Por António Barreto
Gostaria de escrever
sobre o próximo Presidente. No entanto, poderia alguém concluir que o “Retrato Robot”
se parecia com um dos candidatos. Ora, a lei portuguesa proíbe que, neste dia,
se escreva de modo a que o verbo possa ser interpretado como apoio a um candidato.
Por outras palavras, é proibido escrever ou falar sobre o único assunto de que
toda a gente fala! É uma lei estúpida, mas faz parte do nosso Calvário
democrático: até as leis estúpidas devem ser obedecidas. Eis por que me parece
sem risco dizer o que essa pessoa (evito cuidadosamente o sexo…) deverá fazer
depois de tomar posse.
É verdade que
o cargo se extingue gradualmente: todos os presidentes ajudaram nesse sentido.
Talvez, dentro de uns anos, deixe de haver um presidente eleito directamente
pelo povo. Até esse dia, no entanto, é possível desempenhar a função com alguma
utilidade.
Respeite
escrupulosamente a Constituição. A melhor maneira de o fazer consiste em enviar
para o Tribunal Constitucional uma grande quantidade de diplomas do Parlamento
e do Governo. A constitucionalidade das leis não é uma questão de opinião, mas
sim de direito. Se o Tribunal diz que sim, é sim. Se diz que não, é não. Se o
respeito pela Constituição for simplesmente a sua interpretação, já sabe: terá
metade do país à perna!
Ajude o seu
povo a reflectir sobre a revisão da Constituição. Se jurou respeitá-la, não
jurou deixar de pensar. Pode perfeitamente solicitar pareceres e trabalhos, organizar
seminários, grupos de estudo, debates e reflexões sobre o futuro da
Constituição. Devemos deixá-la como está? Rever? Renovar profundamente? Tentar
fazer uma nova? Ninguém está em Portugal proibido de o fazer. O Presidente
também não. Toda a gente pode ajudar a reflectir. O Presidente mais do que
qualquer um. É um favor que o Presidente fará ao país e aos partidos. Mas é
também o seu dever. O Presidente da República não é um cargo paralítico, muito
menos uma múmia.
Use o mais
abundantemente possível os meios legais de que dispõe para falar com os órgãos
de soberania: o Governo, o Parlamento e os Tribunais. Dirija-se com frequência
ao Parlamento, escrevendo-lhe mensagens. Fale com o Primeiro-ministro e os
ministros. Mas faça-o sempre pensando que, salvo em casos muito especiais, deve
ter o povo como testemunha. Ou diga ao povo o que diz ao governo. Não deixe que
os encontros das quintas-feiras, com espessa alcatifa e reposteiro corrido, sejam
um segredo de Estado com o qual todos têm a perder: o Presidente, o
Primeiro-ministro e os Portugueses.
Como
Comandante Supremo das Forças Armadas, pode e deve promover uma reflexão séria,
seguida de debate animado, sobre as Forças Armadas portuguesas, suas funções
futuras, seu desenvolvimento e seus deveres. No que deve incluir uma nova
reflexão sobre o serviço cívico ou militar. As Forças Armadas portuguesas estão
ameaçadas de ter de viver um período terrível de falta de meios, de orientação,
de vocação e de espírito. O próximo Presidente da República não pode esquecer. Nem
fingir que não percebe.
A Justiça
deveria ser a sua maior preocupação. É o que há de mais frágil na colectividade.
E o que mais ameaça os direitos dos cidadãos. Com uma boa justiça, teríamos
mais liberdade, melhor administração, menos corrupção, economia mais saudável,
instituições mais respeitáveis e política mais decente. Todos os Presidentes
anteriores falaram muito de Justiça, nenhum fez nada que se visse. O Presidente
tem poderes e meios directos, assim como indirectos, políticos e de influência,
para melhorar a Justiça portuguesa. Só não o faz se não quiser ou se tiver
medo.
Não dê posse a
um governo minoritário. Exija um programa e um governo aprovados no Parlamento.
A este propósito, a Constituição é cega, surda e muda: não permite, não prevê e
não proíbe. Bem sei que não afirmou isso durante a campanha (ninguém o disse,
aliás), mas é perfeitamente aceitável que o Presidente exija uma maioria. Nem
que tenha de convocar novas eleições.
Qualquer
político que chega ao topo da carreira, tem um sonho: ser internacional. Arranjar
que fazer, ser conhecido e ter importância na Europa e no mundo. Esse é o
capítulo das vaidades. Acontece que Portugal tem sido, nas últimas décadas, uma
figura de corpo presente. Ou nem sequer. Ora, seria interessante que o país
tivesse um qualquer papel internacional a fim de melhor exprimir os seus
interesses. Sozinho, não conseguirá nada. Com outros, talvez. Uma iniciativa
europeia, bem pensada, seria uma maneira de evitar que tivéssemos depois de
sofrer as iniciativas dos outros.
Finalmente,
não se deixe dominar pelos seus receios. Não permita que os seus serviços,
conselheiros, consultores e amigos lhe digam que a sua protecção é a principal
preocupação, a prioridade maior e a sua primeira obsessão. Para proteger os
cidadãos, o Presidente da República tem de correr riscos. Não cuide de si,
cuide do seu povo!
DN, 24 de Janeiro de 2016
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