30.12.19

No "Correio de Lagos" de Dez 19

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29.12.19

Grande Angular - Democracia à flor da pele

Por António Barreto
tatuagem é uma forma de alteração do corpo sem utilidade médica. Outras formas incluem as escarificações (pequenas cicatrizes que provocam relevos na pele), piercings de toda a espécie (das “orelhas furadas” até intervenções em territórios inesperados…) e brandings feitos com ferro em brasa como se faz com o gado.
Muitos pensam que a tatuagem é moda recente das equipas de futebol, dos meios artísticos e dos bares da noite. Não é bem assim: as tatuagens são antiquíssimas, mais de dois ou três milhares de anos. Também se pensa que só certos grupos recorrem à tatuagem. Não é verdade: há exemplos de todos os grupos humanos, classes, religiões e as mais variadas profissões. Em cada momento, país ou comunidade, as tatuagens podem ter sido moda. Em finais do século XIX, quando as tatuagens eram sobretudo usadas por marinheiros, estivadores e reclusos, também havia nobres que, com recato, escondiam tais sinais. Os reis de Inglaterra Jorge V e Eduardo VII tinham, tal como o Kaiser Wilhelm II, o Czar Nicolau II ou o rei Afonso XIII. Mais tarde, até Winston Churchill (uma âncora de marinheiro) e a sua mãe (uma pulseira à volta do pulso) usavam. O tema já começa a ser motivo de estudo. A canónica revista “Brotéria” publicou um interessante artigo de Filipe d’Avillez que nos esclarece sobre a tatuagem na vida religiosa.
Houve tatuagens no Egipto, na Grécia, na China e entre Índios americanos. Em todos os continentes, os escravos podiam ser obrigados a usar argolas implantadas em certas partes do corpo, para já não falar dos ferros em brasa com o sinal do proprietário. Há menos de um século, os nazis alemães gravavam números nos braços dos Judeus. Há vestígios de tatuagens em todos os tempos, tribos e cultos, países e continentes. Já foram proibidas ou toleradas, elogiadas e invejadas. Hoje estão aí, em todas as classes sociais e quase todos os países.
Nas últimas décadas, as classes médias e altas apenas admitiam, publicamente, os piercings mais inofensivos, os das orelhas furadas. A partir dos anos 1960, as tatuagens começam a fazer o seu caminho. Os soldados portugueses, por exemplo, notabilizaram-se com um famoso “Amor de mãe”. Há bem pouco tempo, os tatuados eram soldados ou assassinos de certas convicções. Hoje são todos esses mais estudantes, artistas, gente bem das classes médias, celebridades da televisão e do folhetim, serviços de “escort”, profissionais da moda e da comunicação, premiados de Óscares, futebolistas milionários e bandas de música. As tatuagens alargam o seu âmbito social. Dançarinas de varão, transgressores sexuais de todas as obediências, desportistas de rugby, todos se juntam a esta fabulosa comunidade! Consta que já pelo menos uma dúzia de deputados e um ou dois governantes aderiram…
Nas vulgarmente chamadas classes médias e altas, a tatuagem espalha-se a um ritmo impressionante. Muitos gostam de mostrar que estão aí para as curvas. Como sempre, rebeldia e originalidade transformam-se em moda e depois em conformismo. O que há de mais curioso na recente moda das tatuagens é o modo de disseminação. O contágio vai de baixo para cima! Ao contrário do habitual. O chapéu, a maquilhagem, o tabaco, as drogas, o cinema, a música, os rituais gastronómicos e tantos outros comportamentos sempre se expandiram de cima para baixo, das classes altas para as médias, as pequenas burguesias, as classes trabalhadoras e rústicas, as classes desfavorecidas. Agora, em certos casos, o contágio vai das classes baixas para as altas! O ar drogado. A roupa rota. O rosto doentio. A tatuagem. E até um certo ar ordinário. Quando Versace foi assassinado, alguém referiu, no obituário, que o seu maior contributo para a moda tinha sido o de ensinar as prostitutas a vestirem-se como senhoras e as senhoras como prostitutas.
Quais as razões do êxito da tatuagem? Por que acolhem esta moda pessoas tão diversas? Espera-se pelo contributo dos antropólogos, psiquiatras e artistas que nos ajudem a perceber como a moda se difunde tão rapidamente. Por que há gente disposta a marcar na pele, com elevados dispêndios e enorme dor física, sinais perpétuos cuja eliminação futura, a ser possível, custa fortunas e provoca sofrimento? Por que motivo as pessoas se exibem desta modo? Por que se querem individualizar e acabam por ficar iguais com o golfinho, o “amor de mãe”, o coração florido?
Exibicionismo? Evidente. De si, das suas crenças e de aceitação de que é propriedade de alguém. Identidade e pertença a uma comunidade? Sim. Os mafiosos também se querem reconhecer. Como os Cruzados antigamente. Como os Yakuza japoneses, uma das piores comunidades de assassinos orgulhosamente tatuados. Individualidade? Também. Tal como a sensação ou a crença de que o que se mostra é mais importante do que o que se pensa! A convicção de que a imagem é mais importante do que o espírito.
A revolução do consumo de massas trouxe esta dimensão: a adopção pelas classes altas e médias de padrões, géneros, tiques e ícones das classes médias e baixas. E até de marginais e doentes. As classes ricas começam a apreciar os gostos e os sinais das classes populares! Calças rasgadas, roupa amarrotada e larga de mais; maquilhagem a sugerir doença, alcoolismo e consumo de droga. Parece haver um ar de aventura! Já ouvimos uma frase memorável de uma senhora das classes ricas garantir que durante as férias iam “brincar aos pobres”, porque mal se lavavam e vestiam! Já tivemos a moda das classes ilustradas descerem ao fim de semana às discotecas beberem mau álcool, frequentarem prostitutos e prostitutas, comerem pão com chouriço, “roçarem-se pelo povo” e frequentarem bares de má reputação. Povo e tavernas são “giríssimos”… 
Durante séculos, as classes viviam separadas. E separadas tinham as culturas e os modos. As classes mais baixas adoptavam comportamentos séculos depois dos mais abastados. Ou nunca, pois não viam, não sabiam. Até aos séculos XVIII e XIX, uma grande parte do povo nunca tinha visto roupas dos aristocratas, nem como se estes se mexiam e comportavam. A democracia, as eleições, os supermercados, o cinema, a televisão, as revistas e a internet mudaram isso tudo. Como dizia um professor há muitas décadas, “o espírito do capitalismo não é o de produzir meias de vidro muito caras apenas para a Rainha de Inglaterra! O espírito do capitalismo é de vender cada vez mais meias de vidro!”. 
A tatuagem é a grande vencedora da democracia, da sociedade de consumo e da igualdade!
Público, 29.12.2019

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28.12.19

No "Correio de Lagos" de Dez 19

Na Primavera deste ano, a Rua Filarmónica 1.º de Maio foi notícia devido ao derrube de 35 árvores de grande porte, todas de enfiada e em tempo recorde. 
Não vamos agora voltar ao tema, mas recordamos que Portugal é um dos signatários dos Acordos de Paris de 2015/16, que implicam a redução das emissões de CO2, com metas severas já para 2020, cuja contabilização tem em conta as chamadas “emissões NEGATIVAS”. 
Essas “emissões NEGATIVAS” são as ABSORÇÕES, para as quais já existem, e há muitos milhões de anos, “máquinas” que o fazem gratuitamente ou com um custo mínimo, chamadas ÁRVORES. 
Isso leva-nos a SAUDAR a rearborização dessa rua, que esperamos se estenda à cidade toda, quanto mais não seja para vermos cumprir a promessa eleitoral, feita nas autárquicas de 2017, de plantar 1000 árvores por ano.

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27.12.19

Maçonaria e Opus Dei – PAN, Teresa Leal Coelho e ASJP

Por C. Barroco Esperança
O PAN vai apresentar um projeto em que os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos declarem a “filiação ou ligação a organizações ou associações de caráter discreto [como a Maçonaria e a Opus Dei] em sede de obrigações declarativas”. (Lusa, 14-12-2019)
Teresa Leal Coelho, vereadora do PSD, exige a quem exerce funções de poder “que se exponha na sua integralidade no que respeita aos compromissos e fidelidades a que está vinculado, através de um registo de interesses detalhado”. (Expresso, 21-12-2019)
A Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP) aprovou, há cerca de uma década, um compromisso ético em que defendeu que “o juiz não deve integrar organizações que exijam aos aderentes a prestação de promessas de fidelidade ou que, pelo seu secretismo, não assegurem a plena transparência sobre a participação dos associados”.
O PAN, sem consistência ideológica, para além da defesa meritória dos animais, propõe apenas que quem queira declarar a sua pertença a uma associação “de carácter discreto” o possa fazer, como se estivesse vedado a alguém fazê-lo. Enfim, prova de existência!
Teresa Leal Coelho, com outras responsabilidades, depois de aludir ao contributo que a maçonaria prestou em ditadura, apesar de proibida, quer que cada membro declare a sua filiação em organizações legais (Maçonaria ou Opus Dei), surpreendendo que exclua as Igrejas e outras associações de carácter social, desportivo ou cultural.
A ASJP, que muitos temem mais do que o Opus Dei ou a Maçonaria, e sem que os seus associados se obriguem a declarar pertencer-lhe, quer que os membros das associações legais, ao contrário das dúvidas que levanta uma associação sindical de membros de um órgão da soberania, divulguem a sua inscrição.
O PAN, TLC e ASJP ignoram que o Estado não pode fazer tal pergunta e mostram que, tal como a ditadura, não respeitam a liberdade de consciência que o Art.º 141 da CRP garante.
Delirante foi a declaração do presidente da ASJP, Mouraz Lopes, em 2009, ao defender que “os juízes que pertencem à maçonaria devem comunicá-lo ao Conselho Superior da Magistratura e pedir escusa em causas que envolvam maçons”. Ignora-se como um juiz pode saber se o arguido é ou não maçon, estranha-se que apenas o mova a perseguição à maçonaria e teme-se que o sindicalista pense numa polícia para informar quem é maçon aos juízes maçons.
Urge desconfiar da falta de isenção de um juiz católico para julgar um arguido católico, de um sportinguista para mandar para a cadeia um pedófilo ou traficante do seu clube, de um budista para julgar outro, ou, pior, do risco que corre um muçulmano julgado por um juiz hindu, de um adepto do FCP a ser julgado por um benfiquista, ou de um juiz do Opus Dei a poder decidir sobre a liberdade de um maçon?
O O. D., legal e pouco recomendável, reagiu dizendo que a Maçonaria foi excomungada por um Papa, sendo pecado pertencer-lhe, e a Obra tinha aceitação papal e estava ao seu serviço, isto é, do Vaticano, uma potência estranha à UE, e ao abrigo da Concordata.
Enquanto passam por Lisboa elementos do ISIS, a orar com imensa devoção na mesquita, antes de se dirigirem à guerrilha islâmica, o PAN, a Dr.ª Teresa Leal e a ASJP estão preocupados com associações legais de que não há a menor suspeita de prosseguirem fins ilícitos ou perigosos.

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Pouca Vergonha

Por Joaquim Letria
Imaginem os meus queridos leitores e leitoras que o nosso estimado director José Luís Manso Preto me telefonava ou escrevia a proibir-me de escrever aqui no Minho Digital a palavra “boa” ou alguma outra com o mesmo significado.
Ele pode fazê-lo, não creio que tal decisão, assim comunicada a um colaborador, seja censura. Agora, é sem dúvida um acto de policiamento da língua e de repressão da palavra. Posso não escrever “Boas Festas”, mas também não as posso substituir por “Bom Natal”. Sou obrigado a reformular a frase. Se o fizer, posso desejar um “Feliz Natal” ou “Festas Felizes” que é a mesma coisa por outras palavras. E tal coisa já seria permitida, não desrespeitando a democracia, embora violando a liberdade de expressão.
Fazer isto – que sugiro ao Director que o faça – tornaria o nosso acto de escrita muito mais interessante e a leitura do jornal muito mais excitante para o nosso respeitável público. Escrever e ler este jornal podia assim ser um jogo de grande entretenimento para quem o escreve e para quem o lê, para além das interessantes matérias que sempre publica.
O Director só tinha que anunciar no jornal “a palavra hoje proibida é vergonha”, por exemplo, depois de nos ter avisado antes de escrevermos. Quem violasse a ordem pagava uma multa e o total das multas podia converter-se num prémio a sortear pelos leitores. Como vêem, o Minho Digital ficava muito mais divertido.
Cheguei a esta ideia sem mérito próprio, apenas graças ao nosso querido Presidente da Assembleia da República, Dr. Ferro Rodrigues, que repreendeu o deputado do “Chega” André Ventura por este pronunciar demasiadas vezes, segundo o Presidente da Assembleia, a palavra “vergonha”. Pelo raspanete podemos concluir que “vergonha” é uma palavra que desagrada a Ferro Rodrigues e, no seu entender, não dignifica o Parlamento.
Não quer isto dizer mais do que aqui se regista. Seria abusivo considerar que Ferro Rodrigues não tem vergonha e que deseja que tal sentimento não… envergonhe o Parlamento. Na minha modesta opinião, o que Ferro apenas deseja é que André Ventura modere a linguagem e não contribua para que a Assembleia da República tenha mais do que aquilo que sempre teve, que foi… pouca vergonha.
Publicado no Minho Digital

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24.12.19

No "Correio de Lagos" de Dez 19

Há uns anos, a CML pôs em prática, com o apoio da EDP, um “Plano de Contenção Energética” cujo resultado mais visível consistiu em desligar cerca de 30% dos candeeiros públicos; mas Salgueiro Maia, talvez por ser figura pública, teve direito a um desconto de 50%, pelo que viu ser desligado um dos dois holofotes no monumento que a CML lhe erigiu no 30º aniversário da Revolução — ficou a ser iluminado apenas pela “esquerda”, o que, vendo bem, tem toda a lógica. 
Talvez tenha sido também por economia que se omitiram as inscrições 1944-1992, quer nas placas toponímicas (da rua com o seu nome), quer no próprio monumento. 
Quanto às coroas de flores, também deve ser por contenção que primam pela ausência, dando razão a quem diz: “Poupar nos tostões como se fossem milhões, para gastar milhões como se fossem tostões”. 

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23.12.19

No "Correio de Lagos" de Dez 19


Como já aqui dissemos, ficámos entusiasmados quando, em Outubro passado, a CML informou os munícipes de que a factura da água podia passar a ser-lhes enviada em formato digital, algo que, por sinal, já vínhamos sugerindo há dois anos. 
O anúncio, que acompanhava a conta desse mês, trazia pertinentes comentários acerca das vantagens para o Ambiente da solução digital, e oferecia nada menos de 4 possibilidades para a passar à prática. 
Fizemos, então, o pedido, e ficámos a aguardar. Pois bem; a factura de Novembro veio em papel... e a de Dezembro acaba de chegar, também pelo correio. 
Não há dúvida de que, entre a teoria e a prática, vai a distância a que já estamos habituados... 

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22.12.19

Grande Angular - A morte da Europa

Por António Barreto
Já havia perigo nas costas do Mediterrâneo. Também, mais a Norte, na Germânia e, a Leste, nos Urais. No Atlântico, instalava-se uma inquietante distância: um estranho silêncio alternava com um ruído agoirento. Desta feita, nas praias dos mares do Norte, a Europa morreu de vez.
A má notícia chegou cem anos depois de ingleses e americanos terem salvado uma Europa exangue e setenta anos após uma segunda ressurreição da Europa, novamente às mãos de americanos e ingleses. À terceira, perante a indiferença dolosa da América, é a Grã-Bretanha que dá o golpe de misericórdia. A sua saída da Europa tem o sabor do absurdo e o ar da tragédia. E tudo isto aconteceu perante o ar aliviado de tantos europeus que estavam desejosos de ver os ingleses pelas costas.
Evidentemente, os principais responsáveis de todas as mortes foram sempre os Europeus. Os nacionalistas e os imperialistas. Os revolucionários e os bolchevistas. Os fascistas e os nazis. E outros. O que realmente muda é que, nas mortes anteriores, houve americanos e britânicos para salvar as pratas da casa. E as paredes. Desta vez, é pior. Os europeus destruíram. Os americanos ajudaram. Os britânicos confirmaram e vieram dizer a todos que é possível, que ainda pode ser pior.
A Europa perdeu a batalha das nações, sem criar um substituto que não seja a vacuidade do cosmopolitismo global. Perdeu as batalhas da tecnologia, da ciência e da cultura. É hoje raro, algures no mundo, reconhecer traços sólidos da cultura europeia, a não ser o património histórico dentro de portas. Até no continente europeu, marcas, símbolos e valores ascendentes são americanos, islâmicos, africanos e asiáticos. A Europa perdeu a batalha da defesa: se tiver de se defender, depende de outros, de americanos em particular. Desde que eles estejam dispostos, o que é cada vez menos verdade. Talvez a Europa seja ainda um farol na justiça, nos direitos humanos e na protecção social. Nem sempre. Mas talvez. Só que, para isso, é necessário ter riqueza, instituições, democracia, consensos, defesa e segurança. O que vai faltando… Os europeus sabem gastar e distribuir. Mas sabem cada vez menos criar, poupar, consolidar e desenvolver. Sem estes, aqueles não são possíveis.
É destes momentos que se faz também a história: parece que tudo conduz ao erro, os homens estão fechados num círculo de fogo e não sabem como sair. Em frente ao desastre, ninguém sabe ou quer evitá-lo! Perdeu a Europa, perdeu a Grã-Bretanha, talvez tenha perdido o mundo.
Faremos este luto durante muitos anos. A Europa perdeu o seu mais eficiente e bem equipado exército, as suas mais formidáveis universidades, os seus campos mais equilibrados e preservados, o seu mais criativo sistema financeiro e a sua cultura mais universal. O pior é que muitos europeus ficaram felizes com essas perdas!
Esta desastrada aventura apenas começou. De Norte e do Sul, do Oeste e do Leste, virão mais notícias, perturbação e fractura. Apesar de tudo, das derrotas, retiram-se lições. Desta, também.
Ficámos a saber que é possível sair pacifica e democraticamente da Europa. Que outros poderão seguir um dia. Que talvez seja possível consagrar o separatismo pacífico e democrático, na Escócia ou na Catalunha. Que talvez seja necessário rever a paz na Irlanda. Que teremos de estar preparados para os sinais de fogo da Itália, da Turquia, da Hungria e da Polónia. Temos de estar preparados para uma Europa inquieta, violenta ou vulnerável, como já quase ninguém a viu. Foram mais de setenta anos em que, sem dramas, os Europeus tiveram a impressão de que o futuro só continha boas notícias. Sete décadas de paz, em que os piores factos de violência, de Belfast a Bilbao, de Belgrado e Sarajevo, foram excepção e foram sendo resolvidos. Anos durante os quais a maior catástrofe ocorrida, a construção do Muro de Berlim, chegou a um termo pacífico. Longos anos durante os quais todos os vestígios de ditadura foram desaparecendo. Nunca a Europa tinha vivido tal! Em paz. Em liberdade, de Lisboa a Helsínquia e de Madrid a Bucareste.
Ficámos a saber que não há só nacionalistas de extrema-direita, reaccionários e fascistas. Também há nacionalistas de esquerda e comunistas. Também há nacionalistas democráticos, conservadores e liberais. Ficámos a saber que há socialistas, social-democratas e trabalhistas que não querem ou já não se interessam pela Europa. E que votar contra a Europa já não é o próprio dos extremos, dos fascistas e dos comunistas. Ficámos a saber que a virtude não está toda do lado da Europa, do cosmopolitismo e da globalização. Ficámos a saber que as liberdades têm uma geografia, que a democracia tanto pode existir no cosmopolitismo europeu como nos Estados nacionais e que o racismo e a xenofobia não são exclusivos da direita e das nações, também são crenças das esquerdas e das federações. Também ficámos a saber que o desejo de controlar as migrações e de orientar as políticas sociais não é próprio dos fascismos e da extrema-direita, é uma das mais legítimas aspirações de qualquer povo.
Poderia pensar-se que estas hipóteses, agora confirmadas, enriquecem o debate e abrem perspectivas de novas escolhas para a Europa! Mas não. O problema é que todas estas hipóteses e alternativas, democráticas ou não, são contra a Europa, apesar da Europa e fora da Europa! 
Ganhou sentido o cartaz de uma manifestação, há alguns anos, em Madrid: “Os nossos sonhos não cabem nas vossas urnas”! Ficámos a saber que a Europa estabelecida, a Europa dos Conselhos e do Parlamento, a Europa da Comissão e das Políticas comuns, já não é capaz de perceber o que querem os povos. E temos a consciência, agora, de que, sem capacidade para se auto-regenerar, a Europa abrirá as portas aos realmente anti-europeus e anti-democráticos, de esquerda e de direita. Do Oriente e do Ocidente. Nacionalistas ou não.
Gradualmente, a Europa perde os seus traços antigos: a cultura clássica helénica, o Cristianismo, o espírito do Renascimento e o iluminismo. Em troca, vai recebendo o poderio da cultura de massas americana, o irredentismo islâmico e o multiculturalismo afro-asiático. O pior é que, com tudo o que perde, a Europa também pode perder a sua diversidade nacional, a democracia e as liberdades. 
Público, 22.12.2019

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21.12.19

No "Correio de Lagos" de Ago 18 a Dez 19

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20.12.19

Pelo menos homenzinhos

Por Joaquim Letria
Esta semana vi na televisão homens e mulheres a chorarem por terem sabido de surpresa, no mesmo instante, que estavam no desemprego porque a empresa de calçado onde trabalhavam tinha declarado o estado de insolvência. Por esse motivo não havia mais nada para ninguém.
Infelizmente esta é uma situação recorrente desde o início da revolução industrial. E também recorrente, pelo menos em Portugal, é o modo dos operários e operárias, funcionários e funcionárias saberem que vão para casa, em alguns casos marido e mulher, sem levarem muito para porem na mesa dos filhos. Foi o que se passou nesta empresa de calçado.
Gente com anos e anos de casa, reconhecidos pelos patrões, são postos a andar nuns casos com um edital colado na parede, noutros pela voz de um ou dois advogados que se prestam a este trabalho de gato-pingado. E foi o que sucedeu no caso desta semana, o que levava uma senhora lavada em lágrimas a queixar-se, à frente das câmaras, chamadas pelos inúteis sindicatos, “isto não se faz”“não é assim que se faz, não merecemos que nos tratem desta maneira”.
A falência, a insolvência, merecem a nossa compreensão ainda que muitas vezes decorram de falta de visão, preguiça patronal, nenhuma antecipação das realidades dos mercados e desinteresse ou ignorância. É o caso do calçado. Quando eu vejo gente vestir um “smoking” com uns sapatos de ténis calçados e quase ninguém comprar sapatos de pele ou camurça, tenho de antecipar o que aí vem. E mudo para o fabrico dos ténis ou busco pequenos nichos de importadores que ainda se interessem pelo estilo clássico. Se assim não se faz, vem aí o desastre.
Mas acima do salário, do reconhecimento, da lealdade e dedicação vem a dignidade. E desaparecer sem olhar ninguém nos olhos, sem um aperto de mão, sem explicar que “é injusto, custa-me muito mas tem de ser”, sem um reconhecimento, não é de homem. Ao menos um meio homem que seja capaz de acompanhar os advogados contratados para tal tarefa e explicarem as condições.
Ao longo da minha vida vi figuras públicas serem despedidas por uma carta de duas linhas a comunicarem o fim “da ligação a esta empresa no dia 30 do corrente mês”. Vi colaboradores a serem dispensados pela menina da recepção. Pelos vistos, a cobardia é uma modalidade muito praticada nacionalmente, pensando no triste caso desta semana. O que é de lamentar é entre os patrões não haver, já não digo homens, mas, pelo menos, homenzinhos.
Publicado no Minho Digital

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19.12.19

Hacker bom e hacker mau


Um investigador de ciência da computação, que descobre funcionalidades não previstas nas especificações originais de um programa, é um hacker, mas os cientistas e os génios úteis à sociedade não surgem na comunicação social, só os criminosos virtuais, também geniais, que trocam a missão pelo crime, têm direito ao mediatismo e à defesa acalorada de quem despreza o direito à privacidade. Dos outros!
Quando o nome de um hacker aparece na comunicação social é, quase sempre, o de um criminoso, e raramente o de alguém que abnegadamente procura combater os crimes.
É difícil uma posição coerente, sem dilemas éticos, em relação aos roubos informáticos. Acontece ser-se indulgente para quem comete um crime sem visar benefícios pessoais, e descobre uma teia de corrupção, uma cilada a um cidadão que o privou da liberdade ou a contradição entre quem prega a moral e é um dissoluto. Parecem ter sido os casos do australiano Julian Assange, fundador do portal Wikileaks, ao revelar segredos de Estado dos EUA, e de Edward Snowden, o norte-americano que denunciou as práticas de espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA.
Nos últimos tempos assiste-se à defesa inflamada de um português que devassou a vida de cidadãos, instituições particulares e órgãos da soberania, umas vezes pelo prazer que lhe dava a violação da correspondência ou a sabotagem informática, outras para fazer chantagem e tentar extorsões.
Foi preciso um tribunal impedir – e bem –, que a devassa a cidadãos caísse no domínio público, como se um atleta de exceção não tivesse direito à privacidade e à proteção de dados, como se qualquer político devesse ser julgado nas redes sociais ou no pelourinho da opinião pública e não nos Tribunais, como se a intimidade de pessoas não fosse mais importante do que os seus haveres.
Quem assalta uma casa e leva as joias, subtrai bens materiais e arrisca a vida, a prisão e a devolução do produto do roubo, e não encontra quem o defenda ou louve. Quem acede aos segredos de um cidadão, viola a intimidade, devassa-lhe a vida, rouba-lhe a honra, e ainda encontra quem o proteja e incense.
Há na duplicidade de critérios uma amoralidade e um défice de carácter que defendem a impunidade de quem, atrás de um computador, põe em risco a segurança de um Estado, a honra de um cidadão ou a intimidade de um casal.
O crime informático é o crime de colarinho branco que torna indignos os que defendem os autores, desprezando o direito à privacidade e à proteção de dados. É uma traição aos direitos humanos, a mórbida curiosidade de espreitar pelo buraco da fechadura da alma.
Um hacker malévolo é um bandido à solta a precisar de correção e vigilância policial.

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15.12.19

Isto ajuda?

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13.12.19

A Brigada da Moral

Por Joaquim Letria
Aquilo que cada um faz no seu quarto, se as mulheres devem, ou não, serem donas dos seus corpos e se pessoas do mesmo sexo podem, ou não, casar-se umas com as outras anda por aí nas bocas do mundo. Mas aquilo que os poderosos fazem nos  gabinetes com as vidas dos outros não parece  preocupar ninguém.
A brigada da moral, a par dos sobressaltos de que dão sinais, conseguiu pôr a economia de joelhos, roubando poupanças de milhões de cidadãos e sujeitando os restantes ao desemprego e à incerteza. Mas pior que tudo é a impunidade, o que os estimula a terem-no feito em 2008 e voltarem a fazê-lo agora.
Mas estes poderosos grupos que tomaram conta do nosso planeta não deixam as coisas ao acaso. Matam onde lhes dá lucro matar e, paulatinamente, preparam o futuro. Note-se, a título de exemplo, que só nos Estados Unidos da América, os Republicanos e os Democratas gastaram um record de 12 mil milhões de dólares em campanhas eleitorais, que lhes permitiram estabelecer as pontes e conquistar os testas de ferro que vão manobrar nas próximas presidenciais .
Óptimo proveito do resultado do Supremo Tribunal de Justiça ter aberto as comportas da política ao grande capital, ao decidir que sob a Primeira Emenda as grandes companhias são “pessoas”...
Também o JP Morgan-Chase, o maior banco da América, está em melhor forma do que nunca, liderando a luta contra a lei (Dodd-Frank) que pode impedir novo “crash” e os resgates da banca à custa  dos contribuintes. O mesmo JP Morgan-Chase, o maior banco da América que terá enganado os accionistas e o público na famosa “Baleia de Londres”, a  qual ditou 6 biliões de euros de perdas, em 2012.
A Brigada da Moral não quer que as mulheres mandem nos seus corpos nem que pessoas do mesmo sexo se casem entre si. Mas não se importam nem um bocadinho que os multibilionários escaqueirem os direitos dos outros e destruam a democracia desde que isso lhes renda o que eles desejam.
Publicado no Minho Digital

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12.12.19

Bem-vindo a Lagos, Leonardo!

Apesar de eu ter sido condiscípulo de António Guterres, no liceu e na faculdade, tenho dele apenas uma vaga ideia, pois era pessoa muito dedicada aos assuntos de religião e pouco ou nada às lutas estudantis desses “anos 60”. Contudo, e embora o nosso relacionamento passasse de efémero a inexistente a partir de 1970, o certo é que, 30 anos mais tarde, ele ainda teve influência na minha vida profissional, devido à famigerada saga dos 3 submarinos, que o seu governo decidiu adquirir pela módica quantia de 1200 M€. 
Foi assim:
O negócio envolvia dois concorrentes — os franceses e os alemães —, e a opção, por uns ou por outros, dependeria dos produtos portugueses que eles adquirissem como “contrapartidas”. Para as enquadrar, havia os correspondentes Agrupamentos de Empresas, trabalhando eu activamente num deles, em representação da Efacec, que apostava nos fornecedores gauleses.
Ora, quando já tudo indicava que viriam a ser esses os preferidos, o PS perdeu as eleições autárquicas. E isso, que pelo senso-comum não deveria ter influência num negócio como aquele, acabou, no entanto, por atirar tudo de pantanas, incluindo o governo do país: é que Guterres, com esse pretexto (e quiçá por inspiração do Divino Espírito Santo), saltou majestosamente para fora do “pântano”, deixando o caminho aberto a Durão Barroso — que é como quem diz a Paulo Portas, que, sendo Ministro da Defesa, e para alegria de um outro Espírito Santo, veio a preferir os fabricantes alemães. Enfim, foi um processo muito animado que incluiu gente presa por corrupção (na Alemanha, não em Portugal...) — mas, se não se importam, mais não digo...
Portanto, e enquanto Guterres lá ia à sua vida, ficávamos nós entregues aos cuidados de um ex-MRPP que, escassos 27 meses depois, também mandou passear quem nele votara, dessa feita com o pretexto de ter perdido as eleições europeias.
No entanto, já desde o séc. XIX que havia políticos que “mandavam às urtigas” as expectativas dos seus eleitores — a começar por Calisto Elói (o herói de “A Queda de um Anjo”, de que Camilo nos fala) que, farto de aturar vereadores impertinentes e as chatices da terra a cuja Câmara Municipal presidia, rumou a S. Bento, onde se destacou como castiço deputado. Depois, e só no que respeita a presidentes de câmaras, foi a vez de Jorge Sampaio deixar a CML para ir para Presidente da República e, mais recentemente, de António Costa, que abandonou a mesma CML para ir para primeiro-ministro.
Pois agora calhou-nos a nós, lacobrigenses (que também temos uma CML e do mesmo partido), ficarmos órfãos da nossa Presidente da Câmara!
É interessante saber-se que essa curiosa atracção “beneditina” (que, além de Calisto Elói, também atacou o muito estimável Alípio, o Conde de Abranhos que Eça “glorifica”), não deixou indiferente Ramalho Ortigão, que lhe dedicou um par de divertidas páginas, onde descreve a ALEGRE chegada a S. Bento dos noveis deputados, as suas PENOSAS passagens pelo Parlamento e, por fim, os TRISTES regressos às terras de origem, num estado de abatimento tal, que nem as famílias os reconheciam.
Mas, tudo espremido, nada disso tem qualquer importância, e ainda menos se nos lembramos de que Leonardo da Vinci também nunca acabava o que começava, e nem por isso deixou de ser um génio. E é por isso que até parece uma pilhéria do destino o facto de a exposição comemorativa do 500.º aniversário da sua morte ter estado em Lagos, coincidindo com as eleições legislativas...
"Correio de Lagos" de Nov 19

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Quem tem medo da democracia regional? – Tenho eu!

Por C. Barroco Esperança

Uso o título de Rui Tavares, no seu artigo do Público de 9/12, para abordar o tema da Regionalização, que a CRP impõe, e que um referendo inviabilizou, numa espécie de revisão plebiscitária, que obriga, por respeito ao eleitorado, a novo referendo.

Quem, como eu, defendeu a regionalização, de 4 ou 5 regiões, Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, e Alentejo e Algarve, estas, de preferência, reunidas numa só, vejo-me agora na necessidade de retratar-me. À pergunta de Rui Tavares, lido o artigo, respondo: – Tenho eu.
Com 308 concelhos e 3092 freguesias, sem redução drástica e com a máquina político-administrativo em constante ampliação, rejeito as novas autarquias para as quais não faltariam caciques concelhios a solicitar votos para eleger o supremo cacique regional.

Muitas das pequenas autarquias são agências de emprego e de troca de favores onde não entra o escrutínio da comunicação social e a rotatividade, enquanto os sindicatos de voto não mudam de dono. É um pouco como acontece com os votos da emigração.
Admito infundada a suspeição sem provas, mas a ambição regionalista do edil do Porto, por exemplo, deixa-me desconfiado, e o custo das autarquias alarmado.
As Regiões Autónomas, que todos os partidos defenderam, são uma fonte de dúvidas e dívidas. Quando os partidos falam do aprofundamento das autonomias, pensa-se logo no buraco que escavarão no Orçamento do Estado. Açores e Madeira não participam nos encargos gerais da República, Forças Armadas, polícias e órgãos da soberania, AR, Tribunais e Governo, nem nos encargos da dívida da República, que ajudam a aumentar.
Nas Regiões Autónomas até as Universidades são encargo exclusivo da República, tal como os Tribunais, polícias e militares aí em serviço, nem participam nas contribuições nacionais para a Nato, ONU ou União Europeia, de onde, desta última, são as principais beneficiárias dos fundos de coesão.
Se as duas Regiões ficam com a totalidade das receitas aí geradas, e são tão volumosas as transferências, temo o rombo no OE, ainda longe de estar ao abrigo da próxima crise mundial ou do aumento dos juros da dívida, que possam provocar futuros governadores eleitos para novas regiões, sem ver na eleição substanciais vantagens sobre a nomeação dos presidentes das CCDRs pelo governo nacional de cada legislatura.
Finalmente, a possibilidade de os deputados de uma Região votarem ao arrepio do seu partido, como se fala dos deputados do PSD da Madeira, para o próximo OE, é a forma de criar partidos regionais dissimulados, que a CRP proíbe, para negociarem votos por mais benefícios, que produzem maiores assimetrias. É uma vergonha onerosa, embora possa ser, no próximo orçamento, a mais económica.
Assim, NÃO.
Ponte Europa / Sorumbático

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9.12.19

No "Correio de Lagos" de Nov 19


É óbvio que, para haver moralidade para se chamar “porcas” às pessoas, é preciso dar-lhes a possibilidade de serem limpas. No caso que agora nos interessa, estão em causa os dejectos de pequenas dimensões, para os quais as papeleiras existem — e que deverão ser as adequadas em quantidade, qualidade e localização, para além de, obviamente, serem esvaziadas sempre que necessário. E é por isso que aqui SAUDAMOS as novas, colocadas no Centro Histórico, que são robustas, de grande capacidade, e providas de cinzeiros — e muito bem, pois só assim se poderá exigir que não se deitem beatas para o chão. Destacamos, nomeadamente, o caso da Praça do Infante, que agora tem 5 quando, até há pouco, só tinha uma, e bem pequena. 
NOTA: Escolhemos uma imagem onde também se vêem duas caixas da EDP. Repare-se que a da direita, apesar de o desenho ser uma mera colagem, tem sido respeitada, enquanto a outra já começou a ser vandalizada, remetendo-nos para o facto de que “lixo atrai lixo, tal como limpeza atrai limpeza”.

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8.12.19

Os habitantes...

Salvo melhor opinião, os habitantes do Tejo e do Sado são peixes, caranguejos e golfinhos — e esses costumam sentir-se muito bem debaixo de água.

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6.12.19

"Correio de Lagos" de Nov 19

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O Fiel Amigo

Por Joaquim Letria
Uns têm muitos amigos e outros julgam ter muitos amigos. Há ainda os amigos de quem se diz que com amizades daquelas não é preciso ter inimigos.
A vida já me mostrou amigos de todas as espécies. Há quem tenha um único amigo. Mas agora querem convencer-nos que há o amigo único…
Tenho só uma mão cheia de amigos. Mas sei que posso contar com eles sempre, em todas as circunstâncias. Eles também sabem que podem contar comigo. Passámos juntos uma vida de dificuldades, lutámos ombro com ombro, não nos traímos, defendemo-nos e atacámos, e hoje sofremos juntos, de cada vez que a morte nos vai pondo em debandada, levando-nos um a um.
Há quem diga que tem amigos únicos, capazes de deixarem o mundo de boca aberta. Não os invejo, mas espantam-me amigos daqueles. O que mais me espanta é haver o amigo especial que o Sr. Sócrates quer provar que tem. Fico de boca aberta, relendo relatos ou ouvindo gravações que nos vão facultando. Amigos assim não há mais do que aquele. É único.
Conhecem amigos que durante anos vos comprem andares, paguem milhares por férias no estrangeiro, arranjem apartamentos em Paris, casas em Lisboa, quintas no Alentejo, vos sustentem anos a fio, mais a vossa família, para um dia, quando puderem, pagarem?
Acredito que aquele senhor que estudou na Cova da Beira, fechou a Universidade Independente, desenhou casinhas feias onde nem os pobrezinhos queriam viver, personalidade a quem a ordem dos engenheiros não reconhece o título, foi o ministro do Ambiente a quem os ingleses agradeceram o Freeport. Todos sabemos que subiu a pulso até ficar com o país na mão e deixar Portugal de calças na mão.
Tudo isto é mérito seu, mas há muitos outros, incluindo alguns dos que pertenceram ao seu gang, que são capazes de igual façanha ou pior. Mas conseguir um amigo que nos sustente, pague o que a gente mande pagar, sem levantar ondas e a tempo e horas, e ainda por cima fique muito agradecido, é notável e só é mérito de dois: dessa figura ímpar e inolvidável da nossa História e do outro, que é mais fiel amigo do que o cão ou o bacalhau.
Publicado no Minho Digital

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5.12.19

A política, a corrupção e a demagogia

Por C. Barroco Esperança

Nunca vi um estudo a provar que os cidadãos que exercem funções políticas sejam mais desonestos do que qualquer outro grupo de referência. Pelo contrário, são habitualmente mais escrutinados os que chegam o poder, quase sempre com remunerações inferiores às que obteriam noutros empregos e os incapazes acabam por ser penalizados na eleição seguinte.
Acontece que nenhum cidadão, em qualquer outra função, é tão enxovalhado e agredido como os governantes e os deputados. Os próprios autarcas passam incólumes, não raro, a fazerem campanhas negando ser políticos, o estigma de 48 anos ditadura. Salazar, um hábil e sinistro ditador, passava a mensagem de que a política não o cativava, apenas o bem do povo, que manteve pobre, analfabeto e domado pela censura, polícia política e poder discricionário dos seus próceres.
Acusar todos os políticos de desonestos é a prática dos desempregados políticos e dos demagogos que, fingindo não ser políticos, pretendem que os considerem honestos.
Os ataques ao carácter dos políticos a pretexto de opções, que raramente os críticos têm preparação para analisar, não passam de demagogia, que afasta os mais capazes e lança o labéu sobre os mais honestos e dedicados servidores públicos.
A ética republicana obriga-nos a distinguir o comportamento crapuloso dos que lesam o Estado deliberadamente dos que tomaram opções, eventualmente erradas, de boa fé, e que cabe aos eleitores julgar em atos eleitorais.
Os ataques sistemáticos aos políticos, de qualquer quadrante, a demagogia dos ineptos e a inveja dos néscios levam às suspeitas que antecedem uma qualquer ditadura.
À medida que vai desaparecendo a memória da guerra colonial, das prisões políticas, da censura, do degredo, das cargas policiais, da devassa da correspondência, das torturas e perseguições, do regime monopartidário, da religião imposta, e de todas as afrontas que a ditadura fez ao povo português, há cada vez mais saudosistas que, no ódio vesgo aos políticos, preparam as condições para o regresso a um fascismo de coreografia diferente.
Nunca as ameaças à sobrevivência coletiva foram tão grandes. A falta de água potável, ar respirável, alimentos e paz ameaçam os países mais ricos com a invasão de multidões que fogem à fome e à guerra impelidas pelo medo e desespero.
Quando os políticos precisam de tomar decisões urgentes para salvar o Planeta, decisões que mexem com o bem-estar e hábitos das populações, a iliteracia política, a inveja e o ressentimento encarregam-se de impedir as soluções e inviabilizar o futuro.
Quarenta e cinco anos de democracia, acompanhados de níveis de riqueza, bem-estar e aumento notável de esperança de vida, parecem exíguos a quem esqueceu o passado e a quem não o conheceu.
Os reiterados apelos para a redução dos vencimentos dos políticos, quando o próprio PR tem numerosos titulares de cargos do Estado muito mais bem remunerados, é um iníquo desejo criado pela ignorância, mesquinhez e, sobretudo, falta de cultura democrática.

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4.12.19

No "Correio de Lagos" de Nov 19


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3.12.19

"O Irlandês" - Alguém viu?

Em Portugal só está disponível na Netflix

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No "Correio de Lagos" de Nov 29

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1.12.19

A IMPLANTAÇÃO... da ignorância

Esta imagem é mais do que UM HINO À IGNORÂNCIA, pois tem ainda um outro aspecto (indicado no 2º rodapé):

É que, precisamente, toda a mensagem que a jovem Greta está a fazer passar (mesmo sem se aperceber disso) é de que "não vale a pena estudar, pois o importante é salvar o Planeta", e ela mesma dá o exemplo disso.
Vem tudo na linha das passagens sem chumbos, e de toda uma actividade anti-conhecimento, anti-científica e anti-estudo que está a ser propagada CRIMINOSAMENTE, com o apoio de quem menos se esperaria.
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Michael Crichton tinha razão quando dizia:
"Boas intenções com má informação é a receita certa para o desastre".


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No "Correio de Lagos" de Nov 29

Já há algum tempo que está em curso a dragagem da nossa barra, e isso seria de SAUDAR se, a certa altura, o navio que a faz não começasse a despejar o lodo mesmo junto à praia de Porto de Mós, quase literalmente em cima dos muitos banhistas que lá havia! Finalmente, e porventura no seguimento de protestos, passámos a vê-lo a fazer as descargas ao largo da Ponta da Piedade, mas em águas profundas.

NOTA: O desenho é da pág. 48 do livro “Carvão no Porão”, o 19.º álbum de Tintim, e faz-nos imaginar a nossa caravela Boa-Esperança, com lacobrigenses cheios de espírito cívico a barafustar contra o sinistro barco-do-lodo.

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Grande Angular - O nada e o infinito

Por António Barreto
António Costa não faz a mínima ideia para onde quer levar o seu país. Sabe que quer aguentar mais quatro anos, a fim de… ganhar mais quatro! Também sabe que gostaria que Portugal conseguisse chegar a todos os lugares comuns: mais saúde, mais educação, mais pensões, mais igualdade, mais cultura e mais sossego! Belo programa! Nada se passa e tudo deve continuar. Eternamente.
Entre 1974 e 1980, os socialistas e Mário Soares souberam encontrar o ponto de encontro entre a liberdade, a democracia e a Europa. Deram um contributo valioso e inestimável. Outros ajudaram, mas o seu papel foi determinante. Depois disso, em momentos difíceis, renovaram o contributo: a integração europeia, duas crises financeiras e as revisões da Constituição que permitiram que Portugal fosse democrático. Nesta sua segunda intervenção, não esteve sozinho, estava ao lado do PSD: juntos, conseguiram o feito histórico de libertar a Constituição e de garantir a adesão à União Europeia.
A seguir, já quase sem Mário Soares, mas com Guterres, Sócrates e Costa, os socialistas despenharam papel importante, em certas circunstâncias, já sem o fulgor de outros tempos e sem o carácter decisivo do passado. Além disso, organizaram e presidiram a um dos piores ciclos da história da democracia portuguesa: os seis anos de José Sócrates detêm esse título pouco invejável. A dívida aumentou de modo catastrófico, a bancarrota instalou-se e foi necessário pedir a assistência financeira internacional. Uma grande parte das mais importantes empresas públicas foi desmantelada. A corrupção e o nepotismo atingiram graus inéditos. A liberdade de expressão esteve condicionada e os socialistas de Sócrates sonharam com a aquisição e a tutela de televisões, rádios e jornais.
É curioso que a liberdade de expressão tenha tido, ao longo das últimas décadas, uma evolução significativa. Começou por ficar refém dos revolucionários, comunistas e militares, logo a seguir ao 25 de Abril. Foi por sua causa que o PS iniciou as hostilidades contra o despotismo que se preparava e derrotou, por via de eleições, os comunistas e seus colaboradores. Durante uns anos, mau grado o excesso de Estado na comunicação social, não só havia alguma margem, mesmo reduzida, de liberdade e de pluralismo, como novos órgãos privados, jornais, rádios e televisões, iniciavam a sua vida e reforçavam a liberdade. A privatização dos órgãos estatizados completou a libertação. Novos ciclos começaram depois.
Desde então, gradualmente e por novos meios, a liberdade de expressão e o pluralismo têm vindo a conhecer o condicionamento. A publicidade privada e pública domina grande parte da liberdade. Os empregos públicos, a vontade de os ter e o receio de os perder, também. As agências de comunicação, de meios e de publicidade são hoje os verdadeiros executivos do domínio da comunicação, sendo que a última instância do poder reside nas grandes centrais: o Governo, os partidos e os grandes grupos económicos. Entre todos estes, não tenhamos dúvida, o Governo é hoje o grande timoneiro da comunicação social, isto é, o mais feroz condicionamento da liberdade de expressão.
Como nunca antes, o Governo “marca as agendas”, selecciona as notícias e os estudos, escolhe os órgãos de imprensa que fazem jeitos, paga publicidade institucional, não responde a quem procura e investiga, alimenta a maior parte das agências de comunicação que, sem o governo, pouco teriam para fazer. Os noticiários das televisões parecem feitos nos gabinetes dos ministros.
Os órgãos de informação vivem tempos difíceis, dramáticos mesmo. Não só a Internet, os telemóveis e as redes sociais os ameaçam, como a sua dependência é cada vez maior. Uns por vontade e doutrina: alguns jornalistas de esquerda silenciam quase tudo o que não convém aos seus amigos, condenam o que lhes cheira a direita ou a incomodidade. Os de direita, poucos actualmente, não se comportam de maneira muito diferente, só que argumentam quanto podem com as liberdades, dado que o governo fica à esquerda. A verdade, todavia, é que existe uma espécie de ambiente geral, de clima cultural ou de moda e espírito sempre disponíveis para agradar à esquerda, calar os defeitos, inventar conveniências e fabricar verdades, mas sobretudo condicionar e definir as agendas. Os mesmos lapsos, os mesmos erros, os mesmos defeitos, as mesmas medidas políticas, as mesmas iniciativas, as mesmas mentiras, as mesmas aldrabices e os mesmos roubos cometidos pelas direitas e pelas esquerdas têm tratamentos absolutamente diferentes. Condescendência, desculpa ou silêncio para a esquerda, crítica, intransigência e investigação para a direita. Esquecimento para a esquerda, memória para a direita. Nos tempos dos governos de Cavaco Silva não era muito diferente, só que os jornalistas se comportavam então com um pouco mais de liberdade e havia menos agências de comunicação. Os governos de Sócrates eram parecidos, só que mais brutos. Os de Costa refinam.
As ridículas campanhas anti-racistas mobilizam a imprensa e a televisão, até o Parlamento e as autarquias. As aventuras revisteiras da deputada do Livre acabam por ser viradas do avesso, como se estivessem em causa as mulheres, as negras e as deficientes, quando se trata de problemas de cismas parecidos com os dos Monty Python e dos grupelhos da “Vida de Brian”. O miserável estado em que se encontram os serviços públicos, especialmente o SNS, o Fisco, os Estrangeiros e a Segurança social, permanece quase oculto. As graves decisões sobre o novo aeroporto de Lisboa, os caminhos-de-ferro, o terminal de contentores, a nova travessia do Tejo e o terminal de Sines continuam fora do domínio público e da opinião independente.
Alguns dos protagonistas e muitos dos principais dirigentes políticos actuais, no governo, no partido e em muitas instituições públicas já o eram com José Sócrates. Não é fácil esquecer esses tempos. Não é fácil mudar de pensamento, corrigir os defeitos, olvidar ligações, omitir medidas e esconder decisões. Não é simples fazer o mesmo por outros meios ou tentar fazer legalmente o que sempre se fez na ilegalidade. A única maneira de manter a impunidade de quem serviu Sócrates e agora serve Costa, de quem se serviu e agora pretende que tal não se veja, consiste em condicionar a liberdade de expressão. Pena é que haja tanta gente disponível para esta ingrata missão. E pena é que não haja oposição. Nem de direita, nem de esquerda.
Público, 1.12.2019

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