No "Correio de Lagos" de Out 20
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Por Joaquim Letria
Fernando Medina herdou a presidência da Câmara de Lisboa de António Costa. Desde então o seu mandato tem sido fazer obras e criar situações que constrangem os Lisboetas e os deixam com mais dificuldades das que já tinham.
Enumeremos apenas algumas para os que não habitam na capital percebam do que estou a falar. Por exemplo, fazer longas e demoradas obras na vital segunda circular que deixaram os lisboetas numa aguda crise de nervos. Reduzir o número de faixas na Avenida Almirante Reis para se demorar o triplo do tempo a percorrê-la para cima e para baixo. Roubar faixas de circulação a muitas ruas que passaram a dispor de largos passeios onde nos podemos sentar em amplas esplanadas debruadas a ciclovias sem bicicletas, exterminando lugares de estacionamento e inventando distantes parques de estacionamento subterrâneos, etc..
A última coroa de glória de Medina foi afundar a Praça de Espanha fazendo abater o túnel de Metropolitano que há mais de 50 circulava entre o Marquês Pombal e aquela Praça onde estava o Teatro Aberto e agora vai ser mais um jardim que concorrerá com os belos jardins da Fundação e Museu Gulbenkian, deixando a ilustre e fronteira Embaixada de Espanha implantada num ambiente quase rural.
Não quero dizer mal de Medina. Deixei de morar em Lisboa ainda ele era só vereador. Nem o critico, é compreensível que um natural do Porto tenha esta visão de Lisboa. A minha cidade é que nas mãos dele está cada vez mais bonita ao longe e insuportável para quem lá tem de ir. Saudades de Presidentes da Câmara de Lisboa tenho-as, sim, mas do General França Borges, dos Engºs Santos e Castro e Nuno Abecassis. O resto prefiro esquecer.
Algo de bonito que o Medina poderia fazer seria reconstruir o Bairro do Ferro, em São Vicente, padroeiro da cidade de Lisboa. Mas isso nem eu nem as centenas de habitantes que ali vivem no meio de escombros, casas por acabar umas, ardidas outras, sem saneamento básico nem água potável acreditamos que ele faça nos intervalos dos comentários políticos na TVI onde discretamente vai fazendo a sua campanha eleitoral.
Os moradores do Bairro da Quinta do Ferro lá sobrevivem nas piores condições. Para que os leitores melhor compreendam a situação de que falo, mulheres, homens e crianças do Bairro da Quinta do Ferro, no centro de Lisboa, capital europeia, desenrascam-se no dia a dia como calculam que alguém se pode desenrascar a viver assim. E para não perderem a dignidade e andarem limpinhos lá vão lavar-se e tomar banho nos balneários da Voz do Operário.
Desde 2016 que está parado na autarquia um projecto para a construção de 140 fogos municipais, um jardim inter-geracional e um parque de estacionamento subterrâneo na Quinta do Ferro. Só deve faltar o Medina decidir onde passa a ciclovia…
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Por C. B. Esperança
É fácil acusar de incompetência e desonestidade quem geria os bancos em 2008, difícil é prever que as desonestidades, sem a crise do sistema financeiro, fossem descobertas, e é improvável que todos os gestores fossem corruptos e inaptos, ou que houvesse outros capazes de fazerem melhor.
A luta partidária, a inveja e a ânsia de acusar os poderosos subverteu a análise serena da crise financeira a que a falência de Lehman Brothers Holdings Inc. deu início.
Sem negar a corrupção que grassa onde o dinheiro é muito, a falência referida foi menos a causa do que o efeito de uma crise cíclica do capitalismo, a nível global, refreada com as emissões gigantescas de moeda pelos bancos centrais.
As acusações aos governos de turno, sobretudo nos países de economias mais débeis, e o julgamento de subornos, engenharias financeiras e apropriações indevidas de dinheiro, de alguns milhões de €€, escondem os malefícios da crise e biliões que a crise engoliu.
Sem minimizar a necessidade de julgar os crimes descobertos, é ingenuidade silenciar os malefícios do sistema capitalista, ainda que se desconheça outro melhor.
Os gestores, habituados a gerir em tempos de normalidade, deram lugar a outros que os não sabiam gerir melhor.
Há perversões de que o sistema ainda não prescindiu, os paraísos fiscais a que, aliás, era possível pôr cobro, se os governos dos países mais poderosos não carecessem de ocultar verbas para promover contrarrevoluções, recrutar espiões e pagar material de guerra, os canais por onde também passam o dinheiro da droga, do tráfico de órgãos e de pessoas.
A nível nacional, os Papéis do Panamá revelam os interesses que impedem a divulgação e investigação. Caíram no esquecimento, enquanto decorria o espetáculo de julgamentos populares de comparsas menores, onde o próprio ex-banqueiro Ricardo Salgado é uma figura menor da corrupção internacional.
Pode haver quem veja nesta reflexão uma tentativa de branquear os eventuais crimes de cidadãos que só foram julgados nos média e nas redes sociais, mas é um grito de revolta contra um sistema de que desconheço a alternativa e cuja maldade é evidente.
Quanto aos bancos, restam poucas dúvidas de que o princípio dos vasos comunicantes, participações cruzadas e interdependência, são um puzzle que se destrói com a queda de um qualquer, num imparável efeito dominó.
O excesso de mediatismo das situações individuais serve apenas para ocultar o barril de pólvora que o sistema capitalista representa e que a cada momento pode explodir.
Espero que as reflexões de um leigo possam ser desmentidas, não pelos ‘tudólogos’ que alimentam os comentários televisivos e radiofónicos, mas por macroeconomistas que se dedicam à investigação do sistema financeiro internacional.
Estamos numa crise bem mais avassaladora do que a de 2008, sem fim à vista, e outras virão.
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Ora, e como ‘não há duas sem três’, aqui fica uma outra, na Rua Sra. da Graça, e que não lhes fica atrás. Entretanto, nunca será de mais recordar que estes actos, como todos os outros comportamentos antissociais que tão bem conhecemos, só acontecem porque quem os pratica aposta na impunidade — e não se engana; e se é verdade que “É o medo que guarda a vinha”, não é menos certo que “Tão bom é o que vai à horta como o que fica à porta”.
NOTA: O texto existente do lado direito diz, logo na 3ª linha, que Vasco da Gama serviu na corte de D. João I. Não sabemos como poderá ter sido isso, pois esse rei morreu em 1433, enquanto o navegador só nasceu 36 anos depois. Se se trata de D. João II, metam lá mais um risquinho, sff.
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O debate em curso sobre a eutanásia acabou rapidamente por se dividir em duas discussões: uma sobre a matéria propriamente dita e outra sobre o processo de legislação.
A proposta de lei que propunha a realização de um referendo não foi aprovada. Teremos, assim, um debate parlamentar seguido de aprovação, ou não, da lei sobre a eutanásia, na sua versão final, após negociação e discussão na especialidade. O Parlamento fez bem em reprovar esta proposta. Por uma razão essencial: a pergunta a referendar estava mal formulada, designadamente porque colocava no mesmo pé eutanásia e suicídio assistido. São duas coisas diferentes, no modo e nos fundamentos. A ideia de que os referendos exigem uma pergunta clara, não tendenciosa, a fim de obter uma resposta simples que se possa formular com o “sim” e o “não”, é um requisito excelente. O tom (“matar outra pessoa”…), a equiparação de duas realidades diferentes e o acrescento da expressão “em quaisquer circunstâncias” estão ali sabiamente colocados para tornar a pergunta insidiosa.
Por outro lado, tendo em conta com as diferenças existentes entre suicídio assistido e as modalidades de eutanásia (activa e inactiva, voluntária ou involuntária, etc.), seria indispensável bem distinguir o que está em causa. É possível e moralmente aceitável ser contra ou a favor de todas as formas que precedem, ou ser a favor de certas modalidades e contra outras. Há diferenças essenciais, morais e deontológicas entre as diversas formas citadas. O que quer dizer que uma só pergunta referendável não responde às exigências. E um referendo com cinco ou seis perguntas, que ainda por cima exigem uma discussão serena, não se afigura prático. Esta é uma das principais razões pelas quais os referendos à eutanásia são discutíveis e eventualmente desaconselhados.
O problema não fica por aí. Na verdade, os argumentos dos que defendiam ou negavam a realização do referendo obrigam a uma reflexão mais complexa. Como é fácil verificar, tanto das esquerdas como das direitas e do centro, há uma espécie de padrão de comportamento. Quando o tema convém e as previsões são favoráveis, o recurso ao referendo é fácil. Pelo contrário, quando as sondagens sugerem que o resultado pode contrariar as pretensões, logo surgem os argumentos políticos e filosóficos que negam a hipótese de realizar um referendo para certos temas. Quando a maioria parlamentar é desfavorável, surge uma hipótese de referendo. Quando a vitória está assegurada, o referendo é afastado. Quando a matéria divide um partido, o referendo é a solução. Certo é que muita gente em Portugal é a favor ou contra os referendos conforme lhe convém. O aborto e a regionalização foram bons exemplos. A eutanásia também.
A democracia tem riscos. Como se sabe. No último século, foram muitos os exemplos de eleições de fanáticos e déspotas e de referendos inesperados e danosos. Acontece que eram as decisões dos povos e dos eleitorados. Veja-se o percurso de eleições e de referendos na Alemanha, na Itália, em França, na Venezuela, na Grã-Bretanha, no Brasil, no Irão, na Argélia… A história da democracia eleitoral e referendária é uma história com surpresas e desastres. Mas não deixa de ser assim mesmo: os riscos são elevados, mas os perigos de não haver eleições nem referendos são piores!
Conhecendo esses riscos, tentando não utilizar o referendo como arma oportunista e demagógica, há medidas de segurança que permitem que o recurso à democracia directa não seja destruidor da própria democracia. Por exemplo, um longo prazo (vários anos) entre a decisão e a realização do referendo pode ser uma condição eficaz para diminuir a carga emotiva excessiva ou a pulsão conjuntural que impede uma decisão serena. Outra medida de segurança é a necessária aprovação pelas instituições que devem pronunciar-se sobre a realização de referendos, assim como sobre as perguntas. Se umas dezenas ou centenas de milhares de cidadãos o pedirem, se uma maioria parlamentar estiver de acordo, se o Presidente da República aprovar e se o Tribunal Constitucional concordar com os termos, não há razão para que uma qualquer questão não possa ser submetida a referendo. Era assim que deveria ser, incluindo as normas constitucionais, os direitos e os impostos. Nem sempre é assim, infelizmente, pois a Constituição proíbe certos temas. Mas tenhamos consciência de que se trata de normas constitucionais pouco democráticas e medrosas.
Em suma, o Parlamento decidiu bem, mesmo se foi por maus motivos. Na verdade, os deputados pretenderam subvalorizar o instituto do referendo e criticar a sua utilização, quando o grande argumento era o da forma e do conteúdo da pergunta.
Quanto ao conteúdo do referendo, a eutanásia e o suicídio assistido, estão aprovados os cinco projectos apresentados. Uma lei final poderá vir a ser o resultado de negociações e de cooperação entre os diversos partidos que apresentaram os seus próprios projectos.
Nunca se perceberá o encarniçamento de alguns partidos de esquerda com a eutanásia. Não parece uma questão essencial e urgente. Nem tem especial efeito eleitoral. Mas tem aspecto de ser mais uma “questão fracturante”, daquelas (como o aborto, a objecção de consciência, o casamento homossexual, a adopção de crianças por homossexuais, a inseminação com sémen de homem falecido, etc.) que agradam a uns para incomodar outros.
Os projectos aprovados não faziam rigorosamente as distinções que deveriam ter feito: eutanásia activa (intervenção directa para pôr um termo à vida), eutanásia passiva (não fazer, interromper ou cessar tratamentos), eutanásia voluntária (o próprio exprime o desejo), eutanásia involuntária (o próprio está incapaz de decidir e é outra pessoa, médico ou não, que decide) e suicídio assistido (o próprio executa as operações, mas os dispositivos, produtos ou instrumentos são fornecidos por outra pessoa).
O suicídio assistido é a solução mais clara. A intervenção exterior é instrumental, a decisão é do interessado e a execução é do próprio. É esta a solução que melhor respeita a vontade da pessoa, o seu livre arbítrio e a sua escolha informada. Já a eutanásia, com os seus equívocos e as suas diversas modalidades, revela aspectos muito negativos, a começar pela modalidade involuntária, isto é, pela decisão sem escolha prévia do paciente.
São de condenar todos os métodos que desviam a decisão para outra pessoa que não seja o paciente. Só a decisão e o gesto do próprio respeitam as exigências de liberdade pessoal e de dignidade.
Público, 25.10.2020
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Por Joaquim Letria
Sem liderança nem consenso, as Nações Unidas servem para pouco mas têm, no entanto, enormes desafios pela frente, enfrentando o futuro com a sua triste e penosa burocracia.
O regresso da guerra fria promovido pelas grandes potências e outras grandes ameaças globais são preocupantes ameaças à segurança da humanidade. As mudanças climatéricas, as doenças infecciosas, a fome, os conflitos regionais, a segurança digital e a proliferação nuclear são elementos demasiado preocupantes para quem espera que a ONU proteja e reorganize a vida humana como nós pensámos que esta organização seria capaz de fazer depois do fracasso da Sociedade das Nações.
Todas estas coisas preocupantes são diferentes na sua natureza e no seu grau de urgência mas com um traço comum a ligá-las: só a cooperação multilateral e um grande esforço internacional podem ajudar-nos a respirar fundo e a reduzir as capacidades destruidoras que nos ameaçam.
Se pensarmos um pouco, depressa chegamos à conclusão de que é o multilateralismo e as conversas, e eventualmente possíveis negociações formais, que continuam a fazer sentido e a obter resultados, mesmo que mínimos, e a tornar indispensável a existência das Nações Unidas.
Todavia, nada disto é o bastante. É fundamental a criação duma nova ordem multilateral e é indispensável reformar as Nações Unidas deste modelo obsoleto, burocrata e pouco capaz que lhe conhecemos no último meio século. Quando os grandes se não entendem, a ONU deixa de servir para grande coisa e fica incapaz de exercer as suas tarefas e corresponder às nossas expectativas e necessidades.
Pense-se e compare-se no que a ONU foi na guerra fria e como se apresenta hoje, por exemplo, nas jogadas entre os Estados Unidos e a China e perante as diatribes e a má-criação de Trump. É uma pena, porque precisamos muito dela.
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Por C. Barroco Esperança
Enquanto a depressão Bárbara despejava torrentes de água, que era uma bênção guardar, e o vento despia as árvores de folha caduca, partia ramos e arrancava caleiras, observei os 30 minutos de ruído televisivo dos noticiários do almoço e do jantar na RTP-1.
Dou por mim a pensar que ultrapassei o prazo de validade, que as notícias, salvo as que se referem à Covid-19, sem necessidade de serem servidas em doses tóxicas, não se ajustam aos meus interesses e expetativas.
Valem-me os jornais, um impresso e os outros virtuais, estes a deixarem ler o suficiente para saber o que ocorre no mundo, para compensarem a pobreza da informação do canal público e a desadequação à minha hierarquia de exigências.
Até a linguagem é pobre, com uma economia vocabular confrangedora para quem gosta da língua que se habituou a amar em Vieira, Garret, Camilo, Aquilino e Saramago.
Há tempos, o adjetivo ‘complicado’ variava em género e número para qualificar as mais diversas situações ou incidentes. Agora usa-se o verbo arrasar, conjugado nas terceiras pessoas, em todos os tempos e modos, e o adjetivo arrasador, para destruir a decisão que desapraz e, em tempo de pandemia, o adjetivo ‘viral’ para qualificar as proliferações de referências sobre o mesmo tema.
O estilo da competição desportiva pauta a informação. Cada novo máximo de mortes ou de infetados, de doentes nos cuidados intensivos ou de focos de infeção, é anunciado no tom eufórico de quem proclama a vitória da seleção de futebol, em todos os noticiários.
Os assuntos novos são gritados como descoberta jornalística, a cave inundada, o número de chamadas para bombeiros, o desabamento de terras, as confusões de trânsito. Há, na comunicação, a excitação da novidade por cada situação habitual, quer sejam incêndios, inundações ou desastres, na mórbida fruição de desgraças.
A diversidade é feita com bastonários em campanha contra o Governo e comentadores a preverem desastres em tempo de pandemia. As desgraças vêm sempre, só não sabemos quando, e, nestes tempos, é fácil antecipá-las.
Há caras que, à força de repetidas, criam repulsa e, na minha idade, depois de ouvir com atenção as recomendações sanitárias, considero incluída a pressão no botão que desliga a televisão. O cumprimento das medidas sanitárias é uma obrigação cívica.
E fico a pensar nos riscos do eventual chumbo do OE-2021, com a guerrilha partidária contaminada pela contabilidade das eleições presidenciais, a recorrer à chantagem e a ameaçar o caos.
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Por António Barreto
Com ou sem crise, no início do ano lectivo ou em pleno período de exames, por altura das matrículas ou na época das avaliações, uma evidência parece impor-se, de tal modo é proclamada: não há professores que cheguem! Os professores estão velhos, há demasiados alunos por turma, há alunos sem aulas por falta de professores… É verdade que faltam auxiliares, os edifícios estão em mau estado… Mudam os programas e mudam os manuais… Mas um tema se sobrepõe: faltam professores!
Na saúde, há fenómenos paralelos. Fora da actual crise (em que tudo falta, evidentemente), em qualquer situação sanitária, com as gripes de inverno ou os calores do verão, com as centenas de milhares de pessoas em espera de cirurgia e consulta, na evidência de uma enorme desigualdade social no acesso aos cuidados de saúde, na polémica entre o público e o privado, na discussão sobre o orçamento ou no debate sobre as carreiras… um tema sobressai: faltam médicos! Episodicamente, os enfermeiros entram em cena: além de médicos, faltam enfermeiros. A insuficiência destes profissionais, aliás, seria a responsável pela ineficiência dos serviços de saúde. Na verdade, médico sem enfermeiro é problema.
Não é claro que outras profissões sejam afectadas pela mesma reputação de insuficiência ou de carência. Mas estes casos são clássicos e merecem conferência. Vale a pena olhar para os números e as comparações internacionais. Mesmo sabendo que se trata de médias e de categorias muito gerais e tendo a certeza de que os contextos são diferentes, as comparações são interessantes. E ajudam-nos não só a perceber, como também a fazer as perguntas adequadas. Com a ajuda da PORDATA, do INE, do EUROSTATe da OCDE, preparemo-nos para algumas surpresas.
O número de médicos por habitante pode ser um indicador do estado de desenvolvimento de um país ou da prioridade que a política confere à saúde. A média europeia é de 378 médicos por 100 000 habitantes. Num total de 27 países, Portugal figura num honroso terceiro lugar, com 515 médicos. O primeiro europeu é a Grécia, com 610, o último é a Roménia, com 301. Na Europa, com mais médicos do que Portugal, só a Grécia e a Áustria. Com menos, contam-se 23 países, entre os quais os mais ricos e com sistemas de saúde mais famosos.
O número de médicos de clínica geral mostra também realidades interessantes. Portugal encontra-se em primeiro lugar na Europa. Já na saúde dentária a realidade é menos brilhante, mas Portugal não está nos últimos lugares. Com 101 dentistas por 100 000 habitantes, Portugal está longe da Suécia (173). Onze países têm melhores indicadores do que o nosso, mas oito estão pior. O caso dos enfermeiros é diferente. Os resultados portugueses são medíocres. Com 716 enfermeiros por 100 000 habitantes, Portugal está muito longe dos 1 722 da Alemanha. Quinze países estão em melhor situação, mas ainda há sete com menos enfermeiros do que Portugal.
A despesa com a saúde é outro indicador frequentemente citado. Na Europa, doze países têm mais recursos do que Portugal, enquanto onze têm menos. Quer isto dizer que nos encontramos a meio da tabela. Mas os 1 870€ por ano e por habitante ficam muito longe dos 5 226€ da Dinamarca. Em percentagem do PIB, rácio indispensável, Portugal fica na metade superior, com oito países em melhor situação, mas dezasseis em pior. Os nossos 9,5% não estão muito longe dos 11% alemães.
Finalmente, a esperança de vida. Portugal está acima da média da UE, com 16 países revelando menos anos de esperança de vida e 15 com mais.
Com excepção do número de enfermeiros, todos os indicadores quantitativos revelam uma situação confortável, em franco progresso. São resultados surpreendentes, quando pensamos nas filas na recepção, nos tempos de espera para cirurgia e consulta, nas demoras com a Internet, no acesso tão difícil aos pobres e aos que não têm recursos para a medicina privada! O que está errado? Serviços mal organizados? Os médicos trabalham pouco? Acumulam funções no privado e no público? Os serviços e os hospitais estão mal equipados?
Na educação, há paralelos possíveis. A falta de professores é um dos temas mais frequentes em toda a discussão sobre aulas e escolas, êxito e insucesso, literacia e abandono. A falta de professores é tida como responsável pelos maus resultados, pela má preparação de tantos profissionais e pela reduzida qualificação dos portugueses. A exigência de contratação de professores é unânime.
Todavia, as comparações quantitativas internacionais não traduzem essa falta. No caso do número de professores do ensino básico (1º e 2º ciclos), Portugal fica a meio da tabela com 12 alunos por docente, abaixo da Roménia (19) e acima da Polónia (8). Com mais alunos por docente, há doze países, mas quinze com menos. No caso dos docentes do ensino secundário, há na Europa 19 países em piores condições (com mais estudantes por professor) e oito países em melhores condições (isto é, com menos estudantes por professor). O número de professores do ensino superior também não envergonha Portugal, antes pelo contrário. Na óptica dos estudantes por docente, Portugal fica no primeiro terço, com 6 países em melhores condições, mas 21 em pior situação. A despesa com educação atinge em Portugal cerca de 6,3% do PIB, o que coloca o país em quinto lugar, num total de 27.
Sabemos que os progressos, em Portugal, ao longo das últimas décadas, foram enormes. Também sabemos agora que, na saúde e na educação, certos indicadores revelam condições e realidades que não confirmam o sentimento de catástrofe e a noção de carência tão usuais. Mas também sabemos que a ineficiência dos serviços públicos, a má qualidade das prestações e sobretudo a desigualdade social no acesso são relevantes e notórias.
Com excepção dos enfermeiros e dos auxiliares de educação, a falta de profissionais não parece ser uma causa importante dos atrasos, da ineficiência e da desigualdade. Nem as percentagens da despesa no produto. Há que procurar causas e remédios noutras áreas. Na organização dos serviços? Na disciplina de trabalho? No poder excessivo das organizações profissionais? Nas relações entre privados e públicos? Na falta de autonomia e de responsabilidade das instituições? Na indiferença das autarquias? No centralismo burocrático? Na interferência do poder político? Na insuficiência dos orçamentos? Na falta de professores e de médicos não é com certeza.
Público, 18.10.2020
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TODOS nos lembramos de quando, no início da epidemia, a DGS desaconselhou o uso de máscaras porque davam “uma falsa sensação de segurança”, embora toda a gente considerasse uma boa prática tossir e espirrar para o antebraço, para evitar a disseminação das gotículas — o que qualquer máscara, mesmo artesanal, fazia bem melhor.
Mas talvez fosse assim porque a Humanidade acabava de entrar numa GUERRA, e, «na guerra, a primeira vítima é a VERDADE»; no entanto, se o motivo da mentira era o facto de não haver máscaras suficientes no mercado, a culpa era da incompetência dos governos, incapazes de escutar os avisos (que remontavam, pelo menos, a 2011) acerca do surgimento, a qualquer momento, de uma epidemia como essa.
É evidente que essas indicações contraditórias (em assunto tão grave, e vindas de pessoas com tais responsabilidades), ajudam a justificar as recentes movimentações contra o uso de máscaras, pelo que vêm bem a propósito dois exemplos que todos conhecemos:
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QUANDO passou a ser obrigatório usar CINTO-DE-SEGURANÇA, muita gente se recusou a fazê-lo, e cheguei a ter uma discussão com uma pessoa amiga que se insurgia por ter a sua liberdade individual coarctada. Eu sugeri-lhe, então, que trouxesse no carro um AVISO informando que abdicava de qualquer ajuda em caso de acidente — pretensão difícil de satisfazer, porque, mesmo contra sua vontade, um desastre iria mobilizar GNR, INEM, bombeiros, médicos, enfermeiros, seguradoras, reboques... e muito mais, dado que não vivemos numa ilha deserta, onde os nossos actos não afectariam ninguém.
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MAS, se podemos considerar que o cinto-de-segurança protege essencialmente o próprio, o mesmo já não sucede com outro acessório que também veio a ser obrigatório: refiro-me às PALAS para as rodas traseiras. Nessa época, a maior parte dos carros não as trazia, e por isso os seus proprietários tiveram de as comprar. E repare-se que, tal como no caso das máscaras, as pessoas tinham o incómodo e a despesa — não para se protegerem a si, mas para protegerem OS OUTROS; no entanto, tudo isso funcionava bem, porque as palas deviam ser usadas por TODOS, o que era garantido pelas autoridades, que multavam os infractores sem apelo nem agravo.
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RECENTEMENTE, numa viagem pelo Centro e Sul do país, deparei-me com muitos casos de laxismo, desde estabelecimentos onde os clientes eram atendidos por funcionários sem máscara, até praias ostentando bandeirinhas vermelhas a indicar que a lotação máxima fora atingida — coisa a que ninguém liga, e em alguns casos com razão, como sucede na Praia do Camilo, para a qual a APA definiu uma lotação máxima de 14 pessoas, número que, depois, num acesso de “generosidade”, subiu para 40!
Claro que, como sempre sucede no nosso país, quando uma norma é manifestamente ABSURDA — como é o caso — ninguém a contesta... mas também ninguém a respeita. Só que é assim que a malta gosta, e, como estamos em Portugal, ninguém leva a mal.
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A actriz Inês Medeiros, que representa o papel de Presidente da Câmara de Almada, teve há dias uma saída infeliz que a deixou menos bem perante os moradores do Bairro do Picapau Amarelo, um bairro municipal que alberga pobres de diversas minorias étnicas.
O bairro, abandonado ao lixo, desleixo, falta de obras, prédios sem portas e andares sem janelas, buracos nas ruas e pouca higiene desfruta, no entanto, pela sua localização, de uma vista invejável sobre o Tejo e a cidade de Lisboa. E foi a beleza desta vista que perdeu a Inês, levando-a a confessar que ela própria até se mudaria para viver ali no dia seguinte.
Claro que os habitantes do Bairro Amarelo, desinteressados da vista espectacular por terem de se concentrar no desleixo, no desemprego, nos assaltos, nos roubos e violência, saneamento básico abaixo do satisfatório, num conjunto de condições infra-humanas, disseram logo que a Inês fizesse o favor de para ali se mudar e ela que passasse a fazer de pobrezinha, porque só ali habita quem necessita, mas de qualquer modo ela seria ali muito bem recebida.
Inês de Medeiros, irmã de Maria de Medeiros – a actriz de teatro em França e protagonista do filme Pulp Fiction de Quentin Tarantino, com Bruce Willys, Uma Thurman e John Travolta -- ambas filhas do maestro Vitorino de Almeida e irmãs da maestrina Joana Vitorino de Almeida, não achou graça ao que ouviu.
Eleita presidente da câmara de Almada de surpresa, Inês é conhecida por alguns munícipes como “A Incrível Almadense”, alcunha tirada da banda filarmónica com o mesmo nome e grande e antigo prestígio nos agrupamentos e escolas musicais de todo o País. Inês já dera nas vistas quando eleita deputada do PS para a Assembleia da República havia reclamado o pagamento das suas viagens e ajudas de custo para as deslocações entre Lisboa e Paris, cidade onde tinha residência oficial.
Esta coisa de invejar bairros pobrezinhos com vista fabulosa já ouvimos acerca do Bela Vista em Setúbal e das favelas do Rio de Janeiro. Mas quem o deseje tem de ter cuidado e lembrar-se que em muitos desses bairros “maravilhosos” de Portugal é onde residem cerca de 200 mil pessoas sem casa de banho, 18 mil famílias sem esgoto, 44 mil sem água canalizada, 55 mil sem retrete e dois milhões e 300 mil pessoas a usar fossas.
A vista pode ser deslumbrante, mas viver naquelas condições não parece recomendável num país da Europa. O que foi dizer Inês, a “Incrível Almadense”...
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Por C. B. Esperança
É difícil combater a ansiedade e conciliar a escrita sob a ameaça aterradora de um vírus cuja evolução é imprevisível, enquanto se agrava a destruição da economia, do emprego e da confiança nas instituições democráticas e a fome se dissemina no mundo.
No caso português, a dúvida sobre a aprovação do OE-2021, com execução em período de incertezas, acrescenta instabilidade à economia e à política numa conjuntura em que a AR é indissolúvel e o governo ficará sem soluções, manietado através de duodécimos.
Ainda assim, com o aquecimento global a ameaçar o futuro da humanidade, a explosão demográfica a infernizar o presente e a falta de água potável a ameaçar, em apenas uma década, a maior parte da população do Globo, as eleições americanas afligem e marcam a atualidade.
Sendo o PR dos EUA o mais determinante para a vida de todos os habitantes do Planeta, merecia ser eleito por todos os que lhe sofrem as consequências, mas, sendo uma utopia, é ao povo americano que confiamos o nosso futuro, dependente do seu voto.
É inútil chorarmos a debilidade da Europa, ainda hoje na vanguarda da civilização, a sua incúria, após a implosão da URSS, para atrair a Federação Russa ao seu espaço cultural, político, económico e estratégico, quando foi cúmplice da desintegração da Jugoslávia e agora assiste à tentativa da sua própria fragmentação e à da Federação Russa, pela longa mão americana.
A Europa, que muito deve aos EUA na libertação do nazismo, acabou satélite e agente dos seus interesses. A ameaça contra a negociação das telecomunicações e a exigência de uma política externa alinhada, quando o seu imprevisível PR não possui o mais leve sentido democrático nem respeita os acordos internacionais, coloca a Europa refém de um eleitorado imaturo, nacionalista e violento.
Estamos, pois, dependentes, não só dos eleitores americanos, mas do que fará Trump se as eleições lhe forem desfavoráveis.
Lembramo-nos do que se passou quando Al Gore, num gesto de grandeza inesquecível, felicitou o adversário Bush, quando a nebulosa contagem dos votos da Flórida estava a retirar-lhe a vitória com o empenho e influência do Governador, o irmão Bush.
Está presente na memória a derrota da Senhora Clinton perante o inimaginável Trump e as interferências dos algoritmos na vitória de quem teve menos três milhões de votos.
O que não tem precedentes é a imprevisibilidade e a falta de sentido democrático de um PR que rasgou acordos internacionais dos EUA, que se negou a entregar a declaração de impostos e causa as maiores apreensões sobre o que será capaz de fazer na sequência de uma derrota eleitoral.
Na Europa assiste-se à repetição da guerra fria, agora entre os EUA e a China, e vive-se em estado de guerra civil conta o coronavírus, com o brutal cerceamento das liberdades e o risco de implosão económica, financeira e democrática com efeito dominó.
Resta esperar que a substituição de Trump seja pacífica e restitua uma leve esperança ao mundo.
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Por António Barreto
Vão chegar a Portugal, vindas da União Europeia, as dezenas de milhares de milhões do Plano de Recuperação e Resiliência (que designação tão estúpida!), também intitulado “bazuca” (epíteto não menos estúpido). É, para todos os efeitos, uma boa notícia e poderá ser um bom contributo para o desenvolvimento económico e social e para a democracia portuguesa.
As reacções habituais dizem tudo sobre os seus autores. Milagre! É a salvação de Portugal. Vai tudo para os trafulhas! Agora é que vai ser corrupção. Ninguém controla com honestidade e independência. Vai ser tudo gasto no curto prazo. Quem vai ficar a ganhar são os milionários habituais. Os partidos no poder vão ser os principais beneficiários. É uma extraordinária prova de solidariedade europeia. É muito mais do que o Plano Marshall. É o que a Europa deve a Portugal. Há recursos para relançar o crescimento e fortalecer o Estado Social. É mais uma solução de facilidade que alivia os portugueses, mas que também os ajuda a fazer menos pela vida.
É tudo um pouco verdade. Tanto os críticos como os entusiastas têm carradas de razão. Mas nenhuns têm só ou toda a razão.
Verdade é que nos piores momentos das últimas décadas, nos maiores apertos ou para pagar as mais desatinadas loucuras, houve sempre recursos extraordinários que ajudaram milhões de cidadãos a sobreviver e a salvar a democracia. Não há dúvidas que o essencial foi feito pelos portugueses, trabalhadores e empresários, agricultores e técnicos, militares e civis, todos eles eleitores: é seguramente deles o principal contributo para garantir as liberdades e algum equilíbrio do sistema social. Foram eles que fizeram a democracia e são eles que a têm mantido.
Mas, com que meios? Esse é o aspecto mais curioso. Os Portugueses não conseguiram produzir mais do que consumiram. Nem sequer tanto quanto gastaram. Nem investir o que era necessário. Tiveram de se endividar, já sabíamos. Mas, ano após ano, foi possível segurar as pontas soltas, estancar hemorragias iminentes e evitar bancarrotas prováveis. Houve o necessário para distribuir um mínimo indispensável à paz. Foi possível guardar um pacote para alimentar a política, a administração pública, o serviço de saúde e de educação, a segurança social e as pensões cujo número nunca cessou de se alargar e com o que se aguentou a democracia sem estremeções excessivos e perigosos. Foi possível, através dos mecanismos indesejáveis e imprevisíveis, sossegar os mais nervosos e contentar os mais ambiciosos, assim como pagar a demagogia e o desperdício.
Foi necessário pagar a revolução, a contra-revolução e a consolidação da democracia, assim como uma nova segurança social sem contribuições prévias suficientes. Foi necessário cobrir os défices externos, a produção insuficiente e o Estado social sem receitas. Foi necessário alimentar os circuitos de economia paralela e de empresas marginais. Foi necessário encontrar recursos para acalmar empresários descontentes, trabalhadores com altas expectativas e funcionários atordoados ou ambiciosos. Foi preciso alimentar os desvios de fortunas para offshore de conveniência e ajudar ministros de vários governos a enriquecer depressa.
Em poucas palavras, foi necessário manter a paz, aguentar as faltas e cumprir os mínimos, sem o que não haveria paz social nem democracia partidária. Até os revolucionários diletantes, os teóricos radicais marginais, as máfias, os capitalistas sem escrúpulos, os contrabandistas e os traficantes de influências tiveram de ser “contentados”, “cuidados” ou “tratados”, sem o que se entregariam a actividades ilícitas, conspirações políticas e actos de terrorismo ou de sabotagem.
Tudo isto custou muito dinheiro. Que foi distribuído de várias maneiras: dinheiro vivo, pensões, aumentos salariais, saúde e educação, subsídios para a habitação, rendimento mínimo, fomento da exportação, concursos públicos para obras úteis e inúteis, adjudicações directas para parcerias público privadas, bolsas de estudo e privilégios do funcionalismo público. Custou muito caro e não foi tudo graças ao esforço, ao trabalho e ao investimento dos portugueses. O crédito e o endividamento pagaram muito. Mas mesmo estes e os respectivos juros tiveram de ser pagos e reembolsados. Com que recursos se pagou tudo isto?
Em primeiro lugar, as reservas de ouro e divisas do anterior regime. Ajudaram a revolução. Financiaram o desperdício e a demagogia. Pagaram centenas de milhares de novos funcionários. Alimentaram o sistema democrático. Evitaram, em cima do risco da catástrofe, a ruína e a bancarrota.
Depois, as nacionalizações e as ocupações da banca, de empresas, de propriedades agrícolas, de edifícios e de habitações, tudo sem indemnizações. Fez-se o que as revoluções fazem, justa ou injustamente: o Estado e os revolucionários foram buscar os recursos onde eles estavam. Destruíram-se os grupos económicos portugueses e expropriaram-se os ricos, mas arranjaram-se recursos para manter viva uma base económica de produção e emprego. E um pouco de democracia.
Há ainda que contar as receitas das privatizações e das reprivatizações, muitas delas precedidas de expropriações e nacionalizações efectuadas sem indemnização prévia. O Estado democrático e o sistema político encontraram aqui recursos importantes para aguentar uma década e manter a democracia. Venderam-se, a privados e a Estados estrangeiros, as melhores empresas nacionais.
Finalmente, outro contributo excepcional é o dos fundos europeus nas suas várias remessas, desde os tempos da ajuda de pré-adesão, passando pelos famosos Fundo Social Europeu, PEDIP e PRODEP, chegando aos programas de coesão ou 2020 e agora à recuperação e resiliência. Foram muitas, muitas, mesmo muitas dezenas de milhares de milhões de euros, não produzidos pelos portugueses, nem trabalhadores, nem empresários, nem políticos.
Foram ajudas e apoios irrepetíveis. Por entre enormes dificuldades, Portugal democrático e os portugueses mantém-se graças a receitas extraordinárias e a fundos excepcionais. Alguns do passado, outros do exterior. E muitos do futuro, por via do endividamento e das parcerias público privadas. Não é bom sinal continuar a esperar pelos recursos milagrosos e não cuidar da riqueza que se produz ou da poupança que se estimula. Não se pode viver sempre ligado ao ventilador ou ao milagre. Muito menos à espera de solidariedade. Viver do alheio, do crédito e da dádiva não é um bom programa de vida.
Público, 11.10.2020
Etiquetas: AMB
É sempre de admirar quem sabe ler as grandes tendências do ramo em que trabalha — e estas imagens mostram dois bons exemplos disso:
A da esquerda é de um posto de carregamento de veículos eléctricos que o Lidl de Lagos acaba de disponibilizar. É de 50 kW, e vem no seguimento de muitos outros que essas lojas têm vindo a instalar por todo o país, sendo esse o caminho que outras grandes superfícies (Intermarché, Auchan, Mercadona, Decathlon...) também têm vindo a percorrer.
A outra relaciona-se com o tema das autocaravanas, um fenómeno que mobiliza dezenas de milhares de pessoas e que “explodiu” nos últimos meses, pois a pandemia criou uma nova geração de utilizadores que privilegiam a mobilidade e fogem de locais onde possa haver muita gente. Trata-se de uma tendência que se deverá manter, e que envolve pessoas com elevado poder de compra. Os profissionais e as associações do sector queixam-se de que as autoridades ainda não perceberam o que aí vem, sendo bons a reprimir, maus a prever, e péssimos a encarar os desafios que o fenómeno envolve. Também por isso é interessante ver como, indo contra a corrente que diaboliza os auto-caravanistas, o Lidl sabe chamá-los a si.
Etiquetas: CMR, Correio de Lagos
Por Joaquim Letria
A dificuldade de comunicação interprofissional no seio do sistema de saúde é preocupante. Os serviços partilhados do Ministério da Saúde, departamento-chave daquele ministério, tem dezenas de aplicações específicas para diversos profissionais dispostos à telemedicina.
É incompreensível que perante o actual grau de desenvolvimento das farmácias relativamente às tecnologias de comunicação e informação, capazes de utilizarem aplicações com a prescrição desmaterializada, não exista uma aplicação que ligue em tempo real as farmácias com os médicos dos centros de saúde e com as farmácias e médicos dos hospitais.
Embora a as novas formas de contacto com os pacientes estejam em franco desenvolvimento, cada vez mais desenvolvidas, aperfeiçoadas e eficazes, não podemos deixar de ter presente que a comunicação presencial entre médico, farmacêutico e doente é insubstituível e futuramente será prevalente.
A situação actual desta pandemia vem chamar-nos a atenção para ameaças que muito rapidamente se podem converter em globais. A resposta a crises como esta e outras que enfrentaremos têm de ser integradas e envolver solidária e profissionalmente todos os países atingidos.
Nos países desenvolvidos enfrentamos a falta de vacinas e de antibióticos resistentes e eficazes, tal como nos países menos desenvolvidos não há antibióticos, antivírus e vacinas para numerosas epidemias.
A malária continua a matar milhões de pessoas, o Ébola está longe de ter sido dominado e a SIDA tem tratamento mas até hoje não teve uma vacina. A verdade tem que ser reconhecida: é preocupante a demora nas investigações e na produção de vacinas, e é triste assistirmos a este atraso lamentável e ao descuido imperdoável com a investigação e produção de tecnologias de saúde destinadas a combater as doenças infecciosas que afectam todo o mundo e matam milhões de seres humanos.
Publicado no Minho Digital
Etiquetas: JL
À atenção dos professores.
Nota prévia.
Ao cumprir o capítulo do programa oficial referente ao metamorfismo e às rochas metamórficas, o professor, ainda que ao nível das generalidades, tem de saber do que é que está a falar. Só assim, um micaxisto, um anfibolito, um mármore ou um gnaisse, entre outras rochas metamórficas mais comuns, deixam de ser pedras, apenas mais umas pedras com um nome destituído de significado (e, até, de beleza) simplesmente memorizado, predestinado a esquecer, passado que seja o exame final.
Acrescente-se que esta advertência é válida para o magmatismo, sedimentogénese e respectivas rochas.
O quartzo das areias e dos arenitos, as argilas dos argilitos, dos xistos argilosos e das ardósias, a calcite e a dolomite dos calcários e todos os outros minerais próprios da actividade geológica de superfície (também dita supergénica) podem, em certos casos, mergulhar, incluídos nas respectivas rochas, para níveis mais ou menos profundos da crosta onde vão permanecer durante milhões e milhões de anos, sujeitos a pressões e a temperaturas mais elevadas do que aquelas em que tiveram nascimento, arrastados na sequência do processo de subducção ou envolvidos no interior de uma cadeia orogénica.
As rochas magmáticas, formadas a temperaturas relativamente elevadas, e as rochas sedimentares, geradas à superfície da crosta a temperatura relativamente baixas, representam situações extremas das condições térmicas naturais realizáveis na litosfera. No decurso da evolução da litosfera estes dois tipos de rochas ficaram por diversas vezes sujeitos a condições intermediárias daqueles dois extremos, passando também a estar sujeitos a pressões diferentes das reinantes nos respectivos ambientes que lhes deram origem.
Também no contacto com um corpo magmático, superaquecido, os minerais das rochas sedimentares tendem a transformar-se noutros, compatíveis com as condições químicas e térmicas que aí encontram. Diz-se então que há metamorfismo. Os materiais líticos resultantes destas transformações são as rochas metamórficas ou metamorfitos, tendo os novos minerais que as integram e caracterizam nascido à custa dos elementos químicos dos minerais das anteriores rochas de que resultaram.
Num esquema muito genérico pode dizer-se que do oxigénio, do silício, do alumínio, do potássio, do magnésio, do cálcio e de algum ferro, constituintes das argilas, nascem as sericites e as clorites e outros filossilicatos dos filádios (xistos luzentes), a moscovite e a biotite dos micaxistos, ou o talco dos esteatitos. Ainda do oxigénio, do silício e do alumínio das argilas surgem os grandes cristais (porfiroblastos) de andaluzite e de estaurolite dos chamados xistos porfiroblásticos. Vêm ainda das argilas o oxigénio, o silício, o alumínio, o potássio ou o sódio e o cálcio necessários à génese dos feldspatos renascidos nos migmatitos e que representam grande parte dos minerais das bandas claras dos bem conhecidos gnaisses como os do Passeio da Foz, no Porto. A situação paradigmática para descrever o metamorfismo é quase sempre a da evolução a partir das rochas sedimentares.
Um parêntese para dizer que o aumento da temperatura inerente ao metamorfismo não pode, por definição, atingir o ponto de fusão dos minerais mais fusíveis. Sempre que se ultrapassa este limite há fusão, ainda que parcial, e mobilidade de alguns, podendo manter-se como relíquias os de ponto de fusão mais elevado (mais refractários). Nesta situação o metamorfismo dá lugar ao magmatismo profundo, responsável, por exemplo, pela granitização, na qual rochas como os xistos acabam por se transformar em granitos, ou seja, no mesmo tipo de rocha de onde (por meteorização) vieram as argilas de que são constituídos esses xistos.
A dita situação paradigmática para descrever o metamorfismo a partir das rochas sedimentares acontece não só porque isso corresponde à situação mais frequente ao longo de toda a evolução da litosférica, como também porque corresponde à via mais pedagógica de abordar o problema. Não deve, porém, esquecer-se que qualquer tipo de rocha pode ser envolvido no processo metamórfico, seja ela um granito ou um basalto, seja ela uma qualquer rocha metamórfica. Neste caso, ou o novo referencial termodinâmico é mais intenso (temperaturas e/ou pressões mais elevadas) e a rocha progride no grau de metamorfismo relativamente ao que já tinha, ou passa a estar a pressões e/ou temperaturas mais baixas e, então regride, isto é, sofreu retrometamorfismo. Não deve ainda esquecer-se que uma mesma rocha original pode sofrer sucessivas fases de metamorfismo, bastando para tal que seja envolvida em outras tantas situações que o desencadeiem (uma orogenia, uma intrusão magmática, um megaimpacte meteorítico, etc.).
Os minerais próprios do metamorfismo são novas fases adaptadas às novas condições termodinâmicas e químicas do novo ambiente onde foram introduzidos e aí permaneceram o tempo geológico suficiente (dezenas ou centenas de milhões de anos), permitindo, através do seu estudo, conhecê-las. Com efeito, sabemos hoje, por via petrologia experimental, os valores das pressões e das temperaturas e o ambiente químico necessários à génese de cada um dos minerais, na medida em que os podemos sintetizar. Se nos dermos ao trabalho de fazer o compto dos minerais mais frequentes nos três grandes tipos de rochas, verificamos que há espécies exclusivas de um dado ambiente petrogenético tais como granadas, andaluzite, distena (ou cianite), silimanite, estaurolite, cordierite, epídoto, clorite, etc., nas rochas metamórficas, ou os diversos minerais das argilas (caulinite, atapulgite, ilite, sepiolite, etc.), nas sedimentares. O quartzo é, pois, como se pode facilmente constatar, um mineral bastante versátil, ocorrendo nos três grandes domínios petrogenéticos - magmático, sedimentar e metamórfico, do mesmo modo que a moscovite ou que a calcite, que tanto nasce da precipitação das águas saturadas em carbonato de cálcio numa estalactite, como da transformação de um calcário sedimentar no seu equivalente metamórfico, que todos conhecemos - o mármore - como, ainda, por via magmática, nos carbonatitos.
Sempre que, no interior da litosfera, uma determinada rocha fica sujeita a ambiente diverso daquele em que foi gerada, os seus minerais tornam-se instáveis face aos novos parâmetros termodinâmicos e químicos, podendo recombinar-se entre si, dando origem a outras associações compatíveis com o respectivo ambiente. As estruturas cristalinas dos minerais originais, bem como as texturas das respectivas rochas, sofrem rearranjos mais ou menos acentuados. Como resultado das reacções verificadas libertam-se água, certos componentes voláteis e determinados elementos com grande capacidade de escape que abandonam o corpo geológico em transformação, migrando daí para outras zonas, podendo, nalguns casos, aproximar-se da superfície.
Etiquetas: GC
A imunidade do cargo dá-lhe tranquilidade e permite-lhe pensar na eficácia das homilias semanais onde, de forma inteligente e astuciosa, procura devolver a direita ao poder.
Não há um caso, por muito esclarecido que esteja, que o comentador não aproveite para lançar suspeitas sobre o governo e o carácter do PM. Se um jornalista é despedido de um canal televisivo, insinua que teve dedo do PM; se um funcionário termina o mandato e não é reconduzido, afirma que é um despedimento escandaloso; se o Governo exerce o seu direito a uma nomeação, é emprego para um amigo.
O caso da ex-PGR, cujo mandato a própria considerava único, tal como o constitucionalista Marcelo Rebelo de Sousa o anotara, quando do ampliação da duração, voltou à colação como despedimento escandaloso, com o jornalista, Manuel Carvalho, a escrever um artiguelho no Público de anteontem, designado Editorial, «Quem se meter com o PS leva?», a corroborar Marques Mendes e ampliar a campanha suja sobre o assunto clarificado e que, então, calaram após o apoio de Marcelo.
Quando a luta partidária se agudiza nesta situação de desespero, com a pandemia e a sua devastadora influência na economia a empurrarem-nos para o abismo, a oferta televisiva é ocupada quase exclusivamente por jornalistas neoliberais e líderes partidários.
Quem queira conservar uma sinecura já sabe que convém dizer mal do Governo no fim do mandato, para que lho renovem ou, no mínimo, para que a direita não se esqueça.
É neste ambiente malsão que os demagogos e os oportunistas exploram como corrupção o regular exercício de competências num ambiente de intimidação e chantagem para que o Governo se sinta manietado.
O governo está preso na teia urdida por Passos Coelho e Paulo Portas com a conivência de Cavaco, tendo como tecedores de calúnias alguns dos mais venais comentadores, e falta uma opinião pública informada para distinguir a corrupção, cujo combate é vital, da livre tomada de opções políticas que são imperiosas e inadiáveis.
O caso da nomeação do novo presidente do Tribunal de Contas, após o fim do mandato do anterior, parece a repetição do caso das escutas, então saídas do gabinete de Cavaco, agora da perfídia de Marques Mendes.
Marques Mendes é o Fernando Lima e o diretor do Público é Manuel Carvalho, em vez de José Manuel Fernandes, e a intriga que as redes sociais ampliam é semelhante.
O PM já esclareceu que o Governo e o PR fixaram, como critério, a não renovação para cargos de natureza judiciária, mas aos factos os intriguistas preferem a calúnia.
Marques Mendes e Manuel Carvalho não pedirão desculpa. Consideram que a escola de Trump permite a pós-verdade pusilânime como jornalismo de referência.
Ponte Europa / Sorumbático
Etiquetas: CBE