No "Correio de Lagos" de Set 20
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É frequente, em alguns textos de ensino de geologia e de geografia, o substantivo “glaciar“ser usado na qualidade de adjectivo (por exemplo: “vale glaciar”, “modelado glaciar”, “erosão glaciar”), o que, em minha opinião, não é correcto. Posso estar enganado e, se assim for, agradeço ser corrigido. “Glaciar” é um vocábulo comum a estas disciplinas, usado para designar uma entidade (que definirei em nota abaixo), sendo, portanto, um substantivo e é a este substantivo que corresponde o qualificativo “glaciário”. Assim, o correcto é dizer ou escrever “vale glaciário”, “modelado glaciário” ou “erosão glaciária”.
Incorrecto é também o uso (menos frequente, neste discurso), do qualificativo “glacial” (do latim “glacialis”, muito frio, gélido). Este outro qualificativo alude, sim, ao gelo no sentido real ou figurado (por exemplo: “temperatura glacia”l, “olhar glacial”).
Uma frase que tenha em conta o uso correcto destas três palavras é, por exemplo: “O vale glaciário de Serra da Estrela é o testemunho de um glaciar de vale que aqui existiu há uns 25 000 a 18 000 anos, no alto de uma montanha, num período de frio glacial”.
Nota para quem não sabe:
Um glaciar é uma massa de gelo que cobre extensões maiores ou menores de terreno, em regiões climáticas, de latitude ou de altitude, nas quais a cobertura de neve é persistente. Quer nas zonas polares (Antárctida e Groenlândia) por razões climáticas próprias destas latitudes, quer nas altas montanhosos (vale glaciário de Aletsch, na Suiça, apenas um entre os muitos conhecidos), em consequência do arrefecimento do ar em altitude. Há, nestes dois ambientes, temperaturas glaciais que permitem que a água se mantenha permanentemente no estado sólido.
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Por António Barreto
Chegámos a um cume nunca antes atingido! E ainda não vimos tudo.
Um primeiro-ministro, um punhado de ministros, diversos secretários de Estado, vários directores gerais, numerosos membros de gabinetes, múltiplos gestores, muitos banqueiros, directores bancários sem fim, juízes, procuradores, presidentes da Relação, desembargadores, advogados, professores de Direito, deputados, presidentes de Câmara, vereadores, dirigentes de partidos nacionais e locais, chefes da polícia e oficiais das forças armadas: há de tudo entre notoriamente suspeitos, investigados, sob inquérito, em curso de instrução, arguidos, à espera de julgamento, condenados, à espera de recurso, a cumprir pena, presos e em detenção domiciliária! O elenco dos suspeitos de corrupção é uma lista de celebridades.
Não há paralelo na história do país. E parece haver poucos casos semelhantes, se é que existe algum, na história recente da Europa…
Que pensa quem olha para este inventário? Ou antes: que pensam as autoridades competentes? Os Presidentes da República e da Assembleia, o Primeiro-ministro, os ministros, os secretários de Estado, os directores gerais, os deputados, os presidentes de câmara, os dirigentes partidários, os juízes, os procuradores e os magistrados dos Tribunais de Contas, Constitucional, Supremo de Justiça e Supremo Administrativo? Que está tudo bem? Que está tudo mal, mas não se pode fazer nada? Que é o que deve ser, que a democracia e a humanidade não são perfeitas? Ninguém sabe a resposta exacta. Só se conhece o silêncio incomodado. Mas há uma certeza: os principais responsáveis pela política e pela justiça querem que as coisas fiquem como estão, pois é o que lhes interessa e dá vantagens. Se assim não fosse, já teríamos tido notícia de mais acção, mais julgamentos, mais medidas práticas, mais condenações, mais legislação punitiva e mais legislação eficaz anti-corrupção.
Em vez disso, parece termos um Parlamento que receia a justiça e se abstém. Deputados que têm medo dos juízes. Um governo que administra e trata das contas. Uns Conselhos Superiores que zelam para que não haja ondas. Uns poderosos das empresas que navegam e aproveitam. Uns vigorosos escritórios de advogados influentes que estão organizados para este sistema e preferem o que conhecem. Uns sindicatos que se limitam à sua esfera corporativa. E polícias sem meios nem peritos.
Excepção deverá ser feita para a Ministra da Justiça que coordena ou orienta uma “Estratégia Nacional de Combate à Corrupção – 2020-2024”. É seguramente a mais consequente acção das autoridades neste domínio. O seu principal documento é com certeza o mais sério trabalho sobre o assunto, com relevo para as questões jurídicas e de prevenção. Mas sofre evidentemente do facto de não se tratar de entidade independente, de se ficar excessivamente pela abstracção e de passar obrigatoriamente ao lado da questão crítica: a ligação entre a corrupção, por uma lado, e a política, o dinheiro e a justiça, por outro. Também as principais linhas vermelhas actuais não estão explicitamente mencionadas: a ligação entre o governo, os partidos, os fundos europeus, as obras públicas e o futebol. Finalmente, a questão da “confiança política” e das consequentes nomeações: disfarçada de legal e legítima, é a mais traiçoeira arma da corrupção.
Não tenhamos ilusões: só temos esta justiça complicada, conflituosa e ineficaz porque a maior parte das pessoas o quer. Se os processos são eternos, os prazos loucos, as sentenças disparatadas e se o sistema favorece os ricos e os políticos, é porque a maioria se resigna e assim querem os que podem. Este sistema de fugas de informação e de violação sistemática do segredo de justiça sobrevive porque há juízes, procuradores e advogados que o querem e desejam. Se os magistrados continuam a mudar de emprego, a usar a porta giratória de ida e volta, a passar da justiça aos negócios ou à política, é porque se aceita ou cala e porque muitos querem. É necessário um acordo fundamental entre órgãos de soberania, partidos políticos, instituições judiciárias, magistraturas, sindicatos e associações de profissionais para que este estado de coisas se mantenha.
O que se vê e o que se passa é simplesmente desesperante. E não se pense que “eles” não vêem ou não percebem. Vêem e percebem muito bem. Bem de mais.
Na imaginação e na tradição, a Justiça sempre foi a última fronteira, a primeira esperança e o melhor dissuasor. Agora, a Justiça é também a primeira culpada, um dos protagonistas e um dos principais culpados.
Há juízes honestos, não tenho dúvidas. Há procuradores honrados, não esqueço. Também há governantes e deputados inocentes, acredito. Tenho a certeza de que existem altos funcionários sérios e competentes. Creio que existem banqueiros austeros e bancários cumpridores. Sei que existem polícias íntegros e eficientes. Mas, enquanto não se virem livres dos prevaricadores, todos estes corpos de responsáveis, de autoridades e de profissões estão hoje também do lado dos culpados e dos adversários da justiça e da liberdade.
Não se pode dizer que a corrupção tenha chegado finalmente à justiça. Há já muito que por lá andava. Só que não se sabia muito bem. Nem se acusava. Nem se detectava. E muitos se defendiam com unhas e ameaças. Com estes casos recentes, ao mais alto nível, ficámos a saber que os demónios também residem no céu. Começa a ganhar sentido a suspeita de ligações especiais entre magistrados, procuradores e políticos. Começa a perceber-se melhor o significado do linguajar judiciário, obra-prima do hermetismo medieval.
A maneira de falar e de escrever de um jurista, sobretudo de um juiz e de um procurador, é fonte de pessimismo e de descrença! Quem fala assim, quem escreve assim, quem assina sentenças de dezenas ou centenas de páginas não merece ser ouvido nem lido, não merece sequer exercer uma nobre profissão para a qual se exige clareza, simplicidade, força de carácter e verticalidade. As sentenças formais e obscuras são a tradução exacta de falta de capacidade de julgar e de liberdade de espírito no respeito pela lei. Mas também de indiferença perante os cidadãos, aqueles a quem as suas sentenças se deveriam dirigir. Esta justiça incompreensível é garantia de opacidade. Ou um estímulo à injustiça.
Sabemos que, nos melhores dias, é a gratidão pela justiça feita que nos inspira. E nos piores, é o pedido de socorro à justiça a fazer que nos move. Era bom que os nossos representantes o soubessem. E que os nossos concidadãos o sentissem.
Público, 27.9.2020
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Por A. M. Galopim de Carvalho
A importância da Geologia
“Não é puxar a brasa à minha sardinha”, como soe dizer-se, mas a verdade é que a importância da Geologia na sociedade coloca-a na primeira linha em termos das respostas que dá às solicitações inerentes ao desenvolvimento sustentado.
Se não, vejamos:
1) - Entre os recursos geológicos (georrecursos) com interesse económico, exploramos: matérias-primas metálicas, como são, entre outros, os minérios de ferro, cobre, estanho, ouro, prata e zinco, e não metálicas, entre as quais areias, argilas, gesso, sal-gema, sais de potássio, nitratos e boratos; pedras ornamentais (mármores, granitos), preciosas e industriais; combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás natural, betumes); combustíveis nucleares (minerais de urânio); recursos geotérmicos; e águas subterrâneas.
2) – A Geologia sabe que, ao contrário dos recursos vivos, com ciclos de renovabilidade muito curtos, à escala temporal da vida humana, os recursos geológicos necessitam de muito tempo, na ordem das dezenas ou centenas de milhões de anos, para se renovarem e reincorporarem na crosta. Imagine-se, a título de exemplo, o grande número de navios afundados no Pacífico durante a 2ª Guerra Mundial. Aí, a par do substrato basáltico do fundo e dos sedimentos que o cobrem, jazem milhares de toneladas de ferro usado na construção desses vasos de guerra. Cita-se o ferro por ser, sem dúvida, o elemento mais representativo neste tipo de equipamentos bélicos. Mas há outros como cobre, chumbo, alumínio, titânio, volfrâmio (tungsténio), etc., etc.
Acompanhando a dinâmica da litosfera, estas massas metálicas, daqui a muitos milhões de anos, acabarão por mergulhar em zonas de subducção, onde atingirão profundidades que determinam a sua transformação e incorporação, sob a forma de novos minerais, nas rochas aí em formação. Na continuação deste processo geotectónico, assim imaginado, e passados mais uns tantos milhões de anos, essas rochas elevar-se-ão, dando nascimento a uma cadeia montanhosa e, só muitos milhões de anos mais tarde, a erosão porá a descoberto, entre outros, os minerais formados com o ferro e os outros metais consumidos na construção dessas máquinas de guerra flutuantes, criadas pelo “Homo sapiens”.
3) – A Geologia sabe e de há muito que alerta, que, do ponto de vista da sociedade, os recursos geológicos são considerados recursos naturais não renováveis, que acabarão por se esgotar, mais tarde ou mais cedo, ainda no horizonte da sociedade humana, uma realidade de que andamos esquecidos, a par de outras como a poluição do ar e da água, o aquecimento global e a destruição da camada de ozono.
Exceptuam-se desta condição as águas subterrâneas, cujos aquíferos são renováveis à nossa escala temporal, se não forem destruídos por má exploração, e a energia geotérmica cuja duração, como fenómeno geológico, é muitíssimo superior ao nosso horizonte de vida como espécie ou como sociedade.
4) – Quase tudo o que nos rodeia e de que constantemente nos servimos, ou com o qual nos articulamos diariamente, resultou das conquistas da Ciência e da Tecnologia e, nestes domínios, a Geologia teve e continua a ter papel importante, muitas vezes subavaliado ou esquecido. Os alimentos, os medicamentos, os transportes e comunicações, os equipamentos mais variados (da indústria, da saúde, da cultura, do lazer) radicam, em boa parte, nestas conquistas do génio humano, e nestas conquistas são fundamentais as conseguidas nos domínios da Geologia.
Em suma, a Geologia e as tecnologias com ela relacionadas são alguns dos pilares sobre os quais assentam as sociedades humanas, o progresso social e o bem-estar da humanidade.
Mas há mais:
1) - A Geologia dá apoio à Engenharia, na caracterização dos terrenos, com vista à implantação de barragens, pontes, rodovias e ferrovias, centrais nucleares, grandes edifícios, portos e estruturas de protecção do litoral.
2) - A Geologia tem, ainda, um papel fundamental na identificação, previsão e prevenção de riscos naturais, com destaque para a actividade vulcânica, a ocorrência de sismos (pela caracterização da sismicidade de uma dada região), as cheias e os problemas de erosão litoral ou em terra (deslizamentos em vertentes), etc.
3) - Problemas da sociedade do desenvolvimento, como são a poluição do ar e das águas e os efeitos decorrentes das escombreiras de minas abandonadas, deram lugar a uma nova disciplina em franco progresso, designada Geologia do Ambiente.
4) - É ainda a Geologia que sustenta uma nova maneira de encarar as rochas e algumas das suas ocorrências como georrecursos culturais, também eles, não renováveis. Elas são, com efeito, documentos naturais da História da Terra, da Vida e do Homem. Alguns destes documentos, reconhecidos aqui e ali (geossítios), têm grandiosidade e, até, monumentalidade, que lhes confere a designação de geomonumentos, uns à escala do afloramento, no geral métrica a decamétrica, outros à escala do sítio, com extensão hectométrica, e, outros, ainda, à escala da paisagem, ocupando áreas quilométricas.
Conclusão
Como tenho afirmado em diversas ocasiões, é fundamental intensificar o ensino da geologia nas nossas escolas. Intensificar, porque é necessário e urgente pôr termo à secundarização desta disciplina nos curricula escolares. Uma tal intensificação inclui regionalizar, expressão que encontrei para dizer que as escolas, para além de um programa de base, elaborado por quem o saiba fazer, deverão insistir nos temas geológicos mais marcantes nas regiões onde se inserem. Por exemplo, que os estudantes dos Açores deem especial atenção à sismologia, ao vulcanismo e à geomorfologia associada, que os setubalenses estudem a estratigrafia e a tectónica da Serra da Arrábida, que os da grande Lisboa conheçam a Serra de Sintra, essa pérola da petrografia nacional, que os do grande Porto se detenham a observar e a compreender o Complexo Metamórfico da Foz do Douro e que os alentejanos saibam o porquê e conheçam o valor da faixa piritosa, etc., etc.
Há, em cada região do país, temas de interesse, observáveis pelos seus estudantes, temas que lhe darão uma visão concreta e prática da disciplina. E, a partir daí, ganho o interesse pela disciplina, tudo será mais fácil.
Não se aceita que o estudante açoriano ou madeirense dê ao vulcanismo o mesmo desenvolvimento (praticamente, nenhum) que um transmontano ou um algarvio, assim como não se aceita que um aluno da Covilhã dê à geomorfologia glaciária da Serra da Estrela, o mesmo desenvolvimento que é dado nas escolas da Madeira ou do Alentejo.
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Por Joaquim Letria
Quando eu comecei a trabalhar nos jornais a censura não deixava publicar notícias sobre suicídios. Portugal ficava assim um País de gente feliz que se não matava.
Havia no entanto uma fórmula adoptada por todos os periódicos para noticiarem suicídios, compreendida por todos os que escreviam e por aqueles que liam e que a censura permitia. E nesta solução era evidente que a culpa cabia por inteiro às vítimas do suicídio.
A fórmula era muito simples. Bastava dizer-se, desprendidamente e sem pormenores, que “fulano fora vítima dum tresloucado acto”. Mesmo assim, o número de suicídios era naturalmente controlado, não podia haver um excessivo número de “tresloucados actos”...
Parece ridículo, mas por ironia pode dizer-se que noticiar suicídios passou a ser “uma conquista de Abril”. Hoje podemos todos falar de suicídios, discutir a eutanásia e “o suicídio assistido” e não ligar excessiva importância quer a uma coisa, quer a outra. Quem os queira praticar deixou de ser “tresloucado”.
Com muitos e bons amigos no Alentejo, habituei-me ao longo da vida a aí ouvir muitos dos que acabariam por não resistir às tremendas dificuldades da vida naquela província com a possibilidade de se suicidarem. Foi aí que aprendi a expressão, que naturalmente eu contrariava, ”isto só se resolve com um baraço ao pescoço". Infelizmente muitos cumpriram a ameaça e outros cumpriram-na sem pré-aviso.
Falo-vos deste assunto hoje por ser surpreendido agora mesmo por uma campanha de prevenção do suicídio, por parte do Ministério da Saúde que além do COVID e das falhas do SNS ainda arranja tempo para se dedicar a este tema. Diz o Ministério da Dra. Marta Temido que o objectivo desta campanha é “reduzir a taxa de suicídio em Portugal e juntar toda a sociedade nesta missão”.
O Sistema Nacional de Vigilância de Mortalidade (que confesso que não sabia que existia) anuncia, a propósito, que até esta semana se suicidaram 368 pessoas, concluindo que 90 por cento dos suicidas o fizeram por perturbação mental, especialmente por depressão, maleita considerada o principal factor de risco. Lá vamos parar ao tresloucado acto…
Dizem os responsáveis da campanha do Ministério da Saúde que “há uma opção que é pedir ajuda”. Penso eu que os que se matam o fazem por ninguém os ajudar. Não será assim?!
Publicado no Minho Digital
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Por C. B. Esperança
Depois da implosão do comunismo, começou a degradação das preocupações sociais do capitalismo, que teve na social-democracia a boa síntese da democracia e justiça social.
Hoje, perdida a memória da década de Trinta do século passado, das ditaduras a que os nacionalismos conduziram o mundo e do sangue derramado, através de demagogos que usaram o ressentimento dos povos como combustível belicista, repetem-se as condições para novas e trágicas aventuras.
Nunca faltaram oportunistas para explorarem a insegurança e usarem a xenofobia como arma contra a democracia que lhes permite combatê-la. A luta contra a corrupção é um mero instrumento de propaganda usado por quem usa a profissão para ilibar corruptos, sem provas da sua própria honradez.
Em Portugal, só quem andava distraído não percebeu que o branqueamento da ditadura e a reescrita da História abriam portas ao extremismo da direita, que retomou a tradição nazi/fascista em propostas políticas que unem marginais do delito comum e nostálgicos do regime clerical-fascista, autodesignado por Estado Novo.
É por isso que a denúncia do salazarismo nunca devia ter sido abandonada. Salazar foi o ditador que deixou o país com mais de um terço de analfabetos, com a obrigatoriedade de apenas 4 anos de ensino primário, com a mais elevada taxa de mortalidade infantil e materno-fetal de toda a Europa e os maiores índices de pobreza extrema.
Legou a censura, a tortura, o degredo, o partido único (UN), os aparelhos de repressão (PIDE, Legião e GNR), a guerra colonial em 3 frentes (Guiné, Angola e Moçambique), os Tribunais Plenários, as perseguições e uma corrupção feita de empenhos para um lugarzinho e os pequenos presentes de um país pobre a agradecer com um cabrito ou um queijinho da serra os favores recebidos dos próceres da ditadura, enquanto o Tenreiro, o Alfredo da Silva, os Melos, o Jorge Jardim, o Soares da Fonseca e numerosos tubarões corporativos amontoavam fortunas num país miserável.
Sobravam os presídios e minguavam as universidades, havia mão pesada para os pobres e benevolência para ricos, prisões para os adversários e sinecuras para os amigos.
A alegada brandura dos costumes ficou bem desmascarada nos assassinatos da Pide nas ruas e nos presídios; na falta de liberdade de reunião, associação ou expressão de ideias; nas prisões arbitrárias, massacres e escândalos escabrosos, proibidos de serem notícia.
O Massacre de Batepá, por tropas coloniais portuguesas em São Tomé e Príncipe, a 3 de fevereiro de 1953, contra homens, mulheres e crianças, assassinou centenas de pessoas desarmadas, com o principal algoz, coronel Carlos Gorgulho, a ficar impune.
Em 1959, a simples greve de estivadores e marinheiros do porto de Bissau, por aumento salarial, foi violentamente reprimida pelas autoridades coloniais, com mais de 50 mortos e de 100 feridos, fora de contexto partidário. Foi o massacre de Pidjiguiti, que originou o início da luta de libertação da Guiné–Bissau.
A repressão aos povos coloniais, referida como defesa da Pátria, tal como a perseguição aos adversários políticos, designada por manutenção da ordem, foram as perversões que condenam a ditadura e todos os que a procuram branquear.
Dos crimes do alferes Robles aos do 1.º tenente Alpoim Calvão, a ditadura preferiu dar-lhes condecorações a julgá-los e, por isso, os numerosos massacres gratuitos sucederam-se sendo o de Wiriamu, póstumo, apenas mais um, entre muitos, conhecido graças aos média internacionais.
É na displicência com que se encara o regime de terror salazarista que reside a audácia com que os novos fascistas se apresentam num processo de intimidação à democracia e na mais refinada desfaçatez contra as instituições e a Constituição da República.
As propostas mais desumanas e os mais ultrajantes ataques aos direitos humanos já se tornaram banais como se a barbárie fosse normalizada no ethos civilizacional europeu.
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Já agora, e sobre este simpático equipamento da cidade, deixamos duas notas, suscitadas por uma visita recente:
A primeira prende-se com o preço dos bilhetes (€ 4 para crianças e € 6 para adultos). O museu é privado, pelo que cobra o preço que entende, claro, mas é estranho que, ao contrário do que habitualmente sucede em museus de todo o mundo, não haja um preço reduzido para os mais idosos, nem sequer — no nosso caso — para os lacobrigenses. Talvez a CML pudesse dar uma ajuda, que não envolveria tanto dinheiro como isso.
A segunda, e que aparece já no fim da visita, é o texto — bilingue — que refere “a ilha de Macau”. Sucede que Macau é (e sempre foi) uma península, e até já passámos o seu istmo a pé, a caminho de Zuhai, no Posto Fronteiriço da Porta do Cerco. A experiência de casos semelhantes mostra que só muito raramente essas coisas são corrigidas, mas aqui fica o reparo.
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Como se sabe, o país tem andado entretidíssimo a discutir o tema Educação para a Cidadania, onde se encaixa muito bem o dos gatafunhos feitos em equipamento público, que só não tem lugar cativo nesta página porque acabaria por se tornar enjoativo.
Há uns anos, de visita a S. Bartolomeu de Messines, notámos que TODAS as caixas da EDP estavam decoradas com desenhos e pinturas com temas alusivos à terra, com destaque para o seu filho mais famoso, o poeta e pedagogo João de Deus. Notámos como isso desencorajava a sua vandalização, pelo que mais tarde saudámos os autocolantes alusivos aos Descobrimentos colocados nas caixas existentes na Praça do Infante, onde o efeito na sua preservação foi idêntico.
Recentemente, sucedeu o que as imagens documentam, valendo a pena ver o que isso mostra de falta de civismo e — ainda mais — de ignorância!
Ora veja-se o que os “artistas” escreveram: Pedro Álvares Cabral, que no Ano de 1500 saiu da Europa com destino à Ásia (acabando por tocar na América) é referido como tendo ido “apanhar pretos”, o que só poderia ser feito em África — mas, logo por azar, o único continente, dos 4 conhecidos à época, que não lhe interessava! Quanto a D. João I (que, segundo esses pataratas, queria que lhe mandassem muito ouro), ele nada teve a ver com a exploração da costa ocidental de África — de onde o ouro, de facto, passou a vir, mas só décadas mais tarde, no tempo do seu filho, D. Henrique. Haja pachorra, meninos!
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Por António Barreto
O século XXI começou mal para Portugal. Ocorreu uma rara coincidência de desastres, de erros e de dramas. Vinte anos sem crescimento económico revelam uma economia que cresceu menos do que a UE e muito abaixo da maioria dos países da Europa central e de Leste. Uma crise financeira mundial, a que se acrescentou uma crise da dívida soberana particularmente severa, deixou Portugal em estado miserável, à beira da bancarrota. A maior vaga de corrupção e de nepotismo da história recente varreu o país durante dez a vinte anos. Os governos de Sócrates traduziram-se num dos maiores incentivos ao desgoverno e à corrupção de toda a história de Portugal. A falência da banca portuguesa enfraqueceu o país e a sociedade para lá de todos os limites, com consequências graves para a poupança, a evasão fiscal e a fuga de capitais. O maior assalto ao património público e nacional processou-se nestes anos, com a fragmentação predadora e a demolição deliberada das melhores empresas nacionais públicas e privadas. O pesadelo do BES, com foros de crime, deixa atrás de si destruição, roubo e desconfiança de infinitas proporções. Apesar de necessária e urgente, a assistência financeira internacional, o resgate e a austeridade deixaram um país exangue. Os incêndios de floresta, com incalculáveis prejuízos e assustadoras vítimas mortais, revelaram, nestas duas décadas, uma fragilidade essencial que o Estado e a população parecem incapazes de mitigar. A pandemia sanitária e a crise económica e social, finalmente, ameaçam deixar o país num estado de vulnerabilidade jamais visto.
É nestes momentos que se pensa em soluções, em métodos de trabalho colectivo e em comunidade de esforços. É nestes momentos que se pensa na indispensável associação dos indivíduos, das comunidades e do Estado, ao mesmo tempo que se olha com ansiedade para as liberdades e a democracia, que nada justifica que se coloquem entre parêntesis ou se diminuam.
As nossas tradições não favorecem a cooperação. Ou antes, não constituem fundamento e exemplo para a colaboração. Na vida política portuguesa, não há muitos exemplos de cooperação. O que é realmente tradicional é o afrontamento e a ruptura. A cultura do afrontamento e da rivalidade sobrepõe-se a todos os outros princípios. O hábito do afrontamento arreda a cooperação e a colaboração. Estas são vistas como submissão ou unanimidade autoritária. Cooperação e colaboração são sempre encaradas como cedências, perda de autonomia e ausência de liberdade crítica. Ora, nem sempre são. É possível imaginar cooperação com autonomia, com vontade e escolha, não com submissão. Na verdade, o primado ao afrontamento conduz à submissão, à autoridade e ao despotismo.
É de lamentar que o conflito irredutível e a ruptura tenham sido transformados em valores maiores da sociedade política. Há uma profunda e arreigada cultura política contra a cooperação e a colaboração. É uma constante histórica em Portugal. Romper com o passado. Derrubar instituições. Prender pessoas. Fechar empresas. Expropriar proprietários. Sanear funcionários. Deportar cidadãos. Os séculos XIX e XX foram pródigos e férteis. Todos os vencedores momentâneos ou temporários sentiram-se na necessidade de matar, esfolar ou deportar os vencidos. Monárquicos, absolutistas, liberais, ordens, sacerdotes, conventos, republicanos, fascistas, comunistas e socialistas: todos foram, à vez, afastados, presos ou exilados, para depois se dedicarem a fazer o mesmo aos seus adversários. A história de Portugal destes últimos séculos é uma sangrenta ou violenta história de golpes políticos e militares, de revoluções, de guerras civis, de prisões e deportações, de roubos e esbulhos. Nem a revolução democrática de 1974/75 escapou às tradições. Ou antes, apesar de ser diferente, pois não criou exilados nem deportados, presos ou banidos, não deixou de destruir empresas e grupos económicos, arrasar a iniciativa privada e nacionalizar grande parte da economia. No que foi tão devastadora quanto outras revoluções anteriores de esquerda ou de direita.
Ruptura e terra queimada: eis as razões para a inexistência ou a fragilidade das instituições. Aqui estão as causas das mudanças de famílias e de clientes. De saneamentos. De corrupção. De nepotismo. Aqui se encontram as origens da “confiança política”, um dos piores traços da vida pública portuguesa, que mais não é do que um salvo-conduto para legitimar o favoritismo, a partidocracia, o nepotismo e a corrupção!
Serão a liberdade e a democracia suficientes para sugerir soluções de governo e de estabilidade para os próximos anos, que se anunciam de excepcional dificuldade? Serão capazes de gerar os tão necessários esforços comuns? Por outras palavras: poderão as esquerdas democráticas e as direitas democráticas encontrar terreno sólido para negociar e cooperar, deixando de fora as esquerdas não democráticas e as direitas não democráticas? Serão as esquerdas e as direitas democráticas capazes de impedir o regresso vingativo das esquerdas radicais não democráticas e de prevenir a ascensão ameaçadora das direitas radicais não democráticas?
A alternativa ao esforço comum é clara: guerra política, classe contra classe, ideologia contra ideologia. Em palavras mais claras: esquerda contra direita. Para ser concreto, toda a esquerda, democrática e não democrática, contra toda a direita, democrática ou não democrática. O centro será assim estilhaçado, dissolvido e desfeito nas grandes vagas da alternativa radical, sonho dos revolucionários, desejo dos justicialistas e obsessão dos populistas.
É o que vulgarmente se chama de polarização. Teremos, de um lado, o império do Estado social, o Estado patrão omnipresente, a nacionalização de todos os sectores ditos estratégicos e dos serviços de Educação, Saúde e Segurança Social. E teremos, do outro lado, o Estado social fraco e frágil, ao lado das armas dos poderosos da economia. Será o reino dos oligopólios e dos monopólios, com uma economia liberal quando tal se opuser ao mundo do trabalho, e uma economia corporativa quando for da conveniência dos mais fortes.
Pela história e pelo passado recente, estamos avisados. O que faz crescer a extrema-direita antidemocrática não é a democracia, é a fraqueza dos democratas. Como o que incentiva a extrema-esquerda antidemocrática não é a liberdade, são os erros da democracia.
Público, 20.9.2020
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Por Joaquim Letria
Sei que muita gente vai estranhar, mas tenham paciência. A verdade é que adoro a Angela Merkel. É verdade e não é de agora. É um amor antigo. Porquê? Perguntar-me-ão. E eu posso responder.
Antes de mais, garanto-vos que não é pela sua figura redondinha, nem pelos seus olhos azuis, tão pouco pelo blazer e calças a condizer com que alterna, dia sim dia não, nas suas aparições públicas, nem só pela sua inegável inteligência e capacidade de trabalho. Também não é pelas fotografias antigas onde mostra um corpinho bem trabalhado pela ginástica da RDA.
Os 35% de alemão que ainda consigo compreender através do muito pouco que resta daquilo que estudei e aprendi ajudam muito. A sua voz bem colocada e expressiva e o seu alemão educado convencem-me, ao ouvir e entender aquilo que ela diz e as coisas que defende. Sem esquecer a sua postura. Recordem só o modo como anunciou a confirmação de envenenamento de Navalny, a forma como tal comunicou à NATO e à União Europeia, sem se esquecer, e mencionando a propósito, as autoridades russas com as quais contactou.
Este meu amor por esta alemã da antiga RDA talvez tenha nascido em mim por volta de 2014. Porquê? Talvez porque se dizia muito mal dela, mas porque foi uma verdadeira estadista que nesse ano mostrou ter mais compreensão e uma política consequente para com os milhões de migrantes e refugiados que na Europa procuravam uma réstia daquilo que os seus países destruídos e perdidos na guerra e na fome lhes negavam.
Foi nessa altura que Angela Merkel acolheu milhões de desgraçados, os ajudou, lhes deu uma orientação e fê-los ainda acreditar na possibilidade dum futuro, abrindo-lhes as portas da Alemanha e recusando-lhes mais desgraça a qual todos nós, europeus, fingíamos ignorar, olhando para o lado, assobiando e dizíamos desconhecer.
No ano passado, entre 2018 e 2020, Angela Merkel acolheu mais um milhão de afegãos, iranianos, sírios, líbios e africanos do sub-Sahara. E já este ano, há poucos dias atrás, disse numa corajosa entrevista que hoje voltaria a fazer exactamente a mesma coisa que fez até aqui se tal fosse preciso.
Gosto daquele negócio da Alemanha com a Turquia de Erdogan, que recebe dinheiro para reter em campos miseráveis emigrantes de modo a estes não virem também para a Europa! Evidentemente que não gosto. Mas Ângela Merkel, de quem dizem tanto mal, é a única estadista da União Europeia que merece respeito e admiração. E se duvidam, recordem-se dos Rajoy, dos Hollande, dos Petri, das Teresa May, dos Tsipras e Varoufakis e de outros desaparecidos cujos nomes nem nos lembramos nem sequer merecem que os pronunciemos. É por estas e por outras que eu gosto tanto da Ângela Merkel. Adoro-a!
Publicado no Minho Digital
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Por C. B. Esperança
Penso, por vezes, que as sondagens influenciam mais as intenções de voto do que estas as sondagens, mas não deixam de constituir um indicador útil para avaliar a dinâmica e mobilizar a desmotivada tendência para o cumprimento do dever cívico que a pandemia agravará.
A subida das intenções nas candidatas de esquerda e, sobretudo, uma auspiciosa votação em Ana Gomes, veio relegar o candidato fascista, que os média traziam ao colo, para o espaço que lhe cabe entre nostálgicos da ditadura, marginais do delito comum e radicais de rija têmpera.
As sondagens não avaliam o mérito dos candidatos, mas a opinião dos eleitores sobre a candidatura de que se sentem mais próximos ou a que melhor representa a sua vingança. Esta, veio mostrar que há espaço para substanciais flutuações de voto e, certamente, que o candidato do PCP não ficará abaixo dos 3% que ora lhe atribuem as intenções de voto.
A maior surpresa, para quem julgava que o atual PR poderia aglutinar eleitores de todas as áreas, é a colocação longe das suas ambições e a punição dos excessos da presidência que, com a conivência dos média, parecia ser a de uma República presidencialista.
Tem, para já, uma honrosa percentagem de intenções, que podem baixar, a que não será alheia a gratidão dos portugueses pelo seu sentido de Estado, após o pesadelo do fim de mandato do antecessor, com ameaças ao Governo formado na AR, como era inevitável, e à dilatação do mandato, até ao limite que a CRP permitia, do Governo Passos Coelho / Portas, repudiado no País e recusado no Parlamento.
Seria injusto esquecer o que representou na salubridade política a eleição de Marcelo e o contraste da cultura, inteligência e sensibilidade com o antecessor, mas as suas virtudes tiveram nos defeitos, na permanente intromissão nas atribuições dos outros órgãos da soberania, a tendência para acentuar os últimos que a atual sondagem parece punir.
Neste momento pode dizer-se, sem laivos de utopia, que a segunda volta está em aberto, e tudo depende da dinâmica das várias candidaturas incluindo as anãs de cuja presença só é conhecida ainda a intenção do reincidente Tino de Rãs.
O que alguns julgaram uma campanha morna, com um candidato esmagador, tem todas as condições para ser uma campanha viva, com debate político, onde a candidata melhor colocada para uma segunda volta pode criar uma dinâmica que era impensável.
Vai ser aliciante observar o desempenho no debate a dois, entre Marcelo e Ana Gomes, sem menosprezar o naipe de excelentes candidatos que inclui Marisa Matias e João Ferreira.
A procissão ainda vai no adro, mas esta última sondagem relançou a esperança de uma campanha viva, esclarecedora e onde a política floresce no jardim da democracia.
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Excerto do livro “O AVÔ E OS NETOS FALAM DE GEOLOGIA”, Âncora Editora, já em 3ª edição (2020). Com ilustração do meu amigo Francisco Bilou.
— Ó avô, – pediu o Domingos. – Eu ainda não percebi bem como é que se forma uma montanha.
- Como disse, havemos de falar sobre isso mais tarde. Mas para terem uma ideia geral que vos ajude a entender melhor esta nossa conversa de hoje, vamos imaginar uma série de lençóis, mantas de diversas qualidades e espessuras, cobertores, um édredon, uma porção de colchas, e o mais que quiserem, tudo bem esticadinho em cima da cama. Imaginemos que este empilhamento representa a espessura de camadas de sedimentos depositados no fundo de um oceano, ao longo de muitos e muitos milhões de anos, como é, por exemplo, o que está a acontecer no Oceano Atlântico, aqui ao nosso lado. Vamos agora abrir bem os braços e agarrar esta pilha de roupa, uma mão de cada lado, e apertá-la para o meio da cama. Fica tudo amarrotado, com dobras para cima e outras para baixo. Com a força dos nossos braços, em menos de dois metros de extensão desta roupa e em menos de dois segundos, fazemos, assim, o que a Terra faz, em milhares de quilómetros de fundo de um oceano e ao fim de muitos milhões de anos, usando para tal todas as forças que resultam da enormíssima fonte de calor armazenada no seu interior.
- Então, uma montanha são rochas dobradas. – Interrompeu o neto.
- É mais do que isso. Continuando a nossa explicação. A porção das dobras que fica para cima representa a parte de uma cadeia montanhosa que se eleva à superfície do terreno. Nos Himalaias esse valor atinge os 8000 metros de altitude.
- E a porção que fica para baixo, avô? – Perguntou, de imediato, o mesmo neto, interessadíssimo numa explicação que, pela primeira vez fazia luz na sua muita curiosidade.
- A porção dobrada que fica para baixo, - continuou o avô - representa a parte que se afunda na crosta terrestre, como se fossem as suas raízes que, volto a dizer, podem atingir os 70 km de profundidade. Como já disse e não é demais repetir, em virtude das elevadas pressões e temperaturas a que passam a estar sujeitas, as rochas sedimentares que assim se afundam na crosta, sofrem processos de metamorfismo, transformando-se em rochas metamórficas. Na parte ainda mais profunda destas raízes, reparem que estou a insistir no que já disse, com temperaturas na ordem dos 800 a 900 oC, as rochas começam a fundir, gerando um magma que, arrefecendo ao longo dos milhões e milhões de anos, se transforma em rochas magmáticas como os granitos, os sienitos, os dioritos, os gabros e outras menos conhecidas. Entendido?
- Sim, avô.
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É DE ALMANAQUE!
SENDO toda a minha família do Porto — onde nasci — e tendo ido morar para Lisboa quando ainda mal sabia andar, a minha vida, durante décadas, decorreu alternadamente entre essas duas cidades, com as minhas estadas no Norte a coincidirem com as férias escolares que, todas somadas, perfaziam uns saborosos quatro meses por ano.
Ora, de entre as muitas recordações que guardo desses bons velhos tempos, assume lugar de destaque a chegada, precisamente nesta época do Verão, do “Almanaque Bertrand” — algo que só pode entender quem conheceu essa publicação:
Com a sua colorida capa cartonada (e com um papel, grafismo, formato e peso ideais para uma boa leitura), toda a família o disputava, não só porque, nessa época, poucas distracções havia, como porque, dentro do género, era o que se fazia de melhor.
Ora vejam só: eram quatro centenas de páginas repletas de anedotas, passatempos, adivinhas, curiosidades, extractos de clássicos da Literatura, charadas, conselhos práticos, horóscopos, rifões, concursos, truques de magia, fotogravuras de acontecimentos históricos, de celebridades, de obras de arte, de monumentos e de paisagens... e por aí fora, com uma particularidade a que só muito depois dei o devido valor: é que nunca — mas nunca! — se encontrava neles uma gralha, muito menos um erro de ortografia!
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MAIS tarde, na sequência de umas dolorosas partilhas, calharam-me todos os exemplares que havia na casa da minha avó, o que, como se imagina, fez recair sobre mim a maldição que assombra todos os coleccionadores: sim, como podia eu suportar o facto de ter, p. ex., todos os números entre 1920 e 1933, excepto o de 1922?! Portanto, o que se seguiu nem precisaria de ser dito: passei a trazer comigo a lista dos que me faltavam e, quando dei por mim, já era um velho conhecido de todos os alfarrabistas de Lisboa e arredores, onde aparecia a meter o nariz nas prateleiras mais esconsas e poeirentas e recorrendo, nos casos mais difíceis, a anúncios de jornal. E quando, feliz da vida, conseguia descobrir uma dessas preciosidades, digitalizava carinhosamente as ANEDOTAS ILUSTRADAS, que iam de imediato enriquecer uma página de internet criada propositadamente para elas (*).
Essas anedotas, quase todas importadas de publicações estrangeiras, eram verdadeiras obras de arte, com uma qualidade gráfica excepcional ao serviço de um humor inteligente, não faltando as que se mantêm perfeitamente actuais, incluindo muitas de fazer arrancar os cabelos aos tontinhos do “politicamente correcto”.
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SUCEDE que, este mês, pensei que ficaria bem aqui qualquer coisa que, para além de ser original, evitasse o tema das agruras “covídicas” e também se relacionasse com a realidade lacobrigense.
Lembrei-me, então, de dar uma vista de olhos nesse arquivo de velhas anedotas, e o certo é que, em pouco tempo, já tinha um bom lote das que satisfaziam esses critérios; o pior foi quando tive de escolher apenas uma, pois elas eram tantas, que não conseguia decidir-me a tempo desta edição do Jornal, pelo que resolvi esquecer o “HUMOR ANTIGO” e fazer uma busca no meu outro arquivo de “HUMOR MODERNO” — uma escolha que também não foi fácil, mas acabou por recair na foto que aqui divulgo, a “passadeira louca” da Rua D. Vasco da Gama, exemplar perfeito de “humor do absurdo”, que fala por si e pelos “artistas” envolvidos, e que, pelo menos até à data em que escrevo, sobreviveu às intervenções que estão a ser feitas por toda a cidade; e faço votos para que assim continue, não só porque é um valioso atractivo turístico, como pelo facto de contribuir para a nossa boa disposição — o que, nos dias que correm, é algo que não tem preço!
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(*) — humorantigo.blogspot.com
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“Correio de Lagos” de Agosto 2020
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Por António Barreto
É uma discussão muito interessante, eterna e que volta sempre que é enterrada. Deve ou não a educação inculcar valores? Formar cidadãos? Modelar mentalidades? Educar os jovens no cumprimento dos seus deveres? Respeitar as regras morais estabelecidas pela Constituição? Reproduzir as crenças das gerações anteriores? A todas estas perguntas, a minha resposta é negativa. Não! A Educação dispensada pelo Estado em regime democrático, designadamente a escolaridade obrigatória, não deve inculcar valores, moldar espíritos, formar consciências, criar cidadãos… Nem sequer produzir boas pessoas ou cidadãos exemplares. A instrução ajuda muito ao desenvolvimento humano, mas não são aquelas as suas funções.
Àquelas perguntas, ao longo das décadas e dos séculos, foram sendo dadas respostas diversas, sendo que a controvérsia não cessou. Nunca houve acordo nem consenso. Mas, de vez em quando, ao coexistir com outras polémicas mais prementes, esta disputa acalmava-se. Agora, reapareceu! E ainda bem.
Como é sabido, a discussão faz-se à volta do conteúdo da disciplina de “Educação para a Cidadania e o Desenvolvimento”. O facto imediato é o da contestação de uns pais que desejavam retirar os filhos dessas aulas que consideravam atentatórias da formação que lhes queriam dar, pelo que reclamaram o direito à objecção de consciência. Aplaudido por organismos políticos e educativos mais situados à esquerda, o Estado recusou. No que foi muito criticado por vozes, organizações e personalidades, geralmente colocadas à direita. Mas, por uma vez, o afrontamento não é totalmente preto e branco. Há gente da direita no primeiro campo e gente de esquerda no segundo.
O currículo nacional, devidamente aprovado pelas leis vigentes e estabelecido pelos órgãos de soberania, não deixa abertas as portas à objecção de consciência. Nem de outra maneira poderia ser. Um currículo nacional serve para isso mesmo: para ser seguido, como unificador cultural de um país, sem objecções, até porque os programas académicos não devem dar o flanco a variedades ideológicas e a opções politicas ou religiosas. Deve, pois, ser respeitado.
O problema não é o da objecção de consciência. O problema principal é o da disciplina: não deveria simplesmente existir! Com este conteúdo em que tudo cabe, com este objectivo que é o de formar consciências, com esta preocupação que é a de modelar espíritos e orientar comportamentos em todas as áreas possíveis, da cultura à política, do direito às artes, dos afectos à sexualidade, do ambiente à natureza, esta disciplina deveria ser prontamente eliminada. A escola deve ser democrática, na sua função social, permitindo o acesso de todos, mas não deve ensinar a democracia nem a cidadania. Não deve muito menos orientar comportamentos e atitudes, modelar espíritos e formar consciências.
A melhor disciplina imaginável é um verdadeiro “Código da Estrada” da democracia, um guia para a Constituição e a Administração Pública. Sem juízos morais, sem regras de comportamento, sem valores éticos e sem imposição de valores.
A disciplina de “Educação para a Cidadania e o Desenvolvimento” é uma armadilha e um tremendo equívoco. Tal, aliás, como outras variedades de que se fala com frequência: Educação para a Saúde, Educação para um Ambiente sustentável, Educação para a Saúde reprodutiva e Educação para a Igualdade. Ao abrigo dos melhores sentimentos, estamos em pleno delírio de ideologia e propaganda, ou antes, da manipulação e intoxicação. Vejam-se os conteúdos dos programas dessa disciplina e note-se a despudorada afirmação do que é ou deve ser virtuoso! Perceba-se o ambiente mental onírico e beato com que se desenvolvem os programas.
Esta “educação para a cidadania” é própria de todas as correntes políticas, culturais e educativas autoritárias que se arrogaram um qualquer direito de formar gerações e modelar consciências, para tal utilizando a escola, a escolaridade obrigatória e os programas escolares.
Foi esta a educação defendida pelos grandes republicanos de boa e má memória, firmes detentores da verdade, combatentes extremes da oligarquia monárquica, defensores da nova escola laica, livre e igual e partidários de uma escola empenhada que não se pode sequer conceber como neutra. A sua escola republicana era uma escola empenhada e parcial.
Foi também esta a educação própria dos corporativistas, integralistas, fascistas e salazaristas que sempre consideraram que a escola não deve nem pode ser neutra, que deve transmitir valores, ideias e convicções, que deve ensinar as boas regras de comportamento público, que deve ajudar todos a respeitar a lei e a moral e, acima de tudo, engrandecer o país e a nação. Esta escola não era neutra, antes devia cultivar os valores da Nação, de Deus, do Trabalho, da Família, da Constituição e da Ordem estabelecida.
Mas também é uma educação assim, empenhada, a que é própria dos comunistas e dos socialistas revolucionários de todos os tempos, desde as escolas soviéticas até às variantes tropicais do Bolivarianismo e do Castrismo. Denunciaram com energia a escola cristã, a escola fascista e a escola capitalista. E sempre consideraram que a escola não é nem deve ser neutra, antes deve traduzir e veicular os valores das classes trabalhadoras e do partido, em permanente louvor do socialismo.
Esta escola empenhada, inimiga da neutralidade, é também a própria das correntes católicas mais fervorosas, desde sempre adeptas de manter uma escola confessional, de estreita associação entre a religião, a moral e o civismo e que ensine a temer a Deus, lutando empenhadamente contra as perversões laicas da escola pública.
Esta concepção de escola empenhada é própria finalmente das correntes mais sofisticadas das ciências de educação, da pedagogia crítica e da educação activa, preparadas para formar cidadãos e criar agentes de virtude, prontas para o culto da pedagogia da libertação, inimigas da escola neutra que consideram uma armadilha dos poderosos. São estas as formas mais disfarçadamente ideológicas e despóticas, próprias dos autoritários.
Em quase todas estas ideias totalitárias, notamos a permanente obsessão com a “educação integral do ser humano”, inquietação que atrai tanto os católicos empenhados como os comunistas de vocação e os fascistas de aspiração. Sempre, no século XX, os autoritários ambicionaram moldar o carácter e, para isso, fundaram os Lusitos portugueses, os Balilas italianos, os Pioneiros soviéticos, os Flechas espanhóis, os Escuteiros cristãos, os Pimfs alemães… Sempre os déspotas sonham com a educação e a formação das jovens gerações!
Público, 13.9.2020
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Por Joaquim Letria
Penso eu que a melhor maneira de fugirmos a este mundo de hoje é mergulharmos de vez em quando nas realidades do antigamente e, através das mais diversas manifestações de fé nos homens, distrairmo-nos com a arte, com o pensamento filosófico, quer na ciência quer na política.
O tempo prodigioso que medeia entre o século XIV até ao princípio do século XVI foi, em todos os sentidos, uma verdadeira renovação através da qual o homem abandonou as tristes certezas da Idade Média para se lançar na mais bela aventura da criação.
Foi um tempo de renascimento, uma verdadeira Primavera, na qual o homem se redescobriu com surpresa e deleite sendo capaz de recuperar as emoções, os pensamentos e as esperanças na mais variada e pletórica plenitude.
Com espanto, o homem redescobre os antigos, ao mesmo tempo que o latim eclesiástico se transforma num espantoso instrumento de transformação, de novidade e de comunicação.
Com a redescoberta dos antigos cria-se um novo sentido de vida e do mundo. Mais tarde, o homem junta a toda a variedade e surpresa dos clássicos o novo mundo com requintes e profundezas orientais a que se somará mais tarde o novo mundo americano que transmite a ilusão duma herança sem limites.
A ciência deu-nos outros olhos para ver e compreender a realidade. As Artes Plásticas e a palavra viva levam-nos a estudar, a compreender novas línguas, sem trair a devoção pelo latim, e o entusiasmo de criar as literaturas.
O cisma religioso vai desembocar num novo tempo de guerras e de preocupações em muito semelhante ao que vivemos hoje num momento tão conturbado por tenebrosas razões de saúde e de fome.
É possível que os erros dos humanistas nos tivessem levado a situações irrealizáveis como a própria História em parte demonstra. Mas tal não apaga o inenarrável prazer nas escapadelas que por lá podemos experimentar e que ainda hoje podemos dar, acreditando em algo bem mais harmonioso, inteligente e sensível do que aquilo que hoje temos. Não é fácil. Mas temos de olhar para trás acreditando no futuro. Tirando o maior prazer daquilo que se nos oferece. Olhando para ontem acreditando no amanhã.
Publicado no Minho Digital
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Por C. B. Esperança
O primeiro fato de que me recordo foi mandado fazer para o exame da 3.ª classe. Tinha uns calções e um casaco de manga curta que, já adulto, servia de diversão familiar, por falta de pano, dizia eu, usavam-se assim, garantia a minha mãe.
Etiquetas: CBE