30.4.17

Sem Emenda - As Minhas Fotografias

Centro de controlo marítimo do porto de Lisboa – Da autoria do arquitecto Gonçalo Byrne, este belíssimo e estranho edifício foi inaugurado em 2001. Tem cerca de 40 metros de altura. A torre está construída sobre estacas de betão com 20 metros de comprimento. Ali se vigia e orienta a navegação marítima num raio de 16 milhas marítimas ou cerca de 30 quilómetros. É nesta torre que trabalham os Pilotos da Barra, designação mais antiga e interessante do que “controladores marítimos”, como lhes querem chamar, por analogia com os colegas do aeroporto. Dali se controlam cerca de 2 000 “objectos” em movimento nas águas do Tejo, em aproximação ou partida do porto de Lisboa. Tem carácter suficiente para ombrear com os grandes marcos deste maravilhoso estuário: a Torre de Belém, o Padrão dos Descobrimentos, o Farol do Bugio ou a Ponte sobre o Tejo.

DN, 30 de Abril de 2017

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Sem emenda - Justiça, senhores, Justiça!

Por António Barreto
As notícias relativas à Justiça vão-se sucedendo. Em geral, não são boas. As dos atrasos dos processos são as mais frequentes e as que mais protestos suscitam. São 700 dias por processo, em média, três vezes mais do que na Espanha! Mas há mais. Em particular a luta corporativa e política que atravessa o mundo judiciário.

Segundo os jornais, o director nacional da Polícia Judiciária, Almeida Rodrigues, apresentou queixa, no Conselho Superior de Magistratura, contra o Juiz do Tribunal de Instrução Criminal, Carlos Alexandre, por este ter “violado os deveres de correcção, imparcialidade e reserva”. Repita-se: o principal responsável pela polícia criminal processou o principal responsável pela instrução criminal e acusou-o de “desconhecer a lei”.

Também segundo os jornais, a Procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, determinou mais um adiamento do prazo estabelecido para terminar a investigação do processo José Sócrates, enquadrado na Operação Marquês. Desta vez trata-se de um adiamento sem prazo, ou antes, de um adiamento com prazo condicionado por um factor incerto.

Há poucas semanas, um despacho de arquivamento de processo Dias Loureiro trouxe novidades à prática judicial portuguesa. Não sabemos se será criada ou não uma nova tradição de, em despacho de arquivamento, proferir acusações, levantar suspeitas e exprimir acusações implícitas. Mas é uma novidade.

Todas as semanas os jornais e as televisões enchem-se com casos de justiça. É um dos campos mais férteis. Além dos crimes de sangue e sexo, o que atrai multidões é o crime económico, a corrupção dos políticos e a fraude dos banqueiros. Resume-se em poucas linhas o que se diz da justiça no nosso país. O país é pobre. Os Portugueses invejosos. O povo inculto. Os ricos poderosos. Os políticos desavergonhados. Os juízes incompetentes. As polícias corruptas. A justiça burocrática. O ministério público prepotente. Os advogados gananciosos. E os jornalistas safados.

Nos estudos de opinião, os magistrados e os tribunais aparecem hoje quase sempre em último lugar nas preferências dos cidadãos. Depois dos políticos e dos deputados! Depois dos ricos e dos empresários! Depois dos advogados e dos jornalistas!

Quase todos os processos relativos a fortunas, bancos, corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais demoram, duram, atrasam-se e arrastam-se penosamente, para alegria de todos quantos se entusiasmam com as fugas de informação e as violações de segredo de justiça.

Vivemos tempos confrangedores. Criticar os atrasos da investigação no caso Sócrates é ser amigo de Sócrates. Eventualmente cúmplice. Protestar contra os despachos no caso Dias Loureiro é ser amigo de Dias Loureiro. Eventualmente sócio. Parece que criticar o que de mal se faz no processo, na investigação e na instrução é apoiar os arguidos. Bandidos ricos e pobres são iguais para a justiça. Inocentes fracos e fortes são iguais para a justiça. O da direita e o da esquerda são iguais para a justiça. Criticar a má justiça não significa apoiar criminosos e corruptos.

Olha-se em volta à procura de quem possa ter uma acção eficaz e isenta. Conselhos, Ordens, Associações e Sindicatos? Nem pensar. Do Parlamento nada se espera: os deputados sempre tiveram medo dos magistrados e das polícias. Por onde caminhar? Qual o caminho das pedras?

As reformas globais já não servem. Nada melhor do que uma reforma integral para ficar tudo na mesma. Passo a passo, gesto a gesto, melhoramento em melhoramento, talvez…

A Ministra da Justiça é uma magistrada séria e competente. Respeitada e experiente. Dela nunca se receia acção que fira a independência de julgamento da magistratura. Mas dela se pode esperar que mande efectuar uma espécie de auditoria aos casos mais gritantes de atraso e incompetência. Ou que levantam fundadas dúvidas. Umas poucas dúzias de processos. Os mais complexos. Os mais notórios. Os mais atrasados.

O Presidente da República é um jurista experiente. Sempre cultivou uma ideia forte do Estado de direito e da democracia. Ele sabe o que não deve fazer. A esperança é a de que explore o que pode fazer. Por exemplo, um Livro branco sobre aspectos importantes da Justiça. O atraso? A desigualdade? O crime de colarinho?

A autogestão da Justiça foi a pior solução inventada para fundar a independência dos tribunais. Já não é cedo para liquidar esta espécie de impunidade.

DN, 30 de Abril de 2017

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29.4.17

Hoje é um dia triste

Hoje, fomos surpreendidos pela triste notícia do desaparecimento do Nuno Brederode dos Santos, um dos primeiros colaboradores do Sorumbático que, infelizmente, há muito tempo andava arredio — por motivos de saúde, presumo.
Como todos os contactos que nós tivemos se relacionavam, directa ou indirectamente, com este blogue, julgo que a melhor homenagem que lhe posso fazer é indicar como podem ser relidas as suas saborosas crónicas (mais de 100), que continuam guardadas:
Bastará escrever o seu nome (ou parte dele) na Caixa de Pesquisa, como se vê na imagem (*).
Um abraço, saudoso amigo Nuno!
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(*): Aliás, bastará clicar em baixo, neste mesmo post, nas letras "NBS" da etiqueta. Com isso, ficarão visíveis as suas crónicas (e apenas essas) por ordem cronológica.

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27.4.17

A Guarda em meados do século XX - Crónica

Por C. Barroco Esperança
Quando, em 1953, entrei para o Liceu Nacional da Guarda, já conhecia a cidade. Vivia a duas léguas de distância, numa aldeia onde tinha ido um carro com a imagem da Sr.ª de Fátima rodeada de pombinhas, milagre que extasiava as criaturas e as fazia ajoelhar no chão, e de padres com pressa de recolherem o óbolo e demandarem outra paróquia. 
 Levava no currículo 4 sacramentos, que a Igreja não brincava em serviço, e três exames oficiais: o da 3.ª classe, feito em Vila Fernando, o da 4.ª, com distinção, na escola Adães Bermudes, e o de admissão ao liceu, mas já antes ia à cidade, onde o meu pai regressava após o exílio de cada promoção na hierarquia das Finanças. Recordava a deslocação para ver o Carmona, com o bigode e a farda da fotografia da minha escola, na Praça Velha, cheia de gente, e o carro de bombeiros ardido nesse dia. Vi a primeira farda com dragonas, com o homem dentro e o bigode de fora, sob o boné, aos ombros do meu pai. 
 Nesse ano esperei dois meses pelo seu regresso de Bragança, em casa de pessoa amiga, antes de nos hospedarmos na Pensão da D. Bernardina, até arrendar casa. 
 A Guarda albergava mais padres por metro quadrado do que Braga e os estudantes eram a maioria da população. Escasseava saneamento, luz e água canalizada em muitas casas, mas havia missas todos os dias e o terço no mês de maio, o mês de Maria, na igreja da Misericórdia e na de S. Vicente. 
 Quem precisasse de fazer um telefonema, depois do fecho dos CTT, tinha, até à hora do encerramento, o Café Cristal, que funcionava como posto público, onde os estalidos dos períodos de conversação desencorajavam, pelo preço, o excesso de palratório. 
 Nos três Cafés da cidade, Mondego, Monteneve e Cristal, só duas mulheres, ambas de nome Dores, celibatárias e tementes a Deus, frequentavam o Café. Uma, era a D. Dores do Centro (Centro de Assistência Social), e a outra, a D. Dores Mantas, que se tratavam reciprocamente por Sr.ª D. Dores e frequentavam o Café Mondego. Este era, dos três, o que tinha o melhor bilhar livre, o mais saboroso café e o mais nauseabundo sanitário. Entrava-se nos urinóis com a respiração suspensa. Um dia, um engraçado escreveu em letras garrafais, na parede, à altura dos olhos, «Ninguém diga desta água não beberei», e o odor passou a agredir demoradamente as pituitárias, vítimas do riso irreprimível. 
Merece referência o ‘Centro’, onde a D. Dores era a precetora de jovens que não tinham posses para frequentar o liceu ou o colégio. Era meritória a obra pia, estabelecimento de ensino de alunos pobres da cidade e internato dos que vinham das aldeias, uns e outros moços de recados antes de chegarem a empregados de balcão nas lojas onde a D. Dores negociava funções e salários com que ajudavam a pagar a educação. Alguns chegaram longe, devendo ao Centro o impulso que os levou à Universidade, passando por diversos empregos com que custearam os cursos superiores.
Nesse tempo, por constrangimento social e ativismo pio de alguns professores, era usual a desobriga coletiva dos estudantes antes das férias da Páscoa, com o preenchimento de uma ficha destinada ao padre Isidro, destino duvidoso se acaso fosse esse pároco, de tão pouco siso, o responsável do ficheiro. Mas era um meio de controlo ideológico, isso era.
 Eram parcas as diversões na cidade. As bicicletas, alugadas à D. Prazeres, eram o regalo caro e apetecido. O circo, o carrocel e os carrinhos de choque surgiam com a feira de S. Francisco, em outubro, e a de S. João, em junho. Depois, só restavam os matraquilhos.
 A televisão foi o acontecimento da década de cinquenta. Perante ela, perdeu relevância o dedo de S. Francisco Xavier, exposto três dias na Sé, onde, no adeus, sermoneou o padre e deputado da U. N., Pinto Carneiro. Foi uma notável peça de parenética, antes de a relíquia prosseguir em rali pio, pelo país. Só a visita de Humberto Delgado, em 1958, inflamou os ânimos, mas os alunos do liceu ficaram retidos, a pretexto de uma palestra imposta, sobre Gil Vicente, enquanto o general, candidato a PR, permaneceu na cidade.
 A Guarda foi um alfobre de quadros do País, e caíram no esquecimento as mulheres que foram das aldeias com filhos, sobrinhos e filhos de vizinhos, deixando o campo, a casa e os maridos, para serem o suporte dos estudantes numa espécie de albergaria onde os que não eram filhos se alojavam ao farnel, pagamento em géneros e cem escudos mensais, geridos de forma a que todos pudessem frequentar os estudos e singrar na vida.
 A amnésia coletiva sobre essas heroínas anónimas, tantas vezes analfabetas, que faziam de mães e criadas, que colocavam o dedo tingido nos contratos de arrendamento, da luz e da água, que iam à praça, compravam os víveres, o carvão, a carqueja e o petróleo, faziam as camas, lavavam a roupa e preparavam as refeições, é uma injustiça para quem fez a dádiva que evitou à geração seguinte a repetição do sofrimento que foi o seu.
 No despojamento, no sacrifício silencioso e na determinação dessas governantas houve uma epopeia coincidente com o papel que era reservado às mulheres, o maior sacrifício e o mais generoso tributo na mais anónima condição e na mais pungente ingratidão.
 E ainda arranjavam tempo para, durante os exames dos filhos, se ajoelharem na peanha do lado esquerdo do transepto da igreja de S. Vicente, para implorar ao patrono que os protegesse.
 No lado direito, noutra peanha, sob o olhar resignado da Virgem, rezavam ave-marias as prostitutas que vinham dos bordéis, ali perto, na Rua Poço do Gado, e que, às vezes, soía serem mães, também. Não faltavam, aliás, à ditadura, filhos delas, não dessas que agora recordo, mas isso são contas de outro rosário, isto é, prosa para outras crónicas.
 Ponte Europa - Sorumbático

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25.4.17

RENASCER ABRIL


Por A. M. Galopim de Carvalho
Renascer é uma constante na história dos homens. Vem de longe a ideia de renascer. Bennu, a ave da mitologia egípcia, ateava o fogo ao seu ninho e deixava-se consumir pelas chamas, renascendo depois, dos seus restos calcinados. Na Grécia antiga era Fénix que renascia das próprias cinzas. Há um paralelo entre esta ave mitológica e o Sol, que todos os dias morre no longínquo Poente, para renascer na manhã seguinte, do outro lado do mundo, numa alusão da morte e do renascimento da natureza. Na expressão figurativa do cristianismo, o renascer da Fénix tornou-se um símbolo popular da ressurreição de Cristo.
Renasceram cidades depois de destruídas por catástrofes naturais ou pelas guerras. Renascem para a vida as mulheres e os homens que se libertam dos agentes opressores. Renascem os cravos vermelhos, todos os anos, em Abril e, logo a seguir, nos campos, as espigas do trigo e as papoilas, ao mesmo tempo que, nas cidades, avenidas, praças e jardins das nossas cidades renasce um tapete de pétalas lilases de jacarandás.

Como nos aviões que, ao ganharem altitude, atravessam a espessa cobertura de nuvens e atingem o esplendor do céu e da luz, temos vindo a tenascer de uma escuridão em que, com excepção de uns tantos privilegiados, fomos levados a mergulhar.

É este renascer de Abril que hoje festejamos, expresso num recuperar da esperança que nos fora roubada por um molho de rapazes espertos, a quem, ingenuamente, levados pela mentira, entregámos o nosso destino, num tempo de pesadelo que durou quatro longos anos, durante o qual
assistimos à asfixia e destruição de muitas das nossas valências económicas, ao empobrecimento de um número cada vez maior de famílias, ao desumano abandono dos idosos, a par de escândalos de corrupção descarada e impune (e aqui, infelizmente, nada mudou) e do aumento do número e da riqueza dos ricos. Assistimos ao afundamento da classe média, ao drama do desemprego, particularmente doloroso para os que já não conseguem encontrar um posto de trabalho, e à triste emigração de uma juventude que a democratização do ensino qualificou a níveis nunca antes conseguidos. Tudo isto numa caminhada de submissão a uma União Europeia (cada vez mais afastada dos princípios que a fundaram) conduzida sem qualquer sensibilidade social, e sob a conivência do então e tristemente célebre, mais alto magistrado da Nação.
Durante a campanha eleitoral para as legislativas de 2015, defendi, nesta minha página, com sincera e lúcida convicção, a necessidade de entendimento entre o PS e os partidos à sua esquerda, como única via para afastar do poder uma coligação que, fortemente apoiada pelos grandes interesses do mundo das finanças cá de dentro e lá de fora das nossas fronteiras e por uma poderosa comunicação social ao seu serviço, nos estava deliberadamente a empobrecer, não só materialmente, como no que nos restava de esperança e de dignidade.
Para satisfação da maioria dos portugueses, aconteceu que a 26 de Novembro de 2015, os seus legítimos representantes no Parlamento puseram fim ao dito pesadelo. Nasceu então chamada “geringonça”, termo criado com propósito pejorativo, mas que o tempo, mercê de uma governação ponderada e sensata, inteligentemente amparada pelo actual Presidente da República (em quem não votei, mas que se me tornou uma revelação que hoje apoio e muito admiro), tem vindo a transformar-se num símbolo de esperança a renascer na maioria dos portugueses. António Costa e os partidos à sua esquerda sabem bem que a direita não perdoa e que, ajudada pela forças que bem conhecem cá dentro e lá fora, vão continuar a fazer o possível e o impossível para minar os entendimentos entre eles conseguidos.
Usada pelas forças apeadas do poder, no propósito declarado de achincalhar a solução de um PS a governar com o apoio parlamentar do BE, do PCP e do PEV, a palavra geringonça vingou e desmentiu os maus presságios que uns, hábil e interesseiramente, e outros, convicta e alienadamente, anunciaram. “Geringonça” é hoje um nome popular e, até, carinhoso.
É este renascer de Abril, a par do que nasceu há 43 anos, que hoje celebramos.

NOTA:
A palavra “geringonça” aparece no “Diccionário da Lingua Portugueza”, do grande lexicólogo António de Morais (1755-1824), definida, entre outras, como: “coisa mal engendrada que ameaça ruina; obra mal feita e armada no ar”. Copiando-o de certa maneira, como é regra neste tipo de obras, o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, disponível na net, considera-a sinónima de “caranguejola” e, também entre outras, define-a como: “coisa mal feita, obra armada no ar”. Embora por forma ligeiramente diferente, o Dicionário Online de Português diz: “coisa malfeita, que ameaça ruína; obra maljeitosa e mal armada que ameaça desconjuntar-se”

As novas edições destes dicionários vão ter, necessariamente, de acrescentar o actual significado desta palavra.

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23.4.17

Sem emenda - A Europa cercada

Por António Barreto
O presidente americano Donald Trump é, deliberada, implícita ou involuntariamente, um dos maiores inimigos da União, assim como da NATO. Quer mandar sozinho. Não deseja ficar condicionado pelos aliados, nem pelos adversários, muito menos pelos outros. Há, todavia, uma eventual vantagem nessa atitude: pode ser que agora, finalmente, os europeus aceitem que têm de fazer um esforço para a sua defesa e para a segurança dos cidadãos e contra o terrorismo e outros perigos!

O presidente russo Vladimir Putin é, consciente, distraída ou acidentalmente, um grande perigo para a Europa. Deseja partilhar o mundo com os americanos, não quer ter confrontos com a península ocidental europeia. Nessa atitude, há também um eventual benefício: pode ser que os europeus se convençam que a Europa tem de ser defendida por ela própria, que a liberdade e o Estado social têm de ser protegidos e que à Europa não basta ser um parque temático de paz, cultura e turismo.

O presidente chinês Xi Jinping é, assumida, dissimulada ou inconscientemente, um perigoso inimigo da Europa. Quer países separados, não quer blocos. Quer parceiros comerciais dispersos, não quer uniões. Perante esta ameaça, há pelo menos um proveito: pode ser que os europeus se decidam a não ficar dependentes, a preparar a sua própria defesa, a competir economicamente e a impedir todas as formas de “dumping” social que têm ferido o ocidente.

O presidente turco Erdogan é, decidida, desatenta ou fingidamente, uma ameaça perigosa para a Europa. Faz exigências, não paga o preço da democracia e joga com a arma dos refugiados. Nesse perigo, há pelo menos um possível ganho: o de obrigar a Europa a defender-se, a não ajoelhar perante ultimatos, a perder sentimentos de culpa e a resistir à chantagem étnica e religiosa, esta insidiosa maneira de explorar os preconceitos dos outros.

Também a partir do exterior, mas já com ramificações ou prolongamentos no interior da Europa, o terrorismo islâmico contribui para este cerco ameaçador. Apoiado por Estados de capitalismo predador e ajudado pela emoção dos candidatos a refugiado. A tendência irresistível da direita é de reclamar repressão. A propensão inevitável da esquerda é de protestar contra a segurança.

Cercada pelo exterior, a Europa e a União conhecem também os seus perigos interiores. Autoridades estabelecidas defendem a forma compacta, a coesão jurídica e a hierarquia de poderio económico e financeiro. Abominam a diversidade e a flexibilidade. Jubilam com a saída da Grã-Bretanha. Preparam-se para deixar sair quem não se conformar. Encaram a flexibilidade institucional e política como um castigo dos devedores, dos mais atrasados e dos menos poderosos.
De modo convergente, apesar de origens diferentes, os nacionalistas de direita, os populistas de todos os bordos, os soberanistas de esquerda e outros grupos políticos mais ou menos extravagantes, mas determinados, aproveitam a incerteza reinante e avançam nos seus projectos de destruição da União e do euro.

Hoje mesmo, em França, começa a jogar-se importante batalha, a completar dentro de duas semanas, na segunda volta, e a refazer dentro de dois meses, nas legislativas. Tal como, dentro de dois meses, na Grã-Bretanha. Ou ainda na Itália, não se sabe bem quando. Ou na Alemanha, lá mais para o Outono. Quatro das seis grandes nações europeias vão decidir por nós. Sendo que a Alemanha vai decidir mais. Nada conseguirá travar o caminho para a hegemonia alemã, a não ser uma mudança de rumo e de estrutura da União.

Até ao fim deste ano, serão tomadas decisões que vão marcar o destino. Não é o povo europeu que vai tomar essas decisões: esse povo não existe. São os povos nacionais que votam e decidem. Cada um por si. Não são os cidadãos europeus que vão exercer os seus direitos e os seus poderes: esses cidadãos não existem. São os cidadãos de cada país, uns mais do que outros, que vão decidir por todos nós.

DN, 23 de Abril de 2017

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Sem Emenda - As Minhas Fotografias

O navio Niassa, no cais de Alcântara, em 1974, com soldados regressados da Guiné – Pirada era uma aldeia perto da fronteira com o Senegal. Ali, uns soldados portugueses inventaram um grupo “Os Cavaleiros de Gabú”, do nome de um antigo reino. Talvez sejam estes que, faz agora 43 anos, chegavam a Lisboa. A guerra terminara. O PAIGC ocupava Bissau e todo o território. Preparava-se a independência para Setembro desse ano. O Niassa estava atarefado, desde Abril, em trazer os soldados do Ultramar. A guerra colonial acabava. Foram duas as promessas do movimento e da insurreição de 25 de Abril: a democracia e a paz. Ambas se cumpriram. A primeira, mal e bem, com dificuldades, demorou uns anos, atravessou uma revolução, conseguiu-se. A segunda, mal, foi obtida a elevado preço. Sem meios nem força, sem estabilidade nem legitimidade, a paz alcançou-se com o simples abandono. Portugal estava incapaz de cuidar dos Portugueses ou dos Africanos, dos Brancos ou dos Negros. Entregaram-se os países aos partidos amigos da União Soviética, começaram nos novos Estados várias guerras civis que só acabaram, vinte ou trinta anos depois, com centenas de milhares de mortos. Chegaram a Portugal, num só ano, mais de 600 000 Portugueses, Angolanos e Moçambicanos, sem bens nem pátria.

DN, 23 de Abril de 2017

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