Por A. M. Galopim de Carvalho
(À memória de Horácio Mateus (1950-2013) fundador do
Museu da Lourinhã)
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A notícia sobre a criação de um parque temático de dinossauros no concelho da
Lourinhã fez-me recuar 22 anos e relembrar um episódio que registei em “Fora da Portas, Memórias e Reflexões”,
Âncora Editora, 2008,
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“Corria o ano de 1994, estávamos, a Isabel e
eu, na Alemanha, nos arredores de Hannover, de visita ao famoso museu de ar
livre, Dinosaurier-Freilichtmuseum de Munchehagen, quando um canal de televisão
de Munique, sabendo da minha presença ali, pretendeu entrevistar-me a propósito
da descoberta, na Lourinhã, mais precisamente, em Pai Mogo, de ovos de um
dinossáurio terópode com embriões por eclodir, recentemente anunciada pelos
seus felizardos achadores, Isabel e Horácio Mateus, do museu local. Iniciado
por um empenhado grupo de amadores e embora pequeno, o Museu da Lourinhã,
dispõe hoje da mais vasta e diversificada representação de fósseis de
dinossáurios do Jurássico superior de Portugal, sendo, por isso e graças ao
dinamismo dos seus membros, bem conhecido, não só por paleontólogos nacionais e
estrangeiros, mas pelo cidadão, em geral.
Soterrados antes de eclodir, os esqueletos
dos minúsculos embriões da Lourinhã aguardaram cerca de 150 milhões de anos até
que a erosão do terreno os colocou a descoberto e permitiu ao afortunado casal
reparar neles e fruir o justo mérito de ter trazido este excepcional achado ao
conhecimento do grande público, sempre ávido de tudo o que envolve estes
animais do passado, e à comunidade científica, em particular.
Fragmentos de cascas de ovos de dinossáurio
encontram-se a cada passo nos terrenos areno-argilosos, por vezes calcários,
desta região, uma das mais ricas em ossadas fósseis destes animais, numa
riqueza que contrasta com a penúria das verbas investidas pelo Estado na investigação
e na divulgação científicas deste sector da ciência e da cultura. Por todo o
mundo são frequentes os achados de ovos destes vertebrados pré-históricos,
quase todos nos terrenos do Cretácico, sendo, porém, raríssimos os que encerram
embriões.
Valorizado por muitas dezenas de réplicas em
tamanho real e bem enquadradas no ambiente natural, este parque,
simultaneamente, lúdico e educativo, expõe ainda aos visitantes (na ordem das
centenas de milhar por ano), oficinas pedagógicas, múltiplas propostas
interactivas e um valioso espólio de fósseis autênticos, com destaque e
segurança máxima para um ovo de dinossáurio com o respectivo embrião à vista.
Para nos guiar nesta visita de meia dúzia de
dias, que incluiu os principais aspectos da geologia regional da Vestefália,
tivemos a simpática e grata companhia do Prof. Detlev Thies, da Universidade de
Hannover.
Foi neste Freilichtmuseum, para mim, um
exemplo do que se poderia fazer neste nosso sempre adiado “jardim à beira mar”,
que atendi o telefonema do jornalista do dito canal de televisão e, no dia
seguinte, recebi toda a equipa de técnicos que trouxe consigo.
Numa dependência deste estabelecimento,
disponibilizada para o efeito, tendo por fundo um enorme e bem esticado pano
azul e comodamente sentado ao lado do entrevistador, lá fui respondendo, na
medida do que me era dado saber sobre o achado que pôs Portugal nos media internacionais.
Porquê eu a ser entrevistado sobre um
acontecimento do qual, nem de perto nem de longe, fora protagonista, e como é
que a televisão de um país estrangeiro deu comigo em terra sua?
Acontece que, durante mais de uma década, e na
qualidade de director do Museu Nacional de História Natural, promovi a
concretização de vários projectos de investigação neste domínio. Nestas funções,
proporcionei aos jovens investigadores e estagiários do nosso Museu todas as
condições necessárias à progressão na carreira que haviam escolhido,
arranjei-lhes orientadores científicos no estrangeiro (porque os não havia em
Portugal), proporcionei-lhes convívio dentro e fora do País, com especialistas
de renome, estimulei-os a publicar os seus trabalhos (e foram muitos) e
facultei-lhes as condições para que o concretizassem. Acresce que, a par desta
actividade, se produziram aqui as mais espectaculares exposições de
dinossáurios de que há memória em Portugal, com centenas de milhar de
visitantes, amplamente noticiadas.
Com toda a razão e justificadamente, o nosso
Museu voltou a ser (já o fora na viragem do século XIX ao XX) a entidade
nacional mais envolvida na paleontologia e na paleobiologia dos dinossáurios, e
eu, sem me dar conta disso, passei a ser figura central neste domínio do saber.
”Pai dos dinossáurios” “avô dos dinossáurios” e, até, pasme-se, “o maior
especialista português em dinossáurios”, é assim que tenho sido tratado,
algumas vezes por alguns jornalistas muito simpáticos, diga-se, mas ignorantes
do tema sobre o qual falam e escrevem, e bastantes mais vezes, ao ser
apresentado em muitas das palestras que proferi por todo o País (ainda faço uma
ou outra), em escolas, centros culturais, bibliotecas municipais, sociedades
recreativas, etc. Nestas sessões, num número que ultrapassa as duas centenas e
das quais a comunicação social se foi fazendo eco, sempre fiz questão de
esclarecer a assistência sobre o meu verdadeiro papel nesta problemática. Sou,
de facto, um acérrimo defensor deste ramo do saber, criei condições mínimas
necessárias ao seu ressurgimento, entre nós, de alguns estudiosos nesta área,
assumo-me como um divulgador, mas não fui nem sou um investigador nesta área. O
mérito que, eventualmente, possa ter nesta matéria está, sim, em ter trazido
estes grandes bichos para o seio da sociedade portuguesa, com todas as
vantagens que isso trouxe aos financiamentos da investigação que, só assim,
pôde ser produzida e, sobretudo, para a valorização e preservação do nosso
invulgarmente rico património paleontológico neste domínio.
Como consequência deste equívoco, que sempre
procurei desfazer, foram várias as vezes que a comunicação social veio ao meu
encontro, convencida que este ou aquele achado, esta ou aquela notícia tinham
algo a ver comigo. Não raro, caíram sobre mim, indevidamente, os louros de uma
ou outra descoberta ou investigação nas quais não tive qualquer intervenção.
Foi algo muito próximo disto que trouxe até mim o citado canal televisivo
alemão. Mais uma vez, não deixei de esclarecer que nada me ligava à excepcional
descoberta daqueles meus dois amigos da Lourinhã, que tiveram aí o prémio do
muito empenho que, anos a fio, puseram ao calcorrear e observar, palmo a palmo,
estes terrenos”.
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