Por António Barreto
Em Portugal, não há uma economia privada, uma sociedade civil ou uma classe dominante que dirija o país e comande o Estado. É o contrário. Sempre foi. À esquerda ou à direita, com interesses nacionais ou estrangeiros e com ou sem a Igreja, é o Estado que comanda. Por isso é tão frequente encontrar quem exerça o poder com o Estado, pelo Estado e através do Estado. É um Estado para todas as estações. E todos os azimutes. Nas últimas décadas, o Estado fez a guerra e a descolonização, fez a revolução e a contra-revolução, nacionalizou e reprivatizou a economia.
Não há “classes”que comandem o Estado e o organizem. Há, isso sim, patrícios, “raiders”, salteadores e piratas, vindos da economia ou da política, que se apropriam do Estado. Os últimos anos foram de excepcional valor para identificar uns e outros. Comandam temporariamente, com objectivos precisos ou na esperança de encontrar uma ligação duradoura. Assim é que o Estado assegura até algum efeito de auto-reprodução, levado a cabo sem uma orientação classista. Por isso, o Estado não é o “separador” entre esquerda e direita. O Estado já protegeu e oprimiu cidadãos, já os libertou e aprisionou. O Estado Novo serviu para o Estado democrático.
Tal como na direita, uma parte da esquerda não é democrática, nem preza a liberdade individual. À esquerda, todas as experiências comunistas mostraram como aquela pode ser antidemocrática. À direita, basta recordar as experiências fascistas, nazi e de outras variedades (Salazarista, Franquista, de Vichy…). Desde o século XIX, as mais duráveis e robustas experiências de poder da esquerda foram, do ponto de vista das liberdades, autênticos desastres! A longa vida dos governos comunistas, na União Soviética, na China, no Leste europeu, em Cuba, na Coreia do Norte e noutros países, foi sempre feita em ditadura. Em nome da esquerda. Em anos de vida e em população abrangida, os governos ditatoriais de esquerda foram superiores aos de esquerda democrática.
A maior parte das experiências governamentais da esquerda, no mundo moderno, é caracterizada por isso mesmo: ditadura, polícia política e supressão de direitos fundamentais. Nesses países, as vítimas mortais e os presos contam-se por milhões e dezenas de milhões. Em todas essas experiências, o valor da igualdade foi sempre dominante. Em seu nome se suprimiu a liberdade.
Na história politica da Europa, a esquerda democrática teve uma vida difícil, entre as ditaduras de direita e as de esquerda, entre o capitalismo e o comunismo. Mas conseguiu durar e, em certos países, impor-se. Foi mesmo capaz de governar, nos países escandinavos e, episodicamente, em França, na Grã-bretanha, até na Alemanha. Assim como em Portugal e na Espanha. Fê-lo quando soube denunciar a tradição autoritária comunista. Teve sucesso quando foi capaz de conquistar para o seu espaço outras políticas do centro e da direita. Teve êxito quando admitiu que o mercado e a iniciativa privada faziam parte do legado de liberdade e que eram irrenunciáveis. Venceu quando garantiu que a liberdade era a prioridade absoluta.
O trabalho, a justiça, a cultura e a igualdade são valores de esquerda. Ou antes, também são de esquerda. Mas a liberdade vem à cabeça. Pelo menos com a esquerda democrática. Quando um partido ou um governo substitui, entre as prioridades políticas, a liberdade pela igualdade, não restam dúvidas: esse partido ou esse governo está a abandonar a democracia! A igualdade não é uma arma de luta pela liberdade. Com a igualdade, é difícil defender a liberdade. Pelo contrário, com liberdade, podemos combater a desigualdade. A liberdade é mesmo a principal arma de luta pela igualdade.
DN, 21 de Agosto de 2016
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