Por A. M. Galopim de Carvalho
Naquele tempo, início dos anos 40, do
século que passou,…
“A mãe, porém,
preferia que eu fosse à praça. Os familiares da Porta Nova não vendiam mais
barato. Pelo contrário.
Vinte escudos no bolso, lá ia quase
todas as manhãs, de alcofa na mão e algumas recomendações no sentido. Tantas
vezes me incumbi dessa tarefa que, por fim, era lá na praça, junto aos produtos
expostos, face ao que havia e não havia e consoante os preços do dia, que eu acabava
por decidir o destino a dar ao pouco dinheiro que sempre levava.
– Olha, destina lá
tu! – confiava-me a mãe, sem vagar nem paciência para pensar o que seria o
almoço e o jantar desse dia.
– Se o cação estiver
em conta, podes comprar, mas então tens de trazer coentros. Se não, trazes
carapaus para fritar e tomate pouco maduro para salada. Para a sopa, ou trazes
espinafres, ou nabiças... Olha, escolhe lá tu! – rematava, esgotada a
imaginação. – Compra feijão encarnado para pôr de molho para amanhã.
Um dia, havia tanto
carapau pequenino – os joaquinzinhos – que dos dez tostões o quilo, do seu
preço habitual, passou para dez tostões três quilos. Não hesitei um segundo:
– Três quilos de
carapaus! – pedi à Delfina, peixeira muito nossa amiga.
Chegado a casa, ufano
da bela compra realizada, foi com surpresa que vi a aflição da mãe, face à
enormidade da tarefa que lhe dei.
– Amanhar três
quilos de carapaus dos pequeninos! E o tempo que eu vou levar, com tanta coisa
ainda para fazer? E o azeite que isto gasta? Onde tinhas tu a cabeça, rapaz?.
Deitar fora não
estava, porém, nos conceitos de economia da mãe. Fui ao Anselmo aviar mais uma
garrafa de azeite. Almoçámos e jantámos, nesse dia e no outro, carapaus fritos,
primeiro quentes, depois frios e, no fim, de escabeche, que só é bom quando
temperado com o próprio azeite da fritura”.
Sejam de que peixe for, salpique-os com
sal grosso e deixe-os, assim, no frigorífico, por uma noite.
No outro dia, pela manhã, passe-os por
água para lhes retirar o excesso de sal e seque-os com um pano de cozinha.
De seguida, passe-os por farinha de
trigo e frite-os em azeite (repito, em azeite) bem quente.
Uma vez fritos e bem frios, disponha-os
numa travessa funda (das de ir ao forno) e tempere-os com 4 a 6 dentes de alhos
bem esmagados, 2 a 3 folhas de louro e tantos pezinhos de salsa quanto o número
de filetes.
Regue-os com um fio do azeite da
fritura e, por fim, cubra-os com água fria e reserve-os para servir no dia
seguinte.
Se desejar, pode complementar o aroma
com orégãos.
É certo que os fritos e, sobretudo, o
azeite ou o óleo de os fritar estão longe de constituir um alimento saudável.
Mas esta receita não é a de uma confecção a ingerir com frequência. Começa por
ser um prato a servir em tempo quente, aí uma vez por ano, no Verão, o que não
traz qualquer problema.
Na casa de meus pais, até por volta dos
anos 50, sempre se cozinhou em azeite, incluindo o fritar. A partir de então, o
ataque cerrado feito a este nosso tradicional produto da azeitona por
nutricionistas, dietistas e pelas grandes
cadeias agroalimentares, levaram a generalidade dos consumidores a recear o seu
uso e a trocarem-no, em grande parte, pelo chamado “óleo de fritar”. Nesta
convicção, a minha mãe passou a usar em
todas a suas confecções uma mistura de azeite e óleo do tipo Fula, na proporção
de 1 para 3, no propósito de, dizia ela, “não fazer tanto mal à saúde”.
Acontece que o azeite sobreviveu, tendo-se afirmado como um produto alimentar altamente
conceituado. Parafraseando Alfredo o mestre na gastronomia, Saramago, o azeite “de mau passou a óptimo”,…
“vendo-se hoje reabilitado».
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