Grande Angular - Quanto pior… pior!
Por António Barreto
Foram anos de medíocre crescimento económico. De endividamento acelerado. E de bancarrota oficial. São já dois de pandemia que causou sofrimento, feriu o tecido social e perturbou os sistemas colectivos. Foram muitos de corrupção enraizada, de inoperância da justiça e de captura dos bens públicos. A política, a economia, a banca, a Administração Pública e a Justiça deram todas as oportunidades aos bandidos e assaltantes. Nestes vinte anos, Portugal e os portugueses não souberam aproveitar as oportunidades, explorar as aberturas comerciais, beneficiar dos fundos europeus, atrair investidores, punir os infractores e melhorar a sorte dos pobres. Talvez não seja possível dizer que está tudo pior, não é verdade. Mas pouco, muito pouco está melhor. Nestes anos, têm reinado a mediocridade, a mediania e a estagnação. Parece que os portugueses adoptaram a estranha noção de que progresso não é melhorar, é não piorar.
Posta à prova em singulares circunstâncias, a saúde pública é um bom exemplo. Depois de um excepcional esforço de médicos, enfermeiros, auxiliares, autarcas, técnicos, funcionários, militares e investigadores, será sempre necessário, um dia, avaliar, saber se o que foi feito está certo, se houve erros e se era possível fazer melhor. Uma coisa é certa: parece que cumpriram, com honra, o seu dever, fizeram mais do que deviam e se lhes pedia. O problema que sobra é o do SNS e de todo o sistema de saúde pública. Parece que o SNS está de rastos. Se assim é, todos os alarmes devem estar activos: corremos o risco de perder o que de melhor temos.
Quase tudo o resto, muito do que é essencial está em risco e sob ameaça. De desorganização. De falta de pessoal qualificado. De penúria financeira. De profundo cansaço. O endividamento público agrava-se. A educação não melhora. O investimento privado está muito longe do que deveria ou poderia ser. A justiça é o mais doloroso retrato da impotência.
Para fazer frente a esta situação, há meios. Poucos, sobretudo europeus, mas alguns existem. Pessoas também, pelo menos por enquanto, apesar de termos agora vivido a segunda mais grave crise de emigração do século. Instituições também, apesar de definhadas por políticas de favoritismo. Empresas ainda, apesar de algumas das maiores e das melhores terem sido praticamente destruídas. Falta saber quem pode e quem deve.
Nestas situações históricas difíceis, procuramos sempre quem possa fazer melhor, quem seja capaz de inverter o plano inclinado e com que meios lutar contra a mediania. Por isso, olhamos para os partidos políticos. Em democracia, o dever deles é esse mesmo, lutar contra a mediocridade e pelo melhoramento. Ainda por cima em vésperas de eleições. Olhamos à volta e o que vemos é inquietante. Parece que os partidos fazem parte da crise, em vez de a combater.
O PS vive a sua crise de poder a mais, com fracturas internas difíceis de remediar. Aquele que poderia ser o principal centro de recuperação económica e social e o primeiro responsável por uma racionalidade política actualizada, está em vias de procurar o enriquecimento sem justa causa. Sem talento para a recuperação económica, polarizado na despesa pública, sem capacidade para atrair investimentos e mercados, este partido inventa todos os dias causas menores e adversários inexistentes. Quer ganhar as próximas eleições essencialmente com a mediocridade dos outros. Isto é, ganhar com o mal dos outros, não com o seu bem. Está disponível para tudo, desde que lhe dêem votos e poderes. Do mercado ao planeamento soviético, do privilégio para as elites à luta contra a desigualdade, é um verdadeiro partido espargata.
O PSD é um dos casos mais interessantes da história partidária portuguesa das últimas décadas. Foi o que melhor se colou à sociedade, às classes, às comunidades, aos grupos de interesses e às crenças. É o mais plural e diversificado de todos. A sua vasta riqueza política permitiu-lhe todas as querelas e todas as barafundas. Várias vezes se fez e refez. Não se poupa a nenhuma trapalhada. Desta feita, parece irreversível. A campanha interna não tem sentido nem programa. É talvez o momento da sua história em que mais perto se encontra de uma profunda clivagem. São barões contra barões, transviados sem causa. Entre uma maioria impossível e uma oposição ineficaz.
O Bloco de Esquerda prepara-se acidamente para uma má jornada. Perdeu a mão, a negociação com o governo saiu-lhe mal. Não soube avaliar a sua força. Ou antes, não percebeu a sua fraqueza. O seu papel de reserva ideológica da jovem burguesia urbana e de agitador cultural de esquerda parece estar esgotado. Não fora o seu predomínio indiscutível na comunicação social e já teria organizado exéquias. As perspectivas eleitorais são péssimas.
O PCP vive momentos de terrível crise de consciência e existência. Colaborou pela primeira vez com a direita social-democrata e com a burguesia democrática, mas as coisas não correram bem. Quase não teve vantagens, a não ser as de uma vaga reputação de bom comportamento, mas com os danos de uma experiência frustrada. As previsões eleitorais são altamente reservadas.
O CDS prepara cuidadosamente o seu funeral. É difícil perceber todas as razões doutrinárias, políticas, sociais e pessoais que conduziram o partido a esta situação estranha. As facções lutam por nada. São duelos sem donzela.
O PAN Entrou em zonas de baixios e sarilhos. Por definição, é partido destinado a enriquecer uma margem. E a manter uma pressão contra a crueldade e, apesar do nome, a desumanidade. O que quer dizer que a sua dimensão eleitoral não é o seu trunfo mais importante. Mas, não sem surpresa, surge como se tivesse sido infectado pelos desastres contemporâneos que tanto condenou nos outros.
O Chega vem abandonando o seu ímpeto revolucionário. Pretende jogar o jogo e elabora um programa, o que é contrário ao impulso justiceiro. Dedica-se à intriga própria dos sistemas democráticos. Quer ter uma fatia do bolo, tempo de antena, minutos de porta-voz, local de recepção, vez nas audiências, parceria nos debates, notícias nos telejornais e posição nas listas do protocolo. Talvez deixe de ser marginal. Se assim for, a boa notícia é que deixa de ser revolucionário. A má notícia é que pode aumentar a fragmentação da política. As hipóteses eleitorais apresentam-se muito incertas.
A IL é um doce mistério. Não sabemos, não se sabe realmente o que quer. Nem o que vai fazer. Será que eles sabem?
A lanterna de Diógenes faz falta. O ponto de apoio e a alavanca de Arquimedes também.
Público, 27.11.2021
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