31.1.20

Dar tempo ao tempo

Por Joaquim Letria
Os Estados Unidos andam de cabeça perdida com o mais recente orgulho da marinha chinesa – o porta-aviões Shandong.
O Pentágono ficou assustado quando viu o Shandong navegar, imponente, pelo estreito de Taiwan e o departamento de estado e os políticos de Washington ficaram muito preocupados com a possível influência do Shandong nas eleições presidenciais.
Dominantes de Taipé, tal como interventivos nas revoltas de Hong Kong, os americanos apelaram à China para se abster de interferir na política de Taiwan, que Washington controla desde os tempos de Chiang Kai-Shek.
Mas o Shandong já conhece muito bem as águas de Taiwan. A sua primeira viagem ao estreito da Ilha Formosa foi a 17 de Novembro passado, “para testes científicos e treinos de rotina” concluídos com grande sucesso. As forças armadas de Taiwan e os americanos ali presentes monitorizaram de perto o grande porta-aviões que é o último a ser construído no mundo, equipado com a mais moderna tecnologia.
As eleições do passado dia 11 do corrente mês tinham uma  importância decisiva pois ditavam a escolha entre  a actual presidente Tsai Ing-wen, que defende  a independência e opõe-se à aproximação de Taipé a Pequim, e  o líder do Kuomitang, Han Kuo-yu, que quer estreitar laços com a República Popular da China. Tsai Ing-Wen ganhou com mais de oito milhões de votos do que o seu adversário, o que representa mais de 20% dos votos obtidos por Han Kuo-Yu.
Americanos e chineses de Taipé viram a passagem do Shandong como uma ameaça militar e uma forma de pressionar os eleitores indecisos de maneira a evitar uma grande derrota dos nacionalistas da ilha. Pequim não teve a menor reacção e os seus líderes não responderam às provocações eleitorais de Tsai Ing-Wen. Os chineses, imperturbáveis, sabem como o tempo sempre contou a favor da sua história milenar. É só dar tempo ao tempo…
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30.1.20

Delação premiada, ética e as minhas limitações

Por C. Barroco Esperança
Há tão grande excitação em torno de um larápio de dados informáticos que exigirá uma venera para o autor como reparação da injustiça da sua prisão preventiva.
Talvez a minha hierarquia de valores esteja a precisar de aferição e os princípios éticos divirjam do senso comum, quiçá por um exacerbado apego aos direitos individuais e ao respeito pela inviolabilidade do domicílio, ou por rudimentar conceito de cidadania.
Não consigo compreender que alguém que invada domicílios e se aproprie de bens que, afinal, eram fruto de crimes ou documentos que os provem, possa ser ilibado do assalto, reabilitado como cidadão e incensado como herói. Afinal, ele não roubou, furtou, e só lhe faltou a legitimidade policial com o respetivo mandado judicial, meras burocracias.
Sem preparação jurídica nem sensibilidade para avaliar a dimensão dos benefícios que o furto pode prestar à sociedade, refugio-me no conceito rudimentar de que o furto é um roubo, quem rouba é ladrão e quem defende ladrões é cúmplice, salvo o legítimo direito de defesa a que todos temos direito e que cabe aos advogados exercer.
É curioso que, enquanto os Papéis do Panamá jazem há anos na quietude de dois órgãos de informação, surgem novos casos que os fazem esquecer e heróis insuspeitáveis que alimentam a voracidade mediática numa onda justicialista que gera perplexidade.
O que está em causa não é saber se há nas investigações uma orientação conduzida pela comunicação social, que as hierarquiza e define o grau de urgência, o que me inquieta é a minha anormalidade, não ver num marginal um herói, não aceitar integrar campanhas de linchamento de uns arguidos ou heroicização de outros, incapaz de fazer a destrinça entre delinquentes, entre quem deve e quem não deve ser punido, entre heróis e vilões.

Penso saber que o furto é o roubo sem violência e que a moldura penal é diferente, mas o furto de bens atrás do computador é sempre um crime que não suja as mãos nem exige grande força. É uma apropriação que não estraga o vinco das calças, não exige escalar muros e não corre riscos físicos, mas não deixa de ser o crime que lesa bens materiais e devassa a intimidade da vítima.
Há tal avidez pelo escândalo que se ignora a clareza do artigo 126.º n.º 3 do CPP: “São igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular.”.
É difícil aceitar que um sobredotado útil possa ser legalmente amoral, mas talvez sejam as minhas as limitações cognitivas que não me permitem o entendimento que devia.
No ar, anda aí um velho problema, a delação premiada por que aspiram muitos.

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26.1.20

Grande Angular - Angola é nossa!

Por António Barreto
A onda de corrupção comprovada, alegada ou suposta é enorme, conhecida há anos e pressentida há décadas. Bancos, seguradoras, exportadoras, agências de comunicação, consultoras e escritórios de advogados instalaram-se confortavelmente na charneira entre Angola e Portugal. Estabeleceram-se ainda mais comodamente no universo das relações ilícitas entre os dois países. E navegaram na onda dos refúgios dourados: os paraísos fiscais, os infernos da droga, os campos de petróleo e as lapidadoras de diamantes. Durante anos, em Portugal e alhures, floresceram os negócios à sombra de Estados de direito associados a ditaduras de desenvolvimento e a democracias de acumulação primitiva. Os governos de Portugal e Angola organizaram a galáxia. As elites dos dois países aproveitaram.
Alguma coisa correu mal. Este universo suspeito ou, mais do que isso, ilícito, deu nas vistas e foi posto no pelourinho. Não pelo Estado de Direito, mas simplesmente porque, num os parceiros, em Angola, o poder mudou. Ainda não sabemos se mudou para melhor ou apenas porque o poder mudou. Mas já sabemos que o que vem aí não é a brincar. Preparemo-nos para as consequências.
O que esta senhora fez foi enorme. Conquistou o mais que era possível: empresas, bancos, técnicos, advogados, ministros, secretários de Estado, deputados e jornalistas. Deu trabalho. Distribuiu dividendos. Deu acções. Fez transferências. Pagou. Ficou a dever. Emprestou. Pediu emprestado. Investiu. Comprou acções, empresas, administradores, técnicos, corretores e advogados. Teve a seus pés quem quis e quem queria estar por ali.
Fez tudo sozinha? Era só ela própria? Sabia tudo? Decidiu na sua solidão sábia e visionária? Fez sozinha aquela fortuna colossal? Transferiu-a sozinha para Portugal e para toda a malha de offshore e paraísos deste mundo e do outro? Certamente não. Nem em Angola, nem em Portugal. Nem, aliás, na Rússia ou nos Emiratos. Comprou quem estava à venda, depois de verificar que havia muita oferta neste mercado. Fez uma rede e passeou-se nela. Fez presas e alimentou-se delas. Teve a indiferença de quem não queria levantar ondas e a complacência de quem não queria prejudicar as boas relações entre dois países. Teve surdos-mudos e paralíticos que assim julgavam defender a razão de Estado. Soube encontrar, em Portugal, parceiros à altura, empreendedores, advogados, ministros e banqueiros disponíveis para uma verdadeira aventura de circulação e reciclagem de fortunas.
Antes do fim das tempestades, que ainda está muito longe, já se podem ir fazendo balanços e retirar lições. Verdade ou ficção política, uma coisa é certa: Portugal precisa de Angola, mas Angola não precisa de Portugal.
Os Angolanos precisam de Portugal para descansar, investir, guardar dinheiro, transferir capitais, fazer trânsito de pessoas, bens e mercadorias. Tudo que podem fazer noutro país qualquer. Se não puderem fazer aqui, às suas condições, fazem noutro sítio. É menos confortável, mas não custa nada mudar! Essa é a sua independência.
Os Portugueses precisam de Angola para vender mercadoria, prestar serviços, abrir as portas da Avenida de Roma, vender apartamentos de luxo, fazer obra pública e ganhar empreitadas de construção. O que os Portugueses fazem em Angola, não fazem noutro sítio. Essa é a sua dependência.
A independência angolana e a dependência portuguesa podem não ser exactamente o que parece ou o que aqui se diz. Talvez não sejam. Mas é como se fossem. Isto é, governantes e gente de negócio de Angola e de Portugal comportam-se como se tudo o que acima vem fosse verdade. Os últimos anos revelaram numerosas situações em que foi sempre Angola a pôr condições e Portugal a ceder. Os calendários diplomáticos e as agendas políticas entre os dois países estiveram à mercê dos interesses de Angola e dos caprichos dos seus dirigentes, nunca ou raramente dos de Portugal. As visitas de políticos, as reuniões entre governos, a circulação de capitais e a reciprocidade das relações judiciais estiveram sempre dependentes das exigências angolanas.
O ambiente em Angola é propício a fazer a vida difícil aos portugueses. Estes são brancos e foram colonialistas, duas características em crise. Tanto lá, como cá, aliás. O ambiente em Portugal é propício a fazer a vida fácil aos angolanos. São ricos e têm dinheiro para gastar. Os portugueses precisam dos angolanos para vender os seus produtos de luxo. Sem eles, a avenida da Liberdade não seria o que é. Os angolanos têm em Portugal inúmeras vantagens, a língua, famílias, proximidade histórica e conhecimentos. Para os angolanos, estar em Lisboa é fácil. Mais fácil do que para os Portugueses estar em Angola. Quanto ao racismo, existe nos dois lados, não é por aí que temos desigualdade.
Cunhas, luvas e contrabando: é desgraçadamente o dia-a-dia contemporâneo. Locais de quarentena, instituições de reciclagem, redes de branqueamento e veículos de lavagem fazem parte do mundo de hoje, infelizmente. É todavia verdade que, para contrariar esse mundo, muito se pode fazer com a lei, as inspecções, a fiscalidade, a vigilância, a supervisão e a regulação. Em muitos países do mundo se vai fazendo. Em Portugal, muito pouco.
Os políticos, as instituições, os tribunais, as leis, as polícias e os grupos económicos portugueses não parecem estar à altura da tempestade que se prepara nem do furacão que já começou. Vai haver problemas? Sim. Com os bancos, as empresas, as dívidas, os contratos e os investimentos? Sim. Talvez não sejam muito graves. Talvez. Mas o pior é a certeza de que não temos governo, polícias, juízes e bancos à altura. Nem tivemos durante as últimas décadas.
Por cá, já não se diz “Angola é nossa!”, um atrevido slogan inventado no tempo de Salazar e da guerra. Fazia parte deste género de afirmações que se fazem quando nos queremos enganar a nós próprios. Há cinquenta anos, íamos perder a colónia? Sim. Então inventámos um hino e um slogan a dizer o contrário. Será que em Angola, hoje, alguém diz “Portugal é nosso!”?
Público, 26.1.2020

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25.1.20

No "Correio de Lagos" de Jan 20

Dezembro de 2019

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24.1.20

MAGMATISMO, UMA CONSTANTE NO SISTEMA SOLAR.

Por A. M. Galopim de Carvalho
A moderna concepção nebular para a origem do Sistema Solar, com raízes nas ideias pioneiras do alemão Immanuel Kant (1724-1804) e do francês Pierre Simon Laplace (1749-1827), explica os primeiros condensados pela passagem de uma fase líquida (antecedida de uma gasosa) a uma fase sólida.
Podemos admitir que os primeiros condensados, gerados a partir da nébula solar, depois de graviticamente concentrada num glóbulo (o embrião do Sol) e que deram existência a todos os corpos sólidos do Sistema Solar, se formaram a partir de “gotas” de um fundido equiparável a um magma. Os côndrulos que caracterizam um tipo particular de meteoritos líticos, primitivos e indiferenciados, a que chamamos condritos, formaram-se a partir de gotículas (fluidas) posteriormente solidificadas sob a forma de material parcialmente vítreo associado a silicatos ferromagnesianos como olivinas e piroxenas.
A acreção (junção ou aglomeração) destes materiais levou à formação de corpos progressivamente acrescentados, os planetesimais, entre os quais, os maiores puderam experimentar fusão e diferenciação no seu interior. Os meteoritos apelidados de diferenciados (acondritos, siderólitos e sideritos) são hoje vistos como fragmentos desses corpos maiores nos quais tudo indica ter havido fusão seguida de arrefecimento e solidificação e, portanto, magmatismo. Os materiais que resultam deste processo são formados por minerais, e, por isso, devem ser considerados rochas.
Os planetas rochosos ou pétreos como a Terra resultaram da acreção de planetesimais de dimensão variada, processo que, implicando grandes colisões (megaimpactos), foi acompanhado pela libertação de enormes quantidades de energia térmica (energia de acreção) suficiente para levar à fusão dos corpos planetários em crescimento. Estes poderão ter passado por vários ciclos de solidificação e fusão, numa repetição assegurada pelo incomensurável número desses corpos, nos começos do nosso Sistema Solar, e também pela imensidade de tempo envolvido no processo.
Lembremos que megaimpactos de imensa magnitude, ocorridos no nosso satélite Lua, deram origem a grandes áreas deprimidas (bacias), posteriormente preenchidas por lavas basálticas (com idades entre 3800 e 2500 milhões de anos) geradas a partir da fusão de materiais rochosos do manto selenita, em resultado do calor libertado nessas megacolisões. Os “mares” lunares são vastas áreas planas (17% da superfície), de tonalidade mais escura, correspondentes às últimas escoadas das referidas lavas. Estas planuras contrastam com as terras altas, os “continentes”, muito claras, constituindo a crosta primitiva, igualmente magmática, representada por anortositos com 4400 a 4500 milhões de anos (Ma). A crosta lunar sobreviveu graças às relativamente pequenas dimensões do respectivo corpo que, assim, já arrefeceu a ponto de ter aí cessado, praticamente, toda a actividade magmática, o mesmo sucedendo e pela mesma razão, a Mercúrio e a Marte.
A contracção gravítica, inerente a um corpo suficientemente grande e indiferenciado (chamemos-lhe protoplaneta), gerado por sucessivas e progressivas acreções, e a desintegração radioactiva de certos isótopos foram fontes de calor a acrescentar ao processo que, pensamos, esteve na origem da Terra.
A evolução que, a partir do corpo protoplanetário relativamente homogéneo (indiferenciado) então criado, conduziu a um planeta diferenciado, isto é, com individualização de um núcleo férrico, de um manto e crosta silicatados, envolveu igualmente um conjunto de processos nos quais o magmatismo teve papel fundamental.
Este processo de diferenciação correspondeu à migração gravítica do ferro disseminado no corpo do protoplaneta, em direção ao respectivo centro, num imenso colapso gravítico, ele próprio gerador de calor (energia de colapso). Igualmente fundido, em parte maior ou menor, ficou o invólucro essencialmente silicatado e magnesiano correspondente ao manto. Nesta fase, a Terra e, certamente, os outros planetas rochosos eram “bolas de fogo” envolvidas num “oceano de rocha em fusão, ou seja, de magma. Só depois, após arrefecimento de milhões e milhões de anos, se formou a já referida crosta primitiva, num processo igualmente magmático.
Admite-se que com a diferenciação magmática da crosta teve lugar a correspondente libertação de vapor de água, de dióxido de carbono e de outros gases, à semelhança do que acontece no vulcanismo actual. Logo que o arrefecimento o permitiu, o vapor de água condensou, gerando parte da água existente na Terra. A outra parte, pensa-se, terá sido trazida por cometas nas primeiras fases da evolução planetária. Torna-se, assim, evidente que a atmosfera primitiva e parte da água do planeta buscaram origem no magmatismo que aqui teve lugar. O ar que hoje respiramos, o mesmo que diariamente poluímos em nome do chamado desenvolvimento, já não é o da atmosfera primitiva nascida da referida diferenciação, mas o que evoluiu a partir dela numa estreita ligação com os organismos fotossintéticos de então.
Temos, pois, de concluir pelo carácter também essencial do magmatismo na origem e manutenção da vida.
No que se refere ao nosso planeta, o magmatismo foi e é uma constante na respectiva dinâmica global, quer sob a forma de vulcanismo (de Vulcano, deus do fogo, na mitologia romana), quer de plutonismo (de Plutão, deus dos Infernos, na mitologia romana).
A finalizar lembremos que os magmas que geraram e geram as rochas magmáticas que nos rodeiam nasceram e nascem todos da fusão parcial de rochas preexistentes, quer no manto superior e, neste caso são referidos por magmas primários, quer na crosta, recebendo então o nome de magmas secundários.

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Portugal está à venda

Por Joaquim Letria
A economia portuguesa e aquilo que seja que ela vale está à venda. Os activos que passam de mão portuguesa para controle estrangeiro não param.
Só em Dezembro a Altice desfez-se de metade da sua rede de fibra óptica, entregue à Morgan Stanley Infraestructures. O grupo Vasco de Melo e o seu parceiro Arcus vão vender 80% dos seus direitos de voto na Brisa. A EDP vendeu seis barragens a um consórcio de empresas francesas liderado pela Engie. E ainda e também a Altice transferiu para um grupo do Bahrein 85% da gestora dos fundos de pensões da TLP, da Marconi e da TDP.
O alívio das dívidas das empresas portuguesas e o regresso da confiança são um desengano. Portugal está à venda.   
Após a terrível destruição da riqueza nacional da era de Sócrates e da troika, incluindo a entrega da PT e do capital nacional da EDP, mais a banca, hoje dos espanhóis ou dos angolanos, o Estado português continua a sangrar recursos.
Aqueles que gerem isto tudo ou não sabem negociar ou deixam que os enganem, sem contrapartidas que desconhecemos ou outras que venham, mais tarde, a ser descobertas.
Gostava que os homens de negócios, os patrões portugueses, pudessem ter acesso a tudo isto e pudessem ficar com a nossa riqueza nacional e estratégica nas suas mãos portuguesas.
Mas será que lhes facilitam essa abertura, que lhes abrem as vias de acesso para alcançarem semelhante objectivo e para que assim seja?
Oxalá assim fosse. Infelizmente, tenho muitas dúvidas, o que é lamentável. Queira Deus que assim pudesse ser, para bem de todos nós.
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23.1.20

Memórias da Guarda – Minicrónica

Por C. Barroco Esperança
Na Escola do Magistério houve um curso facultativo de Defesa Civil do Território que era obrigatório. Parece um paradoxo, e foi realidade para todos os alunos.

Era promovido pela Legião Portuguesa, comandada na Guarda pelo ten. cor. Matos, e ministrado pelo filho deste, o médico Piçarra de Matos, e um legionário que fazia as demostrações práticas, o único homem regente escolar que conheci, sem posto escolar.
Não me inscrevi para ouvir noções de primeiros socorros e aprender a colar papéis nas janelas em caso de bombardeamentos aéreos. Fui chamado ao diretor, Armando Saraiva de Melo e, pelo tom da pergunta, manifestei vontade imediata de me inscrever, e desisti de uma hora semanal de namoro para ajudar a ganhar a vida ao filho do ten. cor. Matos.
No dia do ‘exame’, cuja nota era irrelevante para o curso, as respostas foram escritas no quadro e todos tivemos 100% de respostas certas e 16 valores, menos eu, que tive 15, e demorei a perceber a honra da exceção.
Quando fui dar aulas para a Covilhã, recebi duas cartas, dirigidas à Delegação Escolar, onde o comando da LP da Guarda me mandava comunicar a morada, para atualização do ficheiro da Legião.

Como não respondi, recebi terceira carta a intimar-me, sob pena de não sei de quê, para comparecer no comando da Legião, na Guarda, em um dos três sábados seguintes.
Lá fui, como o boi para o açougue, logo recebido, e asperamente censurado por não ter respondido ao solicitado. Referi o nome da pensão onde estava hospedado, e o ten. cor. Matos entregou-me uma ficha para me inscrever na Legião Portuguesa. Recusei fazê-lo e dar qualquer justificação. Fui determinado e, face à recusa, com ameaças e remoques, lá me deixou sair com a dignidade intacta, medo e nojo acrescido pelo biltre.
Até hoje nunca tive coragem de perguntar a colegas do meu curso se foram obrigados a inscrever-se. Seria constrangedor, e nenhum merecia ser humilhado por eventualmente ter cedido a um ato de chantagem.

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20.1.20

Grande Angular - Partidos contra a democracia

Por António Barreto
É normal a agitação que reina actualmente na maior parte dos partidos. As derrotas estrondosas do PSD, do CDS e do PCP reclamam exame e avaliação, quem sabe se reformas. A estagnação do BE, com menor sentido de urgência, faz pressão no mesmo sentido. O aparecimento de novos partidos, mesmo se minúsculos, obriga a reflexão. Só o PS, vencedor, parece calmo e sem apetite aparente por reformas. Se o silêncio gélido do PCP for considerado uma variante da calma, então teremos de incluir este partido na curta lista dos que não exibem problemas.
A inquietação quase moribunda do CDS, as trapalhadas eleitorais do PSD e os patéticos sketches do Livre e do Chega são sintomas da desordem política que, depois das últimas eleições, vai por esse país fora. Assim é que temos congressos em preparação em quase todos os partidos, tanto os que estão em crise, como os que navegam mais serenamente. Todos se preparam para eleições internas (e o PCP para nomeações). Em vários, trata-se de eleições directas dos seus líderes.
Esta última é apenas mais uma solução entre outras para reformar os partidos e a democracia. “Aproximar os partidos do povo”, “abrir os partidos à sociedade” e decretar a “transparência” como virtude absoluta e maior, eis alguns dos expedientes utilizados, na esperança de trazer para os partidos e mobilizar para as eleições os cidadãos indiferentes e abstencionistas. Ao fim de dez ou vinte anos de tentativas de aproximação e de profissões de fé de transparência, não consta que esses novos métodos tenham produzido quaisquer efeitos. Pelo contrário. Proliferam os movimentos ditos inorgânicos e as manifestações sociais de insatisfeitos, aliás de esquerda e direita, como se pode ver na Europa e na América Latina.
Em certo sentido, a crise dos partidos é também a crise da democracia. Pelo menos da democracia representativa, tal como a conhecemos. Muitos são os factores que ajudaram a desenvolver esta crise. A abstenção crescente e o desinteresse dos cidadãos estão entre os principais, ainda que seja necessário perceber as respectivas razões e causas. A demagogia política crescente em eleitorados cada vez mais diversificados e erráticos criou uma nova política. A sociedade de consumo e a publicidade, com os seus mais famigerados predadores, as agências de comunicação, têm a sua quota-parte de responsabilidade.
Esta crise tem inúmeras versões. E múltiplas interpretações. Digamos, para simplificar com alguns lugares-comuns, que “a distância entre a política e os cidadãos” é uma das suas características. Tal como a demagogia crescente, com partidos a prometerem, a não cumprirem ou a mudarem de política logo a seguir à eleição. Convém ainda não esquecer a corrupção, o nepotismo e a porta giratória, fenómenos pelos quais os políticos ficam ricos, os seus familiares têm empregos, os seus amigos conquistam posições na economia e nas instituições, além de serem também os mecanismos com os quais se obtêm licenças, encomendas, contratos e autorizações. Há ainda causas mais sérias, isto é, menos moralmente condenáveis. Por exemplo, o facto de as decisões políticas estarem condicionadas pelo poder económico, pelas grandes potências e pela União Europeia, contribui para a desilusão com a democracia.
Finalmente, demagogia política e sociedade de consumo estão na origem da criação de um fenómeno verdadeiramente revolucionário: as aspirações ilimitadas e as ambições desmesuradas. Toda a gente quer tudo, já. Nada de mal nisso, com certeza, só que é impossível. Por isso, há cada vez menos estabilidade política e eleitoral. Por isso, as sondagens instantâneas e os estudos de mercado quotidianos substituíram os mandatos eleitorais. Mais do que nunca, faz-se política com horizontes de dias ou semanas.
Neste universo crítico, nasceram ou desenvolveram-se duas ideias nefastas: a da proximidade da política e a da transparência. Os partidos e os políticos, com receio de serem eliminados pela força centrífuga da crise, deram a estes dois conceitos um valor de receita. Com transparência, o povo fica a saber tudo e a perceber quão honestos são os políticos do dia. Os eleitores passam a conhecer os modos como se tomam decisões. Toda a gente vê quem faz pressão, quem luta pelos seus interesses e quem tem ligações com a economia. Com a transparência, todos sabemos tudo!
A proximidade é o outro conceito chave. Reza a doutrina, se doutrina se trata, que a política, o governo, as instituições e os partidos devem estar próximos dos cidadãos, perceber os seus anseios e conhecer as suas dificuldades. As decisões devem ser tomadas no campanário, na cidade ou na região. Quem toma decisões deve ir ver e falar com as pessoas, conhecer os eleitores e tratar com os interessados. Contra o Terreiro do Paço, a democracia ou é de proximidade ou não é!
Interessante e preocupante é a fé que muitos depositam na eleição directa do líder. Este método, a arrepio do congresso e das estruturas representativas, é a importação de tecnologia populista para dentro dos partidos, onde também se fazem eleições primárias para candidatos a eleições nacionais. Além disso, já se nota um movimento favorável a que se dê o direito de voto a meros simpatizantes. E também já é possível, em certos casos, um não militante ou não sócio apresentar a sua candidatura. São estas fórmulas demagógicas que os partidos adoptam para tentar agarrar os cidadãos e os eleitores que lhes escapavam.
Com estes mecanismos, os partidos estão a destruir alguns pilares da democracia representativa e a retirar ao partido político o seu carácter orgânico. Assim se estabeleceu o primado do carisma individual, por cima da função doutrinária do partido e do seu papel de racionalidade no sistema político.
Separou-se a eleição do chefe da eleição dos órgãos partidários e da aprovação de um programa. É possível eleger um líder e uma direcção e aprovar programas contraditórios. É possível, como já aconteceu tantas vezes, que os chefes dos partidos não sejam sequer deputados e tenham sérios problemas com os seus grupos parlamentares. As eleições directas dos chefes partidários são contrárias à democracia representativa e constituem uma das mais perigosas ameaças à democracia parlamentar. Apetece dizer que “com a democracia se destrói a democracia”.
Público, 19.1.2020

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17.1.20

A sério que vos parece bem!?

Por Joaquim Letria
Parece-me que há quem não se importe que deixemos de ser  uma nação para passarmos a ser  um sítio. O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, que ainda não percebi o que faz no Governo para além de dizer que o lítio é o melhor que há, que é urgente demolir o prédio Coutinho e que as vítimas dos incêndios estão todos a progredir na vida, teve agora a brilhante ideia de mudar de sítio as aldeias do vale do Mondego para resolver o problema das cheias.
É bom que se recorde que estas cheias decorreram do rebentamento dum dique, que nem sequer manutenção tem, e que o dique nasceu da necessidade de conter as águas fluviais e suportar as descargas duma barragem agora vendida aos estrangeiros, depois de terem desviado o curso natural do rio.
Acho uma ideia peregrina aquela de deitar abaixo aldeias ou afundá-las como em Ribeiro de Pena e construí-las noutro sítio mais conveniente à correcção dos erros políticos e de engenharia. Sem importar as vidas, as memórias, as famílias, a paisagem e a História.
Já tivemos esse exemplo com a aldeia da Luz, que foi afundada no Alqueva, dizia-se então que era para irrigar o Alentejo e afinal de contas é para explorar o turismo, dizermos à boca cheia que temos o “maior lago artificial da Europa” e irmos admirar os espanhóis a cultivarem os olivais e as vinhas que eram nossas e vermos os alentejanos a serem gradualmente substituídos por milhares de nepaleses, tailandeses e hindus explorados em trabalho escravo.
Devem estar ainda recordados que já também tivemos outro governo da mesma cor que mandou as nossas mulheres irem parir a Espanha. Não havia obstetrícia, faltavam ginecologistas e portanto façam o favor de ir a Badajoz, ao Hospital Infanta Cristina, que lá resolvem-lhes o problema.
O mais grave desta história toda é vermos que quem assim pensa e é capaz de obrigar os outros a mergulharem em asneiras deste quilate não reconhece nada do que pertence ao bom senso. Não pensou, ou não se importa que no cartão de identidade um português passe a ter naturalidade de Badajoz, Espanha, e se alguém disser que é de Formozelha, concelho de Montemor o Velho, distrito de Coimbra, é duma aldeia que já não existe porque foi arrasada para deixar passar o rio desviado do seu curso.
Eu não quero dizer mal desta gente. Mas a sério que tudo isto a vós vos parece bem!?
Publicado no Minho Digital

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16.1.20

Crónica – Memórias da juventude

Por C. Barroco Esperança
Quando em 1961, ido da Guarda, fui colocado no Bairro dos Penedos Altos, na Covilhã, logo surgiram convites habitualmente destinados aos professores.O primeiro, com tratamento de V. Ex.ª, que me faria duvidar do destinatário, não fora a coincidência do nome, foi recusado. E os seguintes. Não me interessavam e eram pouco recomendáveis as origens.Em abril de 1963 o Papa João XXIII tinha publicado uma encíclica destinada não só aos fregueses, mas a todos os homens de boa vontade, as mulheres não mereciam referência. Recebi o convite para um colóquio, tal como as 15 docentes daquela escola onde era eu o único homem, com alusão ao tema a discutir, a Encíclica PACEM IN TERRIS.Dessa vez, por razões que o Diabo explicará, compareci à hora e no local que o convite, subscrito por um padre S. J., indicava. Um padre, culto e comunicativo, dissertou sobre a encíclica, em termos encomiásticos, e pôs o tema à discussão.
Retivera que o Papa pedia aos países ricos que ajudassem os países pobres e, logo que tomei a palavra, perguntei se tal pedido era ingenuidade papal ou hipocrisia, sabendo-se que os ricos só ajudariam os pobres se obtivessem vantagens.
Foi urbana a resposta do padre preletor que contestou a minha afirmação, mas a plateia foi insensível e inamistosa. Havia de me acontecer muitas outras vezes na vida.
Só não esperava ser chamado uma vez mais, por ordem do tenente Gaspar, ao comando da PSP, para me dar conselhos durante a noite, devia sofrer de insónias, e só terminar a caridosa prédica às cinco ou seis horas da madrugada com o habitual conselho, V. Ex.ª, este era o tratamento para todos os cidadãos da Oposição ao regime, está a prejudicar o seu futuro, o senhor Dr. Raposo de Moura, que muito prezo, é companhia que prejudica V. Ex.ª, tenha uma boa noite.
Não tardou que de Castelo Branco viesse um agente da Pide a ouvir o Delegado Escolar e outros professores da confiança deles, a meu respeito, pois o padre Morgadinho, irmão de um agente, comunicara que havia na Covilhã “um professor novo, atrevido, com cara de idiota, que precisa de ser vigiado”.
Já tinha sido provido como professor efetivo na Lourinhã, e desgostou-me o padre Morgadinho a chamar-me ‘novo’, já com vinte anos e a terminar o segundo ano de docência.
Aliás, a Pide vigiava-me há dois anos e o execrável governador civil da Guarda andava inquieto, comigo e com a minha mãe. O governador, Mário Bento Soares, de tanto odiar o honrado homónimo da oposição, não permitia que o tratassem por Dr. Mário Soares. Deixou cair o apelido paterno e assumiu para todos os efeitos o nome de Mário Bento.

Ponte EuropaSorumbático

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13.1.20

Pergunta de Algibeira

O que têm em comum estas duas fotos?

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12.1.20

Grande Angular - Todos os anos, pelo Inverno…

Por António Barreto
De farpelas negras, esvoaçam por esta altura. Falam, aplaudem e sorriem… São os Magistrados judiciais e do ministério público. Os membros dos Conselhos Superiores. Os advogados, sua Ordem e seu Bastonário. Os presidentes dos Supremos e outros tribunais superiores. A Procuradora geral da República. Os representantes das Relações. Os magistrados do Tribunal Constitucional, especial entre todos. Os dirigentes dos sindicatos e das associações de magistrados, estes tão estranhos corpos no meio de órgãos de soberania. É a abertura do ano judicial, cerimónia muito peculiar. Tem Presidente da República e Presidente do Parlamento. Tem Ministra da Justiça. Ao contrário de outros anos, não teve Primeiro-ministro, ausência incompreensível, pesada de significado, não se percebe bem porquê, mas deve haver caso. Tem Cardeal, Generais, comandantes das Polícias, Inspectores e Directores. É a fina-flor da Justiça, da Segurança, da paz nas ruas e da ordem no espaço público. Normalmente, a cerimónia decorre nos salões do Supremo, no Terreiro do Paço, mas este ano, por motivos de obras, foi deslocada para o Palácio da Ajuda.
Os assistentes, muitos enfarpelados também, reúnem-se com antecedência. O ambiente é solene e cerimonioso. Chega o cortejo. Começa a sessão. A liturgia da abertura do ano judicial é o local por excelência para a “culpa circular”: todos apontam para os outros e se isentam de responsabilidades. A culpa B, que denuncia C, que responsabiliza C, que acusa D… Por vezes fazem-no com elegância, outras com truculentos desabafos. Este ano, a cortesia foi a regra. Quando assim é, culpa-se o sistema, o maior responsável por tudo o que não funciona.
Todos querem reformas, reclamam melhores leis, pedem mais meios, exigem mais recursos humanos e reivindicam mais celeridade, recato, respeito e confiança. Mas, este aparente consenso não resiste à análise. Na verdade, os recursos e os meios de que cada um fala são diferentes. Mais juízes, mais procuradores, mais oficiais de justiça… Mas também vencimentos, promoções, pessoal técnico, despesas de deslocação, equipamento de informação, bases de dados e contratação de serviços especializados … E ainda subsídios de compensação, descontos para a Caixa Geral de Aposentações e isenção de IRS. Uns olham para os meios materiais, outros para os meios técnicos, outros ainda para os meios humanos. Não faltam os que querem os gabinetes de apoio aos juízes. Finalmente, muitos preferem referir-se aos meios materiais e humanos das estruturas de investigação e das polícias em especial. Não! Não há consenso. Cada um pede o que quer e lhe falta, o que é natural. A verdade é que temos ali, durante uma longa e transpirada cerimónia, a maior assembleia de reivindicações de toda a sociedade portuguesa. Só que a cortesia ritual e os bons modos fazem com que em nada se pareça com uma assembleia da CGTP, uma reunião de camionistas ou um piquete de estivadores. Não se parecem com eles, mas exigem mais do que eles.
Não há razões para não acreditarmos em pessoas tão qualificadas e responsáveis. Está ali a nata da sociedade, a elite do Estado e o que de mais prestigiado tem a Administração Pública. Quer isto dizer que não se pode sequer imaginar que um dos representantes esteja a mentir ou a enganar. Só dizem verdades. Mesmo se verdades parciais e interessadas. Mas sempre verdades. É verdade que faltam pessoas e meios. Que as leis são em geral mal feitas. Que existe interferência política onde não deve haver. Que a rivalidade entre os grandes corpos da Justiça (magistrados, procuradores, advogados, oficiais e polícias) é responsável por uma boa parte da sua má reputação. Que um número excessivo de “mega processos” atrasa a justiça, dá mau nome aos magistrados e cria má reputação. Que a produtividade dos tribunais é reduzida, mesmo se os últimos vinte anos têm mostrado uma melhoria. Que a justiça é socialmente injusta. Que os códigos processuais estão desactualizados. Que existe a “justiça dos mais fortes”, o que se revela no facto de aquela ser bondosa para os que mais são ou mais têm. Que os prazos e os processos favorecem escandalosamente o governo, os políticos e os poderosos. Que são deficientes as condições físicas de funcionamento dos tribunais e ineficientes as redes de comunicação. Que continua a vigorar o desprezo pelos mecanismos de segredo de justiça. Que há uma enorme passividade parlamentar relativamente à justiça.
Esta última deficiência é das mais gritantes e, ao mesmo tempo, das menos referidas. Na verdade, muito depende do Parlamento, a começar pelas leis e pelos códigos. O Parlamento tem vastíssimas competências, muitas delas exclusivas, desde a definição de crimes e de penas, à nomeação de magistrados para os órgãos superiores, passando pelos estatutos dos tribunais. O Parlamento esconde-se atrás da independência dos juízes e da autonomia dos tribunais, assim como da iniciativa do governo, para justificar a sua indolência e a sua passividade.
Alguns discursos, na cerimónia de abertura, sublinharam os melhoramentos do sistema de justiça. Em certos casos, têm razão. Os números de processos entrados, findos e transitados mostram uma evolução positiva. Isto é, nos tribunais comuns, parece que a tendência é de progresso: o número de resoluções é superior ao de entradas. Isto apesar de o número de magistrados judiciais estar estagnado há dez anos e o de procuradores em diminuição durante o mesmo período. Numa breve observação europeia, o número de magistrados por habitante é razoável, a meio da tabela.
O problema é evidentemente o dos crimes e processos de corrupção, de criminalidade financeira e económica ou que envolvem nomes pesados da sociedade, da economia e da política.
Como se pode ver com o estado actual do “caso de Tancos”. O Primeiro-ministro e o governo não perceberam que a sua reacção e a sua posição relativamente a este caso só os prejudicam a si próprios. O comportamento do Primeiro-ministro foi culposo e envergonhado. Mostrou desconforto e mácula, além de receio de escrutínio público.
Por sua vez, o Presidente da Assembleia da República percebeu que lhe era difícil isentar os parlamentares de culpas e sobretudo sentiu-se pouco à vontade para criticar os juízes, numa altura em que os processos que visam os políticos são mais do que muitos. Numa intervenção excêntrica e de rara imaginação, denunciou “as presunções de regeneração justicialista”, acusou “um certo clima anti-parlamentar” e defendeu a Assembleia da República que, aliás, ninguém acusou!
Público, 12.1.2020

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Apontamentos de Sintra

Há quem diga que "Talento é a arte de simplificar". Seja verdade ou não, isto parece ser a "Arte de complicar"!
(Av. Heliodoro Salgado, Sintra)

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10.1.20

Uma comovente história de amor

Por Joaquim Letria
A mulher do presidente do banco Caixa Agrícola recebia uma subvenção de dois mil e picos euros só para estar ao lado do marido, apoiando-o moral e animicamente, enquanto ele galhardamente desempenhava o seu papel de banqueiro.
Licínio Pina não só explicou isto como justificou a subvenção com o facto de necessitar da companhia e acompanhamento da mulher no seu dia a dia. E justificou que teria apresentado esta exigência no dia em que foi convidado para o cargo que desempenha. A D. Maria da Ascensão Pina, que era professora de profissão, sacrificou-se assim a continuar a ser o ai Jesus do Engenheiro Pina, mandando os dilectos alunos às urtigas. Uma coisa destas não se faz de ânimo leve, daí a subvençãozinha de dois mil e tantos euros para compensar a D. Maria da Ascensão do sacrifício.
Tudo isto andou bem até alguém ter informado o Banco de Portugal do que se estava a passar. O Engº Licínio disse que isso eram boatos e cartas anónimas e chegou mesmo a dizer aos jornais que o interrogaram que nada disso era verdade e que a D. Maria da Ascensão era uma abnegada professora. Mas alguém que percebe de contas foi ver melhor e então o Engº Licínio passou a dizer que, afinal, sim senhor: precisava da mulher junto dele, mas a subvenção que a Caixa agrícola lhe pagava era retirada do seu salário bruto.
Mas a questão não ficou esclarecida por um simples pormenor: é que o vencimento do Engº Pina, no desempenho daquela função, era de trezentos e muitos mil euros por ano quando começou. E depois o Engº Pina  passou a receber quatrocentos e muitos mil euros por ano donde retirará o diminuto estipêndio para a D. Maria da Ascensão.
Creio que S. Exa. O Presidente da República, tão justamente preocupado com a injustiça da situação dos curadores, que bem merecem ser compensados pelo seu real sacrifício, ficará animado com este exemplo. Não é que a D. Maria da Ascensão tenha de dar os comprimidos, limpar o rabinho e mudar as fraldas do Engº Licínio. Mas decerto que faz muito por ele e pelo sistema bancário.
Enfim, o que as más línguas não conseguem destruir, por pior que digam deste casal de mão dada, é esta comovente história de amor.
Publicado no Minho Digital

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9.1.20

Apontamentos de Sintra

Embora um pouco afastados da realidade geográfica, o "N" e o "S" até se entendem. 
Mas as outras duas letras (O e P) que jeito é que têm?! "Oriente" e "Poente"?! Francamente, não sei... 
(Está no pátio de uma casa já antiga, em Sintra, junto ao Mercado da Estefânia).

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A guerra EUA/ Irão

Por C. Barroco Esperança
O assassinato ordenado por Trump, contra o general sírio Qasem Soleimani, chefe da Força Revolucionária da Guarda Quds do Irão, em Bagdad, demonstrou a insânia de um demente e a arrogância de um déspota. A posterior ameaça de destruir o rico património histórico da civilização persa, ameaça de que já recuou, revela a sua indigência cultural e a indiferença perante mais um crime previsto nas leis internacionais.
A execução do importante general e de mais oito pessoas, no país ocupado pelos EUA, a convite das autoridades locais, foi um crime para aliviar a pressão do “impeachment”, em apreciação, que os seus ataques reiterados à legalidade e à ética exigiram.
Este crime é uma afronta à legalidade internacional de alguém, com um poderio brutal, capaz de tudo para garantir a reeleição e a impunidade à sua conduta. A transferência da embaixada de Telavive para Jerusalém foi uma provocação gratuita aos muçulmanos, ao arrepio dos países tradicionalmente aliados dos EUA, e só serviu para acirrar ódios e aumentar a tensão na região.
Nesta altura não se podem esquecer os nomes sinistros de Bush, Blair, Aznar e Barroso na invasão do Iraque, invasão criminosa que agravou os problemas do Médio Oriente e pôs o mundo em progressivo sobressalto, sem que o TPI os possa julgar.
Que o Irão é uma teocracia, abjeta como todas as teocracias, uma ditadura fascista como a Arábia Saudita, do Eixo do Bem, ninguém duvida. Que o Islão político é quase tão perigoso como Trump é evidente, mas ninguém, até hoje, tinha ido tão longe no desafio a leis internacionais e desprezo pelos tratados que o próprio país assinou, como os EUA de Trump.
Como danos colaterais há o reforço dos grupos terroristas islâmicos e a iminência de um desastre global com uma guerra que, se começar, pode não deixar ninguém para contar.
Não se esperava de um presidente americano, apesar dos vários e graves desvarios após a guerra de 1939/45, que houvesse um Trump que atraiçoasse os tratados assinados, que se atribuísse o direito de negar vistos a participantes na ONU, como se fosse refém do país em cujo território tem a sede, e que decidisse guerras em nome da NATO sem a anuência dos seus aliados.
Enfim, a barbárie já começou. O futuro do mundo é cada vez mais incerto e reduzido. A atitude da Rússia e da China são decisivas. A chantagem de Trump sobre a UE já se faz sentir e a comunicação social já está a ser submetida aos seus interesses.
A opinião pública mundial hesita entre o medo, a angústia e a revolta.

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7.1.20

«Think globally, act locally» - (*)

«Boas intenções com má informação é a receita certa para o desastre» 
(Michael Crichton)

I - Recentemente, Veneza, sofreu mais uma das habituais inundações, desta vez de um valor recorde. “A culpa é do aquecimento global!” — sentenciou logo o pessoal do “pronto a pensar”. Talvez seja, mas, entretanto, continuarão a chegar à cidade os seus 30 milhões de turistas, muitos deles vindos em gigantescos navios de cruzeiro — dois dos quais, em menos de um ano, se “estamparam” contra terra-firme. Claro que não foram esses monstros que provocaram ESTA inundação, mas o certo é que não dão saúde nenhuma à cidade, afectando a terra, o mar e o ar de um ecossistema extremamente frágil. Mas o longo-prazo não preocupa os decisores e, felizmente para eles, as “alterações climáticas” têm as costas largas.

II – Aliás, e no que respeita ao Clima, as pessoas dividem-se entre as que NUNCA se preocuparam, as que SEMPRE se preocuparam, e as que acordaram AGORA para o problema. E se as primeiras são perigosas, a últimas, com o fanatismo cego dos recém-convertidos, desacreditam aquilo que, de facto, é um grave problema da Humanidade. E as pessoas mais primárias, para quem o mundo é a preto-e-branco, acantonam-se também em ESQUERDA e DIREITA, com as primeiras a jurar que a Terra está a aquecer, e as outras a garantirem que não — como se os dois grandes poluidores mundiais (os EUA e a R. P. China) não estivessem, precisamente, em polos opostos dessas opções políticas!
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III – Entretanto, o mundo ocidental tem andado entretido com uma adolescente sueca que se pode dar ao luxo de deixar de frequentar a escola para salvar o Planeta. Tudo bem, isso é lá com ela e com os respectivos pais, que têm posses para lhe oferecerem uma educação extra-escolar; e daí não vem mal ao mundo, desde que não contribua para difundir a ideia de que é isso que a juventude deve fazer, como o rapazinho que há dias dizia, entusiasmado com a sua “greve climática”: “Para quê estudar, se o Planeta vai acabar em 2030?”.
Não, meu amigo; para defenderes o Planeta, o caminho é exactamente o oposto: estudar, estudar muito, para não vires a ser como Santana Lopes que se GABOU na TV de não saber Física; nem como o cartunista que chora os — inexistentes! — pinguins do Alasca; nem como o jornalista que chamou CO2 ao vapor de água; nem como o que mostrou uma central nuclear, dando a entender que era o reactor nuclear de Sacavém — um brinquedo que caberia num T2; nem como Catarina Martins, para quem as barragens são prejudiciais porque, nelas, a água se evapora; nem como o “Jornal Económico”, que ainda este mês nos garantia que os “Habitantes do Tejo e Sado [estão] em risco de ficar debaixo de água” — quando esses HABITANTES são, tanto quanto se sabe, peixes e golfinhos... 
E mais exemplos não dou, devido à limitação de espaço, mas é por essas e por outras que considero CRIMINOSO o caminho de facilitismo que está a ser seguido em Portugal, agora com o fim das retenções até ao 9.º ano, o que se vai pagar muito caro — só que a conta virá quando os responsáveis pelo descalabro já por cá não andarem.
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IV - Num filme cujo nome não recordo, a personagem principal é um pequeno-burguês que, fascinado com Allende, decide embarcar para o Chile a fim de participar na Revolução em curso. E a história termina com ele a correr, já atrasado para embarcar, furioso com uns quantos indivíduos que lhe estão a estorvar o caminho: por sinal, são operários franceses em luta, mas isso não lhe diz nada! Para ele, a Revolução é para fazer, sim, mas longe dali, com o mesmo espírito que leva muito boa gente a preocupar-se com a Amazónia, mas nem um pouco com as árvores da cidade onde mora. 
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(*) – Neste contexto, pode dar-se a este velho ‘slogan’ o significado de “Pensa no Planeta, mas age sobre o que te rodeia”.

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6.1.20

Ontem, 15.º Aniversário do "Sorumbático"

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Grande Angular - Mais Governo, mais Estado

Por António Barreto
Orçamento! É a discussão dos dias presentes e das próximas semanas. É natural que assim seja. Trata-se do documento mais importante que a nossa assembleia legislativa aprova anualmente. Explícitas ou implícitas, estão ali as escolhas do governo, do Parlamento, dos partidos e, em certa medida, da população. As prioridades e as estratégias estão ali desenhadas, assim como as verdadeiras opções. Mesmo se os deputados e os jornalistas vão perder muito tempo com debates inúteis. Quem tiver tempo para ler, perceberá quem fica a ganhar e a perder. Poderá detectar os castigos e os favores. Conseguirá sentir a justiça e a injustiça das políticas públicas. Tudo está ali, para o melhor e o pior. O problema é que se vê mal. E nem sempre se percebe. Com tudo cortado às fatias e às rubricas, é difícil compreender o principal.
Pena é que a intriga seja o tema essencial. Há aliança ou não? À esquerda ou à direita? Cede-se um pouco aos pobres, para agradar ao Bloco, ou aos funcionários públicos, para contentar o PCP? Vamos ter estridência bloquista quanto baste, acidez comunista com fartura. Assim como a presunção dos pequenos partidos que vão falar como se tivessem 30% dos votos! Muito vai ser dito a propósito da desinteligência entre Costa e Centeno, tema relevante, mas não decisivo.
Apesar das contas certas e do possível excedente público, a verdade é que a principal característica deste orçamento é o do aumento do Estado e do Governo. Como há muitos anos acontece. Aliás, as negociações entre partidos têm apenas esse objectivo: gastar mais! Tanto a esquerda como a direita querem gastar mais. Na educação, na saúde, na função pública, nos vencimentos, nas pensões e na justiça: aumentar a despesa e o número de funcionários é a reivindicação.
Sem que se perceba, neste orçamento continua indigitado o caminho para a regionalização. Com as invenções de Costa e Cabrita, não se chama regionalização, chamar-se-á outra coisa qualquer. Talvez descentralização. Não se criarão regiões, mas entidades. Não se farão eleições, mas serão eleitos uns representantes para fazer companhia a uns nomeados: não serão uma coisa nem outra. Tudo será feito para evitar o veto do Presidente da República e para afastar a hipótese de referendo. Mas é este o mais intenso programa com o qual o PS pretende criar um Estado à sua imagem.
Com um palavreado onírico sobre a democracia de proximidade e a sustentabilidade autárquica, o que o governo e o PS propõem é simples. Aumentar o Estado. Aumentar os orçamentos públicos. Criar novas competências para a Administração. Duplicar competências e confundir funções entre o local, o autárquico, o regional e o nacional. Aumentar a despesa. Aumentar a dependência dos concelhos, das freguesias e das comunidades locais. Aumentar a dependência da sociedade civil e dos cidadãos. Na verdade, trata-se de dar mais um passo no alargamento da Administração Pública e do Estado e no enfraquecimento da sociedade civil.
A associação entre representantes com legitimidades diferentes, nomeados pelo governo, designados pela Administração, representantes de instituições públicas e privadas e finalmente eleitos, cria uma espécie de câmara corporativa na qual os cidadãos, as instituições livres, as organizações privadas e as associações ficam tuteladas. As autarquias, a meio caminho entre o Estado e a comunidade, ficam ainda mais amarradas à Administração Pública. Este processo de reforma alarga a malha do Estado. Trata-se de uma regionalização disfarçada que traz para dentro do Estado central as regiões e os municípios. É uma democracia de proximidade que submete os cidadãos ao Estado. Não se trata obviamente de aproximar a administração dos cidadãos, mas sim de incluir os cidadãos na administração. É a isto que se chama uma Administração Pública inclusa!
A leitura combinada dos projectos de regionalização, do programa de governo e do orçamento é luminosa porque permite ver as penumbras. Aonde está a ideia de libertar os cidadãos? Nem uma referência! Aonde estão antigos desejos dos libertários, dos social-democratas e da esquerdas democráticas? Ausentes! Ideias nobres que fizeram décadas de esperança desapareceram. Não se pensa em remover obstáculos à criatividade e à iniciativa dos cidadãos. Morreram os sonhos que alimentaram muita política, quando ser de esquerda era sobretudo ser livre e permitir a liberdade. Nunca substituir a liberdade.
As esquerdas trouxeram solidariedade. Eis uma ambição que prometia grandeza. Mas depressa se transformou em medonha: dar a liberdade, a igualdade e a criatividade! Organizar, orientar, conduzir e mobilizar os cidadãos! Dar-lhes um propósito e garantir a sua absoluta igualdade!
O Governo e seus grandes, médios e pequenos funcionários procuram obsessivamente definir estratégias nacionais, elaborar planos nacionais e construir programas nacionais para organizar a vida de todos. O Governo pretende até elaborar planos para promover Portugal como destino turístico LGBTIQ! O ideal deixou de ser a liberdade, para ser a integração. Tudo é Estado, nada é civil. Tudo é Administração, nada é cidadão.
Os casos aberrantes da Educação e da Saúde são excelentes exemplos. Ambos os sectores estão em crise, sobretudo a saúde. Há cada vez mais médicos e enfermeiros, há cada vez mais professores por aluno, há cada vez menos alunos, nada disso tem importância: o que os partidos do governo e acessórios querem são mais professores, mais médicos e mais enfermeiros, quando é evidente que o essencial é um problema de organização. Portugal é um dos países da Europa com mais médicos por habitante, mas continua a procurar-se mais médicos. Se o Serviço Nacional de Saúde tem um gravíssimo problema de organização, a resposta é vociferar contra a saúde privada! Apesar de haver funcionários a mais, o atendimento dos serviços públicos na segurança social, nos papéis de identidade, no registo de estrangeiros e nas autorizações e licenças é ineficiente, moroso e desigual. Graças às delícias da Internet e da administração digital, há cidadãos pobres, nacionais ou estrangeiros, que são enviados de Lisboa para os Açores ou do Porto para Faro, “a fim de serem recebidos mais depressa”.
O Leviatã, grande monstro marinho, dragão, serpente, demónio e devorador de cidadãos é o Estado forte que se constrói diante de nós. Dia após dia.
Público, 5.1.2020

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