27.11.21

Grande Angular - Quanto pior… pior!


Por António Barreto

Foram anos de medíocre crescimento económico. De endividamento acelerado. E de bancarrota oficial. São já dois de pandemia que causou sofrimento, feriu o tecido social e perturbou os sistemas colectivos. Foram muitos de corrupção enraizada, de inoperância da justiça e de captura dos bens públicos. A política, a economia, a banca, a Administração Pública e a Justiça deram todas as oportunidades aos bandidos e assaltantes. Nestes vinte anos, Portugal e os portugueses não souberam aproveitar as oportunidades, explorar as aberturas comerciais, beneficiar dos fundos europeus, atrair investidores, punir os infractores e melhorar a sorte dos pobres. Talvez não seja possível dizer que está tudo pior, não é verdade. Mas pouco, muito pouco está melhor. Nestes anos, têm reinado a mediocridade, a mediania e a estagnação. Parece que os portugueses adoptaram a estranha noção de que progresso não é melhorar, é não piorar.

Posta à prova em singulares circunstâncias, a saúde pública é um bom exemplo. Depois de um excepcional esforço de médicos, enfermeiros, auxiliares, autarcas, técnicos, funcionários, militares e investigadores, será sempre necessário, um dia, avaliar, saber se o que foi feito está certo, se houve erros e se era possível fazer melhor. Uma coisa é certa: parece que cumpriram, com honra, o seu dever, fizeram mais do que deviam e se lhes pedia. O problema que sobra é o do SNS e de todo o sistema de saúde pública. Parece que o SNS está de rastos. Se assim é, todos os alarmes devem estar activos: corremos o risco de perder o que de melhor temos.

Quase tudo o resto, muito do que é essencial está em risco e sob ameaça. De desorganização. De falta de pessoal qualificado. De penúria financeira. De profundo cansaço. O endividamento público agrava-se. A educação não melhora. O investimento privado está muito longe do que deveria ou poderia ser. A justiça é o mais doloroso retrato da impotência.

Para fazer frente a esta situação, há meios. Poucos, sobretudo europeus, mas alguns existem. Pessoas também, pelo menos por enquanto, apesar de termos agora vivido a segunda mais grave crise de emigração do século. Instituições também, apesar de definhadas por políticas de favoritismo. Empresas ainda, apesar de algumas das maiores e das melhores terem sido praticamente destruídas. Falta saber quem pode e quem deve.

Nestas situações históricas difíceis, procuramos sempre quem possa fazer melhor, quem seja capaz de inverter o plano inclinado e com que meios lutar contra a mediania. Por isso, olhamos para os partidos políticos. Em democracia, o dever deles é esse mesmo, lutar contra a mediocridade e pelo melhoramento. Ainda por cima em vésperas de eleições. Olhamos à volta e o que vemos é inquietante. Parece que os partidos fazem parte da crise, em vez de a combater.

O PS vive a sua crise de poder a mais, com fracturas internas difíceis de remediar. Aquele que poderia ser o principal centro de recuperação económica e social e o primeiro responsável por uma racionalidade política actualizada, está em vias de procurar o enriquecimento sem justa causa. Sem talento para a recuperação económica, polarizado na despesa pública, sem capacidade para atrair investimentos e mercados, este partido inventa todos os dias causas menores e adversários inexistentes. Quer ganhar as próximas eleições essencialmente com a mediocridade dos outros. Isto é, ganhar com o mal dos outros, não com o seu bem. Está disponível para tudo, desde que lhe dêem votos e poderes. Do mercado ao planeamento soviético, do privilégio para as elites à luta contra a desigualdade, é um verdadeiro partido espargata.

O PSD é um dos casos mais interessantes da história partidária portuguesa das últimas décadas. Foi o que melhor se colou à sociedade, às classes, às comunidades, aos grupos de interesses e às crenças. É o mais plural e diversificado de todos. A sua vasta riqueza política permitiu-lhe todas as querelas e todas as barafundas. Várias vezes se fez e refez. Não se poupa a nenhuma trapalhada. Desta feita, parece irreversível. A campanha interna não tem sentido nem programa. É talvez o momento da sua história em que mais perto se encontra de uma profunda clivagem. São barões contra barões, transviados sem causa. Entre uma maioria impossível e uma oposição ineficaz.

O Bloco de Esquerda prepara-se acidamente para uma má jornada. Perdeu a mão, a negociação com o governo saiu-lhe mal. Não soube avaliar a sua força. Ou antes, não percebeu a sua fraqueza. O seu papel de reserva ideológica da jovem burguesia urbana e de agitador cultural de esquerda parece estar esgotado. Não fora o seu predomínio indiscutível na comunicação social e já teria organizado exéquias. As perspectivas eleitorais são péssimas.

O PCP vive momentos de terrível crise de consciência e existência. Colaborou pela primeira vez com a direita social-democrata e com a burguesia democrática, mas as coisas não correram bem. Quase não teve vantagens, a não ser as de uma vaga reputação de bom comportamento, mas com os danos de uma experiência frustrada. As previsões eleitorais são altamente reservadas.

O CDS prepara cuidadosamente o seu funeral. É difícil perceber todas as razões doutrinárias, políticas, sociais e pessoais que conduziram o partido a esta situação estranha. As facções lutam por nada. São duelos sem donzela.

O PAN Entrou em zonas de baixios e sarilhos. Por definição, é partido destinado a enriquecer uma margem. E a manter uma pressão contra a crueldade e, apesar do nome, a desumanidade. O que quer dizer que a sua dimensão eleitoral não é o seu trunfo mais importante. Mas, não sem surpresa, surge como se tivesse sido infectado pelos desastres contemporâneos que tanto condenou nos outros.

O Chega vem abandonando o seu ímpeto revolucionário. Pretende jogar o jogo e elabora um programa, o que é contrário ao impulso justiceiro. Dedica-se à intriga própria dos sistemas democráticos. Quer ter uma fatia do bolo, tempo de antena, minutos de porta-voz, local de recepção, vez nas audiências, parceria nos debates, notícias nos telejornais e posição nas listas do protocolo. Talvez deixe de ser marginal. Se assim for, a boa notícia é que deixa de ser revolucionário. A má notícia é que pode aumentar a fragmentação da política. As hipóteses eleitorais apresentam-se muito incertas.

A IL é um doce mistério. Não sabemos, não se sabe realmente o que quer. Nem o que vai fazer. Será que eles sabem?

A lanterna de Diógenes faz falta. O ponto de apoio e a alavanca de Arquimedes também.

Público, 27.11.2021

 

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26.11.21

SER-SE SERIOZINHO…

Por Joaquim Letria 

As solicitações são tantas e o caudal de informação tão volumoso nas redacções que, se não houver correcta percepção de como as coisas se processam e não se conhecerem as limitações e hierarquia desta ordem noticiosa, global e instantânea,  se podem tirar conclusões menos justas.

Há grupos editoriais a viverem em reais dificuldades mas também há outros que dão dinheiro, são bastante independentes e mostram interesse em aumentar as suas vendas e em ampliar as suas audiências se se tratar dum bom produto, feito com base em sacrifícios e a serem produzidos com muito trabalho.

Num caso e noutro, principalmente naqueles em que se não percebe bem como certas publicações e estações audiovisuais se mantêm e chegam a despertar apetites, há empresas, agências, figuras públicas, políticos, empresários e artistas não hesitam em conseguirem integrar essas publicações em grupos económicos que as detêem para através delas obterem vantagens políticas noutros negócios e em diferentes interesses.

Se houver factos verdadeiros a reportar, se se for sério, se se for sério na atitude e profissional nas relações com a grande maioria dos jornalistas a qual, sem dúvida, se preocupa com valores tão subjectivos como verdade e interesse público, poderá sobreviver-se com dificuldades, mas sobrevive-se com um grande orgulho e não se cai no ostracismo.

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25.11.21

Portugal, um país onde a ditadura fascista se opunha à dignidade

 Por C. B. Esperança

Há causas que valem a pena, que exigem empenhamento cívico, coragem de as assumir e determinação de lutar por elas. Há desculpas que envergonham a Humanidade, e uma das mais repugnantes é a tradição, uma explicação por defeito de todas as iniquidades.

Pode pensar-se que Portugal, vítima da Inquisição, do clericalismo e da Contrarreforma, sem ter beneficiado da Reforma, foi exceção na Europa onde a civilização chegou mais cedo, especialmente aos países da Reforma, mas as iniquidades foram uma constante em numerosos países até demasiado tarde, até aos nossos dias.

Quando nos damos conta de que alguns importantes saltos civilizacionais tiveram lugar há tão pouco tempo, sentimo-nos percorridos por indizível vergonha e incrédulos pelas injustiças que persistiram durante a História de oito séculos de que nos vangloriamos.

Pasmo com as informações que guardei do Diário de Notícias de 17-11-2014, pág. 19, factos que conheci, e a memória, talvez por vergonha, reportava a épocas mais recuadas.

Aqui ficam para vergonha dos portugueses a quem inventaram um país de heróis, santos e mártires, os últimos verdadeiros, comuns a gerações de beatos, tímidos e misóginos:  

«1969 – As mulheres casadas deixaram de precisar de autorização do marido para tirarem passaporte;

1974 – Foi decretado o acesso das mulheres a todos os cargos da carreira administrativa local, à carreira diplomática e à magistratura, ainda com interdição de acesso às Forças Armadas que só terminaria em 1990;

1975 – Fim de crimes de honra legais, com a anulação do art.º 372.º do Código Penal, que apenas previa pena de desterro para o marido que matasse a mulher em flagrante de adultério ou filhas menores de 21 anos, vivendo «debaixo do pátrio poder», que fossem «corrompidas»;

1976 – O Art.º 13.º proíbe tratamento discriminatório em função de sexo, com alteração dos artigos do Código Penal, o que permitia ao marido ler a correspondência da mulher e o que atenuava a pena se a prostituísse.»

A afronta, a humilhação e a crueldade, que o ordenamento jurídico consagrava, eram a marca da ditadura clerical-fascista, a odiosa manifestação dos sentimentos que crápulas nutriam para com as mães, irmãs, filhas e mulheres, num país que era a cela comum dos que tinham a desdita de viver em Portugal.

Hoje sei porque combato talibãs. Porque os conheci, aqui, onde a violência doméstica é a herança dessa fauna que agredia, violava e torturava as mulheres sem reconhecer que um homem só é livre se a mulher também o for. 

A lei é o reflexo do poder, seja da classe ou do sexo dominante.

Ponte Europa / Sorumbático 


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22.11.21

PAREM O MUNDO QUE QUERO SAIR!

Por Joaquim Letria

Aqui há uns dias, eu e o José Luís Manso Preto trocámos amarguras da vida e juro que ainda hoje não sei quem de nós mais razões de queixas tem.

Sei, sim, que perante tanta gente que por aí se lamuria, inclusivamente nas televisões, que todos os dias fazem chorar as pedras das calçadas, nós dois somos homens felizes e divertidos, capazes de rirmos das desgraças que nos incomodam.

E foi nesse desfiar dos nossos rosários e na acumulação do que não gostamos que prometemos um ao outro não ave marias nem padres nossos pelas nossas almas,  mas sim nos entregarmos, daqui para a frente, a comer do bom e do bonito, a beber do melhor, a rirmos a bandeiras despregadas dos nossos inimigos e dos descarados que sem vergonha na cara infernizam este nosso querido povo e a convivermos mais com os nossos amigos e amigas para quem nunca temos o tempo merecido que chegue.

Foi uma receita fácil. Despedimo-nos felizes e julgo que ainda hoje ele está de acordo com a prescrição e segue à risca, tal como eu, aquilo que havíamos combinado para nosso bem e para o daqueles que nos rodeiam.

Digamos que aquilo que as cidades, os países, os continentes, o mundo no seu conjunto nos oferecem não é bom e raramente agradável, pelo que, desta vez, a solução, julgamos nós, não é como nas nossas juventudes, quando saíamos a espadeirar para mudar o mundo, mas sim agarrarmos naquilo e naqueles com quem hoje estamos bem e criarmos pequenos círculos de amizade e de prazer onde ficamos bem connosco e com os nossos. Os outros, os de fora, que façam o favor de terem paciência.

A vida está perigosa e desagradável, tendo-se tornado um tempo breve e mal frequentado. Portanto, sem nos armarmos em bichos de seda, criemos e habitemos os nossos casulos e demos vida aos nossos sonhos difíceis de realizar.

O mundo está tão feio e o sofrimento sem redenção que por ele se espalha é tão horroroso e avassalador que me faz lembrar uma daquelas grandes frases que ficam para sempre e que, há uns anos, o cartoonista argentino Quino pôs na boca da azougada Mafalda:

— Parem o Mundo que quero saír!

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20.11.21

Grande Angular - Maiorias

Por António Barreto

O mais importante é a política. O próximo governo terá de tentar aumentar o investimento público e privado, atrair investidores e iniciar uma nova era de crescimento e desenvolvimento. E terá também de associar essas políticas económicas a um esforço de redução das desigualdades e de aumento dos rendimentos dos portugueses, sobretudo dos que trabalham. Será ainda necessário assegurar um clima de confiança e reformar a Administração, sobretudo a da Justiça. O próximo governo pode ter a certeza de que limitar a actividade e a iniciativa privada será a sua ruína. Sua e de todos nós. Mas também saberá que tem de reforçar a acção do Estado em muitas áreas sociais. Quem fizer o próximo governo sabe já que vai ter, como raramente na história recente, um enorme conflito entre liberdade e igualdade, entre rigor e despesa, entre dívida e desenvolvimento. E também entre Estado e sociedade civil.

O que precede é de tal modo claro que se tornou necessário e imperativo de interesse nacional formar um governo de maioria parlamentar, de estabilidade de políticas, de cooperação entre partidos e de partilha de responsabilidades. O que quer dizer governo de maioria absoluta de um partido ou governo de maioria parlamentar de coligação pré-eleitoral ou de aliança pós-eleitoral.

Estas evidências, dificilmente contestáveis, são rejeitadas pelos preconceitos habituais contra as maiorias absolutas e contra as coligações e as alianças. 

Todos os partidos sonham com o poder e com uma maioria absoluta, mas nunca o dizem. Não querem parecer ambiciosos, nem que se imagine que só pensam no poder. Não querem “dar parte de fracos” e ter de justificar, depois das eleições, que não obtiveram a almejada maioria absoluta.

Deveríamos ter hábitos de realizar alianças ou coligações. Seria claro e promissor. Saberíamos o que nos espera. Em cinquenta anos, tivemos poucas. A AD (Aliança Democrática), a APU (Aliança Povo Unido), a CDU (Coligação Democrática Unida) e a FRS (Frente Republicana e Socialista) são talvez os melhores exemplos. PAF (Portugal à Frente) e as coligações entre o PSD e o CDS ou PS e CDS também devem ser incluídas. O Bloco Central foi uma aliança pós-eleitoral entre o PS e o PSD, com partilha de governo. Esta coisa em nome de aliança e que se designa vulgarmente como Geringonça sem partilha de governo é outro exemplo. Alianças e coligações parecem muitas, mas na verdade são poucas, de curta duração e pouco êxito. 

Houve maiorias absolutas de um só partido (do PSD de Cavaco Silva e do PS de José Sócrates) ou de coligações (da AD, com Sá Carneiro e Pinto Balsemão, do PS e do CDS, com Mário Soares, do PSD e do CDS, com Durão Barroso e Santana Lopes e do PAF, com Passos Coelho). Gostemos ou não, foram maiorias parlamentares que fizeram história. Os governos minoritários foram mais breves, poucos terminaram bem. Se fizermos um balanço, logo veremos que há de tudo, bem e mal, com qualquer forma de governo, com ou sem maioria parlamentar. Mas também verificamos que esta última é condição essencial para as mais importantes reformas constitucionais, legislativas e políticas levadas a cabo. Nesse mesmo balanço, depressa verificamos que houve tanta corrupção em governos de um partido, como nos de alianças e coligações. Assim como houve vícios equivalentes em governos de maioria ou minoritários.

Impressionante é a má reputação da maioria absoluta. Os mais interessados (os principais partidos) têm vergonha. Os menos interessados (os pequenos partidos) detestam-na, pois perdem a capacidade de negociação e chantagem. Curioso é o facto de grande parte da opinião pública não gostar de maioria absoluta. Parece que prefere as intrigas.

Uma coligação de direita é rapidamente designada como ameaça fascista, pelo menos autoritária. O Bloco central foi apodado de bloco de negócios e alfobre de corrupção. A aliança das esquerdas, além de antecâmara do comunismo, é olhada com horror. As negociações e alianças pós-eleitorais são oportunistas e traidoras. As coligações pré-eleitorais são sinal de fraqueza. A verdade é que alguns dos mais importantes instrumentos da democracia (a negociação, a aliança, a cooperação) têm entre nós mau nome.

Entre os dirigentes partidários, há uma verdadeira fobia das maiorias de aliança. Cooperar e partilhar não têm muita saída. A Constituição nada faz para promover governos de maioria parlamentar. Consagra aliás mecanismos que favorecem a tentação minoritária. Por exemplo, não exige que o programa de governo seja aprovado. Não prevê sequer que a composição de um governo tenha o voto favorável dos deputados. Alturas houve em que se tentou inventar um mecanismo estranhíssimo e bizantino, de origem alemã, chamado “moção de censura construtiva”, que obrigaria o parlamento a só votar uma censura ao governo se tivesse preparado uma solução alternativa. O que parece uma condição favorável à maioria não passa, afinal, de uma protecção aos governos de minoria.

Na verdade, há, na política portuguesa, estranhas particularidades. Não se percebe muito bem porque nasceram. Mas têm existência e influenciam directamente os comportamentos políticos. Seja os dos cidadãos, seja os dos partidos políticos.

Há uma espécie de culto da minoria e dos arranjos. A Constituição não obriga a que os ministros vão a votos, muito menos o governo. Depois de formado, se não houver moção de censura nem voto de confiança, o governo minoritário fica.

Os partidos não dizem que querem uma maioria absoluta. Mesmo os que só sonham com isso, o PS e o PSD em particular, não têm hábito nem coragem de o afirmar. Receiam ter de dizer, depois das eleições, que não conseguiram.

Com excepções, os partidos procuram fugir às coligações e alianças pré-eleitorais. Consideram que tal é fraqueza.

Os partidos, os cientistas políticos, os académicos, os comentadores e até os jornalistas, em maioria, tudo fazem para proteger os governos minoritários e para sublinhar os riscos de corrupção dos governos de maioria. É dominante o sentimento de que os governos maioritários são tendencialmente autoritários.

As próximas eleições poderiam trazer algumas boas notícias, a começar pela maioria absoluta parlamentar. De um só partido. De uma coligação pré-eleitoral que a obtenha. Ou uma aliança formal pós-eleitoral que a consagre. Se assim não for, esta dissolução e estas eleições antecipadas ficarão no rol das inutilidades. Um desperdício!

Público, 20.11.2021

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19.11.21

DÍVIDAS, FINANCEIROS E MÁ FAMA

Por Joaquim Letria

Passamos a vida importunados pela dívida e com os nossos bem amados dirigentes a zurrarem-nos que a culpa é nossa porque vivemos acima das nossas possibilidades, por mais precários que sejam os nossos empregos e exíguos os salários vergonhosos que nos pagam e com que nos metem medo.

Mas nada disto é novo e eles devem-no saber, a menos que na sua gloriosa incompetência tal ignorem. Mas podemos lembrar-lhes algumas coisas ao mesmo tempo que aliviamos o nosso complexo de culpa.

Olhamos a Idade Média e vemos os empréstimos contraídos pelos monarcas, quase sempre de maneira disfarçada, uma vez que a condenação canónica da usura atingia, também, esta modalidade de crédito. Vemos, ao mesmo tempo, a actividade do financeiro perseguida e tendencionalmente confinada aos judeus, sendo os usurários ameaçados com a excomunhão e as penas do inferno por venderem um bem – o tempo – que só a Deus pertence.

No Deuterónimo estava expresso o mandamento “não exigirás do teu irmão juro nenhum nem por dinheiro nem por víveres, nem por qualquer outra coisa que se preste ao pagamento de juros.”Os pregadores medievais tornaram este tema dominante nos seus sermões, com o usurário inevitavelmente destinado ao Inferno. Alguns, “in extremis”, tentavam a salvação com a entrega a obras pias dos lucros acumulados, sem que tenham chegado até nós notícias do êxito de semelhantes iniciativas.

Alguns historiadores fizeram o delicioso levantamento das peças e das penas do Inferno que, inevitavelmente, aguardavam os usurários no imaginário difundido. Em alguns deles podemos mesmo encontrar as descrições das justificações com que a doutrina católica procurará corresponder às crescentes necessidades de aceitar uma prática que, na realidade, se difundia e seria fundamental para o aparecimento do Estado moderno. Muito mais tarde Benjamin Franklin soltaria a famosa frase “time is money ” sintetizando uma nova ética do capitalismo.

Neste lento processo acabou por surgir a figura dos financeiros que normalmente indica uma classe de pessoas ligada ao dinheiro público, quer através de funções políticas ou como prestamistas do Estado. Ao mesmo tempo, os Estados foram aperfeiçoando a disciplina jurídica do endividamento bem como os mecanismos de gestão da dívida pública.

Da má fama não escapam nem uns nem outros, nem a dívida nem os financeiros. Importa que o Estado saiba usar a dívida com virtude e virtuosismo e que os financeiros aceitem regras adequadas que os afastem das penas do Inferno previstas pelos cânones.

E já agora que Deus lhes dê virtude a ponto de serem capazes de nos deixarem em paz sem nos fustigar cada vez mais intensamente, sempre a gritarem na sua imoralidade que a culpa é inteiramente nossa.    

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18.11.21

A democracia e a laicidade

 Por C. B. Esperança

Independentemente do apuramento das razões que estiveram na origem do atentado que, no dia 15, se frustrou em Liverpool, Reino Unido, e se limitou a trucidar o terrorista que seguia no táxi, enquanto o condutor lhe fechou as portas e fugiu do veículo, há fundadas suspeitas de que o alvo do facínora fosse a catedral.

Penso que a luta contra o racismo não se faz com a omissão da etnia, origem ou religião do criminoso, sobretudo se a última está na origem da crueldade de quem julga ter uma eternidade de delícias à custa da própria imolação e do sofrimento dos infiéis.

Ignorar o regresso das guerras religiosas será politicamente correto, mas é suicida. Não importa se este foi mais um caso de fanatismo religioso pois não faltam casos recentes e preocupações quotidianas com imposição de preconceitos e exigências pias que minam a civilização e a democracia.

Há pessoas para quem falar de laicismo é heresia, como se pudesse combater-se a deriva criminosa de determinada crença sem que o Estado democrático tenha a determinação de impor a separação às Igrejas e combater as crenças que apelem à violência. Não há democracia sem que os cidadãos sejam livres de ter qualquer crença, descrença ou anti-crença. É tão legítimo crer que Deus criou o Homem como ter sido este a criar aquele.

Há, aliás, um direito que os intolerantes não respeitam, o de descreditar, ridicularizar e combater, pela palavra, desenho ou gesto, qualquer religião ou o ateísmo. Preferem as bombas. Sagrada é a Declaração Universal dos Direito Humanos, e ímpia a sua recusa.  

A Europa do Renascimento, do Iluminismo e da Revolução Francesa não pode ajoelhar-se perante crenças que, no passado, a ensanguentaram e, no presente, a põem a rastejar, com reiteradas cedências e uma atmosfera cada vez mais carregada de medo.

Temos de nos interrogar sobre a licitude da resistência ao quadro civilizacional europeu, das exigências que humilhem um dos sexos, neguem a igualdade de direitos perante a lei, a supremacia da democracia sobre o tribalismo, a liberdade sobre o comunitarismo.

As regras de higiene, as vacinas e a alfabetização não se discutem, impõem-se quando o interesse coletivo, democraticamente sufragado, as legitimam. A vontade dos deuses, há tantos, não pode sobrepor-se à dos homens.

Não podemos viver sob uma atmosfera de medo ou permitir que a pretensa lei de Deus se sobreponha às leis que a democracia liberal aperfeiçoou, depois de várias guerras, de muito sangue e demasiadas iniquidades.

O totalitarismo religioso não é mais benigno do que o laico, e é bem mais difícil de ser erradicado, mas a opinião pública não pode amolecer sob o peso de alegadas tradições e costumes tribais. 

Já nos bastam os livros sacralizados das ideias dos patriarcas tribais da Idade do Bronze, e que urge desmascarar.

Ponte Europa Sorumbático


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14.11.21

No “Correio de Lagos” de Out 21

 

UMA DAS PRAIAS mais belas que conheço é a do Canavial, com a sua água límpida em perfeita harmonia com rochas, arribas, grutas e algares, que atraem gente de todo o mundo — não só turistas, mas também estudiosos de Geologia e Paleontologia. Ora, e talvez por ser de acesso difícil (há umas escadas que nem merecem esse nome, e uma passagem por mar só possível de quando em vez), tem sido poupada aos carinhos dos “mata-praias”, aqueles que, com a sua criatividade, me expulsaram da D. Ana, onde eu deixei de pôr os pés quando a “melhoraram”.

 

E TALVEZ tenha sido a  atracção por essa praia, associada ao facto de o cérebro ser uma máquina imparável (que funciona mesmo contra a nossa vontade) que, devido a uma estranha associação de ideias, dei por mim a reler “A Morgadinha dos... Canaviais”! Ora, como se sabe, os “regressos literários” têm dessas coisas: entre uma primeira leitura e as seguintes, especialmente se decorrerem alguns anos entre elas, as vivências que entretanto tivemos fazem com que as obras pareçam novas (ou, pelo menos, diferentes) de cada vez que as reabordamos — e foi esse o caso, em boa parte devido (quem diria?) às recentes eleições autárquicas... e passo a explicar porquê:

 

O ROMANCE tem duas linhas principais: uma delas é a história de amor entre Henrique e Madalena que, seguindo o padrão dos romances de Júlio Dinis, começa por ser contrariado e acaba a contento de todos.
A outra é a parte política, pois o pai da jovem “morgadinha” é um conselheiro, cinquentão experiente e vivido, que, pela Oposição, concorre às eleições locais. Assim, boa parte do romance gira em torno desse acontecimento (que o autor situa por volta de 1860), remetendo-nos para os dias de hoje, na exacta medida em que a essência do Ser Humano pouco ou nada se modificou, e a dos políticos ainda menos.
Sim, estão lá as idas às tascas para a aproximação ao povo, as obras públicas atrasadas propositadamente até às vésperas das eleições (há até uma nova rua, cujo trajecto é decidido em função dos interesses de um particular e não dos da população), e nem sequer faltam os arboricidas, que cortam as árvores a eito, para desespero de Vicente, o velho herbanário que as viu nascer e crescer, contrastando a sua tristeza mortal com a apatia de uma população amorfa, que «aceita tudo e mais um par de botas».
Ora é a essa população adormecida que Júlio Dinis dedica duas dezenas de amargas páginas de antologia, intercalando a fala de narrador com as suas opiniões pessoais, no capítulo em que narra as peripécias ocorridas quando chega a hora da verdade:
O acto eleitoral decorre por freguesias, sendo os eleitores chamados um por um, e pelo seu nome. Mas aquilo começa mal, porque os de Pinchões (a quem cabia votar primeiro) não há meio de aparecerem, lançando a confusão entre os presentes. Acabam, no entanto, por chegar, tarde e a más horas (capitaneados pelo cacique lá da terra, o morgado Joãozinho das Perdizes), trazendo todos eles no bolso «um oitavo de papel-almaço dobrado, no qual estava escrito um nome: o nome de um homem que eles nem sabiam se existia no mundo»... e que era, como habitualmente, o candidato do Governo.
Mas, de súbito, há um “volte-face” (que aqui não vou revelar, porque até já contei demais...), e toda aquela gente muda de voto — não por consciência própria, mas porque assim o ordena o manda-chuva.


JÚLIO DINIS, um liberal que sabia muito bem do que falava, não se priva de fazer considerações penosas em relação à ignorância e apatia do povo português do seu tempo, que atribuía àqueles a quem isso interessava, e cujos émulos são, actualmente, os políticos que, durante um ou dois dias a seguir às eleições, choram lágrimas de crocodilo pela elevada abstenção — ao mesmo tempo que nada fazem para a minorar.

Pois é, António Aleixo tinha toda a razão quando lhes atirava em cara: 

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«Vós que lá, do vosso império 

Prometeis um mundo novo 

Calai-vos, que pode o povo 

Querer um mundo novo, a sério!» 

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13.11.21

Grande Angular - Acreditar em si próprio

Por António Barreto

As surpresas políticas e eleitorais resultam muitas vezes de um estranho, mas frequente, fenómeno: acreditar em si próprio, crer em tudo o que lhe interessa e convém, aceitar como boa toda a informação que os seus amigos, profissionais, empregados, agentes, admiradores e correligionários repetem todos os dias. Nos jornais, nos canais de televisão, nas estações de rádio, nas revistas e nos cafés ou nos salões: há hoje uma verdade dominante, um espírito do dia, uma voz comum. Verdade ou fantasia é indiferente.

Acreditar em si próprio, nesta acepção, é muito mais do que confiar nas suas virtudes e na sua determinação. É sobretudo acreditar no que os seus admiradores, seguidores e dependentes dizem de si. Ler deliciado, nos jornais, os seus boatos e as suas patranhas, pode ser um exercício de narcisismo interessante, mas o problema é que depressa se torna em vício e rapidamente se acredita no que se inventou.

Nos gabinetes dos governantes ou dos altos funcionários da Administração, são muitas as centenas de encarregados de relações com a imprensa, de porta-vozes e de responsáveis por relações públicas que todos os dias, com empenho, às vezes com competência, se desdobram em informações, contactos e disseminação da informação. 

Além destas estruturas directas de divulgação, importa contar as dezenas ou centenas de agências de comunicação que todos dias preenchem os canais de informação, os anúncios, a publicidade paga, as informações não pagas e as “newsletters” que crescem por todo o lado.

Finalmente, há os profissionais “plantados”, genuínos especialistas de informação e divulgação colocados em jornais, serviços de informação, canais e estações, onde acabam por fazer carreira. É verdade que alguns contrariam o efeito Pigmaleão e se tornam independentes ou oficiais de outros mestres. Mas muitos ficam fiéis a quem lhes deu entrada e função.

Os governantes encantam-se com os noticiários das oito, os debates das dez, os jornais de todas as horas, os online de sempre. Com algumas excepções, poucas, a realidade virtual é, para o governo e os socialistas, a realidade verdadeira. Como foi, até há pouco tempo, para o Bloco e o PCP. Para estes dois, agora, a fantasia é outra. Mas ainda fantasia.

É mesmo muito interessante ver como perdem e se perdem os que acreditam nas suas próprias fantasias. Não é imediato, pode demorar, sobretudo se existe um forte controlo da informação, por autoridade, ou uma grande influência na comunicação. Mas, quando a fantasia se torna visível, a queda é radical.

Marcelo Caetano foi seguramente um bom exemplo da crença, não em si próprio, que era reduzida, mas na realidade que os seus amigos criavam. Eram os primórdios da desinformação. Salazar, antes dele, não necessitava de políticas de informação ou disseminação, bastavam-lhe as polícias, a censura, as represálias, as nomeações e as ameaças. Céptico, Salazar acreditava em si, não na sua realidade. Enquanto Marcelo Caetano, conhecedor da sua fragilidade, não acreditava em si, mas na realidade que os seus sequazes criavam.

O Movimento das Forças Armadas (MFA) e o Partido Comunista acreditaram piamente no seu triunfo e na vitória de revolução. Tiveram uma das maiores e mais imprevistas derrotas da história politica eleitoral portuguesa. Em 1974 e 1975, os jornais e a televisão traziam-nos todos os dias uma realidade fantástica, feita de revolução e ilhas socialistas, de conquistas e avanços, de seguidores e apoiantes. Lia-se com apreensão que as greves contra os privados se sucediam. Demissões e ocupação de casas, de explorações agrícolas e de empresas eram às centenas por semana. O saneamento de fascistas, informadores, reaccionários, capitalistas e outros contra-revolucionários progredia heroicamente todos os dias. Tudo, sempre, apoiado por multidões. As eleições de 1975 foram o golpe de misericórdia nas fantasias revolucionárias. 

A derrota de Freitas do Amaral, nas eleições presidenciais de 1986, foi a todos os títulos inesperada. Viviam-se já tempos de Cavaco Silva e do PSD. As sondagens e os sinais eram indiscutíveis. E, no entanto…

A derrota de Cavaco Silva, na presidencial de 1996, depois de dez anos como primeiro-ministro e de duas maiorias absolutas, surpreendeu toda a gente, a começar pelo próprio, que tinha enorme confiança em si e na sua realidade.

Os socialistas do Porto jamais pensaram que, em 2002, após mais de dez anos de poder municipal incontestado, perderiam a câmara para um recém-chegado Rui Rio. Nem mais tarde para um neófito Rui Moreira. Aos socialistas de Lisboa nunca ocorreu pensar que, em 2021, os socialistas de Fernando Medina pudessem ser sequer contestados, quanto mais derrotados.

Verdade é que a fantasia é a ultima a morrer. Vivemos, há uns anos, tempos de crença. Os socialistas de António Costa estão absolutamente convencidos de que a realidade que vêem todos os dias nos jornais e nas televisões é verdadeira. Esquecem-se do simples facto de que foram eles que lá colocaram grande parte dos dados e das informações. Que parecem tanto mais verdade quanto as alternativas não existem. O que o PSD, o CDS e o Chega afirmam não tem sustento nem merece confiança. O que o Bloco e o PCP garantem é do domínio do irreal. O que faz com que o Governo e o PS não necessitem de ser rigorosos, nem coerentes, muito menos verdadeiros. O governo e os Socialistas são incapazes de provar o que, sem pestanejar, afirmam sobre o nível de vida dos portugueses (a subir, dizem…), sobre a pobreza em Portugal (a descer…), sobre o emprego (a dilatar…), sobre o investimento privado nacional e estrangeiro (a crescer…), sobre o êxito escolar (a aumentar…) e sobre os cuidados de saúde (a melhorar…). Nas suas melhores fantasias, aumenta o investimento público e privado na economia, na cultura e na ciência. E da dívida nem se fala. Nem da mediocridade do desenvolvimento das duas décadas do século XXI.

O governo é incapaz de criticar o que há de mais negativo na realidade, a não ser que possa dizer que a culpa é dos governos anteriores. Como os socialistas gostam de dizer, desde o inefável Sócrates, a realidade socialista é uma narrativa confirmada pela mais poderosa organização de comunicação desde há muitas décadas.

Como a vida política se resume cada vez mais à intriga e ao processo, ao adjectivo e ao fútil, quase nada de essencial faz parte dos debates actuais. Vai ser uma campanha dura. Nem sequer vamos ter um duelo de fantasias.

Público, 13.11.2021

  

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12.11.21

CALAMIDADE PÚBLICA

Por Joaquim Letria

Nunca percebi se gostavam dele por ser muito bem educado e simpático, se por causa da mulher lhe ter fugido com um diplomata grego, deixando-o com três filhos por criar e um par de cornos que não havia cão nem gato que não comentasse.

A este meu vizinho só sucediam desgraças. Depois da mulher o ter abandonado veio a falência. O sócio fez um desfalque digno desse nome na empresa de representações de ambos, onde andara a roubar durante anos, e fugiu para o Brasil com uma professora de liceu.

Os filhos também não ajudaram. O mais velho, que era o orgulho do pai por ser muito bom aluno de economia, começou a derrapar e acabou conhecido pela alcunha de “Didi Maluca”. A menina, carinhosa e simpática, foi estudar para o Porto, arranjou um engenheiro e nunca mais quis saber do curso nem do pai. O mais novo, que queria ser baterista, foi viver com a mãe para a Grécia onde não tinha de trabalhar e o padrasto lhe oferecia muitos presentes.

Foi nesta fase de desencanto, por se sentir abandonado pelos filhos, que o meu vizinho colapsou. O tio, de quem falava muito por ser riquíssimo e ele ser seu único herdeiro, casou-se com uma apresentadora de TV 30 anos mais jovem. O solar brasonado no Norte, do qual mostrava sempre muitas fotografias, ardeu por causas não apuradas e sem seguro. E até o DS 21 de volante branco e estofos de couro caiu na Boca do Inferno enquanto comia marisco no Guincho com um cliente.

Tomou então a decisão drástica de se suicidar. A bala de 6,75 da pistola que guardava no cofre atravessou-lhe a cabeça e estoirou o Columbano pendurado na parede, deixando a obra que se orgulhava de possuir sem possibilidade de restauro. Um neurocirurgião operou-o com sucesso, dando-lhe alta sem mexer o braço e a arrastar a perna esquerda, com a boca ao lado e crivado de dívidas.

Quando puseram o seu andar à venda eu soube que ele fizera uma tentativa desesperada de o considerarem zona de “calamidade pública” mas a pretensão foi negada. Morreu pouco tempo depois, num lar de idosos onde passava o dia a jogar dominó.

Portugal hoje faz-me lembrar esta figura trágica da minha juventude, devastado por si próprio, desunido, corrompido, quebrado, democrata “dominus vobisco”.

Mas não se pode dizer mal! Não parece bem nem é politicamente correcto. A bem da Nação, assim foi decretado a tantos de tal.

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11.11.21

As próximas eleições e as feridas que se aprofundam na campanha

Por C. B. Esperança

O chumbo do OE-2022 foi uma surpresa, não tanto por ter sucedido, mas por preceder o debate na especialidade, onde o PS poderia, se tivesse margem orçamental, ceder a mais exigências do PCP, que ainda não tinha desistido da discussão, ao contrário do BE, que, cedo, anunciou triunfalmente o voto contra.

O momento, de rara incerteza quanto à pandemia e aos custos energéticos e de matérias primas, com graves riscos financeiros, económicos e eleitorais, levou a revolta a quem é de esquerda sem hipoteca partidária, e semeou a desolação e ansiedade no País. 

Não vale a pena dizer que o PS é de direita, porque se o é, não há a mínima legitimidade para a esquerda ser poder, menos de 20% de votos expressos nas urnas não a legitimam. O BE fez do PS o inimigo principal e da discussão do OE a arma de arremesso contra o Governo. Só por ingenuidade política podia o PS contar com ele, e é mau para o BE e para o País que a unidade interna seja forjada na implacável luta contra o PS.

Imagino a acrimónia dos simpatizantes do PS e o regozijo das direitas, com a violência de Catarina Martins a zurzir o governo, com a mesma alegria e entusiasmo com que ora o acusa de ser responsável pelo chumbo, como se tivesse sido o PS a votar contra.

A anterior legislatura, com especial mérito do PCP na proposta e incentivo que levaram à solução que permitiu o XXI Governo Constitucional, pôs fim ao poder cavaquista e às tropelias do Governo PàF, revertendo as políticas mais gravosas. Na feliz convergência do PS+BE+PCP+PEV seria injusto não destacar o papel fundamental do PCP.

O PS foi o partido que mais lucrou, por mérito da governação e pelo apoio dos partidos referidos. A direita deixou de definir o arco do poder, que fazia refém o PS, e o PCP e o BE provaram que podem ser atores democráticos incluídos na área governamental.

Sendo as coisas o que são, é utopia pensar que o próximo Governo pode contar com os apoios arruinados no XXII Governo, com o acicate do PR, em ingerências reiteradas na esfera de competências do Governo, da AR e dos partidos.

Por ora, ficam feridas por sarar, e não há argumentos convincentes de que a culpa caiba ao único partido que foi derrotado na aprovação.

Há posições que o PS de António Costa definiu há muito, a fidelidade à UE, à Nato e a orçamentos exequíveis. Os que as contestam, com toda a legitimidade, aliás, sabem que não podem aliar-se. Foi essa clareza que permitiu a convergência de partidos diferentes, desinibida no primeiro Governo e constrangida nos dois primeiros anos do segundo, até à rutura imprevisível e prematura do PCP.

O OE tem exigências da UE, apesar da tolerância que, no dramático período pandémico, os vários países puderam usufruir, e Portugal não pode esquecer a solidariedade na partilha de vacinas e, ainda que tímida, na mutualização da dívida pública europeia.

As divergências entre partidos de esquerda são legítimas, mas inexplicáveis quando são contra um deles e não contra a direita, como fez e reincide a coordenadora do BE.

O atual PS não é o partido neoliberal pretendido por António José Seguro e Francisco Assis, é social-democrata, com forte consciência social, e não merece os contundentes ataques vindos da sua esquerda. 

A improvável maioria absoluta cujo desejo é atribuído a António Costa, não assusta o País porque seria mais benéfica do que a maioria absoluta da direita ou a instabilidade governativa e rwpwtidas eleições.

O perigo para a democracia não reside em maiorias absolutas de um só partido, mas nas maiorias absolutas de coligações neoliberais ou em partido único. Cavaco, teve maiorias absolutas, duas, e a democracia resistiu. A CRP e a governabilidade são as defesas de que o país dispõe.

A violência mediática e tentativa de descrédito dos partidos de esquerda, de todos, já anda aí, e o País não pode sair ingovernável das eleições que vêm e da imaginação do PR para reparar os erros que cometeu e reconduzir a direita ao poder.

A leitura política que faço, não tendo o monopólio da clarividência, é determinada pelas circunstâncias que me revoltaram e medo da vitória da direita truculenta, que pode sair das lutas internas no seio do seu maior partido, com a bênção do PR.

Desejo que as feridas abertas na esquerda possam sarar durante a próxima legislatura e que se reabram as portas para novas e profícuas convergências.

Ponte EuropaSorumbático

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8.11.21

No "Correio de Lagos" de Out 21

 

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7.11.21

No "Correio de Lagos" de Out 21

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6.11.21

Grande Angular - O grande sarilho

Por António Barreto

Discutir prazos, perder tempo e perder-se com processos legais e outros, não é inédito. Em Portugal, acontece quase sempre. As audiências desnecessárias, as reuniões para cumprir calendário, as questões do recenseamento, os prazos e os recursos, as exigências da campanha e a regulamentação adjectiva, são as regras em Portugal. Sempre foi assim. Sempre afligiu.

É verdade que a democracia é, em grande parte, uma questão processual. Isto é, o respeito pelos processos estabelecidos e acordados, institucionais e duráveis, é o respeito pela democracia. Mas também não é menos certo que, com frequência, o legislador se compraz em criar processos burocráticos com os quais se pretende dar garantias de igualdade democrática, mas que na verdade são mais “regras do proprietário”. Os próximos meses, até termos orçamento, primeiro pretexto para a presente dissolução, serão uma boa ilustração destes processos democráticos que defendem os actuais senhorios.

Há quem diga que “da próxima vez, espera-se que já tenhamos corrigido…”, sem que nunca se mude e melhore o lado processual que os Portugueses adoram. Desde que se percebe que tem de haver eleições, desde que se fazem sentir os efeitos de um orçamento reprovado ou de uma dissolução anunciada, começam a contar os dias, as semanas e os meses, até encontrar um momento de estabilidade, de trabalho, de resultados e de cuidado com o povo! Há países em que poucas semanas bastam para ter novo governo em exercício. Portugal não é um deles. Passam-se meses até haver parlamento e governo. E muitos mais até haver novo orçamento. E ainda mais para que a maior parte dos ministros saiba o que está ali a fazer. Nada de grave. Nada de excepcional. É a democracia a funcionar.

Apesar dos lugares comuns incansavelmente repetidos, a verdade é que cada vez mais se vê e sente a crise dos partidos e da democracia. Que não é só portuguesa, é europeia. Facto que não alivia, antes agrava. Uma parte do problema consiste em identificar a crise. Uns dirão que é dos partidos, mas não da democracia. Outros dizem que é sobretudo desta, não daqueles. E há finalmente os que entendem, com mais verosimilhança, que estamos perante uma crise dos dois, da democracia e dos partidos. 

Antecipar eleições não é muito raro, nem grave. É a democracia. É frequente. Acontece em Portugal e noutros países. É o sistema político a funcionar.

Dissolver o Parlamento não é excepcional, nem dramático. Acontece. É a democracia a funcionar.

Perder agora numerosos meses com processos, prazos, avisos, conferências e recursos, não é novo, é o hábito em Portugal. É a nossa democracia a funcionar.

As divergências entre partidos, a dificuldade em chegar a acordo ou convergência e a impossibilidade de abdicar de pontos de vista, para poder chegar a uma base sólida de entendimento, são frequentes em Portugal. É mesmo quase a regra, é a nossa democracia a funcionar.

A gravidade do momento e dos últimos anos, a pandemia, as hipóteses de novo surto de contágio, a crise financeira e as probabilidades de um novo resgate financeiro não são suficientes para mudar os maus hábitos, não bastam para que os partidos entendam que devem mudar de comportamento e encontrar novas soluções: nada de novo, é a nossa democracia a funcionar.

À democracia portuguesa falta maturidade para que os seus protagonistas, partidos e instituições, percebam que a discussão, a negociação e o entendimento, além de serem necessários, são benéficos. Chegar a um acordo, elaborar um contrato, subscrever uma plataforma ou assinar um tratado podem ser virtudes e obras de arte políticas. São eventualmente actos de inteligência e sabedoria. Para já não dizer que são gestos de benefício para as populações.

Entre nós, as negociações e os acordos são considerados cedências. Os fracos receiam os acordos, os fortes desprezam-nos. O bairrismo da luta de classes, a rivalidade chauvinista e o orgulho marialva levam a melhor sobre a discussão e a convergência. Estas últimas são mesmo transformadas em defeitos graves, quando deveriam ser vitórias da razão.

Chegámos assim a este interregno longo e processual, de fingimento burocrático disfarçado de democracia, durante o qual se prepara o novo governo. Sem esquecer que estes episódios nos deixaram um sarilho: a escolha no dia das eleições. Isto é, o voto!

O PCP merece ser batido. Prefere, acima de tudo, tornar difícil a democracia, a Europa e a recuperação económica. Receia aflitivamente ficar amarrado ao PS e, a exemplo de quase todos os PC do mundo, desaparecer. Hesita entre morrer mudando de natureza ou morrer sem nada mudar.

O Bloco merece ser punido. Jogou mal e perdeu. Ficou apavorado. Teme perder o que tanto custou a ganhar, um eleitorado demasiado grande para as suas qualidades e as suas capacidades. Convenceu-se de que a esquerda do PS era a sua aliada. Ainda não percebeu que a sua aparente superioridade é uma inferioridade.

O PS merece ser castigado. Mudou de propósito, primeiro queria acordo orçamental, depois queria eleições. Sonha agitadamente com maioria absoluta. Na ausência de adversários à altura, convenceu-se da sua força e do seu saber. O seu governo aguentou mas não cumpriu. Nem desenvolveu. Um belo exemplo de enriquecimento sem justa causa.

O PSD merece ser ignorado. Perde-se à deriva, desperdiça talentos e experiência, vive em êxtase permanente, não tem autoridade, perdeu crenças e convicções, não tinha eira, agora não tem beira. Querer tudo, do corporativismo à social-democracia, do Estado à sociedade liberal, era a sua riqueza. Não querer nada é a sua pobreza.

O CDS merece ser esquecido. Deixou definitivamente de perceber a sua missão, já não sabe qual é o seu lugar, perdeu o sentido de posição e delapidou a herança. Não é protagonista, nem figurante. Nunca conseguiu sequer aproximar-se do que de mais importante tinha a fazer: trazer a democracia cristã para Portugal.

O CHEGA merece ser desprezado. Vive do nada. Mestre na agitação empolada, apraz-se no seu vazio, que transformou em virtude. Percebeu que a sua força residia no pavor alheio, no receio infundado com que os outros partidos olham para si. Não adianta. É tempo perdido.

É pena que não seja matematicamente possível que todos percam.

Público, 6.11.2021

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5.11.21

A CONSCIÊNCIA DA VERGONHA

Por Joaquim Letria

Quando foi da Guerra do Golfo prepararam-nos o horror. Não deixámos de visitar emires decadentes mas frequentáveis e, sobretudo, ”politicamente correctos”.

O nosso confortável mundo mostrou-se primeiramente irritado: Bush chegou a interromper uma partida de golfe em pleno Agosto, Mitterrand saltitou de conferência de Imprensa em conferência de Imprensa, e depois ofereceram-nos o grande espectáculo dos F40, dos mísseis SCUD e Patriot mais os jaguares. Ofereceram-nos biliões de dólares para salvarmos biliões de dólares. A vergonha não chegou a cobrir-nos nem quando vimos a verdade da Estrada da Morte e os horrores de Bassrah.

Agora a África quanto pesa ela? Que representa este Continente no Peso Bruto do Produto Mundial? Não mais do que um por cento, nada que se não possa suportar.

Quando a comunidade internacional não tem dinheiro nem vontade política, resta-nos esta emoção, esta consciência, esta vergonha perante as imagens que nos obrigam a agir gratuitamente, tardiamente com alguma vergonha.

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4.11.21

No "Correio de Lagos" de Out 21

 

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A Procissão da Senhora da Conceição

 Por C. B. Esperança

Para animar a fé e variar a liturgia eram frequentes as festas canónicas que esgotavam os ovos, o açúcar e a capacidade de endividamento na mercearia da aldeia.

A missa iniciava as festividades e prolongava-se com rituais, padres paramentados a rigor, vindos das paróquias vizinhas, e o sermão de um outro, contratado para enaltecer a santa e avivar a fé. O pregador subia ao púlpito e distinguia-se pela desenvoltura com que se exprimia, tanto mais apreciado quanto menos percebido, podendo confundir as virtudes e trocar os santos sem beliscar a fé ou pôr em risco os honorários.

Depois da missa, a procissão percorria as ruas da aldeia com uma ou outra colcha nas janelas e garridas mantas de farrapos, que era pobre a gente e a intenção é que salvava a alma. 

À frente iam os pendões, empunhados por braços possantes que contrariavam o vento, seguidos de bandeiras com imagens pias e anjinhos, apeados, de asas derreadas. A seguir viajavam alinhados os andores do Sagrado Coração de Jesus e de alguns santos que aliviavam o mofo e o abandono na sacristia. Por último, vinha a estrela da companhia, a Senhora da Conceição, de virtude comprovada e ignorados milagres.

Os padres viajavam sob o pálio, conduzindo o arcipreste a custódia que exibia a hóstia consagrada, com acólitos a empunhar as varas. 

Em meados do século passado os cruzados gozavam ainda a estima de quem prevenia a salvação da alma e desconhecia a história das guerras religiosas. Assim, ladeando os andores, exultavam os garotos, meninos com uma faixa onde, a vermelho, se destacava a cruz, e as meninas com uma touca que lhes escondia os cabelos e exibia uma cruz igual. 

Depois dos padres e dos mordomos, orgulhosos dentro das opas, viajavam pelas ruas enlameadas as Irmandades. As Irmãs de Maria traziam o pescoço enfaixado com fitas azuis. Seguia-se a Irmandade do Sagrado Coração de Jesus com fitas vermelhas e, finalmente, as Almas do Purgatório com fitas roxas atrás de um estandarte que as anunciava, não fosse o diabo tomá-las como suas.

A cobrir a retaguarda a banda da Parada atacava música sacra enquanto os foguetes estalejavam no ar. A passo lento, se o tempo convidava, ou mais apressados, se a chuva fustigava, os crentes regressavam à igreja com deserções antecipadas a caminho de casa, onde as vitualhas aguardavam. 

Eram assim as procissões da minha infância percorrendo as ruas tortuosas da aldeia e os retos caminhos da fé.

Jornal do Fundão, 12-10-2006 e Pedras Soltas (Ed. 2006) 

Ponte Europa Sorumbático


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2.11.21

No "Correio de Lagos" de Out 21

 

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1.11.21

No "Correio de Lagos" de Out 21

 

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