanha de acusações pariu a prisão de dois ratos sem relevo político e acusações injuriosas ao censor Sousa Lara.
Valeu o processo Casa Pia para fingir que a pedofilia é uma patologia do PS e os crimes sexuais uma preferência da esquerda, para fazer esquecer o atoleiro em que se afundava a direita que agora mostra as garras em tristes gorjeios de Cavaco ou uiva em artigos de opinião do Observador, onde a chancela de Passos Coelho está disponível.
Enquanto os Papéis do Panamá permanecem confiados a órgãos de comunicação social, sem divulgação dos segredos que lhes cabia revelar, o País verifica que se perderam os documentos dos submarinos, estão por inquirir autarcas do PSD que a Visão investigou, e passaram a irrelevantes os casos BPN, Vistos Gold, Banif, Tecnoforma e BES.
Às vezes, por ignorância das leis, acusam-se juízes levianamente. É o caso da proibição de escutas a Luís Filipe Meneses, um dos autarcas de quem Marco António foi cúmplice na funesta administração do município de Gaia. É evidente que Meneses não podia ser escutado quando conselheiro de Estado, não como Dias Loureiro, dileto do PR Cavaco, mas por indicação do PSD de Passos Coelho.
O que não se entende é o esquecimento da PGR das suspeitas que levaram o Ministério Público a pedir autorização das escutas, que o juiz impediu – e bem –, depois de perder o privilégio de que gozam os membros do órgão consultivo do PR.
São estes esquecimentos que radicalizam posições contra beneficiários de estatuto cujas funções o legitimam, porque se eternizam e só voltam ao conhecimento público, quando voltam, depois de arquivados os processos por terem excedido os prazos.
Ainda é possível investigar a denúncia da Visão se, caso se confirme, julgar os alegados corruptos da teia autárquica que se descreve nas 20 páginas da Visão.
Etiquetas: CBE