30.3.21

No "Correio de Lagos" de Mar 21

 

Etiquetas: ,

28.3.21

No "Correio de Lagos" de Mar 21

 

Etiquetas: ,

27.3.21

Grande Angular - Estado frágil de país vulnerável

Por António Barreto

A história das vacinas na Europa e no nosso país é um sinal dos tempos e dos caminhos que percorremos. Há um hiato entre Estado e União. Talvez um dia a transferência de poderes e de competências dos Estados nacionais para as instituições da União (comunitárias ou federais) esteja mais consumada, seja mais eficaz e não revele estes espaços vazios… Mas ainda não é verdade. Nem se sabe se um dia será. Como também não podemos prever que não haja recuos.

Há meses, acreditou-se que a força da União era finalmente superior à soma das forças dos Estados. Pensou-se que a cooperação europeia, pela primeira vez, em caso tão dramático e difícil, tinha levado a melhor sobre os “egoísmos” nacionais, termo que os virtuosos europeus tanto gostam de utilizar. Poucos meses depois, verificou-se o contrário. A força europeia era fragilidade. À autoridade moral e à força simbólica da União não correspondiam uma capacidade prática e uma agilidade operacional à altura dos acontecimentos. Mais uma vez se verifica que a entidade política europeia, carregada de reputação e prestígio, não tem poderes reais. Com um novo problema: no labirinto europeu, não se sabe onde está a responsabilidade. 

Por outro lado, verificou-se também que os interesses nacionais (os que marcam as eleições e os que definem as democracias…) acordaram e sobrepuseram-se à ilusão federal europeia. Cada país tem tentado aproveitar o máximo do que a União pode dar, mas depois segue o seu caminho e tenta encontrar soluções próprias. A falta de vacinas e a deficiente capacidade produtiva industrial alertaram os governos que recearam, justificadamente, a reacção dos seus eleitorados. As dificuldades de negociação com as poderosas organizações privadas (tanto farmacêuticas, como industriais e comerciais) reforçaram a ideia de que a Europa corre permanentemente o risco de se ver reduzida à sua condição de “profeta desarmado” ou de “fidalgo arruinado”. É forçoso reconhecer que perderam as nações e os Estados, mas a Europa também. Muito se tem feito para acudir, vacinar, tratar, prevenir e proteger. Com grande dispêndio e enorme esforço humano. Mas temos de admitir que o muito foi pouco e o enorme insuficiente.

Este caso da pandemia e das vacinas é revelador do que pode ser uma situação equivoca, de transição entre um passado que já não é e um futuro que ninguém sabe o que pode ser. Há um vazio institucional e constitucional. Há um equívoco. Há uma terra de ninguém, local onde todos os desastres são possíveis. O lento definhamento dos Estados nacionais não é compensado ou substituído por uma União forte, democrática e prestigiada. Ficar a meio do caminho é geralmente perigoso. Manter a rota errada não é menos. Recuar é impossível. Só restam as hipóteses de corrigir, alterar e reformar. 

Já não é a primeira vez que todos perdem, nações, Estados e Europa. A invasão do Iraque foi talvez uma dessas ocasiões. Mas eram tempos de guerra, pouco dados a clareza de visão, ainda por cima com a NATO e os Estados Unidos às costas. Desta vez, com as vacinas, não havia esses imponderáveis. E tudo parecia ter começado bem para a Cooperação europeia. Um papel para a Comissão, outro para o Parlamento e outro ainda para o Conselho. E a colaboração dos Estados nacionais parecia assegurada. Tudo parecia ou levava a crer que havia paz e entendimento entre Estados, União, indústria, serviços financeiros e de transportes, autoridades sanitárias… Parecia… Em poucos meses, chegámos ao estado actual em que percebemos que não era verdade e que perderam todos.

Será que estamos apenas diante da conjuntura excepcional, irrepetível, da pandemia? Será que, passada esta, a Europa e as suas nações retomarão os seus grandes projectos de relançamento económico, de competição científica e tecnológica com o resto do mundo, de atracção irresistível dos povos emigrantes e refugiados? Seria bom pensar assim. Mas seria também errado. A pandemia e as suas consequências sociais e económicas, mais do que trazer consigo novas crises, revelaram as existentes, incluindo as adormecidas. Mostraram a fragilidade crescente dos Estados e dos países, considerados individualmente, acentuaram a vulnerabilidade da construção europeia no seu conjunto.

Não se acredite que os Estados europeus sejam fortes, têm poder, usufruem de grande autoridade e como tal são reconhecidos pelos seus cidadãos. Os Estados europeus não são fortes, são pesados. Nas suas obediências, dividem-se entre os privilegiados dos sectores públicos e os mandantes da economia e das finanças. Em graus diversos, é verdade, mas há muito que perderam a autoridade da sua força independente dos predadores. Não se acredite, pois, que, deixada a pandemia para trás, os Estados e a sua federação retomarão, sem profundas reformas, os seus papéis serenos de liderança e orientação. Até porque o mundo voltou a mudar em poucos anos. Depois da desgraça de Trump, nunca mais a América será o que foi ou poderia ter sido para os europeus. Por outro lado, o novo papel da China no mundo, conjugado com a velha função da Rússia, deixou a Europa em piores condições e sobre terreno frágil.

Parece ser indispensável, por causa das questões económicas e científicas, reforçar o papel da União. E, por causa da política e da democracia, voltar a dar aos Estados nacionais uma função política de relevo. Mais difícil ainda, fortalecer a ameaçada segurança europeia, tanto global como nacionalmente. Parece simples, mas não é. Regressar ao nacionalismo é um verdadeiro suicídio. E não se crê que possa ser democrático. Enveredar às cegas, como até agora, pelo federalismo e pela destruição do Estado nacional, dá mau resultado. Como se vê. E também não parece vigorosamente democrático.

O Estado não é forte de mais. É fraco e pesado. E frágil. Só é forte nos obstáculos que cria. E para favorecer os seus. O Estado com autoridade será o que cria condições, abre caminhos, deixa viver, incentiva e estimula. É o Estado capaz de voltar a ter competência técnica e capacidade científica. É o Estado que não se deixa prender por interesses económicos ou financeiros, sindicais ou partidários, muito menos por empresas de publicidade, sondagens, consultoria, engenharia financeira ou comunicação. É o Estado que protege quem necessita, sem favorecer os seus.

Público, 27.3.2021

  

Etiquetas:

E agora vamos à outra chaminé...

 

Etiquetas:

26.3.21

No "Correio de Lagos" de Mar 21

 

Etiquetas: ,

25.3.21

Associação Sindical de Juízes (ASJ) e Manuel Ramos Soares, azougado sindicalista

Por C. B. Esperança

A ASJ é uma aberração sindical de membros de um órgão da soberania que não querem apenas aplicar as leis, pretendem também interferir na sua feitura, competência da AR.

Não é o venerando desembargador homónimo que certamente se pronuncia sobre o que deve fazer o poder legislativo, é o sindicalista travesso, ébrio de mediatismo, que deseja condicionar a produção legislativa.

O sindicalista ingere-se na esfera privada dos cidadãos e quer devassar as associações a que aderem, maçonaria, opus dei, da esfera espiritual ou cívica. Diz como criminalizar o enriquecimento ilícito: «para os juízes, não chega que os políticos declarem a aquisição de património; também devem justificar como o fizeram» (Público, 21/3/2021). Inverte o ónus da prova ou considera que “a propriedade é um roubo”? (Proudhon). 

Manuel Soares, presidente da ASJ, é reincidente. Não resistiu a juntar-se aos ataques ao Governo no termo do mandato do presidente do Tribunal de Contas. Foi uma deplorável ingerência política e um ataque à decisão do PR e PM, que tinham acordado mandatos únicos.

No Público, 4-11-2020 (Pg. 9), onde tem colaboração permanente, o sindicalista voltou a atacar o PR e o Governo. No 2.º §, embora em linguagem mais esmerada do que a do seu homólogo do extinto sindicato de condutores de matérias primas perigosas, afirmou: «Os últimos tempos têm sido marcados por sinais de desacerto do Governo na conceção e comunicação das medidas, por hesitações do Presidente da República e pelo agravamento de desconfiança e impaciência das pessoas.»

Não se pode acusar o sr. Manuel Soares de ‘hesitações’ a denunciar os desacertos do Governo ou as alegadas hesitações do PR. Inadmissível é o facto de o sindicalista, que se indignaria se o PR ou o PM se referissem a eventuais desacertos e hesitações da jurisprudência, persistir em apreciações a órgãos de soberania que lhe cabe respeitar.

O respeito que é devido ao venerando desembargador perde-o o sindicalista, arrastando na sua reiterada colagem à direita a isenção que é atribuída aos juízes. Alguém lhe devia lembrar que não foi sufragado em eleições, que as suas opiniões estão sujeitas ao crivo da opinião pública e, como as de qualquer político, ao escrutínio dos cidadãos.

Temos de ser vigilantes para não voltarmos a ser vigiados. 

República de juízes, nunca. 

Ponte Europa / Sorumbático

Etiquetas:

20.3.21

Grande Angular - Morrer bem

Por António Barreto

Pasme-se! Em plena pandemia, de confinamento em confinamento, entre mortos e infectados, com boas e más notícias sobre as vacinas, num raro clima de incerteza e fragilidade, os deputados dedicaram muitas das suas atenções, algum trabalho, uma boa reserva de energia e muita polémica para aprovar uma lei sobre a eutanásia e o suicídio medicamente assistido. Não havia tempo menos indicado, momento mais desajustado e oportunidade mais perversa do que esta. Eles não percebem o mal que fazem. Eles não entendem o mau exemplo que dão. Eles não se interessam pelos resultados morais de uma tal atitude de brutalidade chocante. É quase obsceno. Provocatório, de qualquer modo.

Um tema como este, da vida e da morte, que implica a liberdade individual, que põe em causa as escolhas pessoais, que altera as regras da justiça, que toca no fundo moral dos cidadãos, que atinge os sentimentos religiosos de muitos, que define os termos da compaixão, que obriga a uma reflexão profunda sobre a Constituição, que põe em causa a licitude de regras legais e que cria obrigações para as instituições, um tema como este, dizia, é discutido em estado de emergência e é votado quando se morre a mais! Eles não sabem o que fizeram. Eles não se dão conta das consequências dos seus gestos.

O Presidente da República, o Tribunal Constitucional e os partidos políticos tomaram as suas posições e deram andamento aos procedimentos legais, sem que se conheça ainda o pensamento de todos os intervenientes. Sabe-se, para já, que a questão constitucional da “inviolabilidade da vida humana” parece ter sido posta de lado e que tudo leva a crer que o Tribunal Constitucional não levante problemas a esse propósito, deixando assim crer que a eutanásia e o suicídio medicamente assistido serão admitidos. É pena que assim seja. A discussão sobre as diferenças entre eutanásia e suicídio assistido está longe de ter sido feita. A lei aprovada trata os dois actos como se fossem equivalentes, o que não é verdade. A lei estabelece a confusão deliberada de conceitos quando refere o gesto “praticado ou ajudado”… 

A eutanásia é um gesto praticado por outrem, voluntário ou não, a pedido ou não, activo ou passivo, mas exige ser de autoria de terceiro e pode não ter sido totalmente escolhido pelo próprio. O suicídio assistido implica escolha própria do gesto e do momento; exige decisão individual, livre e consciente; traduz uma opção lúcida e informada. O recurso a terceiro é instrumental. O momento decisivo depende do próprio.

A vida humana é inviolável, diz a Constituição. Ainda bem. É uma bela formulação e um admirável pensamento. Mas o suicídio não é uma violação da vida humana. Por isso não faz qualquer sentido penalizá-lo. O que deve ser despenalizado, para esclarecimento público, é a ajuda instrumental necessária ao gesto decisivo, da exclusiva responsabilidade do próprio, por mais pequena que seja a sua intervenção.

O valor da inviolabilidade da vida humana não é respeitado pela eutanásia, dado que alguém tem de agir contra a vida de outrem. O mesmo valor é respeitado pelo suicídio assistido, dado que ninguém atenta ou viola a vida de alguém. Ao contrário da eutanásia, o suicídio assistido não atenta contra a inviolabilidade da vida humana. Se assim fosse, teríamos de encarar a pena para tentativas de suicídio e os acidentes que põem em risco a vida do próprio e qualquer gesto ou infracção de que o próprio seja vítima. Quer dizer que teria a lei de prever castigos para quem corre riscos, quem tem acidentes, quem se fere ou danifica, quem tenta suicidar-se. No limite, o suicídio seria proibido e castigado.

A violação de uma vida humana pressupõe que a autoria seja externa, de outrem. Por isso a figura do suicídio assistido é diferente da eutanásia, mesmo nas suas formas mais benignas. O suicídio assistido tem de ter a decisão consciente da pessoa em causa, sobre o momento, o método, o fundo e a forma. E estes têm de depender de gesto ou acção do próprio. Como é sabido, há mil maneiras conhecidas de agir, de tudo preparar a fim de que o paciente possa tomar a decisão final. Se não for possível, se o paciente estiver inconsciente, se não for capaz de exprimir a sua vontade, se não tiver a capacidade de agir a fim de dar início ao procedimento terminal, se não for capaz de escolher o método e o momento e se não tiver lucidez e consciência para todas essas decisões e escolhas, então estamos perante um gesto que pode ser considerado violação da vida humana.

Vale a pena regular legalmente as condições que devem ser respeitadas pelos médicos a fim de “assistir”, isto é, de fornecer os meios e os métodos? Vale a pena regular o grau de sofrimento, a natureza da doença e outras circunstâncias segundo as quais é possível assistir a um suicídio? Sim, vale a pena. Até porque pode ficar testemunho escrito ou gravado. O próprio médico que assiste tem interesse em ser defendido por testemunho do paciente.

A inviolabilidade da vida humana é um valor que merece tanta protecção legal e constitucional quanto a liberdade individual, a auto-determinação e a autonomia pessoal. Por isso são condenáveis os métodos ou gestos que desviam a decisão para outra pessoa que não seja o sujeito. Se a decisão e o gesto são do próprio, merecem respeito e é criticável a legislação que os proíbe ou castiga. A decisão do próprio tem de ser consciente e expressa. Toda a problemática da prossecução e da interrupção de tratamentos tem séculos de discussão e experiência e não deve ser confundida com a prática do suicídio assistido. A deontologia da profissão médica e a experiência das Ordens e das sociedades científicas e clínicas são os critérios mais seguros para avaliar os benefícios, a eficácia, o fundamento e a utilidade dos tratamentos ou do encarniçamento. Tratar da vida e cuidar da morte são duas realidades diferentes, não deveriam ser tratadas da mesma maneira, nem com as mesmas regras.

A decisão da morte antecipada depende do paciente e só dele. Não compete ao médico nem aos serviços de saúde tomar decisões que devem ser do paciente. Por isso, merece respeito a legalização do suicídio assistido. Para quem a liberdade individual e a escolha consciente são os critérios essenciais, a decisão pessoal é o factor chave. Sem o que a eutanásia não deve ser legalizada.

Público, 20.3.2021

Etiquetas:

18.3.21

PAN – A desintegração de um partido exótico e as variações da geometria partidária


Por C. B. Esperança

André Silva, foi o líder e protagonista de uma novidade que resultou – o PAN –, partido das «Pessoas-Animais-Natureza», a face visível de um partido sem conteúdo, a viajar no comboio da ecologia, ignorando os movimentos ecologistas e os seus objetivos. Valeu-lhe a ausência de um partido ecologista autónomo da CDU, onde o PEV não acrescenta votos à coligação e a inegável preparação dos seus deputados sofre as suspeitas dos que duvidam de qualquer ideia oriunda do PCP.

Muitos se lembrarão da ignorância política, contradições e impreparação demonstradas nos debates com António Costa, Catarina Martins, Rui Rio e Assunção Cristas, só não debateu com Jerónimo de Sousa, e do desastre argumentativo, sem conhecimentos nem objetivos, de André Silva.

O PAN não era um partido, era uma patologia mediática com ambições parlamentares. Graças à benevolência da comunicação social, à sedução do exotismo e à promoção da ignorância a pós-ciência, André Silva conseguiu iludir a mediocridade das prestações televisivas e uma indizível entrevista ao Expresso, e eleger 4 deputados à AR e 1 ao PE.

A experiência na AR levou-o a evoluir e a sobriedade disfarçou o deserto ideológico do PAN cujo programa era pobre, confuso, contraditório, e sem posicionamento político. Surpreendente foi ver algumas figuras de longo passado político a apoiar tal partido, v.g., o prestigiado Prof. Eurico de Figueiredo.

André Silva evoluiu e fez da associação de origem suspeita um partido. A sua deserção, a juntar à do eurodeputado e à de uma deputada da AR, deixa um espaço sem projeto, coesão ou rumo, em franca decomposição. De 5 parlamentares iniciais restaram as suas duas mais ignoradas deputadas na AR.

O rótulo de esquerda que os média lhe atribuíram deve-se talvez à preguiça de quem viu o lugar onde se sentaram na AR. Nos Açores foram decisivos para a chegada do PSD ao Governo Regional, com o partido fascista. Excetuando a defesa dos animais, que cabe a todos os partidos, só fica na memória a exigência de que os deputados do Opus Dei e da Maçonaria, duas organizações legais, devessem tornar pública a sua filiação.

A ausência de ideologia, coerência e objetivos comuns levaram à rápida desintegração. O abandono de André Silva da liderança e da AR precipitam a desintegração do que foi uma ilusão política.

Não é o fim de um partido, é a erosão da religião onde cada crente tem uma fé diversa.

Ponte EuropaSorumbático

Etiquetas:

16.3.21

No "Correio de Lagos" de Fev 21

QUANDO, em tempos já pré-históricos, entrei para o IST, ansiava por conhecer ao vivo um tal Prof. Ilharco, personagem lendária de quem já muito ouvira falar e que, entre outras bizarrias, era capaz de escrever com giz preto no quadro preto! Vim, de facto, a tê-lo como professor de Química e, por sinal, aprendi muito com ele, nunca esquecendo, p. ex., que “Por muito bem que as coisas se façam, é sempre possível fazer melhor”.
Cumprimentando-nos afavelmente, e um por um, à entrada do anfiteatro (onde, apoiado num enorme ponteiro, nos esperava envergando a sua sempre imaculada bata branca), o Prof. Ilharco era personagem de muitas rábulas, com destaque para as suas “perguntas à inteligência”, a mais célebre das quais era “Porque é que um tripé tem três pés?” — que tinha como resposta “Se tivesse menos caía, e se tivesse mais era desperdício”. E essa “pergunta de algibeira” era tão conhecida, que eu já a ouvira no liceu, quando aprendi “Os três pilares do Estado”: os poderes Legislativo, Executivo e Judicial, pretendendo-se dizer com isso que uma sociedade pode colapsar se algum desses “pés” falhar — um risco que sempre associo à profusão de leis-da-treta que não passam de letra-morta por mais estratosféricas que sejam as penalidades que o nosso legislador invente. Ora, e se já é grave termos, quanto a isso, problemas de sobra no dia-a-dia, imagine-se o que pode suceder numa situação como a actual, em que a crise sanitária nos leva aos limites da resistência. E é por isso que não percebo como é possível que, em plena pandemia, ainda haja tantas pessoas que desrespeitem as mais elementares normas de cidadania e de segurança sem que NADA lhes aconteça.
Aliás, o primeiro Estado de Emergência foi decretado há 11 meses, mas só em Junho foram anunciadas penalidades para quem violasse as respectivas normas. Pois, mesmo assim, e quando já havia gente a morrer, ainda as autoridades se entretinham a fazer “pedagogia” em vez de actuarem com a firmeza que a situação impunha. Mais tarde, em Outubro, estabeleceram-se coimas de 100 a 500 euros para quem não usasse máscara em locais públicos. E o que sucedeu quando, no mês passado, se constatou que muita gente nem isso cumpria, apesar de os números de infectados e mortos atingirem os valores mais altos do mundo? Simples: o valor das coimas foi multiplicado por dois, fazendo lembrar o comerciante que dizia: “Este ano não ganhei nada, mas no próximo vou ganhar o dobro!”.
.
ENTRETANTO, e de um momento para o outro, os NEGACIONISTAS cederam o palco aos OPORTUNISTAS, com a histeria do “não quero ser vacinado!” a dar lugar à dos que querem sê-lo, mesmo fraudulentamente — quando se soube que cerca de 1000 políticos (incluindo os saudáveis e substituíveis) eram considerados prioritários! Claro que o legislador, sempre incapaz de se antecipar ao óbvio, já veio a correr atirar para cima de nós mais umas quantas penalidades terríveis, que hão-de ter tão bons resultados como os que vimos em relação à malfadada festa de Odiáxere que, com os seus 119 infectados em 12 dias, teve a ‘honra’ de despertar a atenção da Sra. Ministra da Justiça, que participou o caso ao M.P., exigindo que o Estado fosse indemnizado.
A TERMINAR, volto um pouco atrás, pois não resisto a contar o que se passou quando o Capitão Cook quis que os seus homens comessem limões como “vacina” contra o escorbuto: sendo bom conhecedor da natureza humana, foi dizendo que os citrinos eram apenas para consumo dos oficiais. Face a isso, a tripulação, que já se preparava para os REJEITAR, revoltou-se, EXIGIU-OS... e “venceu”! — pelo que podemos imaginar o bom do capitão, refastelado no seu camarote, comemorando, entre uns goles de rum e umas boas gargalhadas, a sua vitória sobre esses que, no séc. XVIII, foram os precursores dos nossos “negacionistas de trazer por casa”.
-
No "Correio de Lagos" de Fev 21

Etiquetas: ,

14.3.21

No "Correio de Lagos" de Fev 21

Foi há cerca de 8 anos que, num blogue acerca de Lisboa (cidadanialx.blogspot.com), sucedeu uma coisa muito curiosa: um dos seus membros publicou uma foto em que se via uma enorme quantidade de cabos de telecomunicações dispostos de forma anárquica, desfeando completamente a fachada de um bonito prédio das chamadas “avenidas novas”. Ora, e para seu espanto, uma colaboradora da PT (de seu nome Teresa Miranda, da DOI) escreveu-lhe, dizendo que muito AGRADECIA que lhe indicasse a localização dessa anomalia — e, já agora, de todas as outras semelhantes que ele pudesse identificar. Feito isso, não só tudo foi prontamente corrigido, como lhe foram enviadas fotos comprovativas das intervenções. Depois, e uma vez aberta essa verdadeira “via-rápida” para as reclamações, os contribuidores da página nunca mais lhe deram descanso, tendo passado a reportar, também, as caixas de visita defeituosas ou mal repostas, nomeadamente as que são ornamentadas com calçada portuguesa. Mas ainda houve mais do que isso, pois, além dessas reclamações relativas a Lisboa, vieram a ser acolhidas outras, nomeadamente relativas a Aveiro, Sintra... e Lagos, dando origem a intervenções que, por sistema, sucediam em menos de 24 horas. 

Na nossa cidade, e no seguimento dessa colaboração informal, muitas dessas tampas viram até a sua cobertura de betão substituída por calçada portuguesa (respeitando o padrão em redor), como sucedeu com as da imagem, situadas na Praça Gil Eanes — além de outras, na Rua da Porta de Portugal, na Rua Infante de Sagres, na Praça Luís de Camões, na Av. dos Descobrimentos, etc.

Pois bem; depois de um longo interregno, deparámo-nos, no mês passado, com a anomalia que a foto da esquerda documenta, pelo que, mais uma vez, contactámos a nossa prestável “amiga”. Respondeu-nos que já não tratava disso, mas encaminhou-nos para quem o fizesse, o que sucedeu depressa e bem, como as datas indicam. Sabem que mais? “Chapeau!” — como dizem os franceses!

 

Etiquetas: ,

13.3.21

Grande Angular - Eles precisam do nosso apoio

Por António Barreto

O governo precisa do nosso apoio. Tem entre mãos uma das piores crises da história de Portugal. E não sabe muito bem lidar com ela. Habituado à preocupação com a imagem, treinado para a propaganda e obcecado com as relações públicas, tem revelado insegurança, alguma incompetência e excessiva flutuação de pontos de vista. Vai buscar dinheiro à Europa, mas sabe que não chega e que apenas poderá ajudar a resolver problemas passageiros. Precisa de investimento privado nacional e estrangeiro. Precisa de investimento público. Precisa de sensatez das oposições. Muitos governantes, dirigentes e técnicos quase deixaram de ter vida pessoal, estão exaustos e deram o seu melhor. Só que o melhor não chegou. Precisam de apoio da população. Era bom que o merecessem, mas que precisam de apoio, ninguém duvida.

O Presidente precisa do nosso apoio. O que poderia ser, entre todos, o mandato mais alegre, festivo e afectuoso, transforma-se num pesadelo de fogos florestais e pandemia. De acordo com a Constituição e as leis, é ele a autoridade máxima do estado de urgência. Mas está sozinho. Sem partido. Sem organização. Sem movimento. Sem poder real. Sem meios nem instrumentos. Mas com enorme responsabilidade. E se tem muita influência, necessita de apoio para a transformar em poder real e em soluções práticas. Mas também necessita de apoio para evitar uma alteração dos poderes constitucionais e não se deixar cair em tentações.

O Parlamento precisa do nosso apoio. Está perdido em discussões aparentemente úteis, mas sem efeitos reais no combate à crise. Tem-se distraído com manobras de diversão destinadas a dar prova de vida. Cometeu a obscenidade de aprovar uma lei da eutanásia em plena crise, com milhares de mortos e dezenas de milhares de doentes. O Parlamento precisa de apoio para que esta sua lei insensata seja considerada inconstitucional. Ou que, pelo menos, distinga entre eutanásia e suicídio assistido ou entre vontade própria e decisão exterior. Os deputados precisam de apoio para transformarem o seu papel em acção eficaz, em impulso dado à sociedade e em representação efectiva e humanizada dos povos que os elegeram. Os deputados precisam do nosso apoio para perceberem que, se o perigo vem de fora, a fragilidade da democracia vem de dentro.

Os partidos de esquerda precisam do nosso apoio. Parecem perdidos em conjecturas, lutas e rivalidades. Especialistas em combate, estão pouco calhados para a construção. Acham que precisam do fascismo para sobreviver, que precisam do nazismo para ter uma justificação e que precisam das ditaduras de extrema-direita para terem uma razão de ser. Não precisam de nada disso. Precisam do nosso apoio para se sentirem mais seguros, mais dedicados aos problemas e aos povos e menos preocupados consigo próprios.

Os partidos da direita precisam do nosso apoio. Para perceberem que a sua vulnerabilidade pode ser fatal. Que a sua incompetência é dramática. Que é também da sua incapacidade que pode vir mal à democracia.

Os médicos e os enfermeiros precisam do nosso apoio. Tanto no SNS como nos hospitais privados, estão a viver o ano de uma vida, a crise de um século. Correndo eles próprios todos os riscos, chegaram à exaustão e ao fim das suas energias. E mesmo assim continuam. Já não é só profissão. Já não é só dever. Mais do que gratidão, precisam do nosso reconhecimento. Precisam do nosso apoio para continuar, por mais um ano, a dar tudo o que têm e não têm.

Os cuidadores de velhos e os voluntários que distribuem comida quente precisam do nosso apoio. Sem eles, nos lares ou a domicílio, nas ruas e nos bairros mais pobres, muitos teriam morrido de doença, fome e solidão. Precisam do nosso apoio porque nada ou quase nada receberam, a não ser mais trabalho e mais dor.

Os polícias, os militares, os guardas, os bombeiros e os condutores de ambulâncias precisam do nosso apoio. Sem ajudas logísticas suficientes, sem organização à altura, sem meios de urgência, com equipamento desadequado, sem treinos para as emergências, sem reconhecimento colectivo e público, todos eles precisam do nosso apoio. Devemos-lhes a segurança das nossas vidas.

Os juízes e os funcionários judiciais precisam do nosso apoio. Sem meios, com a falta de audiências presenciais, sem poder recorrer a julgamentos públicos, vítimas da desconfiança gerada por estranhas nomeações e sob o anátema dos obscuros e tortuosos grandes processos políticos, financeiros e de corrupção política, precisam do nosso apoio para prosseguir a sua actividade cada vez mais silenciosa e invisível, mas absolutamente indispensável.

Professores, docentes e educadores precisam do nosso apoio. Com ou sem alunos, com e sem aulas presenciais, com e sem computadores e sistemas, estes profissionais viveram um ano inesquecível de sofrimento e exaustão, de riscos e incertezas. São eles a quem se entregam os maiores valores das nossas vidas, os filhos. São eles os primeiros de quem nos queixamos quando a falta de meios, a desordem legislativa, a paranóia regulamentar, a enxurrada de directivas, a obsessão dos despachos normativos e a turbulência mental de um ministério desnorteado perturbam a nossa vida colectiva.

Os empregados dos supermercados e das mercearias, as brigadas de limpeza urbana, os funcionários das empresas de entrega a domicílio de toda a espécie de bens e os carteiros precisam do nosso apoio. São os empregados e trabalhadores dos sectores mais úteis e indispensáveis à nossa vida, nestas circunstâncias de confinamento. Precisam do nosso apoio porque foram também eles que nos mantiveram vivos durante este ano. Porque vamos continuar a precisar deles no próximo.

Os trabalhadores de milhares de empresas em perigo precisam do nosso apoio. Não só os trabalhadores, como também os patrões e os empresários. É indispensável que a economia não saia desta crise apenas com despojos de guerra e restos exauridos de organizações condenadas. Quase não há capital, quase não há esperança e quase não há energia para recomeçar. Precisam do nosso apoio sob todas as formas, públicas e privadas, com e sem reembolso, pois sem eles é o futuro que perdemos.

Desempregados, despedidos, em lay off, suspensos, à procura de emprego e pobres, todos precisam do nosso apoio. Quanto mais não seja para sobreviver. Precisam de apoios directos em dinheiro. De ajudas de todas a espécie, para sobreviver, para educar os filhos e para relançar obras e trabalhos depois das vacinas. Não é só a economia que necessita de dinheiro e de circulação, é a sociedade que necessita de compaixão.

Público, 13.3.2021

Etiquetas:

12.3.21

ZITA LEAL, A ESCRITORA QUE NÃO PERCO

Joaquim Letria

Há gente que nós seguimos por isto e por aquilo. Neste Minho Digital há uma senhora (entre outras) que aqui escreve e de quem nunca perco uma crónica porque escreve muito bem, gosto  da maneira como se expressa, aprecio os seus assuntos, interessa-me a sua franqueza, identifico-me com aquilo que pensa e adiro do mesmo modo às coisas que a prendem. 

Refiro-me à Professora Zita Leal, que não tenho o prazer e a honra de conhecer pessoalmente. Senti muito a falta da sua escrita de trazer por casa na semana passada.

Escrevo esta crónica porque há um par de semanas a Profª. Zita escreveu aqui que via o Big Brother e deitou cá para fora ideias que também perfilho de como aquele programa poderia servir para educar quem o vê sem deixar de entreter. Mas o que mais apreciei foi a franqueza da Profa. Zita Leal  ao admitir que vê o programa. Uma atitude rara.

O Big Brother é dos programas com maior audiência televisiva em todo o Mundo. Mas se  perguntarmos às pessoas se vêem o Big Brother a resposta é “não”. Isto explica-se por preconceito, por vaidade, por vergonha, porque essa gente só admite ver coisas de grande nível o que, se formos a ver caso por caso, está longe de ser verdade.

Não passso os dias a ver esse programa mas acompanho-o o mínimo suficiente para saber o que se passa por lá sem prejuízo de ver a BBC World, a CNN, a France24, a Al Jazeera e outros e mais uma ou outra série da Netflix e HBO nos intervalos de leituras favoritas.

Esta negação do Big Brother faz-me lembrar o fenómeno da Revista Maria, que era uma revistinha pequenina e fútil e que vendia, no tempo da Agência Portuguesa de Revistas, qualquer coisa como 480 mil exemplares. Era a publicação que mais vendia em Portugal, mas quase ninguém admitia comprá-la. ”Ai, vi naquela revista pequenina que a minha empregada leva lá para casa”, diziam umas madames enquanto outras diziam que a tinham lido no cabeleireiro.

O Big Brother é, de facto, uma pena. Podia ter melhores concorrentes, as tarefas semanais poderiam ser mais educativas e divertidas, para eles e para o público em geral. Mas quando há concorrentes capazes de confundir dentadura com ditadura… está tudo dito.

Agora, professora Zita Leal, eu também vejo o BB, entre outras razões mais sérias porque tenho saudades de ver gente sem máscara, que se toca e se beija ao vivo, se ri e se zanga, dorme toda junta e não sabe nada do que se passa aqui fora na maldita pandemia, protegida pelos testes negativos e sem outros contactos perigosos. Depois de os ver, então parto para coisas sérias. E em si, Professora Zita, também gostei muito da maneira bonita, graciosa e delicada como anunciou amar e ser amada pelo seu mais que tudo, ambos a entre ajudarem-se de joelhos doridos no chão a apanharem o que vos caíu.

Professora, volte depressa e, respeitosamente, aceite um beijinho digital.

Publicado no Minho Digital

Etiquetas:

11.3.21

O novo aeroporto e a sua localização

Por C. B. Esperança

Não faço parte dos dez milhões de especialistas em aeroportos e, muito menos, dos que têm argumentos irrefutáveis sobre a melhor localização.

Sou dos raros que lamentam que os anos passem, os estudos se amontoem e as decisões retrocedam, se é necessário, como parece, um novo aeroporto internacional. 

Não esqueço a tirada demagógica de um futuro PM a dizer que, “enquanto houver uma criança sem consulta, não haverá TGV”. Crianças sem consulta existirão sempre, e a alta velocidade ferroviária excluiu Portugal, quando eram pingues os fundos e generosa a União Europeia, ficando nós “orgulhosamente sós”.

Difícil de entender o direito de veto das autarquias a projetos nacionais, resta acreditar agora que o aeroporto do Montijo irá para outra localização.

O atraso apenas gera gastos inúteis, inflação dos preços e lutas partidárias. A retirada do poder de veto às autarquias foi uma decisão que pôs termo aos humores dos edis e salvou a face de Rui Rio, com o argumento, agora sim, porque ficam várias soluções possíveis, sem que a localização no Montijo se altere.

A decisão não cabe aos partidos nem ao Governo, cabe à ANA, vendida ao desbarato, durante 50 anos, com liberdade para fixar os preços aeroportuários e de interferir na localização de novos aeroportos.

Tanto quanto julgo, a ANA pode ser contrariada, mas terá de ser ressarcida dos 3 mil milhões de euros que desembolsou pelo setor estratégico, e receber os lucros previstos até aos 50 anos que lhe foram concedidos.

Portanto, a ANA é que decide e, se não obtiver ganhos ainda maiores, o novo aeroporto será no Montijo. 

Ponte Europa Sorumbático

Etiquetas:

9.3.21

No "Correio de Lagos" de Fev 21 .

O texto seguinte (bem como as imagens que o acompanham) foi-nos enviado pelo leitor António Xavier, a quem muito agradecemos, e a quem aproveitamos para felicitar pela esperança que demonstra em que as correcções venham, um dia, a ser feitas...

.
«As placas toponímicas que figuram nas imagens apenas distam 50 metros uma da outra e evocam a mesma personalidade lacobrigense, o juiz José António Ferreira Brak-Lamy, dando nome a duas diferentes artérias (uma rua e uma travessa) da cidade de Lagos. À excepção óbvia deste último facto, o contraste entre ambas é tal que, desde logo, se torna evidente a ausência de um critério uniforme na sua elaboração, quer na identificação do vulto em questão quer na indicação dos respectivos dados biográficos. Poderíamos aproveitá-las até para lançar um passatempo e desafiar os leitores a descobrir as suas diferenças… Porém, a surpresa é ainda maior quando numa delas descortinamos algumas inesperadas imprecisões. Tal é precisamente a circunstância da placa denominativa da travessa, que aponta o ano de 1781 como sendo a data de nascimento do mencionado juiz; e que, além disso, em lugar da sua data de óbito, tem inscrito um estranho e enigmático ponto de interrogação, o que naturalmente suscita também a nossa curiosidade e interrogação. Semelhante inscrição, aliás, tem correspondência com a informação publicada na obra “Vultos na Toponímia de Lagos”, da autoria de Silvestre Ferro, editada pela Câmara Municipal de Lagos, na qual provavelmente se terá baseado a própria Comissão Municipal de Toponímia. Todavia, se recorrermos às fontes de base, por natureza mais fidedignas, designadamente aos fundos documentais depositados nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, passíveis de consulta através da respectiva plataforma electrónica, poderemos concluir que o referido juiz nasceu, afinal, no ano de 1780 (a 18 de Julho), conforme assentamento no livro de registo de baptismos de Lagos, freguesia de São Sebastião (1775-1782); e que o mesmo faleceu no ano de 1847 (a 21 de Maio), conforme assentamento no livro de registo de óbitos de Lisboa, freguesia das Mercês (1847-1867). Feita a observação, caberá aos competentes órgãos municipais a responsabilidade de providenciar a rectificação de tais lapsos».

Etiquetas: ,

7.3.21

No "Correio de Lagos" de Fev 21

 

Etiquetas: ,

6.3.21

Grande Angular - As direitas

Por António Barreto

Tal como com as esquerdas, também há várias direitas. A democrática e a não democrática. No essencial, o que as separa é a democracia. Para uma, mesmo valores para si importantes como a propriedade, a religião e a nação, devem articular-se com a democracia e esta deve respeitar a liberdade. Para a outra, democracia e a liberdade individual são princípios residuais ou dispensáveis.

Interessante e perturbador é o facto de certas diferenças entre tendências de direita reproduzirem diferenças entre esquerdas e direitas. A direita trata da pobreza com a caridade, mas mais humanidade e cuidado. A esquerda trata da pobreza com as leis e a igualdade, mas sem humanidade. A esquerda diz que a cultura e as ideias são suas. Nem sempre é verdade, mas há aí qualquer coisa. São bens mais acessíveis. A direita é mais de interesses. São bens mais seguros.

Não é a autoridade que distingue a esquerda da direita. Mas sim as duas esquerdas, uma da outra, e as duas direitas, uma da outra. A firme autoridade do Estado, com essa designação ou a de Partido, é apanágio dos radicais, da direita ou da esquerda. Ao patrocinado da propriedade e do sangue, próprio da direita, a esquerda opõe o nepotismo de partido. A esquerda defende a igualdade, a direita e eficiência.

Entre os grandes valores e princípios da direita, contam-se a nação, a ordem, a família, a desigualdade natural e a hierarquia social. Como se sabe, tudo isto separa direita de esquerda. Além disso, há valores que podem ou não ser respeitados pelas direitas: a religião, Deus e o trabalho.

Estas crenças fazem com que as direitas sejam complacentes com a pobreza, o nepotismo, o nacionalismo e a xenofobia. Nenhum destes atributos é absolutamente exclusivo das direitas, mas são aqui mais frequentes. E podem ter semelhanças com as esquerdas radicais, igualmente praticantes do nepotismo, do nacionalismo e de formas de xenofobia.

A liberdade individual e o Estado são outros factores que separam as direitas. Para uns, o liberalismo económico, político e cultural é de rigor. Para outros, a autoridade do Estado vem à cabeça.

Nas últimas décadas da monarquia constitucional, durante a República e ao longo da ditadura do Estado Novo, nunca a direita preferiu o liberalismo, nunca a direita deixou de venerar o Estado e o seu papel na economia e na administração. Depois do 25 de Abril, todos os motivos eram bons para reforçar o papel do Estado, cujo peso se justificava para lutar contra o comunismo. Mas, quando se tratou de reprivatizar as empresas, uma espécie de vento liberal parecia soprar na política.

Em Portugal, a direita liberal está extraordinariamente ausente. Sempre esteve. As razões são muitas, desde o papel do Estado, passando pelo analfabetismo e pelo catolicismo, até à pobreza e à desigualdade. Se procurarmos, durante os últimos séculos, rastos de liberalismo, encontraremos pouca coisa. E mesmo os “liberais” do século XIX, os das “guerras liberais”, como ficaram conhecidas as guerras civis, não brilhavam pelo seu culto das ideias liberais.

Assim é que a direita salazarista se gabou de ser anti-liberal e anti-democrática, com simpatias pelos Alemães e sem qualquer apego pelos Aliados. Podia não ser nazi ou fascista de gema, mas desprezava as democracias anglo-saxónicas. O nacionalismo da direita impedia-a de acarinhar a ideia de ver alemães, italianos e espanhóis em Portugal. Mas eram estes, seguramente, os preferidos no grande conflito mundial.

Em Portugal, onde tudo parece diferente, uma parte importante da direita diz-se social-democrata. O que é pelo menos estranho. E a democracia cristã garante que não é bem isso, mas sim social cristã. E a extrema-direita tem vergonha de dizer que é salazarista. O mais curioso é o facto de o PSD se dizer social-democrata. O essencial da direita anda por ali. Mas há por lá uns tantos social-democratas e uns poucos liberais. São genuínos, mas não fazem com que o partido o seja. Aquele partido tem de tudo, mas tem sido historicamente um travão ao crescimento da extrema-direita, mas esse papel, tão benfazejo, parece agora esgotar-se. O PSD está hoje mais disponível a conviver ou coexistir com a extrema-direita do que a barrar-lhe o caminho.

Também a religião tem papel importante na direita em geral e na portuguesa em particular. Até há pouco tempo, quando a Igreja era, sem hesitação, maioritária ou essencialmente de direita, o panorama estava claro. Jacobinos e republicanos à esquerda, católicos e monárquicos à direita. Mas a Igreja mudou. É hoje fácil encontrar, no seu seio, grupos, pensamentos e valores de esquerda. Em todo o caso, inspirações que a aproximam do mundo do trabalho e dos sindicatos, assim como do universo dos costumes mais permissivos, solidários e igualitários.

Estrangeiros, imigrantes e minorias sempre foram questão importante. Não é verdade que as direitas sejam claramente xenófobas e racistas, e que as esquerdas sejam solidárias e inclusivas, para utilizar termos tão em moda. Há xenofobia e racismo nos dois lados. Como há em cada lado políticas favoráveis e desfavoráveis à imigração. Mas também é verdade que é nas direitas que se encontram mais sensibilidades patrióticas, mais crentes na portugalidade, mais defensores da civilização cristã, mais oposição às políticas de abertura aos imigrantes e aos refugiados. Como é também nas direitas que é mais vincada a atitude favorável a uma integração “forte” dos imigrantes e estrangeiros, isto é, devem vir poucos e os que vêm devem adoptar valores e costumes portugueses. O “multiculturalismo” existe em todo o lado, mas é mais próprio das esquerdas e menos apreciado nas direitas.

Há ainda a questão do mérito. Uma das mais estranhas. Na verdade, tempo houve em que o mérito se opunha à família, ao sangue e à herança. Era o mérito de cada um que podia criar condições de igualdade de oportunidades. O mérito era um valor da democracia e até da esquerda. Curiosamente, o valor do mérito tem vindo a diminuir para a esquerda. E não se sabe se a crescer para a direita. Para as empresas, talvez. Para a política e a sociedade, menos.

A direita prefere o mercado, a concorrência e a iniciativa privada, mas recorre ao Estado sempre que precisa. O problema é que precisa muitas vezes. A direita é hoje menos rígida diante de certos valores, como sejam a permissividade sexual, a liberdade de género, a igualdade de sexos, o aborto, o divórcio ou a união de facto. Uma coisa é certa: o futuro da democracia depende tanto da esquerda como da direita. Se ambas souberem ser democráticas. E conseguirem derrotar os seus inimigos.

Público, 6.3.2021

 

 

Etiquetas:

5.3.21

PATUÁ

Por Joaquim Letria

Venho hoje pôr-vos em cima da mesa uma modesta crónica que mais não pretende do que vos apontar à luz no fundo do túnel, vós que sois meus leitores da linha da frente, enfrentando as dificuldades que combateis com uma robusta decisão que vos dá a garantia que vos levará a implementar os objectivos de todos nós com inigualável resiliência.

O que digo no parágrafo anterior mais não significa do que “escrevo uma modesta crónica que poderá ajudar a encontrar a solução para aqueles que enfrentam a vida difícil por que passamos, enfrentando os problemas com a sólida decisão que garante atingirem os objectivos colectivos com uma resistência sem igual”.

Estes dois parágrafos podem significar a mesma coisa, ainda que escritos do modo diverso e utilizando palavras distintas, mas ambos com o mesmo propósito. Também um e outro poderiam ser redigidos de forma diferente e ainda assim quererem ter o mesmo significado.

Escrevo ambos com o propósito de vos mostrar como no primeiro utilizo termos e expressões que se vão transformando em lugares comuns. Hoje, se prestarem atenção, nos meios áudio visuais e na Imprensa escrita diz-se e escreve-se com toda a naturalidade estas palavras que não sendo novas se vão introduzindo e fixando num novo léxico que já ninguém estranha. Notem como usamos os termos de “em cima da mesa, de luz ao fundo do túnel, linha da frente, orçamentos de Estado robustos" e como implementamos e somos resilientes e servimo-nos de bordões como ”ainda assim”.

Dirão os de hoje que tal fenómeno é expectável, diriam os mais antigos como eu  que isto que está a acontecer seria de esperar. Não quero dizer que uns e outros não têm razão e que uma coisa e outra significam coisas diferentes, com uns a estarem certos e outros errados. Nada disso. As línguas têm vida própria e transformam-se e ganham formas diferentes daquelas que tinham à nascença. Essa é uma diferença fundamental entre as línguas vivas e as línguas mortas.

Reparem como os termos que cito acima estão no nosso uso. Alguns dicionários transmitem-nos dúvidas. Mas também essas serão uma questão de tempo. No Morais, implemento significa cumprimento de uma obrigação, de um contrato, implementar é promover, levar a efeito;  já resiliência não existe no Morais nem no Houaiss, que dão sim conta de resiliação (essa existe) com o verbo resilir, que significa arrepender-se, negar-se ao cumprimento de pacto ou contrato, invalidar, rescindir. Por outro lado, o Dicionário da Língua Portuguesa reconhece resiliência e implementar tal como os vemos serem utilizados hoje em dia.

Moral da História: vamo-nos entendendo assim, neste patuá (ou patois), antes de fugirmos  para a linguagem virtual que essa, qualquer dia, com tantas conferências de Imprensa, todos nós acabamos por falar tão  impecavelmente como qualquer surdo ou surdo-mudo.

Publicado no Minho Digital

Etiquetas:

4.3.21

Os media, em geral, a RTP, em particular, e as notícias

 Por C. B. Esperança

É deprimente ouvir e ler opiniões disfarçadas de informação e, sobretudo, suportar mais de uma hora de noticiários, onde o relevo dos palpites dos néscios de ocasião rivalizam com os pareceres dos cientistas.

A exibição das desgraças, o gosto do terror e o tom de relato desportivo acompanham os noticiários. No aniversário do primeiro doente diagnosticado com a Covid-19, a RTP-1, no telejornal das 20H00, fez da data comemoração. José Rodrigues dos Santos exultava a indicar em gráficos os piores momentos, e gritava em apoteose: “fomos os piores do mundo”.

Tem faltado compostura na referência ao número de mortos e a internados nos cuidados intensivos, serenidade na informação e respeito pelos convidados especializados quando divergem do catastrofismo que o jornalista de turno deseja. 

Foi obscena a falta de pudor com que se exibiram doentes no interior de Urgências e nos corredores dos hospitais, onde faltava espaço para acudir a uma situação anómala e cabia sempre mais uma câmara de televisão a devassar a intimidade de quem sofria.   

É incrível a quantidade de ignorantes que censuram os serviços de Saúde e os seus mais destacados dirigentes, as desgraças que contam, as opiniões que emitem e os conselhos que deixam a um SNS que, apesar de tudo, tem resistido a tão rude prova. Não são as declarações dos especialistas que interessam, são os palpites dos alarmistas, depois de abrandar o terror e desespero que criaram aos utentes dos lares e aos familiares, agora que os riscos diminuíram e foram prioritários na vacinação. 

As notícias do mundo são parcas e esporádicas; desapareceu o drama humanitário dos refugiados afogados no Mediterrâneo; o genocídio efetuado no norte de Moçambique, por milícias islâmicas raramente é referido; até as guerras, que perduram, alheias à pandemia, deixaram de merecer atenção.

As boas notícias, que as há, ficam omissas ou passam despercebidas no espetáculo dos horrores. Recentemente, passou despercebida uma vitória notável da presidência portuguesa da União Europeia. Conseguiu-se, pela primeira vez, apoio de larga maioria de países para avançar com uma diretiva europeia. Pedro Siza Vieira obteve avanços no dossiê que prevê que “as grandes sociedades que operam no espaço europeu e que são cotadas publiquem, juntamente com os seus relatórios e contas, informação sobre o volume de impostos que pagam e também onde pagam”.

Este esbulho de países onde as multinacionais, incluindo algumas portuguesas, têm sede de conveniência, é um roubo que, segundo os dados de Bruxelas, custa aos países da UE cerca de 50 a 70 mil milhões de euros por ano.

A melhor e mais aliciante notícia da UE, onde Portugal foi decisivo e elogiado, passou despercebida, se é que foi referida nas televisões.

Há um gosto doentio em salientar desgraças e silenciar vitórias, talvez por masoquismo ou medo de suspeitas de cumplicidade com o poder, e a informação que nos servem é tóxica e intolerável. 

Ponte Europa / Sorumbático

Etiquetas:

2.3.21

Na "Nova Costa de Oiro" de Fev 21

 

Etiquetas: ,

No "Correio de Lagos" de Fev 21

 

Etiquetas: ,