Por António Barreto
Na União Europeia, Portugal é o quinto país, à frente de vinte, com mais médicos por habitante! Muito acima da média! Quase o dobro do Reino Unido e do seu National Health Service!
Na UE e na OCDE, é o quarto país com menos habitantes por profissional de saúde, melhor do que a média! Na União Europeia, Portugal é o país com mais médicos de família por habitante. Mas é verdade que também é um dos países com menos enfermeiros por habitante.
Na Europa, Portugal é um dos países com menos camas hospitalares por habitante, está em sétimo lugar. Mas, abaixo, estão por exemplo a Dinamarca, a Espanha e o Reino Unido!
Os vencimentos dos médicos estão, em termos absolutos, entre os mais baixos da Europa. Em paridade de poder de compra, estão na primeira metade, acima da média. Como parte do PIB, o total dos vencimentos dos médicos está entre os mais elevados da OCDE. Isto é, os médicos têm uma das maiores fatias do PIB. Ganham pouco, mas o PIB é muito pequeno.
Em despesa pública e privada com a saúde, por habitante, Portugal fica ligeiramente abaixo da média, atrás de catorze países e à frente de onze. Mas, em percentagem do PIB, fica em sétimo lugar, acima da média e à frente de mais vinte.
Com todos estes dados, é difícil perceber por que razão há “falta de médicos” e filas de espera para consultas e cirurgias.
As organizações mais credíveis (UE, OCDE, OMS, INE) surpreendem-nos com observações favoráveis e elogiosas, mas os partidos denunciam um verdadeiro inferno e os utentes queixam-se. A esquerda diz que a direita “destruiu” o SNS. A direita garante que a esquerda nada fez de jeito em três anos.
Pelas más razões, a saúde está de novo no centro do debate político e das tensões sociais. O tempo e as filas de espera aumentam. Os custos sobem, os preços também. O orçamento não chega. O défice cresce. Há luta de classes no sector.
Tudo leva a crer que a saúde esteja em crise. Não se conhecem bem as causas, mas parece que tem havido menos investimento. Só que não se sabe se isso é realmente importante. A diminuição de investimento não parece ter sido assim tão grande. E convém não esquecer que a saúde é há muito considerado o sector de actividade onde há mais desperdício e pior gestão.
O debate político sobre a saúde e o Serviço Nacional de Saúde está a ficar insalubre. Com a aproximação de mais um orçamento, do ano eleitoral e da revisão das alianças, os nervos estão tensos. Os ânimos ficam exaltados e a reflexão simples.
Esquerda e direita pensam menos. A primeira é totalmente a favor do Estado e contra os privados. A segunda é o contrário. O que não parece ajudar muito. Este clima não é propício ao rigor dos factos e do diagnóstico. Concretamente, não se sabe por que razões o país tem tão bons indicadores quantitativos (médicos, hospitais, camas, equipamentos, consultas, urgências), alguns muito bons resultados (esperança de vida, mortalidade infantil, vacinações) e tão maus índices de qualidade (espera, acidentes, desigualdades, preços dos medicamentos, horrendas condições de espera e atendimento nos serviços públicos).
Será que um dia, como já aconteceu duas ou três vezes desde 1974, poderemos voltar a tratar da saúde sem fanatismo político? Será que se poderá olhar a sério para a organização dos hospitais? Para a exigência de condições decentes de atendimento? Para as horas de serviço dos médicos e dos enfermeiros? Para a necessidade de estabelecer a exclusividade de funções? Para os efeitos nefastos da acumulação de funções públicas e privadas de tantos profissionais? Para a inflação de custos de medicamentos e equipamentos? Para a diminuta prestação de cuidados continuados e paliativos e de cuidados aos idosos e doentes no domicílio? Para o facto de os blocos operatórios funcionarem poucas horas por dia, muito abaixo dos padrões de segurança e eficiência?
Sem a estupidez do fanatismo político, a saúde e o Serviço Nacional de Saúde poderiam ser a mais formidável realização da democracia portuguesa.
DN, 29 de Abril de 2018
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