30.9.07


Blogue-arquivo «Humor Antigo» - Ano de 1933

TROCA DE BALAS

Por Alberto Gonçalves
PARA COMBATER O SONO INDUZIDO pela lengalenga oficial sobre a matéria, vale a pena seguir a (adiada) troca de seringas nas prisões com um livro à mão. O livro chama-se Junk Medicine: Doctors, Lies and the Addiction Bureaucracy. O autor é Theodore Dalrymple, pseudónimo do psiquiatra inglês Anthony Daniels, colunista da revista Spectator e médico (reformado) de uma prisão em Birmingham.
A tese de Dalrymple é simples: a convenção de que o uso de narcóticos é uma doença serve apenas para desresponsabilizar os sujeitos que os consomem e empregar os sujeitos que, alegadamente, tratam o problema. Na longa experiência de Dalrymple, nem o drogado é um doente nem as drogas ditas duras fomentam uma dependência impossível de interromper sem ajuda externa. O "vício" é, acima de tudo, deliberado: é iniciado de livre vontade (ao invés da pneumonia) e pode ser abandonado de livre vontade (ao invés da pneumonia), com desconforto mas longe do tormento físico popularmente difundido. Dalrymple não nega as consequências clínicas do hábito (hepatite, Sida, tuberculose), nega que as consequências façam do hábito uma doença (o montanhismo não é uma doença embora os montanhistas sofram queimaduras do frio). E garante que prevenir os efeitos de um acto deliberado é estimular a repetição do acto. Ou seja: nada de seringas ou injecção "assistida".
Se por milagre o lessem, "Junk Medicine" seria uma fonte de irritação permanente para hordas de médicos, psicólogos, sociólogos, assistentes sociais e funcionários afins. Para mim, foi um prazer, excitante até na discórdia. Para mencionar um pormenor, a ideia (ideia de Dalrymple) de que, em vez de predispor ao crime, a droga é reflexo de uma espécie de "vocação criminosa", logo punível, não me convenceu inteiramente. Não acho que cidadãos maiores e vacinados (aliás frequentemente, e com diversas substâncias) devam ser detidos à conta dos extremos testes a que submetem as entranhas. Porém, é polémico que se gastem fortunas a salvá-los deles próprios. Polémico e ocasionalmente ridículo: no que respeita às seringas nas prisões, o Estado estará, no limite, a fornecer ao heroinómano os meios para que continue a cometer o crime pelo qual foi condenado. Rezo para que o paternalismo não alargue o método aos homicidas.
«DN» de 30 de Setembro de 2007-[PH]

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Blogue-arquivo «Humor Antigo» - Ano de 1933

ACONTECEU NO OESTE

Nuno Brederode Santos
AS SINUOSIDADES, as delongas e o desfecho do processo de Lisboa parecem ter-se confirmado como a gota de água que entornou Marques Mendes. Homem cem por cento do sistema, para o bem e o mal, ele esgotou-se na proclamação de princípios e valores que depois, na prática, geriu com cedências pragmáticas e conciliações de "realpolitik". Teve princípios para Isaltino e encolhas para Jardim. Mas nem sempre explicou bem os princípios e quase nunca conseguiu disfarçar as encolhas. Como aqui escrevi, ele hesitou, tergiversou, ousou e cedeu. Este caminho longo, de bússola incerta, fez-lhe perder o apoio activo de alguns dos seus melhores. E acabou pactuando a tolerância omissiva de um baronato que melhor se revê em Cavaco ou Barroso e que o aceitou só como gestor de conjunturas infelizes. O martirológio pessoal de Alexandre Relvas, depois de desafiado pelos adversários a dar a cara na campanha, foi a sua única (e inútil) paga. Não há felicidade nem brio que valham tal pacto.
MM não estaria a caminhar para o sucesso. E, nesse sentido, talvez tenha feito o PSD perder tempo. Mas, num horizonte maior do que o de 2009 em que só ele acreditava, trilhava "sentiers batus", terrenos bem conhecidos e, por isso, reformáveis. Assim tivesse sabido levar o institucionalismo às últimas consequências. Mas não foi capaz. E agora o PSD arrisca uma aventura que o fará plausivelmente perder ainda mais tempo e que - o que mais importa - causará os maiores atrasos e perturbações ao "aggiornamento", ainda incipiente, de um mais saudável protagonismo dos partidos nesta democracia.
Essa aventura tem o rosto de Menezes. Um homem que, perante as dificuldades de encontrar um discurso e uma via que recuperem o centro que Sócrates absorveu, promete, com estonteante leviandade, combater pela esquerda o "conservadorismo" do PS: pelo poder da rua e pelo investimento público. E como, nas grandes arrancadas para o poder, um político se define por quem mais cedo lhe deu a mão, não deixa de ser extraordinário que tão genuínos propósitos esquerdizantes se apoiem em Ângelo Correia, Arlindo de Carvalho, Mendes Bota, Martins da Cruz, Nuno Delerue e santanistas como Helena Lopes da Costa ou Rui Gomes da Silva (ou ainda Ribau Esteves, a revelação política da candidatura, que eu observei e anotei como uma das figuras salientes do posicionamento mais conservador no referendo ao aborto).
Mas na sexta-feira à noite, nas imagens do Sheraton, não se falava de ideias ou projectos. Era a vingança do pequeno cacique e a pressa das "bases" em regressar a um qualquer poder. Era a ânsia ilusória do mais fraco, do eterno enganado, em escolher os deputados e os autarcas, enquanto não pode "eleger" os seus ministros. Era a vertigem ingénua de castigar os notáveis, que cumprem oposição entre castiçais e alcatifas. Era a madrugada libertária de todas as aventuras despóticas, que tantas vezes o são apesar de tudo e todos, a começar pelo próprio déspota. Porque não é ele quem irá impedir as reconciliações. São os basismos que desenfreou. É verdade que, por vezes, o aventureiro enfrenta a sua própria aventura. Mas aí, quando perde, é devorado e, quando ganha, tem de se apoiar nos que venceu. Aos apressados, a vida faz-se pagar com tempo. Aos ambiciosos, com frustrações e desencanto.
Não vale a pena é começar logo a mudar o tom de muita da opinião publicada. Como é o caso de passar a ver, no que durante a campanha, era balbúrdia no Oeste, uma "afirmação de vitalidade partidária". Das urnas não emerge um critério de verdade, mas só de legitimidade. Dir-se-ia que há políticos e comentadores que receiam ter dito o que disseram. Não é caso para tanto. Até porque, a dois, quatro ou mais anos de vista, tudo isto dá mais chatice que tragédia. Não dá cisões, porque a experiência já mostrou serem depurações feitas por conta e iniciativa das próprias vítimas. E, mais contemplativamente, porque, adaptando a sabedoria popular, Deus nos livre do que o país aguenta.
«DN» de 30 de Setembro de 2007

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29.9.07

Há dias, o ABRUPTO fez eco de uma oferta minha, no valor de €50 [v. aqui], à primeira pessoa que, até às 24h de 31 de Dezembro de 2007, for capaz de me indicar UM ÚNICO quiosque NETPOST que funcione - um desafio que se mantém e que estendo ao quiosque Infocid existente no edifício ministerial da Av. de Roma, n.º1, em Lisboa.
Nesse seguimento, houve quem aceitasse o desafio, estando os seus esforços relatados em "comentário" a esse post e, novamente, no ABRUPTO:

-oOo-

Quanto à 3.ª aposta, no mesmo valor e com as mesmas premissas (relacionada com as simpáticas maquinetas de venda de selos com cartões [v. aqui]), Pedro Tomás, que também aceitou esse desafio, dá-nos conta do que apurou:

Relativamente à outra possibilidade, a de usar os cartões Netpost nas máquinas de selos, a resposta revelou-se uma verdadeira pérola:

“(...) este equipamento nunca aceitou o pagamento através de cartões Netpost”.

Com uma resposta tão concreta qualquer cidadão ficaria safisfeito... ou não. Como pode ser possível darem uma resposta destas tendo em conta a foto que CMR publicou aqui ?

Peguei na foto existente no Sorumbático [esta] e enviei-a, para lhes mostrar que ou isso era falso, ou a informação dada aos utentes da máquina estaria incorrecta, ou me estariam a dar informação errada. Sugeri por isso que removessem essa informação das máquinas de selos e que removessem as máquinas Netpost existentes, dado que não funcionam.

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Da Birmânia ao Irão

Por Rui Tavares
1. UMA ÚNICA VEZ NA VIDA conheci uma pessoa oriunda da Birmânia. Antes de ter fugido do seu país, tinha sido uma professora de inglês numa faculdade de engenharia de Rangun, a antiga capital. Após a repressão às manifestações pró-democráticas de 1988, em que a sua faculdade participou na linha da frente, regressara à sala de aula para a encontrar vazia. Os alunos que não tinham sido assassinados estavam quase todos presos ou desaparecidos.
Pouco se conhece da Birmânia actual. Os militares que governam o país mudaram-lhe o nome oficial para Myanmar, segundo a minha interlocutora por razões de superstição. Isto não é impossível: também recentemente a junta militar mudou a capital de lugar numa data considerada astrologicamente auspiciosa. Mas politicamente é também conveniente, como agora, estar longe dos grandes centros populacionais e da possibilidade de uma revolta.
Os birmaneses revoltaram-se nos últimos dias. As manifestações podem ser de dez mil pessoas, mas há quem fale em cem mil ou até três vezes mais do que isso. Os birmaneses estão sozinhos. Não aparecem na televisão nem pesam nas estratégias internacionais. Correm todos os riscos. Podem conquistar a democracia ou ser massacrados. A nós cabe-nos, pelo menos, não os esquecer. E aos nossos líderes cabe dar tudo por tudo, nestes dias, para que 1988 não se repita.
2. O SR.AHMADINEJAD foi a Nova Iorque e a possibilidade de que aceitasse o convite para falar na Universidade de Columbia causou escândalo entre políticos e opinadores. Na FoxNews, canal populista de direita, vi-os apoplécticos. Uma comentadora defendia que ele não deveria sequer poder ir à Assembleia Geral das Nações Unidas e, já que estamos nisto, as próprias Nações Unidas deveriam sair do território dos EUA. Uma visita do “homenzinho esquisito” ao lugar do atentado de 11 de Setembro, que acabou desmarcada, era nada menos que um insulto. E o convite da Universidade era a prova de que a esquerda em geral e os intelectuais em particular não passavam de traidores apostados em branquear o regime iraniano. No seu conjunto, estas reacções sugeriam uma desconfiança injustificada em relação ao discernimento do público.
Ontem foi o dia. Ao invés de branquear o regime, o reitor da Universidade criticou ferozmente a falta de liberdade no Irão e lembrou o nome de presos políticos. Ahmadinejad teve de responder a todas as perguntas directas sobre Israel, o Holocausto, as armas nucleares. Aguentou-se relativamente bem perante uma plateia difícil, até ao momento em que lhe perguntaram sobre a perseguição aos homossexuais. Empertigado, respondeu: “não há homossexuais no Irão, não temos esse problema, não sei quem lhe disse isso”. A plateia explodiu numa gargalhada e o homem viu-se ridicularizado.
Foi mais uma demonstração de algo que intrigava Montaigne, num dos seus ensaios: como as pessoas que se julgam importantes falam com mais à-vontade de guerras e mortos do que de corpos e sexo, que é coisa que toda a gente tem ou faz.
«Público» de 26 de Setembro de 2007 (extracto)-[PH]

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Terminada a série correspondente ao Ano de 1923 de Humor Antigo, iniciou-se agora a de 1933

ENGENHARIA DAS MENTALIDADES

Por João Miranda
RUI PEREIRA, ministro da Administração Interna, defendeu esta semana, numa intervenção realizada na Escola Superior de Educação de Leiria, que o ensino dos valores de cidadania nas aulas de Educação Cívica é essencial para "a mudança de mentalidades e a construção de um Portugal melhor". Rui Pereira pressupõe que a transmissão de valores deve ser uma função do Estado. Mas, dado que a sociedade portuguesa é pluralista, essa função deve ser questionada. Se o Estado vai transmitir valores, vai transmitir os valores de quem? E se numa sociedade pluralista coexistem valores contraditórios, que valores é que o Estado deve transmitir?
Pode-se argumentar que o Estado deve transmitir os valores consensuais. Mas os valores consensuais estão em todo o lado. Na televisão, em casa, nos grupos de amigos e nas empresas. Os valores consensuais são absorvidos por todos os cidadãos desde a infância. A transmissão de valores consensuais através do ensino público é um desperdício de tempo e de recursos.
Pode-se argumentar que o Estado deve transmitir os valores da maioria. Mas esse é um caminho perigoso. As minorias têm tanta legitimidade para exigir que o Estado transmita os seus valores quanto a maioria. Vivemos numa sociedade aberta e plural em que a liberdade de pensamento, de expressão e de ensino é reconhecida a todos sem excepção. O Estado deve respeitar esse pluralismo abstendo-se de promover determinados valores em detrimento de outros. Na sua intervenção, Rui Pereira destacou os valores da liberdade, responsabilidade, igualdade, solidariedade e segurança. Ou seja, aqueles valores que dividem qualquer sociedade. O debate político em Portugal é precisamente sobre qual deve ser o equilíbrio óptimo entre liberdade, responsabilidade, igualdade, solidariedade e segurança.
Pode-se argumentar que os governantes sabem melhor do que os cidadãos quais são os valores mais adequados para a sociedade. Mas este argumento constitui uma inversão da relação entre governantes e cidadãos. Numa democracia, são os cidadãos que escolhem os valores que devem orientar o Governo. Não são os governantes que definem que valores os cidadãos devem ter. Por outro lado, só a brincar é que alguém atribuiria a políticos o papel de definir os valores sob os quais a sociedade deve viver. Somos governados por um primeiro-ministro que mentiu para ganhar as eleições, por uma ministra da Educação que diz que não se arrepende de violar a Constituição e por um ministro da Administração Interna que acha normal que um juiz do Tribunal Constitucional interrompa o seu mandato para servir o seu partido como ministro. Se os governantes não têm uma vida ética, porque é que haveriam de ser eles a definir os valores que devem reger a sociedade?
«DN» de 29 de Setembro de 2007-[PH]

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Como habitualmente sucede aos sábados, aqui fica o post-aberto para quem o quiser utilizar.

28.9.07

Alguém é capaz de verificar se isto é verdade?
Bonbons da SIC...

«Como vamos de tabuada?» - Solução

Como se pode ver no post em causa, já foi dada a resposta certa ao passatempo «Como vamos de tabuada?». No entanto, como o formato dos "Comentários" não permite grande clareza, aqui fica a explicação de uma forma graficamente melhor.
-oOo-
1-Trata-se de "descobrir" os 3 algarismos xyz (que irão identificar o dividendo: xyz2186) e o quociente abcd.
Vamos solucionar o problema procedendo à "prova real", indicando-a sob a forma de uma multiplicação feita à antiga:

ooo2453
ox abcd
--------
*******
******
*****
****
--------
xyz2186

2-Para que o último dígito do resultado seja 6, é preciso que d=2. Indiquemos isso, e façamos a 1.ª conta:
ooo2453
ox abc2
--------
***4906
******
*****
****

--------
xyz2186

3-Para que o penúltimo dígito do resultado seja 8, é preciso que c=6. Indiquemos isso, e façamos a 2.ª conta:

ooo2453
ox ab62
--------
---4906
*14718
*******
********
--------
xyz2186

4-Etc, assim também para "a" e "b", identificados em função dos 3.º e 4.º algarismos (a contar do fim) do resultado:

***2453
*x*1762
--------
---4906
-14718
17171
2453
--------
4322186

Assim, os 3 algarismos que faltam no dividendo são 4-3-2

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ERA UMA VEZ UMA BALEIA

DEVE-ME TER FICADO DE PEQUENO esta ideia de ter um esconderijo. Não propriamente um sítio esconso, onde dantes se via fotografias de meninas em fato de banho, ou mesmo nuas, ou onde se brincava e escondia pistolas de madeira. Refiro-me, sim, a um local onde possa fazer o que me dá na gana, fora das vistas de todos, onde possa levar pessoas de quem gosto e com elas lá passar o tempo que eu possa ou entenda.
Tenho um esconderijo.
Não tem tesouros escondidos, nem arcas enterradas, nem meninas com véus a saltitarem nas pontas dos pés, nem flibusteiros ou náufragos perdidos, embora, com alguma imaginação, se possa lá ter tudo isso porque o meu esconderijo está situado entre grutas e a maré vazia ou a preia-mar. É um esconderijo meu e de mais cinco famílias, duas de pescadores e três de apanhadores de algas, dezenas de gaivotas em dias de temporal e mais ninguém, se não contarmos com um guarda-fiscal que nunca percebi se anda à procura de contrabandistas ou a ver a paisagem porque, ainda que apareça diariamente, arriscando o pescoço na descida dos penhascos, nunca gastou um «bom dia» com esta estranha comunidade de poucas falas, que já não pára com o que está a fazer para o olhar, em sinal de receio ou de respeito.
Nos últimos dias tenho andado fugido, neste meu esconderijo. Mas sempre muito ocupado e entretido porque, entre mergulhar e sair de madrugada para a pesca, há sempre uma lagosta ou uma santola que se apanha, e algum álcool de confiança que decilitrar, com estes homens e estas mulheres, à conversa mole, com as crianças à escuta, para já não falar das minhas releituras à luz do petromax.
Subitamente, esta rotina de saúde foi interrompida por um acontecimento que naturalmente nos mobilizou a todos. Foi um apanhador de algas que, apontando o seu barco ao meio da praia, de pé, ainda com o fato de mergulhar e fazendo gestos com a mão livre do leme, gritou.
- Está uma baleia nas rochas a seguir à praia!
E estava, de facto, encalhada na baixa-mar, muito quieta, connosco todos a olhar, sem lhe fazer mal, ou antes pelo contrário, preocupados em como a safar, apreensivos sobre se o animal estaria ou não doente.
Durante mais algumas horas, a maré vazaria ainda mais. Só depois começaria a encher e, lá para a noite, deveria haver água suficiente para a baleia e o seu esguicho partirem; pelo Atlântico, talvez direito aos Açores, ou onde mais lhe aprouvesse. E lá andámos, numa roda-viva, de barco a remos ou de fora-de-borda, para cá e para lá, a ver a baleia, muito quieta, cinzenta, a olhar-nos, e certamente a pensar o que todas as baleias pensam nestes apuros.
À noite, fui também ver a partida da baleia. Com três crianças e os seus pais, num barco de borracha, como se fôssemos um pequeno e furtivo grupo de combate de fuzileiros, mas sem desembarque previsto. Havia também os outros barcos, mais um que era o do faroleiro, que também viera ver o animal, informando-nos que já há dois dias o vira andar por ali.
No frio da noite, ficámos quietos, a olhar aquelas toneladas de carne, esperando que a comporta da maré lhe desse água para o seu calado. Mostrava, então, o animal, alguma impaciência, assim julgo eu, que por tal tomei os seus grunhidos entre dois esguichos. Por fim, começou a mover-se, nós nos barcos próximos mas a uma distância prudente, e a baleia lá se virou, mergulhou e voltou à superfície, e quando esperávamos que se fosse embora mudou de posição mas não se afastou, para surpresa de todos e desespero de alguns, em especial dos pescadores que haviam perdido uma maré, e dos apanhadores de algas também, que não haviam mergulhado para os laboratórios que lhes compram as algas secas e cujas administrações se não compadecem com histórias de baleias. A pouco e pouco, viemos todos embora, certos de que o animal não estava ferido e era livre de partir, ao que não assistiríamos por não haver lua naquela noite. Eu, cá por mim, só perdera as notícias que sempre escuto nas ondas curtas, Londres, Paris ou Washington, no meu pequeno transoceânico, e que são as novidades por que espero interessadamente quando estou no meu esconderijo.
Por isso, cedo na manhã seguinte, sintonizei para uma estação portuguesa, em onda média, e fiquei uns minutos à espera para ser informado do que se passaria no Médio Oriente, depois da visita de Shimon Peres a Marrocos, como iam as conversações EUA-URSS sobre o desarmamento, o que se passava com as sanções económicas a Pretória, que estavam os Verdes a fazer na Alemanha, o que acontecia com as taxas de juro na América e como se comportava a bolsa de Nova Iorque.
Psicologicamente, fiquei preparado pelo sinal horário. Aumentei o volume do receptor, dispus-me a escutar as notícias, naquela estação portuguesa. E tudo o que fiquei a saber, palavra, foi que um cachalote andava perdido no Mar da Palha, e uma jibóia estava à solta em Carnide, depois de fugir dum circo quando tomava banho; disseram-me também que o primeiro-ministro tinha não sei quê e que a Assembleia da República ia fazer não sei quantos.
Estava eu a interrogar-me a mim próprio, «Mas afinal o que acontece neste país e neste mundo?», quando a notícia chegou. O mais madrugador dos apanhadores de algas, de bordo do seu dinggy, gritava para nós, histérico, gesticulando:
- Voltou! Ela voltou!
A baleia tinha voltado. Não estava encalhada, estava semi-submersa, fazendo o seu repuxo e olhando-nos na nossa praia deserta, com os seus olhos marotos.
Suponho que ela nunca ouviu a história do capitão Jonas, nem nunca lhe contaram a vida da Moby Dick, nem deve ter escutado a notícia do cachalote, nem se assustou com a jibóia que fugiu do circo em Carnide, e seguramente que não sabe qual e o ano chinês em que vivemos. Acho que ela voltou somente para nos manifestar o seu agradecimento pela nossa preocupação da véspera. Voltou para nos visitar.
Eu é que, com tudo isto, fiquei na dúvida de ter acordado num livro da Beatrix Potter e estive quase para me atirar ao mar e nadar até encontrar um navio que me recolhesse, não importa sob que bandeira.

Lisboa, 1987

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UNS FALAM E A OUTROS CORTAM O PIO

Por Ferreira Fernandes
NA POLÍTICA AMERICANA há um termo, filibuster, a que a tradução imediata - flibusteiro, pirata... - não nos leva lá. Trata-se de um político que fala, fala, até conseguir impedir uma lei. O maior maratonista filibuster foi Wayne Morse que falou no Senado durante 22 horas e 26 minutos, em 1953, para combater uma lei sobre petróleo. No estado do Oregon há uma praça, chamada Liberdade de Expressão, com a estátua de Wayne Morse, tamanho natural e dedo espetado de bom tribuno. Comparado com ele, Hugo Chávez, o Presidente da Venezuela, pode parecer preguiçoso mas é mais eficaz. No domingo, Chávez bateu o seu recorde: oito horas de discurso! Com essas escassas horas ele não impede uma lei mas consegue inviabilizar um país inteiro.
Por ironia, a notícia deste recorde de Chávez chega-nos quando temos uma polémica sobre a faladura de um nosso político: cortaram o pio a Santana, não por exaustão do próprio mas pela chegada de um treinador. Eu mandava Mourinho para Caracas.
«DN» de 28 de Setembro de 2007-[PH]

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27.9.07

Como vamos de tabuada?

No seguimento do post de Nuno Crato, aqui fica um curioso passatempo com prémio, datado de 1933:


As respostas que, naturalmente, deverão incluir uma justificação matemática, poderão ser dadas, em "Comentário", entre as 9h e as 21h de sexta-feira, dia 28.

NOTA: A "descoberta" dos 3 algarismos que faltam no dividendo está relacionada com a "descoberta" do valor do quociente.
Claro que seria possível chegar às respostas certas testando toda a sequência de números desde 1.002.186 até 9.992.186 (e já houve quem o fizesse!), mas o que se espera dos leitores é uma solução mais "elegante".
Note-se que não é preciso saber mais do que aquilo que dantes se aprendia na 4.ª classe!
-oOo-
O passatempo foi ganho pelo leitor "Master".

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A propósito de tirar o chapéu...

Blogue-arquivo «Humor Antigo» - Ano de 1923

Um "directo" de se lhe tirar o chapéu

Parabéns a Santana Lopes pela bofetada de luva branca dada a um jornalismo que permite (e vive de) situações como esta.



O que é curioso é que Santana Lopes (como a maioria dos "famosos & poderosos", aliás) nunca foi capaz de se ver de fora. Pelos vistos, ao entrar nos estúdios da SIC, pegou essa doença à rapaziada lá do sítio, pois os responsáveis da estação (a avaliar pelas reacções que já se conhecem) dão mostras evidentes de não se aperceberem, sequer, da tristíssima figura que fizeram.

Actualização: Enquanto a SIC continua a achar (e a apregoar) que fez muito bem (depreendendo-se, mesmo, que repetirá a graça mais vezes), está a decorrer uma votação no «Público online» com resultados interessantes:

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Pelos caminhos-de-ferro e da vida

Por Carlos B. Esperança
O TRAMA ERA O COMBOIO DIÁRIO que, vindo de Vilar Formoso, chegava à Guarda um pouco depois das nove horas da manhã e regressava às cinco da tarde em sentido inverso. O nome ficara do inglês Tramway e era exclusivo do referido comboio, bem mais ronceiro e acessível que o correio, o rápido ou o sud.
No último dia de Setembro e nos primeiros de Outubro a 3.ª classe regurgitava de gente e de mercadorias que se acondicionavam nos corredores, debaixo dos bancos, nos cacifos junto ao tecto, nas plataformas de acesso às carruagens e entre os passageiros. Adolescentes de ambos os sexos e várias mulheres entre os trinta e os quarenta anos, envelhecidas por numerosos partos, lides do campo e privações, vigiavam as bagagens que ocupavam todos os espaços vagos, servindo os sacos de batatas, entre os bancos, de estribo aos passageiros.
Na estação da Guarda apeavam-se, reuniam os pertences e transportavam-nos até à paragem das camionetas. Detectados os passageiros sem bagagem, aqueles que tinham muita pediam-lhes para dizerem que era sua a deles, a fim de poderem transportar na camioneta tão vasta carga sem pagamento extra. Recebiam a ajuda pedida e a piedosa mentira tinha a compreensão e cumplicidade do cobrador de bilhetes, que fingia ignorar tão simplória tramóia, não fosse ele também um homem do povo igualmente sacrificado por trabalhos e privações.
Os jovens partiam lestos, a pé, calcorreando a distância que separava a Estação da Sociedade de Transportes, a fim de carregarem as bagagens até casa, quando chegassem. Se a camioneta se adiantasse, lá estariam à espera os volumes e quem os guardava e, às vezes, antecipavam-se eles à camioneta que ia pelo Rio Diz, autocarro vetusto e lento que se queixava do peso e da subida e resfolegava nas paragens. Poupavam os peões o bilhete, que custava 2$50 a cada passageiro.
Entre 1 e 7 de Outubro não havia aulas. O primeiro dia servia para apresentar aos alunos Sua Excelência Reverendíssima o Senhor Bispo, o Governador Civil, o Presidente da Câmara, o Reitor, o Comissário da Mocidade Portuguesa, excelentíssimos e doutores todos eles. O cerimonial servia para mostrar aos rústicos alunos o poder e a autoridade, o respeitinho era muito bonito, e ensinar a aplaudir quando qualquer deles tartamudeasse umas trivialidades.
Depois era uma semana de azáfama para celebrar os contratos da luz e da água e colocar os contadores, com os putos e as meninas já instalados e separados em quartos transformados em camaratas. A água era fria e o simples acto de lavar as mãos um sacrifício que se fazia com parcimónia, sendo o banho semanal um hábito de gente fina.
Entretanto os alunos deslocavam-se ao liceu a tomar nota da turma, dos horários, das disciplinas e dos livros que era preciso comprar. E aprendiam que no rés-do-chão ficavam as meninas e no primeiro andar os rapazes.
Depois de se inteirarem dos livros que podiam usar dos irmãos mais velhos e dos que podiam comprar em segunda mão, por metade do preço, no Pinto, junto ao cinema, lá iam às livrarias do Sr. Felisberto ou do Sr. Casimiro comprar os restantes e pedir os horários, impressos onde se anotavam os dias e as horas das aulas de cada disciplina, oferecidos pelos livreiros numa gesto de simpatia e boas-vindas.
A maior parte hospedava-se em casas particulares, autênticas colmeias, onde a mesada era paga em géneros: pão, batata, azeite, toucinho, feijão e outras vitualhas, que variavam consoante a origem dos hóspedes e a colheita agrícola da família, com a propina de 100$00 mensais – a única contribuição fixa e sem discussão.
Alguns ficavam em casas de funcionários públicos que arredondavam os magros salários com hóspedes, mas outros tinham o arrimo de uma mulher que aos seus juntava os filhos alheios e a todos cuidava. Eram camponesas cujo instinto fez governantas para darem aos que velavam o futuro que não tiveram.
Foi assim que muitos alunos se iniciaram no ensino secundário. A abnegação das mulheres rurais, tantas vezes analfabetas, duramente arrancadas à casa, ao marido e ao habitat, contribuiu para a escolarização do país e para dar aos filhos um rumo que os afastou da pobreza, e para criar quadros que, a partir de 1960, começaram a mudar a face de Portugal enquanto o imobilismo da ditadura mantinha o paradigma de nação rural, temente a Deus, pobrezinha mas honrada.
Algumas dessas mulheres, heroínas anónimas, moiras de trabalho e de abnegação, ainda rumaram a Coimbra para apoiarem os filhos próprios e alheios que ousaram a Universidade e viraram doutores com calos nas mãos no início de cada ano lectivo.
Da odisseia colectiva, do sacrifício silencioso, do desassombro destas mulheres da Beira nunca se fez o inventário das lágrimas, privações e afoiteza que ajudaram a mudar Portugal. Depois de cumprida a missão regressaram às terras e à lavoura, ao mau feitio dos maridos e às lides da casa, às novenas e promessas pias para que os filhos que criaram não perecessem na guerra que consumia jovens e destroçava os pais num conflito obstinado que a ditadura manteve contra a história, o bom-senso e o direito dos povos à autodeterminação.
Já poucas restam dessas mulheres ignoradas. Ficaram por contar histórias de vida, retalhos da memória de um povo que parece envergonhar-se do que mais o nobilita e esquecer as raízes que são pergaminhos da honra no caminho da vida.
Há talvez nesta amnésia colectiva a ingratidão dos filhos e a vergonha de novos-ricos que esqueceram a abnegação das mães e a solidão dos pais que ficavam a mourejar nos campos e se privaram das companheiras numa dádiva cujo sacrifício é fácil imaginar.
«Jornal do Fundão» de 27 de Setembro de 2007

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26.9.07

EUROPEUS POR MÉRITO

Por Rui Tavares
METADE DOS IMIGRANTES que chegam aos EUA e ao Canadá são licenciados. Entre os que chegam à Europa, apenas treze por cento o são. Alarmados com esta estatística, alguns eurocratas reuniram em Lisboa para anunciar que começariam a pensar numa alternativa europeia ao “cartão verde” de residência permanente nos EUA, que possivelmente explica parte do sucesso norte-americano.
Infelizmente, o que saiu da Conferência de Alto Nível foi muito pouco, muito tarde e muito vago. O mediático “cartão azul” que foi pré-anunciado, e está longe de ser decidido, não é o “green card” dos norte-americanos. O próprio comissário europeu Franco Frattini disse apenas que sugeriria “a possibilidade de conceder liberdade de movimentos dentro da UE” aos imigrantes qualificados. E mesmo essa tímida “sugestão” de “possibilidade” seguiria um método rocambolesco: só depois de trabalhar dois anos num estado-membro o imigrante poderia mudar-se para outro estado-membro, e apenas um ano depois disso poderia mudar-se outra vez.
Comparar isto com o sistema norte-americano não é legítimo. Nem sequer sério, dada a diferença de escalas. Imaginemos que um engenheiro chega a Nova Iorque com o “green card”: se não encontrar um emprego, pode estar em Boston no dia seguinte, e passado duas semanas atravessar o país para trabalhar em Sillicon Valley. Tem um espaço de trezentos milhões de pessoas à sua espera. De acordo com as acanhadas sugestões de Frattini, que os líderes europeus provavelmente acharão demasiado ambiciosas, o mesmo engenheiro chegado a Londres não pode mudar-se para Helsínquia antes de dois anos; só um ano depois disso poderia ser contratado para trabalhar no Porto, e mesmo assim sem estar dispensado de passar os meses seguintes visitando as filas do SEF – cada país continuaria a conceder o seu título de residência à parte. Dada a compartimentação do espaço europeu, é assim que tencionamos competir com os norte-americanos?

A PRESIDÊNCIA PORTUGUESA merece pontos por ter convencido alguns dirigentes europeus a tirarem um tempinho para defenderem a necessidade e a bondade da imigração, mesmo que poucos líderes nacionais tenham coragem para fazer o mesmo diante dos seus eleitorados. Mas eu temo que estejamos diante daquele pouco que não chega a ter condições para ser melhor do que nada.
Somemos a isto dois problemas reais. Em primeiro lugar, pensar exclusivamente nos imigrantes altamente qualificados é uma ilusão. Os imigrantes qualificados não existem no vácuo e preferem ir para onde os seus compatriotas estão bem integrados, como é o caso dos EUA e Canadá. Duvido que um gestor chinês achasse grande piada à conversa recente sobre impedir os chineses de deter lojas na Baixa lisboeta – “quer dizer que se eu trabalhar e tiver sucesso nunca serei igual aos outros investidores?”. Em segundo lugar, há o problema moral de se roubar a África os médicos que são necessários por lá – um problema que não detém os nossos concorrentes mas que não deixa de ser menos grave por isso.
O que fazer? Uma possibilidade é formá-los por cá. Um imigrante que completasse uma licenciatura, mestrado ou doutoramento no país de acolhimento deveria ter direito à concessão de nacionalidade. Claro que formar um estudante sai caro. Uma vez que o imigrante não participou antes no esforço fiscal que isso representa, é legítimo pedir-lhe que cubra uma aproximação do custo real de ensino – embora o possa pagar depois de obter o título. Todos terão a ganhar, mesmo o país de origem.
Se a UE tiver dúvidas, como certamente terá, que nos impede de começar por Portugal? O imigrante terá um estímulo adicional para se qualificar, e o país sentirá que o imigrante se esforçou para ser português.
«Público» de 24 de Setembro de 2007-[PH]

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A POLÍTICA ELECTRO-POP

Por Baptista-Bastos
AS ELEIÇÕES NO PSD não vão resolver coisíssima nenhuma. O partido está fracturado não apenas em duas facções mas em outros e pequenos fragmentos, de desigual importância e semelhante gula. Seja quem for o ganhador, nenhum deles, nos seus saberes e fazeres, conseguirá unir o que originariamente está separado. É difícil, acaso impossível, corrigir o ponto de partida. Exacerbando a dúvida, a que PSD correspondem Luís Marques Mendes e Luís Filipe Menezes? Ao de sempre. O que percorreu, em vários sentidos, determinadas distâncias, procurando determinados equilíbrios, com o objectivo único da conquista do poder pelo poder.
Nem nas analogias das ideias fundamentais o PSD alguma vez foi "social-democrata". As crises por que tem passado não decorrem da sua diversidade cultural, mas das múltiplas incertezas na base das quais foi fundado. A ambiguidade daquela misteriosa expressão, "partido interclassista", propicia o regular regresso de fenómenos esquisitos e de epifenómenos previsíveis, encadeados em idêntica associação.
O equívoco Durão Barroso originou o intermezzo cómico Santana Lopes. Não há um sem o outro. E ambos introduziram, na sociedade portuguesa, o electro-pop, a equação mais abstrusa da matemática política. Transformaram em categoria a realidade primária das suas pessoalíssimas vidas, impondo a vacuidade e a indigência intelectual como urgência da verdade.
Mendes e Menezes são ramos da mesma árvore, demonstrando que neles actua a mesma providência. No sentido de totalidade, englobam-se no lote comum ao dos fundadores do PSD. Criaram-se alguns mitos, certamente estimáveis, decididamente falazes, em torno de Francisco Sá Carneiro. Possuía o estofo de estadista; porém, não teve tempo de provar a eficácia do testemunho. Melhor do que ninguém, ele sabia os grãos de sabores opostos que iam aparecendo no almofariz do partido. Não se embaraçou muito com a mistela. A batalha contra o comunismo era-lhe prioritária; depois, o PSD adaptar-se-ia às circunstâncias. Ele acreditava na temporalidade cíclica das coisas, nas flutuações do carácter humano e na política como instância sem coerência, porque isenta de moral. E, apesar dos pesares, desejava criar um partido baseado na tradição liberal da grande burguesia do Norte, um pouco republicano, levemente laico, intermitentemente social.
Estar "à altura do quotidiano" implica a adequação ao momento. Soares sabe-o como ninguém. Sá Carneiro foi aprendendo. Eis porque as eleições e a crise no PSD vão ter repercussões significativas no PS, em cujo interior os sinais de contrariedade deixaram de ser evasivos. Ambos os partidos reflectem-se entre si. E, afinal, sempre foram a reinterpretação um do outro.
«DN» de 26 de Setembro de 2007

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25.9.07

«ACONTECE...» - Passatempo com prémio

Por Carlos Pinto Coelho

Neste passatempo, o desafio consiste em ser o primeiro a identificar a cidade onde foi tirada esta fotografia.
Cada leitor (devidamente identificado) poderá dar um máximo de duas respostas. No caso de tardar a surgir a resposta certa, serão fornecidas dicas.
Atenção: as respostas, a dar em "comentário", só serão aceites depois das 13h (*) do dia 26, sendo a hora válida a que o Blogger atribuir.
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(*) Aquelas que, eventualmente, sejam dadas exactamente às 13h00m já serão consideradas válidas.
NOTA: esta fotografia, como todas as outras aqui afixadas em posts com o título genérico «ACONTECE...», é da autoria de CPC.
-oOo-
A resposta certa (Fez) já foi dada no Comentário-2

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Relembro que está previsto [v. aqui] um pequeno prémio para o visitante n.º 320.000 deste blogue.
-oOo-
O n.º 320.000 foi atingido no dia 25, à noite. Ultrapassada que foi a hora-limite para enviar o print-screen (12h de 26), o prémio não foi atribuído e transita para outros passatempos.

QUEM JÁ NÃO ATURA ELOGIOS AO RÂGUEBI LEVANTE A MÃO

Por João Miguel Tavares
MAIS UMA PALAVRA ELOGIOSA sobre a selecção portuguesa de râguebi e a sua paixão pela pátria e o seu amadorismo tão profissional e o seu extraordinário esforço e como devemos estar todos tão orgulhosos e como eles são um exemplo para nós - e eu regurgito. A sério. Se os elogios parvos tivessem açúcar estávamos todos diabéticos.
Agradecia que os admiradores do râguebi não me imaginassem já a ser violentamente placado contra um muro de cimento. Juro por todos os santinhos que nada tenho contra a modalidade. Gosto muito de ver os jogos e quase me comovo com a haka neozelandesa. Mas para tudo existe uma medida certa. Sim, os rapazes portugueses são esforçados. Têm o seu mérito. Parecem simpáticos na televisão. Não são dados a peneiras como os tipos do futebol. E cantam o hino nacional com um tal entusiasmo que se Louis Pasteur fosse vivo ainda os vacinava. Mas daí a transformá-los nos maiores heróis da Nação só porque andam num campeonato do mundo a perder os jogos todos (e por muitos) é capaz - digo eu - de ser um bocadinho exagerado.
Dir-me-ão: "Ah, e tal, são amadores, passaram muitos anos a lavar as suas próprias camisolas, e veja onde eles chegaram." Até pode ser. Embora, tendo em conta os estratos sociais de onde vem a maior parte daquela rapaziada, seja bem mais provável que tenha sido a dona Mariazinha ou a menina Svetlana a lavar-lhes a camisola. Mas passemos ao lado das questões de classe, ainda que elas expliquem muita coisa. O certo é que, mesmo tendo em conta os objectivos (modestos) anunciados, a selecção ainda não cumpriu nenhum. Contra a equipa da Escócia os portugueses queriam perder por menos de 30 e encaixaram 56-10. Contra a Nova Zelândia queriam que os All Blacks não chegassem aos 100 pontos e perderam por 108-13. Contra a Itália nem percebi qual era o objectivo e levaram 31-5.
Mas o mais extraordinário é que, percam por quantos perderem, os "lobos" têm sempre garantidas umas festas na cabeça por parte da comunicação social. Título do Público após o 31-5: "Ficou a sensação que era possível derrotar a Itália." Ficou a sensação, ficou. Eu às vezes também tenho a sensação que podia jogar melhor à bola que o Messi. Que podia ser mais esperto que o Bill Gates. E que a Nicole Kidman podia perfeitamente sussurrar-me ao ouvido: "Ao pé de ti, o Tom Cruise é um badameco." São sensações. Não costumo é puxá-las para título de jornal. Mas, de quando em quando, a Pátria dá nisto: elege os seus heróis, fecha as cortinas do pensamento, e chora muito a ouvir o hino nacional. É esquisito. Mas é assim.
«DN» de 25 de Setembro de 2007-[PH]

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JÁ SE SABE que, quando um mito choca com a realidade, a generalidade das pessoas prefere o primeiro - e foi isso que foi feito neste editorial do «Público» de hoje - transmitindo-se, mais uma vez, a peregrina ideia de que "Zé do Telhado roubava aos ricos para dar aos pobres".
Ora, Camilo, que conheceu de perto o famoso salteador quando ambos estavam presos na Cadeia da Relação, fala detalhadamente, na sua obra «Memórias do Cárcere», da vida e obra desse "artista"; e dá-nos conta de que só seria verdade que "ele roubava aos ricos para dar aos pobres" se se entendesse que "os pobres eram ele - Zé - e os seus companheiros"...

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PASSEIO ALEATÓRIO

Computadores contra o ensino
Por Nuno Crato
HÁ UMA CORRENTE PEDAGÓGICA que se fascina com a tecnologia e acha que calculadoras, quadros interactivos e computadores são a solução para os problemas do ensino. Um exemplo dos danos causados por essa corrente foi a promoção das calculadoras em detrimento do cálculo mental.
O problema, como é óbvio, não está na tecnologia, mas na maneira como ela é utilizada. O deslumbre provinciano pela modernidade, no entanto, esquece esta verdade simples. E não quer aprender com os erros dos outros. Estudos vários (v., e.g., Educ. Studies in Math., 56, p. 119), apontam para o abuso das calculadoras como um dos factores de insucesso escolar. E nos Estados Unidos, país que há uma década promoveu a generalização dos computadores portáteis nas escolas, assiste-se neste momento a uma marcha atrás acelerada.
Vale a pena, por exemplo, ler o informativo artigo «Seeing no progress, some schools drop laptops», publicado no New York Times em 4/5/07 e acessível gratuitamente pela Internet. Directores de escolas, professores e pais classificam a generalização dos computadores nas salas de aula como uma «distracção para o processo educativo».
Um estudo do IES (NCEE 2007–4005) não encontrou melhorias nas aprendizagens de matemática e das línguas devidas ao uso de computadores. E o grande mentor da introdução de portáteis nas escolas, Mark Warschauer, professor e autor de «Laptops and Literacy», viu-se recentemente obrigado a confessar que, «quando se trata de elevar os jovens aos patamares fundamentais, talvez os portáteis não sejam o caminho».
É bom usar computadores, mas é perigoso deslumbrar-nos e julgar que eles vão resolver os problemas básicos do ensino.
«Expresso» de 22 de Setembro de 2007

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24.9.07

Blogue-arquivo «Humor Antigo» - Ano de 1923

Flexigurança: os riscos da mudança

Por J. L. Saldanha Sanches
A NORMA QUE LIMITA a possibilidade de despedimento e a que atribui uma pensão ao desempregado são justificadas pelos mesmos princípios.
Ambas têm custos: custo financeiro directo e computável suportado pelos impostos na pensão paga ao desempregado e custos económicos suportados pelas empresas nas restrições aos despedimentos.
Provavelmente, num cômputo geral, o custo do financiamento directo pelos impostos desses direitos sociais é menor do que os custos efectivos mas ocultos que as restrições criam ao funcionamento da economia.
Da mesma forma que na Europa os sistema de saúde pagos pelos impostos são muito mais baratos (e de muito melhor qualidade) do que o sistema norte-americano pago pelas empresas (as que ainda pagam) e pelos utentes.
O modelo nórdico prova que um sistema que retira o carácter quase definitivo à contratação de trabalhadores e retira dramatismo à mudança de emprego é eficiente.
Se é assim porque não mudamos?
Há duas razões muito simples.
As mudanças nunca são neutras: há grupos que perdem e grupos que ganham, e os que perdem protestam. E para aceitar a mudança é preciso alguma confiança no Estado e nas instituições e por cá essa confiança anda por níveis muito baixos.
Mudança impossível? Não necessariamente.
Do ponto de vista conceptual, a flexigurança nórdica incorpora e pressupõe uma análise económica dos direitos (a economia política do Estado social) que se contrapõe ao formalismo retórico e vazio da concepção tradicional.
Os direitos têm um custo e uma função: vamos ver quanto custam e como funcionam e fazer escolhas em vez de mergulharmos num discurso falsamente multiplicador dos direitos existentes que é pura retórica jurídica.
Veja-se o entusiasmo do discurso garantista da Constituição portuguesa (mesmo depois das revisões) ou da Constituição brasileira, compare-se com as realidades sociais subjacentes e retirem-se as devidas conclusões.
Por isso, a lógica da flexigurança (que não é uma geringonça a importar, chave na mão, da Dinamarca, mas um instrumento analítico) há-de fazer o seu caminho. Mesmo entre nós. Para resolver situações que são intoleráveis como os falsos recibos verdes, com descontos independentes das receitas e sem quaisquer benefícios sociais. A flexibilidade a 100% com segurança zero. Ou para tornar menos inabilitantes as insuficiências da formação escolar ou profissional.
O ritmo de mudança na economia é hoje tão intenso que qualquer sistema rígido tem mesmo de mudar para não ser destruído: o que a flexigurança prova é que a mudança é possível sem se cair na lei da selva.
Adenda: Segundo o Finantial Times, nas olimpíadas de matemática (dados OCDE), os nossos jovens só ficam à frente dos mexicanos e dos gregos apesar de despesas avultadas. São más notícias, mas ninguém vai ligar.
Esperemos que o sucesso dos nossos atletas nas próximas olimpíadas de Pequim nos compense desse pequeno revés.
E não será possível pôr uma bandeira qualquer nas janelas para resolver este problema?
«Expresso» de 22 de Setembro de 2007

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Ontem, indicaram-se aqui dois livros, um dos quais será enviado ao visitante n.º 320.000 deste blogue. Pois bem, o outro será entregue ao primeiro leitor que decifrar este velho problema; mas - atenção! - a resposta, a dar em "comentário", deverá ser acompanhada da respectiva justificação.
-oOo-
A resposta certa (122 centavos) já foi dada por "bananóide", no "Comentário-2"

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UM NUNES EM CADA ESQUINA

Por Alberto Gonçalves
O MINISTRO DA ECONOMIA visitou as instalações da ASAE, para alegria do dr. António Nunes, presidente da estimada associação. Entre louvores e vénias, o dr. Nunes aproveitou para confessar ao ministro uma única carência: nem todos os seus agentes possuem computador portátil (para que serve o Governo, afinal?). Fora a lacuna informática, tudo está bem com a ASAE, obrigado. Radiante, o dr. Nunes declarou que, neste ano e tanto de existência, a entidade ultrapassou os seus objectivos. Um observador distraído imaginará que também ultrapassou as competências.
Desgraçadamente, nem por isso. É um facto que a ASAE, mais que de computadores portáteis, carece de arbítrio moral, a capacidade de distinguir o admissível do atroz. Se é difícil contestar o encerramento de um restaurante a dar para o imundo, é dificílimo entender que as favas, a cabidela, os enchidos caseiros e a fruta sem marca registada sejam incluídas no conceito tradicional de imundície, excepto para as transtornadas criaturas que, em Bruxelas ou Lisboa, viabilizaram semelhantes leis e para a ASAE, que as aplica com notável zelo. Passe o exagero da comparação, os senhores da ASAE evocam os mais disciplinados funcionários dos totalitarismos: quando interrogados, respondem de imediato que se limitam a cumprir ordens.
É triste que o façam, ainda por cima com indisfarçável gozo. Mas bastante mais triste é a época que paga para que eles gozem. Abominar a ASAE por si só implica ignorar aquilo que, para lá da legislação, realmente fundamenta e legitima os seus excessos. Na vocação para a vigilância, na supressão do bom senso em favor da rigidez da norma, no prazer em contrariar o prazer alheio, a ASAE explica muito do que somos. O dr. Nunes pode ser encontrado em qualquer esquina, metafórica e, a julgar pela quantidade de "acções" que promove, literalmente.
«DN» de 23 de Setembro de 2007-[PH]

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ELOGIO (MODERADO) À ASAE

Por Ferreira Fernandes
A ASAE dá-me sentimentos contraditórios. Vejo as vendedoras do mercado da Costa Nova, Ílhavo, a chorar o marisco cozido que lhes levaram das bancas, e indigno-me: os malandros! Lembro-me, depois, da intoxicação de várias pessoas por causa do marisco vendido ali, há três anos, e o apreciador de camarão que sou suspira de alívio e aplaude os fiscais.
Tenho de me definir: ASAE, amo-a ou deixo-a? E, quando chego a esta conclusão (é, há conclusões dubitativas), verifico que a ASAE acaba de ganhar o seu combate. Que um departamento de funcionários me coloque em dilema pela sua actuação significa que lhe reconheço este patamar: ele actua. É meio caminho andado para eu gostar dele ou não gostar. Um patamar infinitamente superior aos departamentos de Estado de que, não me dando conta deles, nem posso saber se desgosto.
Relembrando o sempre citado governador brasileiro Adhemar de Barros ("roubo mas faço"), a ASAE tem o mérito de meter o pé na argola mas fazer.
«DN» de 24 de Setembro de 2007-[PH]

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O “Eduquês” envergonhado

Por Nuno Crato

POUCA GENTE O SABE, mas o Ensino Básico da Matemática rege-se actualmente por dois documentos discrepantes. A correcção está prevista, mas prepare-se o país para o pior: a ser aprovado um documento de reajustamento agora em discussão, a Matemática da escolaridade obrigatória passará a reger-se por três documentos desconexos. Sim, três.

O primeiro é o Programa, completado em 1991, e que, com Roberto Carneiro, introduziu oficiosamente a pedagogia construtivista no ensino, com as consequências que se conhecem. O segundo é o chamado Currículo Nacional do Ensino Básico — Competências Essenciais, que foi construído ao longo de vários anos, nos tempos de Ana Benavente, e aprovado em 2001, estando previsto ser concretizado num programa que substituiria o de 1991 e que nunca foi acabado. O terceiro será um documento de reajustamento, colocado fugazmente à discussão este Verão e agora em análise na 5 de Outubro.

Pretendeu o ministério evitar as descontinuidades e as grandes reformas pedagógicas; assim, em vez de estabelecer um novo programa, resolveu sabiamente fazer um reajustamento que permitisse clarificar o que se ensina na Matemática do Básico.

É natural que as intenções tivessem sido de tornar claro o que se ensina e não se ensina, e de esclarecer o que se pretende que os jovens aprendam e consolidem ao longo dos nove anos que passam no ensino obrigatório. Esperariam pais e professores que o novo documento resolvesse as incoerências entre o Programa de 1991 e o Currículo de 2001 e que traçasse objectivos claros, ano a ano, com rigor, objectividade e alguma exigência.

Engano. O nosso Ministério da Educação tem dito que quer cortar com o passado. Transmite uma imagem de rigor e até de intransigência. Seria bom que cortasse também com o passado nas orientações pedagógicas que a experiência mostrou serem erróneas. A máquina ministerial não o permitiu. A reformulação do programa é pouco clara nos objectivos e conteúdos, mas insiste na má orientação pedagógica da matemática e em muitos dos erros das últimas décadas.

Quer isto dizer que as vozes críticas que se têm levantado na educação continuam a não ter qualquer sucesso? O reconhecimento público quase generalizado de que as coisas não vão bem no ensino, em particular da matemática, não tem abrandado o dogmatismo daqueles teóricos da pedagogia que de há anos a esta parte negam a evidência dos resultados e que se esforçam por propagar a «escola inclusiva», as «competências gerais», a «pedagogia não directiva» e o «ensino centrado no aluno». Mas tem obrigado a um maior comedimento nas palavras. Os dislates discursivos que ficaram conhecidos como «eduquês» abrandaram. O sestro não.

Um exemplo elucidativo é fornecido precisamente pelo actual documento de reajustamento do programa. Os seus responsáveis defenderam durante anos uma teoria pedagógica perniciosa que opõe conteúdos a competências. Defenderam que os conteúdos não fazem sentido se não estiverem englobados em «competências», conceito que corresponderia a atitudes, conhecimento em acção ou capacidades gerais. Se esta teoria pretendesse apenas contrariar o ensino excessivamente livresco e sublinhar a importância de aplicar os conhecimentos, nada haveria a opor. Contudo, como é habitual entre ideólogos dogmáticos, o prélio foi levado ao limite, rejeitando a importância do conhecimento e acentuando competências vagas e palavrosas. A moda alastrou ao ensino superior. Aos professores começou a pedir-se que preenchessem formulários longos em que fossem destacadas as «competências comunicacionais» da Álgebra ou as «competências multiculturais» da Electrónica.

No Ensino Básico, em particular, as «competências» foram de tal forma glorificadas que os documentos oficiais passaram a desprezar o valor do conhecimento em si. Como resultado, as exigências claras e precisas respeitantes aos conteúdos começaram a ser substituídas por referências palavrosas e vagas às competências genéricas. Começou a falar-se do «conhecimento contextualizado» como receita geral, esquecendo a necessidade da abstracção. A verdade, contrariamente ao documento de 2001, é que o conhecimento não pode nem deve ser totalmente organizado em competências e deve ser especificado em conteúdos disciplinares precisos e testáveis. Como os críticos dessa orientação repetidamente focaram, dever-se-ia utilizar «conhecimentos e capacidades» ou outra expressão que explicitamente incluísse os conteúdos.

Vale a pena olhar para a maneira como as «competências» são tratadas neste novo documento. De uma maneira simples: omitem-se e substituem-se por «conhecimentos e capacidades»... O facto seria de louvar, mas é tão surpreendente nas pessoas que mais defenderam a teoria das competências que é difícil de perceber. Os documentos estão na Internet e permitem uma busca por palavras. Procure-se «competência» ou «competências». Desapareceram! A tentativa de evitar a controversa palavra foi tal que, nas referências bibliográficas, o próprio título do documento de 2001 foi truncado. É espantoso. A surpresa é quase tão grande como a que teríamos se, subitamente, padres da Igreja Católica elidissem do seu vocabulário a palavra «Jesus».

Mais importante do que o invólucro são as recomendações práticas. Começando pelas omissões. Como o afirmou a Sociedade Portuguesa de Matemática num parecer sobre este mesmo documento, ele «não constitui um apoio claro e preciso, de consulta simples e directa para o professor. Constitui apenas um amontoado de recomendações, algumas ambíguas, outras de hierarquia confusa, muitas redundantes, algumas repetitivamente apresentadas».

Ao contrário do que seria de esperar, o documento não apresenta metas claras e verificáveis para as diversas etapas. Diz que o «professor decide o nível de profundidade a tratar cada tópico» (p. 11) e rejeita a apresentação de «um roteiro possível de temas e tópicos a trabalhar por se considerar que tal deve ser definido a nível de escola ou de agrupamento escolar» (p. 2).

O estado actual do ensino e das escolas, no entanto, necessita de recomendações objectivas e precisas, onde possível especificadas ano a ano. É absolutamente indispensável que os professores e as escolas trabalhem com metas claras.

Significativamente, os vícios da linguagem «não directiva» continuam. Fala-se em «Discutir com os alunos» (p. 62) e nunca em «transmitir conhecimentos». Fala-se em «tarefas que o professor decide propor» (p.12), ou «pedir» (p.35) e não se diz que as deve «indicar» ou «mostrar». Para se perceber a profundidade do descaminho linguístico, basta dizer que nem uma única vez nas 77 densas páginas do documento se usa a palavra «ensinar».

O mais gravoso é a persistente desvalorização da memorização, dos automatismos e da mecanização dos algoritmos. Não aparecem metas concretas, precisas e progressivas. Desiludem-se os professores e pais que esperavam encontrar recomendações claras sobre a necessidade de domínio da tabuada, de prática de algoritmos das operações elementares e de domínio de conhecimentos. Não se clarifica, por exemplo, em cada etapa de estudo, a destreza na multiplicação com papel e lápis que os estudantes devem ter.

Em contrapartida, insiste-se no uso da calculadora desde o primeiro ciclo. Aquilo que toda a gente sensata vê com facilidade, que é a necessidade de evitar a máquina enquanto se aprende a tabuada e as operações elementares, os ideólogos dogmáticos do «eduquês» não conseguem ver.
As ferramentas modernas, como a calculadora e o computador, devem ser introduzidas no Ensino Básico. E mesmo no primeiro ciclo pode ser conveniente que os alunos comecem a familiarizar-se com estes instrumentos. Mas é absolutamente necessário que os jovens estudantes sejam impedidos de usar a calculadora no momento em que estão a memorizar a tabuada e a treinar as operações. Não se aprende a nadar passeando de barco. A calculadora pode e deve ter lugar na sala de aula, mas quando o professor disser, não quando os alunos quiserem.

O programa de 1991 cometia o erro de dizer que o aluno tem o direito de usar a calculadora sempre que o entender. O novo documento deveria corrigir expressamente esse erro absurdo, ao invés de voltar a insistir no uso indiscriminado da máquina. Mas alguma vez a «nomenklatura» da educação reconheceu algum erro?!

O problema, infelizmente, não é apenas português. Se lermos o recém publicado Eduquês: Um Flagelo sem Fronteiras, de Laurent Lafforgue e outros (Gradiva, 2007), vemos como a degradação dos conteúdos disciplinares e a sobrevalorização da calculadora têm ajudado a degradar as capacidades de cálculo e de raciocínio numérico dos jovens franceses e de outros países europeus.

O documento de reajustamento do programa, no entanto, menospreza os algoritmos tradicionais e pretende que os professores treinem o cálculo por processos morosos, pouco eficientes e viciadores. Assim, por exemplo, defende-se que se aprenda a somar 3 com 4 fazendo «3 + 3 + 1 = 7» (p. 17), a somar 543 com 267 por «somas parciais» (p.19) e a dividir 596 por 35 por «subtracções sucessivas» (p. 19). Ou seja, em vez de exercitar a memória e treinar directamente os processos mais eficientes, pretende-se prolongar no aluno o uso de métodos de recurso e altamente propensos ao erro.

Ao mesmo tempo que se desprezam os objectivos modestos, mas atingíveis, destacam-se metas utópicas, como a de os alunos serem «capazes de fazer Matemática de modo autónomo», nomeadamente «formular e investigar conjecturas matemáticas» (p. 6), recomenda-se que realizem «investigação matemática» (p. 11). E diz-se que devem «descobrir [...] os critérios de divisibilidade» (p. 35). Poderá pensar-se que se trata apenas de exageros, mas uma das características mais marcantes do construtivismo educativo dogmático é falar da compreensão, da descoberta autónoma e do desenvolvimento do raciocínio — metas grandiosas! — e, ao mesmo tempo, repudiar o desenvolvimento das destrezas básicas que lhes são antecedentes.

Certamente para que os fracassos destes métodos de ensino não se revelem, o documento defende que a avaliação deve «centrar a sua ênfase no que os alunos sabem, o que são capazes de fazer, e como o fazem, em vez de focar-se no que não sabem» (p. 13). Frase lapidar! A merecer moldura negra para relembrar às gerações futuras o que ideólogos dogmáticos são capazes de dizer quando cegos pela sanha ideológica. A ser seguida à risca, esta ideia, por si só, erradicaria por completo o insucesso escolar. Teste-se nos alunos o que eles sabem e não o que deveriam saber que o país progredirá sem o incómodo de conhecer as suas deficiências educativas.

Por estranho que pareça, a ideia de rejeitar a avaliação como algo incómodo não é uma excentricidade do «eduquês», antes é parte integrante e basilar dos extremos da pedagogia romântica. Alguns, negando a possibilidade de objectividade absoluta, rejeitam a avaliação no seu todo como um resquício do positivismo (pobre positivismo!). Outros assumem alguns momentos de teste de conhecimentos, mas apenas como pró-forma prófuga.

Apesar de largamente discutidos e anualmente polemizados, os exames rareiam em Portugal. Os estudantes passam os nove anos de escolaridade obrigatória sem nenhum exame nacional. Apenas no nono ano, depois de terem frequentado dezenas de disciplinas, são testados nacionalmente a duas. Apenas duas: Português e Matemática. Mesmo nestes exames, que só existem de há três anos a esta parte, a classificação obtida apenas conta para 30% da nota final. Os efeitos são reduzidíssimos, embora tenham tido uma acção moderadora. O país mudou desde que os exames nacionais do 12º ano, com Marçal Grilo, e os exames nacionais do 9º ano, com David Justino, foram instituídos. Imagina-se que mais poderia mudar se a avaliação externa nacional fosse mais frequente, se incidisse sobre mais disciplinas e se fosse mais rigorosa e fiável.
As mudanças no sistema de avaliação são decisivas para a regulação de todo o sistema educativo. Infelizmente, ao longo de anos de provas de aferição e de exames nacionais, o ministério não conseguiu (ou não quis!) instituir testes fiáveis, isto é, comparáveis de ano a ano e, por isso, avaliadores da evolução global do ensino. A agravá-lo, fala-se agora em limitar o âmbito dos exames de 12º ano às matérias desse ano lectivo e não às de todo o Ensino Secundário, como tem sido regra. As oscilações são constantes.

No fim do ano lectivo transacto, o exame de Matemática do 12º ano teve mais meia hora de tempo de prova, mantendo um conteúdo comparável ao dos anos anteriores. A percentagem de aprovações subiu de 71% em 2006 para 82% em 2007. Na Matemática do 9º ano, o único nível onde houve um plano de acção ministerial específico, a percentagem de aprovações desceu de 37% para 27%. No Português do mesmo nível escolar, a percentagem de aprovações subiu de 54% para 86%. São oscilações espantosas. Alguém acredita que correspondam a mudanças reais nos conhecimentos dos alunos?

Uma das conclusões mais unânimes dos estudos internacionais é a da grande inércia dos sistemas de ensino. Os resultados reais mantêm-se semelhantes ao longo de anos e só muito lentamente mudam. Em Portugal, aquilo que os alunos de facto sabem também tem mudado pouco. O que tem mudado, e muito, são os exames. Querendo moralizar o sistema de ensino é indispensável produzir exames fiáveis, comparáveis ano a ano.

Estamos a começar um novo ano lectivo. Imagine-se um professor dedicado, tentando este ano dar mais atenção às deficiências básicas dos seus alunos e desdobrando-se para incentivar ainda mais os melhores. Imagine-se um casal que resolve investir mais no seu filho, acompanhando diariamente os seus estudos. Imagine-se um jovem aluno do 12º ano, ambicionando notas elevadas, para poder entrar no curso que escolheu. E pense-se agora que as notas finais vão depender em larguíssima medida não do trabalho do professor, não do esforço dos pais e não do trabalho do aluno, mas sim da maneira como este ano forem feitos os exames.

É difícil trabalhar numa escola assim! Generalizar e reformular a avaliação é uma das tarefas mais urgentes do nosso sistema de ensino. Conte-se com os professores que gostariam de ver o resultado do seu trabalho honestamente medido. Conte-se com as famílias que começam a perceber o logro dos progressos fictícios. Não se conte com o «eduquês».

«Expresso», «Actual» - 27 de Outubro de 2007

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23.9.07

Já que falámos de apostas, informo que também ainda não apareceu UM ÚNICO leitor que, confiante na palavra de Mário Lino, aposte comigo uma almoçarada de lagosta. Recorde-se que eu aposto que, ao contrário do que ele sempre tem garantido, não haverá, até às 24h de 31 de Dezembro deste ano, UMA ÚNICA portagem totalmente electrónica em nenhuma das três futuras ex-SCUT.

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Também continua por reclamar o prémio de €50 para quem, nas mesmas condições referidas no post anterior, indicar UMA ÚNICA destas maquinetas de venda de selos que funcione com cartões.
Actualização: ver [aqui] uma resposta de alguém que aceitou este desafio.

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Embora o risco que eu corro seja pouco, há uma importante correcção a fazer neste texto: os prémios que, se for caso disso, eu pagarei do meu bolso, serão apenas para a primeira pessoa que satisfaça as condições indicadas.

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AS DIRECTAS E A ROLETA RUSSA

Por Nuno Brederode Santos
EU ESTAVA ENTRE AMIGOS à mesma hora em que, na SIC Notícias, Ana Lourenço estava entre inimigos. Por isso, perdi o debate em directo entre Marques Mendes e Menezes (ou muito dele, o que vem a dar ao mesmo). Mas, chegado a casa, acampei à frente do televisor e montei-lhes espera. Ia alta a madrugada quando eles voltaram ao local do crime, permitindo-me então ver a fita inteira.
Mesmo que os eleitorados assim o não entendam, o melhor homem para liderar só acidentalmente será o melhor homem para debater. Até no parlamentarismo mais puro, nenhum primeiro-ministro subsiste apenas à custa dos seus desempenhos parlamentares (embora não me recorde de primeiro-ministro algum que, com bons resultados da governação para exibir, seja presa fácil da retórica oposicionista). Por isso, há que reconhecer que a débil prestação dos debatentes do passado dia 18 não é, por si só, um atestado de incapacidade de Mendes e de Menezes para chefiarem o PSD. Mas como, na oposição, a palavra é o arsenal para o combate, os eleitores tendem a tomar por mau quem dela fizer mau uso.
Ora ambos fizeram mau uso dela. É certo que trouxeram bem resolvidos os problemas do atavio de estadista responsável (que são o alfa e o ómega dos consultores de imagem) e que assumiram uma postura serena e cortês no começo do debate (porque, depois disso, o tão prezado instituto da indignação legitima sempre as veemências ofendidas, as consequentes diatribes e os protestos de bom sangue). Nem o gesto tenso, de lobo atrás da moita, que Menezes exibia enquanto Mendes falava, nem a falsa displicência das pálpebras a meia haste, com que este ouvia aquele, tinham poder bastante para estragar uma boa discussão. Mas aconteceu que esta não existiu, por exclusiva culpa dos dois (e não da moderadora). Enredando-se na imputação de contradições e agravos da vida interna do partido, ambos desperdiçaram a batalha pela opinião pública que as directas requerem e proporcionam. Simulando debater assuntos de política nacional, nunca conseguiram esconder a lógica intrapartidária que os norteava. Pior: fizeram mais pelo apoucamento do partido que disputam do que um debate parlamentar mal sucedido ou do que a mais desfavorável das sondagens.
Mas, a meu ver, por aqui se fica o match nulo. Porque também há vida para além dos debates. E, no curso dela, de há muito se percebeu que, no jogo que a democracia também é, Marques Mendes cumpre as regras. Não é mestre nem aprendiz. É um jogador mediano que, avançada a noite, foi chamado a jogar numa mesa onde o nível das apostas o transcende. Hesita, tergiversa, ousa e encolhe-se. Mas, no essencial, cumpre. Ao contrário de Menezes, para quem ases a mais, ou mudança de regras entre duas jogadas, são coisas lícitas desde que o conduzam à vitória. Mendes achará que esta é a oportunidade da sua vida política. Mas Menezes dá à vida - à sua e à nossa - esta oportunidade de cumprirem o destino. É um demiurgo, iluminado por teomancia. É a direita que, a uma certa esquerda, quer disputar o "poder da rua" (como ele próprio admitiu já). É uma direita que, nesse afã, já deu o poujadismo na Europa e o justicialismo na América Latina. Uma direita que, sem o querer, afasta os "barões" e que, ao sentir-se abandonada por eles, cavalga os descamisados (e todos os descontentes, por mais contraditórios que sejam os seus interesses). É o embrião tradicional da direita dita "social", em cujos desmandos a democracia raramente acreditou em tempo útil. É claro que estamos na Europa e no terceiro milénio. O problema atenua-se. Mas não se resolve, precisamente porque ele não se dá conta disso. Uma infecção não deixa de ser preocupante só porque os médicos dizem que ela não é mortal. E fraco é o consolo de saber que há gente civilizada no barco de Menezes, pois a experiência diz que seria ela a primeira vítima.
E por isso confrange também que haja adversários do PSD a entender que uma vitória de Menezes seria óptima, por poder lançar o partido numa sucessão de crises de que seria difícil libertar-se antes das eleições legislativas.
«DN» de 23 de Setembro de 2007

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