31.5.21

Na “Nova Costa de Oiro” de Maio de 2021

  

I — TODOS tivemos, ao longo da nossa vida escolar, professores de que nunca nos esquecemos e, no meu caso, um deles foi o Eng.º Daniel Barbosa, meu conterrâneo, de quem fui aluno na cadeira de Economia no ano lectivo de 1969/70. Sucede que esse foi o último em que os cursos do IST tiveram a duração de seis anos, pelo que é possível que a cadeira tenha desaparecido, com a consequente dispensa de quem a ministrava. Isso não sei; mas o que sei é que já lá vai mais de meio século e parece que ainda o estou a ver: magro, descontraído, sorridente e sempre de boquilha (nessa época podia-se fumar em quase todo o lado!), dando-nos a entender, embora nunca o dissesse, que não reprovaria ninguém. Além disso, era impossível estar nas suas aulas sem ter presente a alcunha que se lhe colara duas décadas atrás: “o Daniel das Farturas” — talvez porque, quando ministro (em 1947/48), tenha prometido “mundos e fundos”, quiçá o famigerado “bacalhau a pataco” de que hoje ainda se fala.

À parte isso, e em termos de ensinamentos concretos, ficaram-me especialmente na memória as leis da oferta e da procura, com destaque para o que nós chamávamos jocosamente “a lógica da batata”, e que se explicava assim:
Se, num determinado ano agrícola, há escassez de batatas, a consequência inevitável será a subida do seu preço; a isso seguir-se-á uma corrida à produção... que por sua vez levará a um excesso de oferta e a uma queda do preço; e por aí fora, numa sequência de “ondas”, como sucede em inúmeros outros casos, como as malfadadas “vagas” de Covid-19: 

Quando a pandemia chegava a uma terra, decretavam-se restrições e confinamentos. Seguia-se a melhoria da situação e o consequente facilitismo, o que por sua vez originava novos casos... e novas restrições... 

E é assim que já contamos com três “vagas” em menos de um ano (e receamos a chegada de uma quarta), em boa parte a crédito dos que desprezam as mais elementares regras de segurança sanitária, mas também das autoridades que, numas terras, “assobiam para o ar”, enquanto noutras até multam quem esteja a almoçar dentro do carro (!) — contribuindo (estes pelo ridículo do “zelo a mais” e aqueles pelo inaceitável “zelo a menos”) para o arrastar do inferno com que nos debatemos.

 

II — HÁ POUCO tempo, o nosso Ministro do Ambiente, falando da escassez de água no Algarve, declarou que o seu preço vai ter de subir. Mas se a sua ideia é que, por essa via, se obterá a redução do consumo, parece não ter tido em conta que, como poderia ter-lhe explicado o referido professor, há bens e serviços cuja procura não é influenciada pelo preço (como é o caso da água nos consumos domésticos), havendo alguns que até se vendem tanto melhor quanto mais caros forem, como sucede com os artigos de luxo e de ostentação.

Mas o pior é que o Eng.º Matos Fernandes mostra não estar a par de certas realidades do país, pois todos conhecemos quem mantenha relvados onde eles são de todo desaconselháveis (em regiões de clima mediterrânico, como o nosso — e, pior ainda, quando há árvores no meio deles), e depois os regue com parte dos aspersores apontados para os passeios (onde os munícipes-pagantes podem contemplar o seu “dinheiro-líquido” a escorrer para as sarjetas!) — para já não falar do caso delirante, a que há meses assisti, da rega em DIAS DE CHUVA! 

De facto, enquanto não se atalharem absurdos como esses, que sentido faz ameaçarem-nos com aumentos do preço da água, ou fantasias de ricos como a dessalinização? Não acham que isso se assemelha a uma outra versão “lógica-da-batata”?!

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NOTA - Na foto da esquerda, vê-se a NOTIFICAÇÃO da PSP de Santarém, referida no texto. Na da direita, o presidente bielorrusso A. Lukashenko quando, em Maio de 2016, recebeu G. Berdimuhammedow, seu homólogo do Turcomenistão.

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30.5.21

No "Correio de Lagos" de Maio de 2021

 

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29.5.21

Grande Angular - A Inquisição, a Censura e o Estado

Por António Barreto

A lei aprovada pelo Parlamento, promulgada pelo Presidente da República e referendada pelo Governo acaba de criar um regime de orientação, vigilância, censura à posteriori, delação e controlo da liberdade de expressão, inédito na democracia e só parecido com algo em vigor durante a ditadura salazarista.

A lei (Nº 27/21 de 17 de Maio) foi aprovada pela esquerda, pela direita e pelo centro (PS, PSD, BE, CDS, PAN, Joacine Moreira e Cristina Rodrigues). Ninguém votou contra. Abstiveram-se o PCP, o PEV, o Chega e a IL.

Esta lei consiste no mais atrevido ataque à liberdade de expressão desde há quase um século. A lei é uma tentativa violenta de impor uma moral, de regular o pensamento, de orientar as mentalidades e de condicionar convicções. A lei delega poderes públicos em instituições, entidades e empresas, privadas ou públicas, a fim de orientar o pensamento, de vigiar a opinião e de condicionar a liberdade de expressão.

Com excepção de menos de uma dúzia de comentadores, quase ninguém do mundo da política e do jornalismo, da edição e da comunicação, se exprimiu sobre esta lei. Que se passa com os intelectuais, os jornalistas, os académicos e os artistas que não prestaram atenção a esta lei repressiva e embrionariamente totalitária que leva a designação cínica de “Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital”? Que se passa com os sindicatos, as confederações, os magistrados e as sociedades profissionais tão alheios à aprovação desta lei?

Que se passa com os partidos que votaram a favor do condicionamento da liberdade de expressão e de pensamento? Que se passa com a Assembleia de deputados e o Presidente da República que não se aperceberam do que aprovaram com tanta desfaçatez? Que se passa com os partidos que se abstiveram? Que se passa com 230 deputados portugueses, eleitos pelo povo, que não criticaram o mais grave atentado contra a liberdade de expressão desde a aprovação da Constituição de 1933?

Que se passa com os cidadãos deste país que não viram o que estava a acontecer e que assim permitem que o Estado venha a ter um papel determinante na definição dos limites do pensamento e do tom da sua expressão?

Ou antes, talvez mais verdadeiro, que se passa com toda esta gente que prestou atenção, viu, leu bem, aprovou, concordou e aplaudiu uma lei directamente ameaçadora da liberdade de expressão, orientada para a formação de opiniões, e destinada a condicionar a orientação cultural, política e filosófica de cada um?

É um dos piores sinais de evolução de um povo e das suas elites: colaborar na sua própria opressão. O despotismo nacional que sempre espreita e a falta de tradição democrática e liberal ajudam a explicar esta vontade de impor uma virtude, de regular a opinião, de filtrar crenças e de certificar convicções. Há, entre nós, muita gente que espera que o Estado (de direita ou de esquerda) se ocupe das consciências e da moral pública. Para bem de todos, com certeza.

Previsivelmente, esta lei presta atenção a todos os novos direitos, novos clientes e novos públicos, aos fracos e vulneráveis, às questões de género e de raça, a tudo quanto está na moda. E sobretudo à verdade e à virtude. Muito bem. Outros já fizeram o mesmo. Por exemplo, o famoso artigo 8º da Constituição de 1933, do Estado Novo de Salazar, dizia que “a liberdade de expressão do pensamento sob qualquer forma (…) é um direito e uma garantia individual do cidadão”. Mas também dizia que “leis especiais regularão o exercício da liberdade de expressão do pensamento (…) devendo prevenir preventiva ou repressivamente a perversão da opinião pública na sua função de força social e salvaguardar a integridade moral dos cidadãos”.

O pior desta lei, depois do seu intuito virtuoso, é o que define as funções do Estado. Este deve proteger a sociedade contra “os que produzam, reproduzam ou difundam” narrativa considerada desinformação. O que é a narrativa e o que é a desinformação estão no centro da tentativa autoritária. O que é “falso e enganador”, o que é feito “deliberadamente para obter vantagens económicas ou para enganar o público”, o que é susceptível de “causar prejuízo público”, o que é “ameaça aos processos políticos democráticos aos processos de elaboração de politicas públicas (o que isto quer dizer só “eles” sabem…) e a bens públicos”. Com toda esta narrativa, ficam em causa a publicidade, a propaganda, a campanha eleitoral, o discurso político, o debate laboral e até mesmo a criação artística. Há décadas que não se via nada de semelhante.

É verdade que a lei é mal feita, mal escrita e perversa. Talvez seja mudada a curto prazo ou nunca venha a ser aplicada, tudo é possível neste país embrulhado no vórtice da manipulação (que dizem democrática…) de consciências. Mas o que é certo é que o dispositivo autoritário está criado. Pode ser aplicado em qualquer altura.

Através da ERC, de agências e serviços a criar, de “estruturas de verificação” a acreditar, de associações a reconhecer, de jornais ou televisões a certificar, de “selos de qualidade” a distribuir, de institutos universitários e centros de estudos académicos em que delegar competências, o Estado prepara-se para pagar o funcionamento de uma rede infernal de delação, supervisão e vigilância, enquadrada num esforço estatal de defesa da verdade, da narrativa autêntica e de elevação moral, assim como da protecção dos fracos, dos vulneráveis e de todos os públicos especiais, o que quer dizer, de toda a gente.

Salazar não faria melhor! Salazar não fez melhor! Polacos, Húngaros e Turcos não fariam melhor! Fascistas e comunistas não fariam melhor. Porquê? Porque agora utiliza-se a democracia para fazer as mesmas coisas. Usa-se a democracia para fazer o serviço sujo. Recorre-se à democracia para manipular, orientar e proibir. Emprega-se a democracia para favorecer e privilegiar. Utilizam-se todos os meios e recursos democráticos para limitar, condicionar, espiar e vigiar!

Como se explica esta deriva? Intenção de fazer bem e de proteger os vulneráveis? Talvez. Vontade despótica? Provável. Necessidade de tentar controlar a população e manipular as consciências? Com certeza. Medo da liberdade dos outros? Possível. Receio das redes sociais? Certamente. Paranóia relativamente aos inimigos da democracia? Provavelmente. Defesa dos privilégios das actuais elites políticas e dos actuais partidos? Absolutamente exacto. Superioridade moral e presunção virtuosa? Sem dúvida.

Os autores e os que aprovaram esta lei vão ficar na história. Pelas piores razões.

Público, 29.5.2021

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28.5.21

MÁRIO NEVES E MANUEL PACHECO DE MIRANDA: CREDORES A QUEM NUNCA PAGAREI O QUE DEVO

Por Joaquim Letria

Ausências profissionais e obrigações académicas retardaram-me o suficiente para perder as despedidas e não poder acompanhar às últimas moradas dois amigos credores de muita amizade e de elevada consideração, ambos figuras últimas e máximas duma escola e duma geração de jornalistas.

Refiro-me a Mário Neves e a Manuel Pacheco de Miranda, dois homens que acompanharam as grandes vicissitudes do século XX, de modo a terem merecido ver a aurora do novo milénio com a lucidez ímpar que não resistiu ao desgaste da matéria que não perdoou a vida dos seus corpos.

A Mário Neves, meu primeiro director, meu tutor profissional, que me deu a primeira de todas as oportunidades e acreditou em mim o suficiente para me permitir ter-me tornado no profissional que ele e outros me ensinaram a ser, devo tudo. Sem ele não teria convivido, de início, com um dos melhores e mais saudosos grupos de jornalistas que terá existido neste País, não teria admirado a dignidade e camaradagem com que nos brindava no dia a dia aquela figura ímpar da cultura e do jornalismo, que tão bem sabia combinar as suas funções de director-adjunto do Diário de Lisboa com as de vice-presidente da Associação Industrial Portuguesa e de Comissário-Geral da FIL.

De extrema modéstia, profunda cultura, sólida formação política, Mário Neves não mostrava minimamente ser a figura decisiva, citada por Hugh Thomas na História da Guerra Civil Espanhola, o único jornalista a testemunhar e a denunciar, então nas páginas de “O Século”, os fuzilamentos maciços que as forças rebeldes de Franco  executaram na Praça de Touros de Badajoz.

Quando a vida lhe causou profundos e irreparáveis desgostos, tão injustos e dolorosos quanto pode ser a perda inesperada e distante dum filho estremecido,  nunca Mário Neves perdeu a compostura digna, a resignação inteligente, a compreensão dialéctica do que é a vida e a morte. Foi um senhor, como o demonstrou ao servir Portugal como seu primeiro embaixador na União Soviética, logo a seguir ao 25 de Abril, tarefa a que se entregou apaixonadamente e finda a qual a doença e a hipocrisia o cercariam até, por fim, o abaterem, modesto e solitário, deixando para todos outra obra sua, A Capital,  vespertino que sobreviveu depois de o ter refundado.

MANUEL PACHECO DE MIRANDA

Manuel Pacheco de Miranda era um aristocrata - Jovial, não mostrando a passagem dos anos, sem dramatizar ou encenar a experiência de que dispunha, indefectível defensor de quantos com ele trabalhavam, o “Senhor Director” agarrou num pequeno e desacreditado jornal local e fez dele o maior diário português.

Foi simples: converteu-o na voz dos pobres e mais esquecidos; defendendo um pequeno núcleo de jornalistas contra tudo e contra todos; recrutando novos jornalistas capazes de entenderem os leitores, o espírito do jornal e “as ideias do Sr. Director”; andando tecnologicamente e empresarialmente à frente dos outros. Acabou presidente do Conselho Fiscal duma pequena empresa familiar que nunca deixou de ser sua.

Viajei com Pacheco de Miranda pelo Mundo, convivi com ele no Porto e em Lisboa. Conversámos sobre jornais e jornalismo. Avaliámos em conjunto o que a vida tem de bom e de mau para nos oferecer. Fui grande amigo de Eduardo Soares um dos seus apóstolos, tive a honra de colaborar no JN a convite seu e de conhecer o carinho caloroso dos seus leitores.

“O Senhor Director” deixou escola e seguidores. Mau grado hoje estar esquecido e mal tratado o seu jornal ainda é o número dois por muito que façam por o deitar abaixo.

Mário Neves e Manuel Pacheco de Miranda foram figuras muito diferentes mas ambos de superior grandeza no Jornalismo português. Não são recordados como mereceriam. Mas deixaram a marca da sua passagem por entre nós. Quem os conheceu não os esquece. Quem não os conheceu nem imagina como estes homens influenciaram as suas vidas.

Publicado no Minho Digital

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27.5.21

No "Correio de Lagos" de Maio de 2021

 

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O enriquecimento ilícito e a hipocrisia

Por C. B. Esperança

A propriedade não é necessariamente roubo, mas o enriquecimento ilícito, mais do que roubo, é a lepra que corrói o tecido dos regimes democráticos, os únicos que permitem a sua denúncia e julgamento.

O combate nem seria muito difícil, se os Estados poderosos se regessem por princípios éticos e abdicassem de usar os paraísos fiscais para subsidiarem atividades que vão da espionagem ao apoio a organizações terroristas.

A facilidade com que alguns partidos abdicam dos princípios do Estado de direito para a luta eleitoral, incentivando ou tolerando a inversão do ónus da prova em Direito Penal, é motivo de forte preocupação para quem defende a CRP e o Estado de direito, isto é, a democracia.

A retórica do combate à corrupção encontra eco estrondoso nos média e, sobretudo, nas redes sociais, não tanto por vontade de combater o crime, mas por demagogia, inveja ou desejo de monopólio. 

Há pelo menos um século que, em democracia, a retórica do combate ao enriquecimento ilícito é um instrumento de luta interpartidária, alheia ao rombo que causa à democracia, quando mais fácil e eficaz é o fim do sigilo bancário, já que outro instrumento poderoso – o fim dos paraísos fiscais –, não depende de um só país ou espaço político-económico.

A desfaçatez com que se recita o mantra “é preciso combater o enriquecimento ilícito” é quase tão insuportável como a perpetuação do crime.

Com exceção dos 48 anos de ditadura, onde o enriquecimento ilícito era monopólio dos próceres da ditadura, e o encobrimento uma obrigação da censura, em todas as épocas de liberdade da nossa História, da monarquia liberal e da primeira República até à atual, este crime foi sempre uma arma de arremesso político.

Deixo aos partidos políticos o desafio para acabarem com o sigilo bancário e, aos líderes mundiais, o fim dos paraísos fiscais.

Ponte Europa Sorumbático

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25.5.21

No "Correio de Lagos" de Maio 2021

Sempre que possível, esta página abre com uma “Nota de Humor”, e foi para essa função que, este mês, este “cartoon” foi escolhido. Mas trata-se de um humor triste, pois o corte de árvores, quando desnecessário, é um dos ABSURDOS da sociedade actual, que não poucas vezes assume o aspecto de crime-público — embora quase sempre impune, devido à insensibilidade de quem o poderia impedir. No entanto, em certas circunstâncias pode assumir contornos ridículos, como no episódio que Jorge Amado incluiu em “Terras do Sem Fim”:
Uma vez por ano, no Dia da Árvore, o manda-chuva lá da terra (um dos que, para a plantação de cacau, arrasavam todas as outras árvores sem dó nem piedade) juntava as criancinhas da escola, dava-lhes uma prelecção sobre o valor das árvores e, depois de um hino cantado em coro em louvor da Natureza, mandava plantar um arbustozinho raquítico — limpando assim a sua má-consciência.

 

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23.5.21

Na Revista “Nova Costa de Oiro” de Abril de 2021

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NÃO deve haver muitos portugueses que não conheçam a Ponte da Arrábida, pelo menos de fotografias, na maioria das quais ela aparece vista de lado; no entanto, a parte inferior, com o seu conjunto de vigas em X que só se vêem bem estando junto ao rio, sempre me fascinou — e o que vos vou contar passou-se precisamente aí, pouco depois da sua inauguração.

 

NUMA bela manhã de sol, estava eu admirando a obra dessa perspectiva — e fazendo desenhos no bloco de apontamentos que sempre me acompanhava —, quando parou junto a mim um senhor de chapéu de feltro, bigodes farfalhudos e grisalhos, de cigarro ao canto da boca e mãos nos bolsos, que, intrigado com o que eu estava a fazer, resolveu meter conversa; e, depois de hesitar um pouco, atirou a beata para o chão e desfechou, com inconfundível pronúncia local:
— Ora então muito bom dia! Linda ponte, não é verdade? — E prosseguiu, indiferente à minha surpresa: — Sabe qual é o outro nome que ela tem, além de “Ponte da Arrábida”? — E vendo que tinha despertado a minha curiosidade, continuou: — Nós, os do Porto, chamamos-lhe “A ponte que dá ‘rábida´ aos de Lisboa” — Esclarecimento que rematou com uma gargalhada e um acesso de tosse.

 

AQUI chegados, é preciso explicar que a Invicta é completamente diferente da capital — e em TUDO, especialmente nas “gentes”. E não só “a gente do Porto” não podia ser mais diferente da de Lisboa, como adesse tempo não usava a palavra “lisboeta” como substantivo, mas sim como adjectivo... pejorativo! Portanto, como já se percebeu, o que ele queria dizer, com esse trocadilho mal-amanhado, era que a ponte da Arrábida, por ser tão bonita, “dava raiva aos de Lisboa” — sendo óbvio que me considerava um desses “mouros” que os portuenses identificam pela “pinta”, como nós fazemos em relação aos estrangeiros. 

 

NESSA altura, e como eu já tinha desistido do que estava a fazer, tive a infeliz ideia de comentar que também gostava muito das outras duas pontes. E ele, encantado por poder mostrar sabedoria a um “lisboeta”, pôs-se a dissertar acerca das “de D. Luís” e “de D. Maria I”, do trabalho de Eiffel... até se interromper, intrigado por me ver sorrir.

Na realidade, até foi penoso dizer-lhe que não era bem assim, pois só a ponte ferroviária é que era de Eiffel, não a rodoviária; que o nome correcto desta era “Ponte Luiz I”, e não “de D. Luís”; que a outra não era “de D. Maria I” nem “de D. Maria II”, mas sim “de D. Maria Pia” (por sinal mulher desse rei D. Luís); e, finalmente, que mesmo uma tal “Ponte de D. Maria II” (que, de facto, existiu) era outra, pênsil (no lugar da tristemente célebre das Barcas, de que apenas restavam os dois grandes pilares de pedra e o lugar da portagem).

Aí chegado, não resisti a atirar-lhe uma última pedra:

— Já agora: “Maria Pia” foi também o nome dado ao hospital pediátrico que tem traseiras para a Praça Pedro Nunes, onde eu nasci em 1947. Sim, meu caro, eu sou natural da freguesia de Cedofeita, a mais antiga do Porto, o que quer dizer que, além de não ser lisboeta, se calhar até sou mais tripeiro do que o senhor.

Em seguida, com um aceno e um sorriso que me esforcei para que parecesse amistoso, despedi-me, e dei uma corrida para a paragem do eléctrico que, para meu alívio, já assomava ao longe.

 

E CONFESSO que já não me lembraria de nada disso se não me deparasse, um dia destes, com as placas toponímicas que, aqui em Lagos, estão de ambos os lados da ponte a que todos chamamos “de D. Maria” — mas que, mais propriamente, se chama “Ponte D. Maria II”, onde o ordinal romano dissipa possíveis confusões entre as Marias possíveis. Aliás, também era como “D. Maria II” que as minhas saudosas tias do Porto se referiam à costureira que ia lá a casa, quando, nas suas conversas de croché, era preciso distingui-la da que a precedera, no tempo da minha avó — e que era, obviamente, a D. Maria I...

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22.5.21

Grande Angular - Anti

Por António Barreto

Definir-se como anti-qualquer coisa é sempre uma redução do espírito e uma armadilha de pensamento. E não é o que falta no nosso universo, do famoso e bíblico Anti-cristo, até às suas múltiplas versões contemporâneas. Anticapitalista, antifascista, anticomunista, anti-semita, anti-sionista, anti-americano, anti-europeu, anti-racista, anticlerical, antidemocrático, anticolonialista, anti-imperialista, anti-maçónico, antiliberal… Eis apenas alguns exemplos de designações da moda que têm o condão de despertar amigos com efeitos imediatos e instintivos.

Hoje, têm especial fortuna alguns epítetos que são verdadeiros códigos de acesso. Quando se diz anti-racista ou antifascista, os sentimentos fervem. Os dos seus defensores e useiros, assim como de terceiros que têm receio de ser visados ou apanhados nas respectivas teias persecutórias. A exemplo, aliás, do que acontecia ainda há bem pouco tempo com o famigerado anti-comunista, hoje quase em desuso. 

Os movimentos anti-qualquer coisa desenham os seus inimigos, bastam-se a si próprios e designam os que se devem abater. Dispensam em geral o pensamento e a reflexão, destinam-se a provocar reflexos condicionados, tropismos tribais e movimentos gregários espontâneos. Detectam os inimigos conforme as conveniências. Não têm doutrina. Ou antes, se têm doutrina, escondem-na.

Tempos houve em que quem se atrevia a defender ideia contrária aos regimes autoritários era simplesmente tratado de comunista. Foi muito frequente em Portugal. Quem não era a favor de Salazar… era comunista! A acusação de anticomunismo era a defesa de todos os que assim se sentiam acusados. Havia mesmo uma variante sofisticada que era a do anticomunismo primário.

Outras designações surgiram, mas de família diferente: anti-capitalista ou anticolonialista tinham já coroas de glória e de afirmação. Acima de tudo, antifascista era a maior virtude. Cultivada sobretudo por comunistas e seus amigos, servia a designação para juntar oposições e congregar esforços sem ter de fazer o esforço de apurar doutrinas. Dizia-se o que não se queria, o fascismo, por exemplo, sem ser obrigado a afirmar o que se queria, o comunismo, em geral. Durante umas décadas, anticolonialista teve o mesmo destino: o de uma indiscutível virtude.

Curiosamente, o sentido destas designações simplórias é, mesmo quando de orientação diferente, de igual ou semelhante rigor. Quem se afirma anti-capitalista, anti-racista e anti-imperialista, trata os adversários de capitalistas, racistas e imperialistas com toda a desfaçatez. São os mesmos que acusam sempre os seus adversários de anti-democráticos, anti-socialistas e anti-comunistas. Como se pode ver, a riqueza destes debates e destas querelas é nula. O conteúdo doutrinário é inexistente e a complexidade cultural uma ficção. São gazuas, palavras-chave, que permitem a todos os intolerantes reconhecerem-se e identificarem os das mesmas plumagens.

Vem isto a propósito de alguns espectros que ameaçam as nossas democracias e o clima de tolerância que tão dificilmente se vem estabelecendo. São os espectros dos principais afrontamentos políticos, culturais e semânticos da vida moderna. O fascismo e seu anti-fascismo. O comunismo e seu anti-comunismo. E o racismo e seu anti-racismo. 

O fascismo é odioso. O teórico, o prático e o histórico. É tolerante com a supremacia nacional. Aprecia a autoridade acima de outros valores. Alimenta o nacionalismo de modo acrítico e exacerbado. Cultiva o herói nacional, ao mesmo tempo que diminui o indivíduo. Apesar da ambição popular, não aprecia a liberdade, muito menos a democracia liberal. Mas o anti-fascismo é detestável. É um pretexto para definir aliados, obrigar a comportamentos, regimentar opiniões, criar fantasmas e fantasias que amedrontem. Juntar os antifascistas significa simplesmente submetê-los, disfarçadamente, a uma política escondida, geralmente autoritária e colectivista.

O comunismo é odioso. Por isso foi quase extinto nos finais do século XX. Autoritário sem complexos nem disfarces, advoga a supremacia de uma classe, exercida pelo comando de um só partido político, através do todo-poderoso Estado. Pugna pela abolição de todas as liberdades e condiciona os direitos individuais. Estabelece a submissão do direito ao partido. Acontece que o anticomunismo é detestável. É geralmente um pretexto para as autoridades de várias espécies. Vive do preconceito e da denúncia fácil e não comprovada. É a invenção de um fantasma para criar medo e impor restrições às liberdades. É um reflexo condicionado.

O racismo é odioso. É o reino do preconceito, estabelecendo bases para a superioridade de um grupo humano. Vive facilmente com a supremacia racial ou a escravidão. Revela puro menosprezo pela vida humana de outros povos e de outras etnias. Admite facilmente que as pessoas possam ser mercadoria e propriedade de outrem. Alimenta o desprezo por quem é de outra cor ou etnia. Mas o antiracismo é detestável. É um pretexto para explorar fantasmas. Uma tentativa para condicionar os comportamentos de outros. Quem não partilhar certas ideias políticas é rapidamente apodado de racista. A sociedade é definida globalmente como racista. O país é considerado racista no seu todo como sistémico e estrutural. Até nas universidades o anti-racismo se transformou em disciplina e em área de estudos e investigação.

Assim é que o anticomunismo se alimenta dos mesmos defeitos do seu inimigo, a autoridade e a ditadura. O antifascismo é um fascismo robusto. E o antiracismo é hoje uma das mais ferozes variantes de racismo. Pontos comuns aos três “ismos” e aos três “anti”: a autoridade agressiva, a provocação violenta, o preconceito e a submissão do Estado de direito. Assim como o condicionamento da liberdade individual e da democracia.

Não há racismos bons. Nem antiracismos. Não há comunismos toleráveis. Nem anticomunismos. Não há fascismos aceitáveis. Nem antifascismos.

Verdade é que comunismo não se vence com o anticomunismo, da mesma espécie. Como é certo que o fascismo não se derrota com o antifascismo, uma sua variante. E o racismo não se resolve com o antiracismo, forma perversa de racismo. Para qualquer destes venenos, para qualquer destes espectros, a democracia e a liberdade são as melhores armas.

Público, 22.5.2021 

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21.5.21

“OH FILHO! PARA CHATICES JÁ BASTA A VIDA!”

Por Joaquim Letria

Se o meu avô Joaquim me tem criado hoje, eu era um pequeno monstro do politicamente incorrecto, porque ele ensinou-me que um homem, para ser homem, tem de:

1.- Gostar de mulheres;

2.- Conhecer e apreciar pelo menos duas óperas italianas, uma francesa e uma alemã;

3. - Ir ao Teatro vestido a preceito pelo menos uma vez por mês e chegar sempre a horas;

4.- Saber de cor uma tirada de Gil Vicente e uma fala de Garrett, mesmo que seja aquela do “Romeiro, quem és tu?”;

5.- Distinguir meia verónica duma  chicuelina e não se impressionar por dispensáveis adornos e desplantes;

6.- Não querer mais do que lhe pertence e defender o bom nome na praça pública.

Foi por mor destas regras antiquadas e duma esmerada educação que vi Palmira Bastos morrer de pé diversas vezes, Erico Braga faiscar o monóculo para as frisas da boca de cena, Amélia Rey-Colaço sucumbir ao vozeirão de Raul de Carvalho, Humberto Madeira tocar trompete sem instrumento, João Villaret parolar o fado falado, Irene Isidro pôr discípulas no seu lugar, a Callas render-se a Alfredo Kraus em São Carlos, Renata Scotto calar o Di Stefano no Coliseu, Carlos Arruza e Conchita Citron, Ordoñez e Dominguin disputarem voltas ao ruedo e cravos da barreira, Ribeirinho no Trindade à espera de Godot, João Guedes e Carmen Dolores a encherem o palco do Império muito antes da Igreja ser Universal e ainda estávamos todos nós horrivelmente longe do Reino de Deus.

Claro que Tony de Matos no Maxim e Mari Carmen no Nina também me ajudaram na difícil carreira de me tornar um homem aos olhos do meu avô Joaquim que me espreitava orgulhoso, apenas não escondendo o seu desagrado por eu não o acompanhar aos filmes da Esther Williams para antes ir ver um De Sicca ou um Rosselini, não porque ele se opusesse ao neo-realismo, mas porque “oh filho! Para chatices já basta a vida!”

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20.5.21

Afeganistão – metáfora do Islão

 Por C. B. Esperança

O recente ataque que provocou dezenas de mortes à saída de uma escola feminina tem a marca dos talibãs, que entendem que as mulheres não devem aprender a ler, aliás, que não podem ter quaisquer direitos humanos.

Neste martirizado país onde os talibãs, subsidiados pela Arábia Saudita, quando foram poder, criaram o “Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício”, a crueldade é a sua imagem de marca.

Quando a URSS invadiu o país, os soldados capturados eram serrados vivos, perante o quase silêncio dos média, porque eram invasores e comunistas. Depois foi a vez dos americanos cujos soldados tiveram igual destino e silêncio, eram invasores e dos EUA. 

Só a explosão das esculturas centenárias de Budas mereceu a justa indignação de países ocidentais.

Quem tem memória destas atrocidades, indigna-se e comove-se, mas não se surpreende com a orgia de crueldade que o fascismo islâmico levou ao norte de Moçambique, onde se instalaram centenas de madraças, numa aterradora tragédia humana.

Em França, com notícias discretas, 1.000 membros das Forças Armadas, incluindo 20 generais da reserva e alguns no ativo, manifestaram a sua indignação com a tolerância perante o Islão cuja agressividade e provocações não toleram. A passagem à reserva dos que estavam ainda no ativo, como mereciam, não resolveu o mal-estar nas FA. 

Agora são os jovens miliares, sob anonimato, que escrevem uma segunda carta contra as concessões ao Islão, contra muçulmanos que ocupam ruas e condicionam os franceses, que têm memória dos ataques terroristas, inquietação a que deve o êxito Marine Le Pen.

A extrema-direita sabe como aproveitar o medo e a indignação a seu favor. A esquerda laica, confundindo antirracismo com cedência aos fascismos religiosos, cava a sepultura com a sua hesitação no combate ao fascismo, neste caso, islâmico.  

O Islão é pacífico?

– É evidente que não, e os crentes são habitualmente as maiores vítimas, especialmente as mulheres que, submissas pela fé e tradição, exigem a liberdade de usar um vestuário identitário contra a integração cidadã. Os bombistas suicidas e o massacre de infiéis têm largo apoio nos países islâmicos e nos guetos europeus.

Sam Harris, no seu livro ‘O Fim da Fé’, numa análise lúcida do choque entre a razão e a religião no mundo moderno, cita resultados de uma sondagem do Pew Research Center, com margens de erro entre 2% e 4%, em 12 países muçulmanos, onde se pergunta se os atentados suicidas em defesa do Islão ‘são justificáveis’ e se ‘alguma vez se justificam’. 

À primeira pergunta, Líbano, Costa do Marfim e Nigéria, no topo da tabela, respondem ‘sim’ 73%, 56% e 47%. À segunda sobem para 82%, 73% e 66%, respetivamente (pág. 136 e 137). Não foram incluídos a Arábia Saudita, Iémen, Egito, Irão, Sudão e Iraque, que, como nota o autor, se o fossem, o Líbano perderia vários lugares no topo da lista.

Até quando, os democratas deixam o fascismo islâmico à solta quando combatem, bem, o fascismo laico.

Não podemos permitir que o ethos civilizacional da Europa seja atacado nas madraças e deixar a civilização sucumbir pelo delírio de fanáticos embrutecidos por uma cópia grosseira do judaísmo e do cristianismo, ditadas pelo arcanjo Gabriel, entre Medida e Meca, a um pastor amoral e analfabeto.

É preciso defender a vida, a liberdade e a civilização da violência prosélita de qualquer que seja a religião.

Ponte Europa / Sorumbático  


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17.5.21

No "Correio de Lagos" de Abril de 2021

P’ rá mentira ser segura / E atingir profundidade, / Tem que trazer à mistura / Qualquer coisa de verdade.
(António Aleixo)
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I — NO SEU livro Boatos, o Meio de Comunicação Mais Velho do Mundo, Jean-Noël Kapferer explica que um boato se propaga como fogo em seara seca porque há uma complementaridade entre os seus “transmissores” (que pretendem mostrar que estão por dentro de algo a que só alguns “eleitos” têm acesso) e os correspondentes “receptores” que, pelo mesmo motivo, se apressam a fazer a sua parte na propagação da informação.

II — MUITOS ainda se recordarão do boato segundo o qual um restaurante muito famoso de Lisboa servia carne de cão. E, apesar de já ter passado mais de meio século, ainda hoje não falta quem se lembre, até, do nome do estabelecimento — e talvez pense, lá no fundo, que “não há fumo sem fogo”. Imagine-se, agora, que esse mesmo boato, em vez de se propagar de boca em boca (como foi o caso), tinha aparecido num jornal, mesmo que redigido em termos cautelosos, como “Está a ser investigado (...)”. Se isso sucedesse (ou, melhor ainda, se tivesse sido ‘enriquecido’ com um desmentido!), já não estaríamos perante um simples boato, mas confrontados com algo a que, nos últimos anos, já nos habituámos: refiro-me às “Fake news”, que podem vir adornadas com uma espécie de “selo de autenticidade” se tiverem uma origem mais ou menos institucional.
Aliás, actualmente as redes sociais encarregam-se de amplificar e reproduzir tudo o que possa originar “likes”, “partilhas” e “clickbaits” o que, como se sabe, traz visitantes — e, portanto, publicidade... que significa DINHEIRO.
Simultaneamente, as “Fake news” profissionalizaram-se, movimentando meios inimagináveis capazes de destruir políticos e empresas, por muito poderosos que sejam, e inclusive influenciar decisivamente eleições em qualquer parte do mundo.
E não se pense que é preciso muito cuidado quando se trata de inventar: há um par de anos (por brincadeira ou não), houve quem divulgasse, no Facebook, uma foto de um relógio de luxo com a legenda “Catarina Martins, do BE, comprou um relógio de 1 milhão de euros”, provocando uma explosão generalizada de indignação popular. E quem inventou a história, além de se ter fartado de rir, ficou a saber que não faltaria quem acreditasse numa eventual fotomontagem que mostrasse Jerónimo de Sousa, ao volante de um Rolls Royce vermelho, fazendo publicidade à Festa do “Avante!”.

III — TODOS os anos, quando se aproxima o dia 1 de Abril, há alguma agitação nos órgãos de Comunicação Social que, obedecendo a uma tradição que já vem do século XVI, participam numa inofensiva competição para ver quem inventa a melhor peta — que deverá ser, ao mesmo tempo, credível e absurda, culminando com uma gargalhada dedicada aos que nela acreditaram. Nessa linha, vale a pena recordar o que se passou com a que o “Correio de Lagos” inventou para a sua versão “online”, anunciando uma central solar flutuante a instalar na baía, com painéis que, em caso de mau tempo, mergulhariam (passando a aproveitar a energia das ondas), tudo acrescido com réplicas das chaminés da indústria conserveira, a colocar nas dunas, devidamente adaptadas a geradores eólicos!
Pois bem; na sua página, o jornal acrescentou, ao título, “1 de Abril :)”, talvez por ter sabido que houve quem transcrevesse a “notícia”, suscitando a ira de alguns dos seus leitores: uns, porque, habituados aos delírios do nosso Ministro do Ambiente, acharam tudo perfeitamente plausível; outros, porque não leram com atenção, reagindo pavlovianamente — como é de regra nas redes sociais —, dando razão ao cartune que mostra “Dilbet na terra dos idiotas”, que tenho sempre à mão desde que comecei a frequentar o estranho mundo do Facebook.
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Correio de Lagos de Abril de 2021

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16.5.21

No "Correio de Lagos" de Abril de 2021

 

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15.5.21

Grande Angular - Tempestade perfeita

Por António Barreto

Parecem reunidas as condições para uma grande tempestade. Perfeita ou não, é o que falta saber.

Por onde passou, a pandemia deixou mortos e feridos. Isto é, por todo o lado. Na sociedade e na economia. Nas instituições e nas empresas. Nas comunidades e nas classes, sobretudo nas mais pobres. A desigualdade social aumentou. A tensão racial, deliberadamente exacerbada, está mais visível. Há gerações que vão sentir, por anos, as dores desta crise. Se houver força, meios e honestidade, talvez seja possível acudir aos vivos. Mas a sociedade está ferida, ninguém duvide. A ponto de que já poucos acreditam no optimismo: desconfiam mesmo de que este é o próprio do fala-barato.

Na vida política, previsivelmente, houve de tudo: cooperação, solidariedade, rivalidades e oportunismo. Mas o mais visível é muito negativo. O debate político está a ficar insuportável. O teor das discussões parlamentares atinge inéditos níveis de baixeza. Quem tem o poder (o PS e as esquerdas) tem cada vez mais receio de o perder, apesar de não ter adversário à altura. Quem não tem o poder (o PSD e as direitas) pressente que não vai ser desta que lá vai, que não tem pessoal nem argumentos. A extrema-direita não esconde uma espécie de justicialismo histérico que a toda a gente faz mal. Certos grupos de esquerda, a começar pelo Bloco, falam com o desespero de quem está a perder a revolução, a poucos metros da Bastilha ou do Palácio de Inverno. Ministros, Secretários de Estado e autarcas perdem a compostura. Há responsáveis políticos que se exprimem como carroceiros. Já há ameaças à liberdade de expressão. Crescem as vontades de controlar a comunicação. O debate político está envenenado. Não apenas porque faltam décadas de experiência democrática e gerações de educação política, mas também porque tudo parece frágil e incerto.

As alianças, as reais e as esperadas, estão tremidas, entre parêntesis. Nada é seguro. Todos querem ver se escapam à necessidade de fazer coligações. O PS e o PSD sonham com maiorias absolutas, mas delas estão longe. Gostavam de se ver livres dos seus prováveis aliados, mas não podem dispensá-los. PCP, Bloco, CDS, PAN, IL e Chega querem absolutamente tornar-se indispensáveis. Sabem que, se falharem estas, não haverá tão cedo novas oportunidades.

Todos esperam pelas autárquicas (o que nem sempre é uma boa medida) para ajustar contas internas nos partidos. Em todos, às abertas ou discretamente, prepara-se a substituição ou a sucessão de líderes. Nenhum escapa, PS, PSD, CDS, Bloco e PCP. As batalhas e as intrigas pela sucessão estão abertas e são visíveis em todos os principais partidos. É bem provável que, dentro de três anos, nenhum dos actuais líderes se mantenha em exercício. O que nunca se faz sem sangue: as lutas internas têm sempre causas e consequências cá fora.

São notórias as dificuldades em manter a ordem pública. Uma evidente incapacidade revelou-se em Odemira, como se vê no futebol e noutras manifestações. Parece que a ordem pública só se mantém e é garantida quando está protegida por organizações civis ou quando uma entidade privada decide mantê-la, como se tem visto. A tranquilidade e a segurança parecem mais dependentes da Igreja católica, do PCP e da CGTP do que das autoridades.

Algumas das mais importantes funções de Estado ou de soberania estão em crise aberta. A Justiça, já se sabia. Agora, de modo inesperado, o governo abriu um profundo e inútil diferendo com parte importante das Forças Armadas, que já sofriam há muito de insuficientes recursos humanos e financeiros. A declaração pública assinada por quase todos os mais importantes e prestigiados chefes militares das ultimas décadas, a começar pelo Presidente Ramalho Eanes, ele próprio antigo CEMGFA e CEME, é de uma gravidade extrema, pelo que é assustador o silêncio do Parlamento, do governo e dos partidos. Espera-se todavia que o Comandante Supremo das Forças Armadas, o Presidente da República, se exprima com brevidade, até porque tem de se definir perante os diplomas legais que lhe vão chegar às mãos.

Há dinheiro. Muito dinheiro. Para quem o apanhar. Para quem estiver no poder, no governo ou na autarquia. Dos antigos fundos europeus, sobram milhões não utilizados. Dos novos, que estão quase a chegar, esperam-se milhares de milhões. O seu gasto não depende de privados, nem de empresas, depende exclusivamente das autoridades, do governo e dos autarcas. Haver dinheiro pode ser tão perigoso quanto a sua falta. Os apetites vão agudizar os nervos e as energias.

Há falta de dinheiro. Muita. As empresas que sobrevivem estão exaustas. Os trabalhadores e empregados dos sectores privados estão inquietos e empobrecidos. Os possíveis investidores nacionais não querem arriscar. Os grupos internacionais não estão por enquanto interessados. As famílias não têm para poupar, muitas delas aliás nem sequer para chegar ao fim do mês. Se a vida económica recomeçar ainda em 2021, vão ser necessários anos de esforço para recuperar, relançar o turismo, elaborar projectos, atrair investimentos, criar emprego, poupar, refazer o sistema educativo e reorganizar os serviços de saúde actualmente exaustos e endividados. Vão ser precisos anos para recompor os sentimentos, a esperança e até as famílias.

A sociedade e a economia estão dependentes de recursos financeiros anormais e excepcionais. Que não dependem do curso regular das actividades económicas. Dependem, isso sim, das decisões políticas, da importância de cada um, do poder negocial, da força das convicções, da capacidade de persuasão e do interesse clientelar. Como é sabido, à vista das últimas décadas, Portugal não tem revelado aptidão e experiência para tratar com honestidade a decisão política, económica e financeira.

Não fora a formidável capacidade amortecedora do Presidente Marcelo e já estaríamos seguramente a navegar em águas furiosas e em tempestades impossíveis. Ao contrário de todos os seus antecessores, o Presidente percebeu desde o início que tinha de ter uma aliança forte e durável com o governo e a maioria parlamentar. O que muito tem ajudado no seu papel moderador. Mas as ambições estão à solta. Os nervos em brasa. Reina a desconfiança. E os que já perceberam o papel do Presidente querem agora ver-se livres dele. O que é perigoso.

Público, 15.5.2021

 

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14.5.21

QUE SERÁ FEITO DO GENERAL PRADO?

Por Joaquim Letria

Ignoro se o general  boliviano na reserva e ex-dirigente destacado do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria, filiado na Internacional Socialista) Gary Prado ainda comemorará o assassínio que cometeu enquanto capitão, há 52 anos.

Desconheço também em que  âmbito o fará. Não sei se ainda o homenageiam pelos ferimentos que recebeu numa “operação de limpeza” de trabalhadores revoltados em Santa Cruz de La Sierra, de onde só passaram a chegar-nos resumos de importantes jogos de futebol da Copa América…

É natural que o general Prado ainda hoje finja retirar importância à rajada célebre que o deixou na História e que disparou há 52 anos sobre aquele prisioneiro desarmado, indefeso, ferido, médico de profissão, revolucionário por convicção, utópico por coração, argentino por nascimento, Ernesto por baptismo, “El Che” por alcunha e Guevara por apelido. 

“O caso Guevara foi um pequeno episódio tornado famoso pela propaganda” diria modestamente, mais tarde, o general Prado que naquela altura não passava de capitão, tal como assim era quando pela primeira vez ouvi falar dele em La Higuera, quando aí me mandaram fazer reportagens, andava eu pela Bolívia, ainda antes de ter a oportunidade de entrevistar o Presidente da Bolívia, General René Barrientos.

Às vezes as utopias, os sonhos, os pesadelos, as mentiras e as verdades, e as vidas dos outros e a de nós próprios assaltam-nos de noite a memória, tal como me aconteceu agora com o general Prado. Que será feito dele?!

Publicado no Minho Digital

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13.5.21

No "Correio de Lagos" de Abril de 2021


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As alterações climáticas e o futuro do Planeta

Por C. B. Esperança

«A Humanidade está à beira do abismo», preveniu António Guterres angustiado com as perspetivas que o aquecimento global reserva às futuras gerações e à mais jovem atual. A angústia do sec.-geral da ONU, sem referir o excesso demográfico do Planeta, ainda em escalada, é sentida há muito por quem se preocupa com o futuro dos filhos e netos.

Este é um problema global que deve ser entendido como o “combate” da nossa geração. Os especialistas ambientais são praticamente unânimes a afirmar que vamos começar a sentir os efeitos das alterações climatéricas, fruto do aumento da poluição, em particular da emissão de gases como o dióxido de carbono.

É ingénuo pensar que tudo irá resolver-se, que é alarmismo. Temos de nos convencer do grave problema que põe em causa a qualidade de vida das futuras gerações, senão a sua própria vida, e pressionar para agirem bem, por todos os meios disponíveis, os governos e as empresas. Essa luta também deve ser feita através da alteração de alguns dos nossos hábitos, desde o uso do automóvel ao abuso do consumo de água e energia.

Devemos ter sempre presente que a população mundial sextuplicou em pouco mais de 2 séculos e que os recursos naturais, apesar da tecnologia permitir um uso mais intensivo dos mesmos, continuam a ser limitados e com pesados custos ambientais.

Enquanto a utopia de eterno crescimento económico não for abandonada será difícil que os Governos optem por definir políticas de bem-estar, sobretudo porque é difícil levar os eleitores, nos países democráticos, a consumir menos recursos de motu próprio.

Aliás, a possibilidade de as ditaduras poderem resolver os problemas melhor do que as democracias é motivo de forte apreensão, e a catástrofe é certa se nada fizermos, ainda que as energias limpas não sejam, por ora, tão limpas como habitualmente pensamos.

A madeira de balsa, rígida e leve, usada para fazer as pás das turbinas eólicas, ameaça o equilíbrio ecológico da Amazónia equatorial, que fornece 75% da produção mundial. 

Os metais extraídos das genericamente designadas ‘terras raras’, são necessários para as turbinas eólicas e igualmente para painéis solares, baterias recarregáveis, lâmpadas mais eficientes e motores de carros elétricos, mas a sua extração deixa uma pegada ecológica pesada, e a mineração provoca desastres ambientais. Para os painéis solares, referidos como energia limpa, com uma duração de pouco mais de duas décadas, não há ainda um plano adequado de reciclagem.

A substituição de combustíveis fósseis por energias limpas é uma exigência para reduzir as alterações climáticas, e os custos ambientais podem ser severos, sobretudo se não se descobrirem formas de reciclar resíduos para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e aliviar os aterros que libertam metano, altamente poluente. 

Mas o pior de tudo é nada fazermos e o desânimo vencer os que querem mudar, contra os imobilistas que, entre a espada e a parede, se encostam, perigosamente abúlicos.

Para todos os que se preocupam com as alterações climáticas, a eleição de Joe Biden, nos EUA, foi uma enorme e auspiciosa vitória.

Ponte Europa Sorumbático

12.5.21

No "Correio de Lagos" de Abril de 2021

 

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No "Correio de Lagos" de Abril de 2021

 

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11.5.21

No "Correio de Lagos" de Abril de 2021

 

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10.5.21

No "Correio de Lagos" de Abril de 2021

 

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9.5.21

No "Correio de Lagos" de Abril de 2021

 

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8.5.21

Grande Angular - Toda a gente sabia

Por António Barreto

Toda a gente sabia que a utilização da água dos perímetros de rega, tanto em Odemira como em muitas mais localidades, não estava de acordo com as boas regras técnicas, qualquer que seja o ponto de vista: da quantidade de água utilizada, das respectivas condições sanitárias, dos produtos a que essas águas se destinam e dos horários e calendários de acesso.

Toda a gente sabia que havia culturas forçadas a mais, estufas mal concebidas e mal construídas, uso abusivo de culturas hiper-intensivas ou ultra-intensivas. Sabia-se que havia produção excessiva de hortofrutícolas graças ao uso desmedido de factores de produção e com abuso de mão-de-obra precária, muito barata e muito mal paga.

Sabe-se que em certas operações do montado, na criação de gado, nas vindimas e em outros cultivos intensivos, como olivais e estufas chegadas aos regadios, especialmente na área de influência de Alqueva, mas também nos perímetros do Baixo Alentejo e do Ribatejo, o uso e o abuso dos factores de produção, das condições climáticas e da força de trabalho imigrante e desprotegida são quase a regra…

Toda a gente sabia que há, no Alentejo, mas também no Ribatejo, no Algarve e mesmo em partes das Beiras, agricultores e proprietários sem escrúpulos nem remorsos que aproveitam deste sistema sem lei.

Toda a gente sabe que muitos proprietários deste género de empresas e de negócio entendem que devem ser os governos e as autarquias a pagar e manter os alojamentos de que eles se servem para depositar e amontoar os seus estrangeiros em péssimas condições de salubridade e conforto.

Toda a gente sabia que os estrangeiros, marroquinos, árabes, sudaneses, nepaleses, tailandeses, romenos, indianos e outros vinham para aqui trabalhar por qualquer preço, em quaisquer circunstâncias, directamente ou através de terceiros países (como a Espanha), de avião, de comboio, de carro, de camião TIR ou de barco.

Toda a gente sabia que havia redes de negreiros e de traficantes de gente que trazem trabalhadores de qualquer parte do mundo por preços colossais na passagem, mas irrisórios no vencimento, ficam-lhes com os passaportes, trabalham sem contrato, sem cláusulas de regresso, sem bilhetes de avião garantidos e só lhes pagam, quando pagam, muito mais tarde ou nos países de origem.

Toda a gente sabe que se negoceiam, há anos, documentos oficiais, passaportes, autorizações de trabalho e residência, atestados médicos, contratos, licenças de construção de alojamentos e de estufas.

Todos sabiam que alguns trabalhadores, sobretudo mulheres, mas também homens, deviam prestar outros serviços íntimos fora das horas de trabalho agrícola.

Toda agente sabia que havia dezenas ou centenas de casas onde, em cada quarto previsto para dois beliches ou quatro camas, dormiam dez ou vinte pessoas, sendo que muitos destes alojamentos eram subalugados pelos angariadores e negreiros.

Toda a gente sabia que em muitos casos, certamente a maioria de alojamentos sazonais deste género, não havia água corrente potável, nem água quente, nem duche, nem banho, nem esgotos.

Toda a gente sabe que as Câmaras estão ao corrente destas situações, defendem a prosperidade económica da região e do município, sabem perfeitamente em que condições vivem aquelas pessoas, mas têm de manter a vida e os negócios.

Toda a gente ficou a saber que as autoridades locais regionais e nacionais, juntas de freguesias e câmaras municipais, polícias, serviços de segurança social e de inspecção sanitária, inspecção de trabalho, a autoridade tributária, os observatórios de tudo que por aí proliferam, os serviços de ambiente e de protecção da natureza, assim como os de protecção civil, todos estão há muito tempo ao corrente das situações, todos sinalizaram pessoas e empresas, todos abriram processos e todos iniciaram inquéritos.

Toda a gente sabe que Odemira está longe de ser o único sítio, talvez até nem o pior, mas a pandemia desorganizou tudo. Os ministérios da Agricultura, do Trabalho, da Administração Interna, da Saúde e da Economia, o SEF, a PJ, a GNR e a PSP estão perfeitamente ao corrente do que se passa, há anos, nas zonas produtoras destes cobiçados géneros no comércio externo. 

O Ministério da Agricultura e seus serviços conhecem bem o que aconteceu em Odemira e o que está a acontecer em dezenas ou centenas de locais do país onde se vive de culturas forçadas regadas, em regime de exploração intensiva, para fornecer angariadores e intermediários que recolhem e transportam rapidamente para os centros de exportação que levam aos mercados de primores europeus…

Há anos que a PJ, o SEF, a PSP e a GNR conhecem as situações, abriram múltiplos processos, sinalizaram muitas pessoas, muitas situações e muitas instalações, nesta e noutras regiões. São simplesmente casos de evidente desastre ecológico, de atentado humanitário e de obscena exploração.

Há todavia algo que parece desconhecido para as autoridades, os autarcas e os serviços: o que pensam e sentem as populações locais? Que efeitos têm, para as suas vidas, estas situações? Que consequências têm estes factos na saúde dos locais, na educação, na qualidade do ambiente, na vida económica, no comércio e na vida social?

Toda a gente, ministros, directores gerais e directores de serviços públicos, polícias, autarcas, deputados, proprietários, produtores e comerciantes garantiram publicamente que conheciam a situação, que tinham a consciência tranquila, que cumpriam os seus deveres e que esperavam que os outros cumprissem também os seus… Um mundo perfeito!

Público, 8.5.2021

 

 

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