Por Rui Tavares
A TROIKA, já se percebeu, é um mero
pretexto. Pedro Passos Coelho não se sente preso pelo memorando nem
limitado pela Constituição, perante a qual desenvolveu uma estranha
técnica: ele diz, propõe ou avança e, se for contrário à Constituição,
alguém lho há-de dizer. Ler a lei fundamental propriamente dita, ou
pedir a alguém que lha leia antes de abrir a boca, dá demasiado
trabalho. E não faz parte do seu modus operandi. A ignorância não é um
problema para Pedro Passos Coelho. Ele não sabe, logo não existe.
E assim nos encontramos à beira de um
novo ano para que os portugueses olham já como se fosse um precipício.
Janeiro vai ser o início da rampa; a partir daí, é sempre a cair. Os
primeiros recibos dos vencimentos com os respetivos cortes. O brutal
aumento de impostos. A amputação de serviços públicos. As privatizações
ao desbarato. E os números da execução orçamental, periodicamente, a não
baterem certo.
Também isto não deterá Pedro Passos Coelho porque, no meio dos escombros, ele tem um plano.
Mais ninguém acredita no plano de Passos
Coelho. Alguns, cada vez menos, dão o benefício da dúvida por causa da
dívida, cada vez mais desconfortáveis por ver que ela não diminui. Todos
os outros, na esquerda, no centro e na direita, assistem atónitos a
esta progressão de desastres: a TAP e a RTP vendidas ao pior preço e aos
piores compradores, os despedimentos a saldo, a escola e a saúde
prontas a serem ejetadas das funções do estado. Dentro em pouco, isto
será irreversível. Nada disto detém Passos Coelho.
O julgamento da posteridade não
atrapalha Pedro Passos Coelho porque ele não tem consciência da
gravidade do que faz e, se o tem, não parece importar-se com isso. Mas a
posteridade não julgará apenas Pedro Passos Coelho. Julgará todos os
que, tendo consciência do que se está a passar, não fizeram tudo o que
estava ao seu alcance para deter esta catástrofe.
A responsabilidade dos partidos de
oposição, em particular, é muito séria. Sabemos que eles não governam,
sabemos que eles nem sequer concordam. Mas não precisam de governar nem
concordar para fazerem três coisas simples que, por si só, seriam uma
formidável barreira à progressão desta catástrofe.
Primeira: falarem, sem precondições.
Basta de pretextos tolos. Façam reuniões, mesmo discordando, e digam-nos
em que concordam. Por pouco que seja, pode ser essencial.
Segunda: ponham limites a este governo.
Enunciem claramente as linhas vermelhas que vos levarão a abrir uma
crise política, e ir ao Presidente da República exigir-lhe ação.
Terceira: abram-se aos cidadãos e aos
vossos eleitores, em particular ao nível local, e deem-lhes liberdade
para discutir alternativas concretas a esta governação.
Precisaríamos de muito mais do que isto.
Mas isto é o mínimo que se pode exigir. O governo perceberá que a
oposição sai do seu marasmo e começa a impor limites e regras, e a
preparar-se para o substituir. Só isso pode deter esta catástrofe.
Façam-no, já.
«Público» de 17 Dez 12
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